Aspectos emocionais da Procriação Medicamente Assistida: Perspectiva
Psicológica
Aspectos emocionais da Procriação Medicamente Assistida ' Perspectiva
Psicológica
Mónica Fernandes1
1Centro de Procriação Medicamente Assistida, Maternidade Júlio Dinis, Unidade
de Psiquiatria de Ligação, Centro Hospitalar do Porto
A dificuldade em conceber um filho faz parte da vida de um grande número de
casais. O desejo de um filho é um fenómeno complexo, resultado de um
desenvolvimento pessoal, com uma motivação multifactorial: individual
(desenvolvimento da personalidade, mudanças biográficas); relacional (processos
interpessoais entre parceiros); transgeracional (dinâmica familiar); social
(factores económicos, contexto sócio-cultural). Simultaneamente, a sociedade
continua a exigir às mulheres que sejam mães e que dêem filhos aos seus
maridos, netos aos pais e aos sogros e assegurem a continuidade da família.
Se este desejo não é satisfeito e o casal é confrontado com o diagnóstico de
infertilidade, pode surgir uma ferida narcísica que diminui a auto-confiança.
Quando o modelo familiar esperado não é alcançado, cada parceiro e ambos como
casal têm que passar por um processo de reorganização psicológica para lidar
com esta realidade inesperada.
O primeiro choque ao terem conhecimento do diagnóstico é acompanhado de
sentimentos de confusão, muitas vezes associados a sentimentos de isolamento e
solidão. O casal pode sentir raiva, sensação de perder o controlo do seu corpo
e do seu destino. O indivíduo pode sentir uma ameaça à sua identidade,
incluindo sexual. A dor é sentida não só em relação à perda da fertilidade mas
também à perda de uma criança idealizada. Simultaneamente, muitos casais
assumem o mito de que uma incapacidade para conceber está, de algum modo,
relacionada com uma incapacidade para ser pai/mãe.
Segundo Burns (2007), a perda da fertilidade traz consigo uma série de perdas
associadas: a de um potencial relacionamento; da saúde; de status ou
prestígio; da auto-estima; da auto-confiança; da segurança; de uma fantasia ou
esperança de resolver a fantasia; de algo ou alguém com grande importância
simbólica. O factor de stress principal é mais a possibilidade do que a
realidade da infertilidade.
Quando, como consequência do diagnóstico, o casal inicia um processo de
Procriação Medicamente Assistida (PMA), existe o perigo que o impacto emocional
da infertilidade seja negligenciado e que a situação seja reduzida à parte
biológica/médica. Como as tecnologias de reprodução são baseadas em
intervenções no corpo da mulher, acabam por também reforçarem a maternidade
como algo biológico, mais do que como uma relação social.
O tratamento consiste, frequentemente, num ciclo de intervenções repetidas que
podem ou não ter sucesso, numa cadeia de eventos que frequentemente se prolonga
por vários anos ' o que cria um stress emocional específico, quase crónico. Os
procedimentos diagnósticos e os tratamentos médicos de infertilidade têm,
invariavelmente, um grande impacto na vida íntima dos pacientes.
Estudos que investigaram o decorrer do processo de adaptação antes de ciclos de
PMA mostram uma linha curva com níveis baixos de sofrimento no início e ao fim
de vários anos de infertilidade e um pico no meio (Verhaak, 2009).
Hardy e Makuch (2002), efectuaram uma revisão bibliográfica de artigos
publicados nos 20 anos anteriores sobre os aspectos psicossociais de PMA, com
amostras que variavam entre 40 a 1149 casais. Praticamente todos os autores
concluíram que tanto os homens como as mulheres que experienciavam
infertilidade tinham níveis mais altos de perturbações do que a população em
geral. Os estudos demonstravam, sem excepção, que as mulheres tinham reacções
mais fortes relativamente à infertilidade do que os homens, sendo as reacções
emocionais mais frequentemente descritas a depressão, ansiedade, perturbação
cognitiva, baixa auto-estima, maior culpa, vergonha e hostilidade. A
morbilidade psiquiátrica era também significativamente mais comum nas mulheres
do que nos homens. Outra das conclusões era que as mulheres classificavam-se
como experienciando maiores efeitos sociais da infertilidade do que os homens.
Não foram encontradas diferenças nas mulheres na sua resposta emocional à
infertilidade, relativamente à causa ser feminina ou masculina.
As mulheres procuravam mais o suporte social do que os homens. O número de
homens que não confidenciava a ninguém sobre a infertilidade era
significativamente superior ao das mulheres.
Tanto os homens como as mulheres referiam o período de espera após a
transferência de embriões como o mais stressante.
Segundo Boivin et al (2009) cerca de 15 a 20 % dos pacientes de PMA necessitam
de consulta de Psicologia pelo sofrimento emocional experienciado.
Quando se efectua uma Consulta de Psicologia aos casais que vão iniciar um
ciclo de PMA, o objectivo dessa triagem deverá ser identificar grupos de risco
de modo a poder oferecer intervenções adequadas. Para além do resultado desta
triagem, considera-se que devem sempre ser acompanhados em Consulta de
Psicologia: os pacientes de ciclos com doação de gâmetas; os pacientes que
experienciam stress elevado; os pacientes considerados de risco pela sua
história psicológica ou estrutura de personalidade; os pacientes que requerem
qualquer forma de aconselhamento genético como parte do tratamento de
infertilidade.
De acordo com as directrizes da European Society of Human Reproduction and
Embryology e do Mental Health Professional Group da American Society for
Reproductive Medicine, a Consulta de Psicologia em PMA tem como objectivos:
- ajudar os indivíduos/casal a aprenderem a lidar com as mudanças físicas e
emocionais associadas à infertilidade, usando mecanismos de coping adaptativos
- ajudar os indivíduos/casal a aprenderem a lidar com os procedimentos médicos
que podem ser dolorosos e intrusivos
- ajudar a lidar com a resposta do parceiro
- ajudar a escolher o tratamento médico adequado e/ou explorar outras opções
de construção de família
- ajudar a controlar o stress, ansiedade ou depressão.
- estimular o suporte social
- promover mudanças nos estilos de vida relacionados com a subfertilidade
- ensinar as estratégias de resolução de problemas num contexto de suporte
Apenas incluindo a dimensão psicossocial na consulta de infertilidade seremos
capazes de tornar a reprodução biológica em reprodução humana.