Caso dermatológico
Criança de cinco anos, sexo feminino, sem antecedentes patológicos de relevo e
com plano nacional de vacinação actualizado. Enviada à consulta de Dermatologia
por lesões cutâneas assintomáticas localizadas à face e membros, com cerca de
uma semana de evolução. Os pais referiam história de infecção respiratória
alta, provavelmente virusal, cerca de uma semana antes do aparecimento das
lesões.
Ao exame objectivo observavam-se múltiplas pápulas eritematosas, arredondadas,
de superfície lisa ou crostosa, infracentimétricas, dispersas de forma
simétrica pelas regiões malares e face extensora dos membros. A criança
encontrava-se apirética e com bom estado geral.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1
Figura 2
DIAGNÓSTICO
O aparecimento de lesões cutâneas eritemato-papulosas, monomórficas,
distribuídas de forma simétrica pela face e regiões acrais após sintomas de
infecção das vias aéreas superiores é característico do Síndrome de Gianotti-
Crosti.
COMENTÁRIOS
O síndrome de Gianotti-Crosti (SGC) ou acrodermatite papulosa da infância é uma
doença rara e autolimitada que atinge, sobretudo, crianças dos dois aos seis
anos, independentemente do género. Cerca de 90% dos doentes tem menos de quatro
anos. Em 1970, Gianotti e Crosti associaram-na à infecção pelo vírus da
hepatite B. Posteriormente foram observadas erupções cutâneas idênticas ao SGC,
em associação com outros agentes infecciosos, principalmente virais,
nomeadamente o vírus de Epstein-Barr, o vírus coxsackiedo tipo B e o herpes
vírus do tipo 6 e vacinas. Pensa-se que traduza uma reacção de
hipersensibilidade a antigénios víricos ou bacterianos. A sua baixa frequência
na idade adulta parece dever-se à aquisição de imunidade para estes antigénios
na infância.
O curso da SGC é benigno e autolimitado, surgindo de forma súbita e resolvendo
num período que varia de duas a oito semanas. Não estão descritas recorrências.
As lesões cutâneas caracterizam-se por múltiplas pápulas eritematosas, não
descamativas, por vezes associadas a vesiculação e a crostas sero-hemáticas,
podendo coalescer em placas, distribuídas simetricamente pela face, nádegas e
face extensora dos membros. O tronco raramente é afectado. As lesões são em
geral assintomáticas, sendo excepcionalmente pruriginosas. Por vezes há
pródromos sugestivos de infecção respiratória alta. O estado geral mantém-se
inalterado ou ocorrem sintomas tais como mal-estar, febre, náuseas e vómitos.
Pode associar-se a hepatoesplenomegalia, linfadenopatia e a um quadro de
hepatite aguda anictérica. Uma linfocitose, eventualmente com presença de
linfócitos atípicos no sangue periférico, pode ainda ser observada.
O diagnóstico é clínico, embora por vezes possa ser necessário recorrer à
biopsia cutânea para exclusão de outros diagnósticos diferenciais, uma vez que
os achados histopatológicos do SGC são inespecíficos, traduzindo-se por
espongiose focal, acantose paraqueratótica e infiltração linfohistiocítica
perivascular na derme superior. Em geral, não é necessário realizar exames
laboratoriais, nomeadamente em crianças vacinadas para o vírus da hepatite B.
Uma vez que se trata de uma doença benigna e auto-limitada não é necessário
qualquer tratamento. Se as lesões forem pruriginosas pode realizar-se um curso
curto de anti-histamínico oral. Uma vez que o período infeccioso termina quando
o exantema se inicia, não há necessidade de evicção escolar.