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EuPTCVHe0871-97212013000400004

EuPTCVHe0871-97212013000400004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-9721
ano2013
Issue0004
Article number00004

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O uso de anestésico local não afecta o resultado dos testes intradérmicos

INTRODUÇÃO Dentro das reacções adversas a medicamentos estão incluídas as de natureza alérgica, que pelas suas caraterísticas podem implicar um desafio diagnóstico.

A abordagem destas reacções baseia-se na história clínica, mas esta, de forma isolada, frequentemente não é sufi ciente para identificar o agente, pois não raras vezes diferentes fármacos são administrados simultaneamente.

Por outro lado, o quadro clínico de hipersensibilidade a fármacos é muito heterogéneo. Deve proceder-se sempre à identifi cação da relação entre a administração do medicamento e os sintomas, bem como a clarificação do mecanismo patofisiológico subjacente à reacção. Desta forma, reduzem-se evicções desnecessárias pela possibilidade de uma reacção alérgica e contribui- se para o esclarecimento da epidemiologia e da fisiopatologia da alergia a fármacos1. O gold-standardpara o diagnóstico é a prova de provocação ao fármaco suspeito, mas a sua utilização é frequentemente limitada pela possibilidade de ocorrência de reacções graves. Os testes cutâneos, incluindo os testes intradérmicos (TID), embora validados apenas para alguns grupos de fármacos, são largamente utilizados por serem métodos convenientes de avaliação de sensibilização, além da capacidade adicional de promoverem uma perspectiva sobre o mecanismo imunológico1,2. Quanto à alergia a veneno de himenópteros (VH), a realização de testes cutâneos é recomendada para esclarecimento diagnóstico3.

O diagnóstico implica a realização de testes cutâneos por picada (TCP), prosseguindo-se para TID se os primeiros forem negativos, sendo que a sensibilidade diagnóstica destes é de 90% ou mesmo superior4-8.

É, portanto, consensual e reconhecida a importância dos TID no processo diagnóstico de alergia a fármacos e VH. Porém, os TID são dolorosos, o que por vezes limita o seu uso1. Nos últimos anos, a medicina evoluiu e tem sido dada particular atenção à prevenção da dor iatrogénica.

Assim, os actos diagnósticos ou terapêuticos, como punções venosas, punções lombares, cateterização de artéria radial, vacinação, remoção de drenos pleurais, são muitas vezes precedidos, tanto em crianças como em adultos, da aplicação de anestésico tópico EMLA® (Eutectic Mixture of Local Anesthetics), um creme que contém lidocaína e prilocaína (AstraZeneca, Rueil-Malmaison, França)9-19. Em estudos prévios, esta formulação de anestésico tópico demonstrou reduzir significativamente a dor associada a testes cutâneos de alergia20-22.

No entanto, porque os anestésicos locais actuam sobre a pele alterando a perfusão basal cutânea e a sua regulação23, especulou-se que a utilização de EMLA® para aliviar a dor causada pelos TID podia alterar a resposta da pápula e/ou eritema, por modificar o recrutamento de células sensibilizadas ao local.

Portanto, a sua utilização no contexto do diagnóstico de alergia a fármacos ou VH foi abandonada. No entanto, esta questão nunca foi investigada, e esta prática tem assentado apenas em especulações.

O objectivo do presente trabalho foi determinar, em doentes com suspeita de alergia a fármacos ou VH, os efeitos de um patchde anestésico tópico contendo prilocaína e lidocaína sobre a pápula dos TID realizados com fármacos e VH, bem como a pápula dos controlos positivo e negativo.

MÉTODOS Desenho do estudo e características dos doentes Estudo transversal controlado, efectuado no Serviço de Imunoalergologia do Centro Hospitalar São João, entre Maio de 2010 e Maio de 2012. Foram incluídos doentes referenciados para realizar testes cutâneos por suspeita de reacções de hipersensibilidade imediata a fármacos ou VH, com idade superior a 8 anos de idade (TID em crianças mais jovens não são normalmente realizados no nosso Serviço, devido à dor associada ao procedimento).

Aqueles que apresentaram resultados positivos nos TID foram convidados a participar, tendo sido fornecida informação escrita sobre o estudo, assinado consentimento informado e recolhidos os dados clínicos. Os doentes foram controlos de si mesmos e os TID repetidos no próprio dia no braço contralateral, após colocação do patchEMLA®. Consideraram -se critérios de exclusão: reacções de hipersensibilidade tardia, gravidez ou amamentação, reacções de hipersensibilidade anteriores aos anestésicos locais, reacções prévias graves durante realização de TID, doentes com meta -hemoglobinemia, reacções de hipersensibilidade conhecida a outros componentes do patchEMLA® (carboxipolimetileno, hidróxido de sódio, óleo de rícino de polietilenoglicol 35 e água purificada) e todos sob qualquer terapêutica sistémica com potencial de interferir com o resultado dos TID1.

Foi incluída secundariamente uma amostra de doentes com história de reacções de hipersensibilidade imediata a fármacos, mas TID negativos, para avaliar a possível ocorrência de resultados falsos positivos com a utilização de anestésico tópico.

O estudo foi realizado em conformidade com a Declaração de Helsínquia de investigação médica envolvendo Seres Humanos.

Procedimentos e avaliação O patché um disco de celulose absorvente, saturado com 1 g de emulsão EMLA® a 5% e consiste num sistema de emulsão de óleo -água, no qual a fase com óleo é composta por uma mistura eutéctica das formas de base de lidocaína (25 mg/g) e prilocaína (25 mg/g); como excipientes contém carboxipolimetileno, hidróxido de sódio, 19 mg/g de óleo de rícino de polietilenoglicol 35 e água purificada.

Antes da realização do TID, o patch<foi aplicado de acordo com as recomendações do fabricante durante 1 hora na face anterior do antebraço.

Os TID foram efectuados de acordo com as recomendações internacionais da Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI)1, tendo também sido realizadas injecções intradérmicas de controlo salino (controlo negativo).

Vinte minutos depois, era observado o local e considerada uma reacção positiva se tivesse ocorrido um aumento da pápula inicial, igual ou superior a 3 mm, associado a eritema1. O resultado era demarcado com caneta e decalcado com fita transparente, sendo arquivado em papel. Posteriormente calculou-se o diâmetro médio das pápulas inicial e final, medindo o maior diâmetro e o seu perpendicular com uma régua milimétrica1. Foram realizados exactamente os mesmos passos na área anestesiada, após remoção do EMLA®.

O controlo positivo foi realizado com recurso à técnica de TCP, utilizando histamina (10mg/mL, Leti® Laboratórios, Madrid, Espanha) na face anterior do antebraço.

Quinze minutos depois, o resultado era delineado com caneta e decalcado com fita transparente, sendo também arquivado em papel. Posteriormente calculou-se o diâmetro médio da pápula final, medindo o maior diâmetro e o seu perpendicular com uma régua milimétrica. Foram realizados exactamente os mesmos passos na área anestesiada, após remoção do EMLA®.

Registaram-se os efeitos adversos (que incluem palidez no local de aplicação do anestésico, eritema, discreto edema ou dermatite de contacto).

Análise estatística Na análise estatística foi utilizado o SPSS ' statisticalpackage version20.0 for Windows (IBM SPSS, Chicago, Estados Unidos da América). As variáveis contínuas são apresentadas como médias e intervalo de confiança (IC) a 95%, ou desvio -padrão no caso específico da variável idade. Foi aplicada transformação logarítmica quando se verificou a não -normalidade da amostra, e apresentada a mediana.

No caso dos testes cutâneos por picada com histamina e dos TID com controlo salino, usou-se para fins estatísticos a pápula final (medida após 15 e 20 minutos, respectivamente).

No caso dos TID com fármacos e VH, utilizou-se o aumento da pápula ao fim de 20 minutos, tendo-se calculado da seguinte forma: diâmetro médio da pápula final ' diâmetro médio da pápula inicial. Para comparar o aumento das pápulas com e sem EMLA®, utilizou-se o teste t de Studentpara amostras emparelhadas, ou o teste de Wilcoxon no caso de variáveis sem distribuição normal (p<0,05).

O tamanho da amostra foi calculado assumindo uma diferença entre os TID dos casos e controlos, e utilizando teste t de Studentpara amostras emparelhadas, de 0,5 mm, um desvio-padrão de 120 e um poder (1 ' β) de 90% e um nível de significância de 0,05, tendo-se obtido um número de TID necessários de 44.

RESULTADOS Foram incluídos 44 doentes (idade média 44±19 anos, todos caucasianos, 30 do sexo feminino), tendo sido realizados 53 TID. Destes, 37 apresentavam TID positivos com fármacos (14 com antibióticos, 10 com anestésicos gerais, 6 com anti-inflamatórios não esteróides, 3 com contrastes iodados e 4 com anti- histamínicos (anti -H) ' 3 anti -H1 e 1 anti -H2) e 8 com VH (7 com extracto de abelha e 1 com extracto de vespa). Os restantes 8 TID foram realizados em doentes com TID previamente negativos (1 com piridoxina e os restantes com antibióticos). No Quadro_1 encontram-se representados os fármacos utilizados.

 p>Não foram observadas diferenças nos testes cutâneos com e sem anestésico tópico no que diz respeito a TID com fármacos, VH, controlo salino ou TCP com histamina (Quadro_2). Em nenhum dos doentes se observou negativação dos TID previamente positivos.

De igual forma, nenhum dos oito doentes com TID negativos apresentou positividade nos TID realizados na área anestesiada.

Não foram reportados quaisquer efeitos laterais, imediatos ou tardios.

DISCUSSÃO Este estudo mostra que a leitura dos TID não é significativamente afectada pelo uso de um patchanestésico contendo lidocaína e prilocaína, apesar da especulação teórica do seu papel em potencialmente reduzir o afluxo de células sensibilizadas24. Estudos anteriores tinham evidenciado que a utilização de EMLA® diminuía de forma significativa a dor associada aos testes cutâneos20-22.

No entanto, nesses estudos, os TID foram realizados com aeroalergénios20 ou apenas com histamina e controlo negativo21,22. Esta é a primeira vez que se investiga a interferência do EMLA® na leitura de TID com fármacos e VH, tendo - se demonstrado que a sua utilização não influencia significativamente os resultados. Não foram identificados casos de resultados falsos negativos, nem ocorreu negativação de nenhum TID previamente positivo. Algumas limitações devem ser tidas em linha de conta. Como se tratou de um trabalho em ambiente real, que incluiu doentes referenciados à Unidade de Alergia a Fármacos, não foi possível seleccionar os fármacos ou VH a incluir. Por outro lado, apenas foi testada a mistura de lidocaína e prilocaína em patch, pelo que os resultados não podem ser generalizados a formulações em creme ou a outros anestésicos tópicos. Mais ainda, poder-se-ia ter utilizado uma escala visual analógica para quantificar a dor sem e com EMLA®, e nesse caso dever-se'ia ter procedido a um estudo em ocultação e controlado com placebo, mas a avaliação da dor não fazia parte do objectivo do trabalho por ter sido demonstrado em literatura prévia20-22. Por esse motivo, foi realizado um estudo aberto.

Neste estudo destaca-se o facto de ser pioneiro e de carácter inovador, dado que é a primeira vez que se avalia a utilização de EMLA® nos resultados dos TID com fármacos e VH. Foi utilizada uma amostra de tamanho apropriado para determinar os efeitos da hipótese de estudo levantada. Por outro lado, a aplicação de um patchsempre com a mesma concentração dos anestésicos, garante a estandardização da quantidade de anestésico aplicada em cada doente. Mais ainda, os TID com e sem EMLA® foram realizados no próprio dia no mesmo doente; como os próprios doentes serviram de controlos de si mesmos, foi possível controlar eventuais efeitos confundidores que poderiam ocorrer se se tratasse de diferentes doentes ou distintas alturas. Foram incluídos apenas doentes caucasianos, de forma a evitar enviesamento dos resultados, uma vez que tem sido reportado que outras etnias, por exemplo a afro-americana, têm menor magnitude e duração dos efeitos anestésicos do EMLA®25. Não obstante o facto de não se terem incluído todas as classes de fármacos, nem um número adequado de fármacos em algumas das classes, ou de extractos de vespa, foi possível analisar um número considerável de TID. Serão naturalmente necessários, no futuro, estudos com amostras de maiores dimensões e multicêntricos para corroborar estes resultados, e generalizar a outras classes de fármacos, bem como corroborar a ausência de falsos negativos com a utilização de EMLA®.

Os estudos anteriores versando esta temática foram consensuais quanto à diminuição significativa da dor20-22, tendo no entanto divergido relativamente à leitura dos testes. Tal ocorreu nas situações em que era utilizada histamina na concentração de 0,1mg/mL e apenas com o eritema, não com o tamanho da pápula. Não se verificou, em nenhum desses trabalhos, diminuição da pápula dos TID com aeroalergénios, com controlo salino ou com histamina na concentração de 10mg/mL, utilizada e recomendada como controlo positivo. No entanto, estes trabalhos marcaram uma tendência de actuação desde então.

Com o nosso estudo demonstramos que a possibilidade de utilizar EMLA® deverá ser reconsiderada. Serão necessários mais estudos com amostras de maiores dimensões, até que possa ser considerada uma prática clínica generalizada, nomeadamente tendo em atenção o custo associado ao anestésico e o tempo necessário para a sua actuação e o reduzido número de doentes com alergia a VH incluído, mas em situações pontuais poderá ser considerado.

CONCLUSÕES A utilização do penso impregnado EMLA® não afecta significativamente o tamanho da pápula nos testes intradérmicos com fármacos. De igual forma, não parece afectar o tamanho da pápula nos testes com veneno de himenópteros, embora neste caso a amostra seja pequena para inferir resultados definitivos. A aplicação de anestesia tópica parece ser, portanto, uma opção válida a considerar para a realização de testes intradérmicos. De futuro, serão necessários mais estudos, com amostras de maiores dimensões e contemplando mais classes de fármacos, bem como mais extractos de veneno de himenópteros, para permitir generalizar esta opção, que se revelou segura e fidedigna, à prática clínica.


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