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EuPTCVHe0871-97212015000300004

EuPTCVHe0871-97212015000300004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-9721
ano2015
Issue0003
Article number00004

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Com gelo ou sem gelo? - A propósito de um caso clínico

INTRODUÇÃO A imunoterapia específica com alergénios (ITA) ou vacina antialérgica é o único tratamento etiológico capaz de alterar o curso natural da doença alérgica, sendo no entanto essencial, por um lado, a selecção criteriosa dos doentes a submeter a este tratamento e, por outro, a seleção dos extratos a utilizar para otimização do custo/benefício1. Esta terapêutica tem indicação formal em caso de doença mediada por IgE tal como na asma, rinite e conjuntivite alérgica com sensibilização a aeroalergénios, e ainda na alergia a veneno de himenópteros e alergia ao látex.

A segurança da ITA tem sido abordada em diversos estudos2‑3.

Nas reações locais surgem dor, eritema e edema; consideram‑se reações locais exuberantes quando abrangem uma área superior a 10 cm, em contiguidade com o local da administração. As reações sistémicas cursam com envolvimento do sistema mucocutâneo (urticária e/ou angioedema), gastrointestinal, respiratório e/ou cardiovascular e têm subjacente, na maior parte dos casos, um mecanismo mediado por IgE. Estas são menos frequentes na criança do que no adulto.

Classificam‑se, segundo Müller, em quatro graus, de acordo com a gravidade clínica4.

A imunoterapia com veneno de himenópteros (VIT) é eficaz em 90‑95% dos casos de alergia ao veneno de vespa e em 80‑85% de alergia ao veneno de abelha5. A ocorrência de reações sistémicas (RS) ocorre em 12‑16% dos casos6‑7.

Um estudo com 100 doentes submetidos a um protocolo rushdurante 4 dias revelou que o número de RS na fase de manutenção é maior em doentes submetidos a IT com veneno de abelha em comparação a veneno de vespa, não tendo sido significativa a diferença entre género, e ainda que a incidência de RS foi inferior à média reportada na literatura8.

De um modo geral, as reações adversas à VIT e seu tratamento podem classificar‑se como: ' Reação local' aplicação de gelo localmente.

' Reação local exuberante(>10 cm diâmetro) ' aplicação de gelo ou compressas frias; corticosteroide localmente; anti- histamínico oral durante 2‑3 dias; nos casos mais graves corticosteroide sistémico.

' Reação sistémica ligeira a moderada(Urticária/angioedema) ' adrenalina (1mg/ ml) 0,3‑0,5 ml intramuscular; infiltração do local da picada com adrenalina 0,3‑0,5 ml; anti-histamínico e corticosteroide sistémico.

' Reação sistémica grave (grau III ou IV)' o fármaco de primeira linha é a adrenalina (1:1000 = 1mg/ml) intramuscular. Dose no adulto: 0,3 a 0,5 mg (0,3 a 0,5 ml), se necessário pode repetir‑se a mesma dose cada 5-10 minutos. Dose na criança: 0,01mg/kg, com o máximo de 0,3 mg por dose.

É fundamental a monitorização dos parâmetros vitais e a cateterização de uma veia periférica que permite a administração de soros e a medicação de emergência.

CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino, 40 anos, a realizar IT com veneno de abelha. Aos 28 anos iniciou episódios de reacção sistémica após picada de abelha (pai apicultor), referindo três episódios caraterizados por urticária generalizada e dispneia alta/disfonia (Grau III segundo classificação de Müller). Realizou testes cutâneos em picada e intradérmicos que foram positivos para abelha (100μg no teste em picada; 0,01 e 0,1μg nos intradérmicos), bem como controlo analítico com IgE específica para abelha ' 47,7 kUA/L e IgE total ' 998 kUA/L.

Foi submetida a protocolo ultra‑rushcom veneno de abelha em 2013 no Hospital Santa Maria, Lisboa, sendo descrita reacção local exuberante no local da administração da vacina.

Desde então foram descritas reações locais com eritema e pápula após a administração da vacina com progressivo agravamento (Figura_1).

O agravamento sucessivo desta reação levou à diminuição da dose de veneno administrada e ao aumento da dose dos anti-histamínicos antes da imunoterapia.

A relação causal entre a aplicação de gelo após a administração da vacina e o aparecimento de reação local exuberante levantou a hipótese diagnóstica de uma urticária física associada, não valorizada previamente.

A doente foi questionada sobre a existência de sintomatologia prévia, caraterística de urticária ao frio, confirmando‑a e referindo que os episódios sintomáticos eram muito pouco frequentes e as situações de exposição ao frio eram raras, pelo que não tinha valorizado os sintomas até então. Referia na adolescência, durante o inverno e, no percurso de casa à escola em transporte público sem climatização, o aparecimento de lesões maculopapulares nas extremidades que revertiam espontaneamente.

Após a avaliação clínica e laboratorial, incluindo serologias virais (vírus Epstein‑Barr, citomegalovírus, vírus da hepatite A e B) e pesquisa de Helicobacter pylori, negativas, foram também excluídas outras etiologias para o quadro de urticária, nomeadamente défices de complemento, crioglobulinemia, vasculites e neoplasias.

Não se verificaram alterações no estudo do complemento ou positividade para crioglobulinas e marcadores de doença sistémica/vasculite (ANAs, anti‑dsDNA, p‑ANCA e c‑ANCA).

Na avaliação da sensibilização verificou‑se que os testes cutâneos por picada para aeroalergénios comuns (ácaros do doméstico e armazenamento, pólenes, fungos, látex e faneras de animais) foram negativos. Realizou ainda o teste de estimulação ao frio (teste do cubo de gelo) que foi positivo aos 3 minutos (diâmetro da pápula 30x55mm). Utilizou‑se como critério de positividade a ocorrência de pápula com diâmetro médio igual ou superior a 3 mm (Figura_2).

Foi colocado o diagnóstico de urticária adquirida ao frio, idiopática, do tipo I (segundo classificação de Wanderer).

Recomendou‑se evicção de exposição ao frio (nomeadamente após administração de VIT), mantendo‑se profilaxia com anti-histamínico e antileucotrienos orais.

Atualmente a doente encontra‑se assintomática, não se registando reações locais ou sistémicas durante ou após as últimas administrações de VIT (com a dose de veneno preconizada inicialmente ao 6.º mês após protocolo ultra‑rush).

O controlo analítico atual revela diminuição de IgE específica para abelha (4,73 kUA/L).

DISCUSSÃO A urticária adquirida ao frio (UAF) carateriza‑se pela ocorrência de urticária e/ou angioedema após exposição ao frio. Sendo rara em idade pediátrica, na maioria dos casos é idiopática. Causas secundárias incluem crioglobulinemia, défices do complemento, vasculites, neoplasias e doenças infeciosas9.

Habitualmente é benigna e autolimitada, sendo os sintomas geralmente restritos às áreas expostas. No entanto, reações sistémicas (desde reações mucocutâneas com ou sem envolvimento respiratório, gastrintestinal e/ou cardiovascular) potencialmente fatais podem ocorrer, nomeadamente em caso de exposição intensa ou prolongada.

Curiosamente, foram descritos como prováveis fatores de risco para UAF, as picadas de medusas e as picadas de insetos, nomeadamente de abelha e vespa, bem como a imunoterapia com veneno de himenópteros10.

Embora a sensibilização a veneno de himenópteros seja relativamente comum, a associação à UAF tem sido pouco reportada. Por outro lado, e apesar da prevalência de doenças atópicas em doentes com UAF parecer semelhante à da população em geral, têm sido observados índices mais elevados de atopia nestes doentes10.

Os autores chamam a atenção para a pesquisa de comorbilidades em doentes a efetuar imunoterapia específica com alergénios e, em particular, a necessidade de investigação clínica de patologias como as urticárias físicas, geralmente autolimitadas e de resolução espontânea, e por isso raramente valorizadas. A sua coexistência ou o aparecimento durante a realização de ITA, nomeadamente com veneno de himenópteros, pode levar a diagnósticos erróneos de reação adversa a ITA, com a consequente suspensão da mesma, impedindo a evolução desejável da patologia alérgica de base, como é o caso da alergia a veneno de himenópteros.


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