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EuPTCVHe0872-07542011000300002

EuPTCVHe0872-07542011000300002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-0754
ano2011
Issue0003
Article number00002

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Doze Anos de experiência na doença meningocócica no Serviço de Pediatria de Vila Real - Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro

INTRODUÇÃO A doença meningocócica é uma importante patologia em idade pediátrica, quer pela mortalidade que dela decorre como pelas sequelas nos sobreviventes(1,2) O agente responsável é a Neisseria meningitidis, um diplococo gram negativo cujo re­servatório natural é a orofaringe humana, sendo a maioria dos serotipos colonizadores não capsulados e pouco virulentos. As taxas de colonização da orofaringe variam entre 2% em crian­ças que não frequentam o infantário e 37% em adolescentes.(3) A doença invasiva geralmente ocorre nos primeiros 10 dias após a colonização com uma estirpe patogénica.

São conhecidos 13 serogrupos de Neisseria meningitidis. Destes, cinco são responsáveis pela maioria da doença invasiva: serogrupos A, B, C, Y e W 135.(2) Recentemente, e muito esporadicamente, têm sido isoladas estirpes invasivas com serogrupo 29E, Z ou X, em doentes infectados por meningococo.(2) Em Por­tugal, predomina a doença invasiva provocada pelos serogrupos B e C.

Estruturalmente, a Neisseria meningitidis apresenta varia­ções na expressão e estrutura antigénica do seu polissacárido capsular e nas proteínas de membrana externa, e é capaz de promover troca de material genético entre bactérias.

Estas ca­racterísticas permitem-lhe fenómenos de switching capsular, em que um serogrupo menos frequente na comunidade adqui­re alelos que codificam proteínas capsulares do serogrupo mais frequente. Esta capacidade tem de ser considerada quando se pretende a introdução de vacinas contra o meningococo.

Existem no mercado dois tipos de vacinas: as conjugadas e as não conjugadas.

As primeiras induzem memória imu­nológica duradoura, obtendo-se uma eficácia superior a 90% em crianças com menos de dois anos(2,4), e reduzem a coloniza­ção faríngea. As vacinas conjugadas são por isso denominadas como geradoras de imunidade de grupo.(1,2,4)As vacinas não conjugadas não conferem memória imunológica.

No nosso país, a vacina conjugada contra o serogrupo C da Neisseria meningitidis foi introduzida no mercado em 2001, sob prescrição médica, e faz parte do Plano Nacional de Vacinação desde 2006. Nesse ano, foi realizada uma campanha de vacina­ção dirigida às crianças nascidas de 1997 a 2004, estimando- se que no final de 2006 a cobertura vacinal das coortes abrangidas variava entre 80 a 95%.(2) Em 2007 foi iniciada uma campanha de vacinação dirigida aos jovens dos 10 aos 18 anos. Desde Março de 2010 está autorizada a introdução no mercado europeu de uma vacina conjugada quadrivalente, aprovada pelo Infarmed para idades superiores a 11 anos e grupos de risco.

Em Portugal, o número de casos de doença meningocócica em idade pediátrica tem vindo a diminuir, sobretudo pela redução do número de casos provocados por serogrupo C, mantendo-se a doença pelo serogrupo B estável (Figura 1).(2,5)

FIGURA 1 - Doença meningocócica em Portugal - número de casos/ano (2,5)

Sabe-se que na Europa os serogrupos B e C são respon­sáveis por cerca de 90% da doença meningocócica. No Reino Unido, a vacina contra o meningococo C foi introduzida no Plano Nacional de Vacinação em 1999. Dois anos após verificou-se uma diminuição na incidência de doença meningocócica em 75% entre os vacinados e em 67% na população não vacinada, sem evidência de reposição de serogrupo.

Foram, no entanto, descritos casos de doença por serogrupo C na população vacinada. (1,6,7,8) Em Espanha, a vacina faz parte do Plano Nacional de Vacinação desde 2000. Dois anos após a sua introdução, observou-se que o risco de doença por serogrupo C diminuiu em 58% e a doença por serogrupo B manteve-se estável, não parecendo haver reposição de serogrupo. Contudo, foram isoladas novas estirpes do serogrupo B (B:2A:P1,5) que podem originar-se do serogrupo C (C:2A:P1,5). Também em Espanha foram descritos casos de falência da vacina.(9) Nos Estados Unidos predominam os serogrupos B e C, no entanto, tem-se registado um aumento no número de casos de doença provocada por serogrupo Y. Um estudo revela que no pe­ríodo de 1989 a 1991 o serogrupo Y era responsável por 2% da doença meningocócica nos EUA, registando-se de 1997 a 2002 um aumento para 37%.

(1) Na Índia, China e Rússia o serogrupo A de Neisseria me­ningitidis é ainda responsável por um elevado número de casos. Parece no entanto haver reposição deste serogrupo pelo C. No Japão e em Taiwan tem-se verificado um aumento do número de casos de doença por serogrupos A, C e W 135. No denominado Meningitidis belt da África subsariana continua a verificar-se uma alta incidência de doença meningocócica, com predomínio do serogrupo A. No entanto, tem ocorrido surtos de doença por serogrupos C, X e W 135.(1)

OBJECTIVOS Avaliar a frequência de casos de doença meningocócica no Serviço de Pediatria do CHTMAD ' Unidade de Vila Real no pe­ríodo de Janeiro 1999 a Dezembro 2010; identificar aspectos relacionados com a semiologia, serogrupos de Neisseria meningiti­dis envolvidos, terapêutica instituída e evolução clínica e discutir o impacto da vacina contra o meningococo C na epidemiologia local da doença meningocócica.

MATERIAL E MÉTODOS Análise retrospectiva dos processos clínicos de doentes in­ternados no Serviço de Pediatria do CHTMAD ' Unidade de Vila Real por doença meningocócica entre Janeiro 1999 e Dezembro 2010. Foi definido como caso, o doente internado com diagnóstico de doença meningocócica e isolamento do agente em líquido ha­bitualmente estéril (sangue ou líquido cefalorraquidiano ' LCR).

Foi analisada a proveniência, ano de internamento, idade, sexo, manifestações clínicas e complicações, local de isolamen­to do agente, serogrupo e duração do tratamento. A evolução a longo prazo foi avaliada através da análise de registos no pro­cesso clínico do doente ou contacto telefónico com o cuidador, quando possível.

RESULTADOS Foram diagnosticados 36 casos de doença meningocócica no período analisado na área de influência do Hospital de Vila Real. Destes, foi possível caracterizar o episódio de doença em 35 casos: 54,3% dos doentes recorreram directamente ao serviço de urgência, 42,9% dos doentes foram referenciados do Centro de Saúde e um caso foi enviado por pediatra.

Até 2001 ocorreram cinco casos de doença meningocócica por ano. No ano 2002 registou-se um pico de doença, com sete casos. Desde então, o número máximo de casos/ ano registado foi de três casos. Em 2009 e 2010 não ocorreu nenhum caso (Figura 2).

FIGURA 2 - Número de casos de doença meningocócica/ano (n=36)

Verificou-se também um predomínio da doença nos meses frios, ocorrendo maior número de casos nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março (65,7% dos casos).

O sexo masculino (60% dos casos) foi mais afectado que o feminino. No que diz respeito à distribuição por idades, estas variaram entre os nove dias e os 14 anos. A faixa etária mais afectada foi a de idade inferior a 12 meses, sendo a menos afectada dos cinco aos 14 anos (Figura 3).

FIGURA 3 - Distribuição de casos por idade (n=35 casos analisados)

Entre as manifestações clínicas, a mais comum foi a febre (34 casos), seguida de vómitos e sufusões hemorrágicas, com 22 e 21 casos, respectivamente. Na faixa etária mais baixa ocorreram também irritabilidade, recusa alimentar e gemido. Verificou-se ainda um caso que se manifestou inicialmente com dor abdominal e outro com mialgias (Figura 4).

FIGURA 4 - Manifestações clínicas (n=35 casos analisados)

O agente foi isolado no LCR em 66,7% dos casos. Em 20% dos casos obteve-se identificação do agente na hemocultura e no LCR; e em 14,3% dos casos apenas se conseguiu o isola­mento de Neisseria meningitidis no sangue.

Os diagnósticos encontrados foram de meningococemia e meningite (19 casos), meningite isolada (13 casos) e meningo­cocemia (três casos).

Ocorreram complicações em 54,3% dos casos de doença meningocócica, sempre na fase aguda de doença e na maioria dos casos quando coexistiam meningococemia e meningite. Entre as complicações agudas, registaram-se 15 casos de instabilidade hemodinâmica, quatro casos de necrose de tecidos moles, quatro casos de doentes com alterações neurológicas e ocorreu artrite em um caso e íleo paralítico noutro.

A análise dos serogrupos de Neisseria meningitidis se efectuou a partir de 2001. Em 2002, quando se registou o maior número de casos de doença, quatro destes foram provocados por serogrupo C e três por serogrupo B. Desde 2006 que não se verificou nenhum caso de doença por serogrupo C (Figura 5).

FIGURA 5 - Distribuição número de casos de serogrupo Neisseria meningitidis/ano

O tratamento foi instituído com ceftriaxone em 32 casos e em três casos foi administrada Ampicilina e Cefotaxima (doentes com idade inferior a três meses).

A duração do tratamento variou entre sete e 14 dias, numa média de 8,79 dias.

Relativamente à evolução, não foi registado nenhum caso fatal nem foram descritos casos secundários de doença meningocócica. Após a alta, 29 casos foram enviados para a consulta externa de Pediatria e seis casos para o médico assistente. Daqueles orientados para seguimento hospitalar, foi possível apurar que 22 não apresentam sequelas, dois apresentam dificuldades de aprendizagem e nos restantes cinco casos desconhece-se a evolução a longo prazo. Entre os doentes seguidos pelo médico assistente, foi apenas possível verificar a ausência de sequelas num caso, desconhecendo-se os restantes.

DISCUSSÃO Os dados obtidos relativamente à frequência de casos de doença meningocócica são concordantes com o que se verificou no resto do país, tendo-se registado um pico em 2002, provavelmente relacionado com as características cíclicas da patologia.

Os casos de doença meningocócica registados no serviço de Pediatria no período analisado apresentam características semiológicas e epidemiológicas semelhantes às descritas na bibliografia: predomínio de doença nos meses frios; 74% dos casos abaixo dos quatro anos de idade; manifestações clínicas sobretudo caracterizadas por febre, vómitos, manifestações cutâneas e sinais meníngeos; e maioria das complicações associadas à co-existência de meningococemia e meningite.

Registou-se apenas doença provocada pelo serogrupos B e C.

Desde 2006, altura em que a vacina meningocócica passou a integrar o Plano Nacional de Vacinação, não se verificou ne­nhum caso de doença por Neisseria meningitidis do serogrupo C.

Desde então e até Dezembro de 2010, o número médio de casos de doença meningocócica por ano diminuiu em 63% (Figura 6), sendo que nos últimos dois anos estudados não se registou nenhum caso.

FIGURA 6 - Número médio de casos de doença meningocócita/ano (n=36)

A ausência de casos fatais traduz um diagnóstico atempado e uma terapêutica eficaz.

O facto de não se ter registado nenhum caso secundário de doença reflecte a adequada profilaxia de contactos.

Sendo conhecidas as elevadas taxas de cobertura vacinal e a eficácia da vacina, e considerando a evolução da frequên­cia da doença meningocócica observada, podemos inferir que o meningococo C era um importante agente de doença meningocócica na área de influência do Hospital de Vila Real. Não houve reposição de serogrupo e a vacina parece ter tido impacto na epidemiologia local da doença, quer pelo efeito nos indivíduos vacinados quer pela imunidade de grupo que proporciona.

Apesar de a amostra ser representativa da epidemiologia da doença meningocócica na área de influência do Hospital de Vila Real, o número de casos é reduzido.

Também a ausência de análise estatística dos dados é uma limitação do estudo apre­sentado.

COMENTÁRIOS A doença meningocócica é uma patologia alarmante para doentes, familiares e, de certa forma, para profissionais de saú­de, pela necessidade urgente de cuidados.

A introdução da vacina contra o meningococo C no Plano Nacional de Vacinação foi de grande importância para o controlo da doença provocada por este agente.

Dada a possibilidade de ocorrência de surtos e de falência da vacina, é essencial manter programas de vigilância epidemio­lógica e registo dos casos de doença meningocócica. Apesar de, no estudo efectuado, não parecer estar a ocorrer reposição de serogrupo, este risco deve ser considerado. Assim, a monitoriza­ção da doença provocada por serogrupo B é importante.

Além da vacinação, a precocidade da intervenção e a profi­laxia de contactos parecem ser determinantes para o controlo da doença meningocócica.


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