Editorial
Os progressos da ciência e da tecnologia nas últimas décadas, a melhoria das
condições socio-económicas foram factores determinantes na evolução do estado
de saúde das populações. A Pediatria beneficiou igualmente destes avanços,
estando hoje confrontada com uma população crescente de crianças e adolescentes
com doença crónica que exigem uma abordagem pluridisciplinar, abrangendo, não
só os cuidados de saúde mas, também, a educação e o serviço social. Também o
alargamento da idade pediátrica aos 18 anos abriu novos desafios nas
instituições hospitalares cuja estrutura não sofreu, paralelamente, as
modificações estruturais fundamentais para receberem esta nova população de
doentes com necessidades particulares. A sobrevida de jovens com patologias
complexas, consideradas até há algum tempo rapidamente fatais, nomeadamente as
doenças metabólicas, cardíacas, neurológicas, entre outras, obriga a uma
mudança nos serviços de saúde de modo a preparar a sua transição para os
serviços de adultos, sem que haja interrupção na prestação de cuidados. Estão
identificadas várias questões fulcrais para o sucesso do processo da transição
de um serviço pediátrico, centrado no doente e família, para um serviço de
adultos, das quais salientamos a acessibilidade aos cuidados de saúde, o treino
dos especialistas de adultos no tratamento de patologias crónicas anteriormente
limitadas à idade pediátrica, o estabelecimento de um sistema de comunicação
coordenada e envolvente entre os doentes, famílias, pediatras e especialistas
de adultos.
Muito embora um programa de transição deva ser individualizado, tendo em conta
a situação clínica do doente e o seu desenvolvimento, é importante desenvolver
uma estratégia de actuação dos serviços, adequada às condições existentes e
simultaneamente flexível. É importante que a preparação deste processo comece
cedo (a Academia Americana de Pediatria recomenda o seu início aos 12 anos),
proporcionando informação aos pais sobre a doença crónica e preparando a
autonomia do adolescente para que ele próprio seja um interveniente activo no
processo. A ansiedade dos pais face a uma doença crónica leva muitas vezes a
uma sobreprotecção que dificulta a transferência da responsabilidade da
gestão da doença para o adolescente. A actividade física, os comportamentos
de risco, a sexualidade, o aconselhamento genético e a orientação profissional
não podem ser esquecidos na abordagem global do doente.
A falta de experiência dos serviços de adultos em patologias da idade
pediátrica, de que são exemplo as doenças metabólicas ou as cardiopatias
congénitas, dificulta a transferência para estes serviços, sendo essencial o
investimento na formação dos profissionais para que haja continuidade dos
cuidados. Acresce que nem sempre o ambiente dos serviços de adultos oferece o
apoio social e humano a que estes doentes e famílias se habituaram, o que pode
levar ao abandono do seguimento.
A articulação com os cuidados primários de saúde não pode ser esquecida. É
frequente nas situações de doença crónica uma ligação muito estreita da família
e criança aos serviços pediátricos, deixando de fora o médico de família. Há
que melhorar a comunicação entre os cuidados primários e diferenciados,
respeitando as competências destas duas vertentes.
Têm-se implementado vários modelos no processo de transição. Este terá que ser
adaptado às condições estruturais e de funcionalidade das unidades de saúde. Os
nossos objectivos estão bem definidos: manter cuidados de saúde de qualidade e
ininterruptos na passagem da adolescência para a vida adulta. A implementação
do modo de concretização é mais difícil, exige um esforço empenhado e uma nova
cultura organizacional, um diálogo constante entre doente e família e os vários
níveis de prestação de cuidados. A estratégia tem de ser conjunta e com base
num trabalho de equipa multidisciplinar.