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EuPTCVHe0872-07542012000200004

EuPTCVHe0872-07542012000200004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-0754
ano2012
Issue0002
Article number00004

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Contraceção para adolescentes com lúpus eritematoso sistémico

INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistémico (LES), doença autoimune de predomínio feminino, é diagnosticado em 15 a 20% dos casos na infância(1). O seu prognóstico tem melhorado nos últimos anos com a evolução e aperfeiçoamento da abordagem terapêutica(1,2,3). O aumento da sobrevida, com transição para a vida adulta, condiciona questões relativas ao início da vida sexual e, deste modo, a informação e uso de contraceção adequada é fundamental(1). A escolha de um método anticoncecional nas mulheres com LES tem sido controversa, nomeadamente no que respeita aos contracetivos orais ' pelo risco aumentado de eventos trombóticos e pelo aparente impacto na atividade da doença(1,4). A avaliação recente, por diferentes estudos, do uso de preparações hormonais nas doentes com LES trouxe uma nova perspetiva(4). Podendo constituir um desafio, a escolha do método contracetivo nas adolescentes com LES é de suma importância, pelo que requer atualização constante. Os autores apresentam uma abordagem geral da contraceção nas adolescentes com LES, nomeadamente no que respeita a indicações e contra-indicações dos diferentes métodos anticoncecionais e qual a melhor opção em situações específicas.

ASPETOS GERAIS DA CONTRACEÇÃO NA ADOLESCÊNCIA Nos países desenvolvidos, a idade média da primeira relação sexual é 16 anos (5), pelo que na transição para a adolescência se torna essencial o aconselhamento relativo à atividade sexual e contraceção(1,6). As recomendações atuais indicam que a idade não é contra-indicação para qualquer método contracetivo reversível nas adolescentes(6,7). A escolha deverá ser individualizada, considerando a sua eficácia, co-morbilidades, efeitos laterais, estilo de vida e preferência pessoal(1,5,7). O método de eleição deverá ser duplo e incluir o uso de um método barreira (preservativo masculino) em associação a um método contracetivo eficaz, de modo a prevenir gestações indesejadas e doenças sexualmente transmissíveis (DST)(7).

A avaliação clínica prévia à escolha contracetiva deverá incluir uma anamnese detalhada, nomeadamente no que respeita a contra-indicações potenciais para métodos contracetivos hormonais, história de tabagismo e uso de fármacos(8). A anamnese é suficiente para uma escolha contraceptiva segura na maioria das adolescentes(5,6) e deve associar-se, de acordo com alguns autores, a uma avaliação da tensão arterial(8). Em determinados casos deverá considerar-se a realização de uma inspecção da genitália externa, urocultura e zaragatoa vaginal para a exclusão de DST(6). O exame pélvico não é habitualmente obrigatório numa fase inicial, podendo ser deferido(5,6), com excepção dos casos de dor abdominal em adolescente sexualmente activa(6).

De acordo com as orientações da American Cancer Society e do American College of Obstetricians and Gynecologists, o rastreio através de citologia cervicovaginal deverá iniciar-se três anos após o início da atividade sexual ou aos 21 anos de idade(6). Nas adolescentes saudáveis, o início de contraceção não indica a realização de rastreio analítico adicional ao habitualmente preconizado para este grupo etário(8).

Métodos de barreira Os preservativos masculinos têm a vantagem de serem contracetivos e protegerem contra DST(5). Devem ser recomendados a todos(as) os(as) adolescentes, sem exceção (mesmo nos casos de utilização de métodos hormonais)(5,6). Os contracetivos de barreira femininos incluem o diafragma, o capuz cervical e o preservativo feminino(6).

Métodos hormonais (Quadro 1) Os anticoncecionais orais combinados (ACO-C) contêm uma associação de estrogénio (etinilestradiol, 15 a 35 μg/dose nas formulações disponíveis em Portugal) e um progestativo e podem ser categorizados em mono- ou multifásicos, estes de utilização mais confusa e sem vantagens relativamente aos primeiros (6,11). Na maioria das adolescentes um ACO-C com 35 μg de etinilestradiol é adequado(6) e alguns autores sugerem um ACO-C monofásico com 30 μg de etinilestradiol e dose baixa de noretisterona ou levonorgestrel como opção de primeira linha(12). Os benefícios não contracetivos dos ACO-C incluem regularização dos ciclos menstruais, melhoria da acne e diminuição da dismenorreia, hemorragia menstrual e quistos funcionais dos ovários(6). Os efeitos laterais incluem náuseas, sensibilidade ou dor mamária e cefaleias(6).

O uso de ACO-C aumenta três a cinco vezes o risco de tromboembolismo venoso, sendo que os que contêm gestodeno, desogestrel ou acetato de ciproterona como fonte de progestagénio estão associados a maior risco(12). As contra-indicações absolutas para o uso de contraceção hormonal combinada encontram-se no Quadro 2.

Quadro 1 Contracetivos hormonais comercializados em Portugal(6,9,10,15). £ACO- C com atividade anti-androgénica.

Quadro 2 Contra-indicações absolutas para o uso de contraceção hormonal combinada(9). TAS, tensão arterial sistólica. TAD, tensão arterial diastólica.

IMC, índice de massa corporal. £Doença cardíaca coronária, doença vascular periférica, retinopatia hipertensiva, acidente isquémico transitório. §Por exemplo com hipertensão pulmonar, fibrilação auricular, história de endocardite bacteriana. Idade, tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial, hiperlipidemia.

Os contracetivos orais progestativos (ACO-P) (mini-pílulas com desogestrel) são menos eficazes que os ACO-C, sendo alternativa nos casos de contra-indicação (Quadro 2) ou intolerância aos estrogénios(6). Habitualmente não são recomendados na adolescência pela sua menor eficácia(6), com necessidade de uma toma mais rigorosa e sobretudo porque condicionam padrões hemorrágicos imprevisíveis(5).

A contraceção hormonal transdérmica, método hormonal combinado contendo etinilestradiol e norelgestromina, e a contraceção hormonal vaginal, contendo etinilestradiol e etonogestrel(6,11), são tão eficazes como os ACO-C e poderão ter melhor adesão terapêutica por não requererem toma diária. O adesivo da contraceção hormonal transdérmica é aplicado semanalmente durante três semanas, seguindo-se uma semana de pausa para indução do cataménio(6). O anel usado na contraceção hormonal vaginal é aplicado mensalmente (permanece na vagina durante três semanas, seguindo-se uma semana de intervalo para indução do cataménio)(6). A contraceção hormonal vaginal é frequentemente um método de difícil aceitação pelas adolescentes dada a necessidade de manipulação genital.

Os efeitos adversos são sobreponíveis aos dos ACO-C(6). Não obstante, estudos recentes sugerem que a mudança de um ACO-C para a contraceção hormonal transdérmica pode condicionar um desvio desfavorável nos biomarcadores de trombose (ao contrário das que mudam para contraceção hormonal vaginal)(13).

O acetato de depo-medroxiprogesterona é o único contracetivo hormonal injetável disponível em Portugal. Este é um contracetivo progestativo muito eficaz, administrado a cada três meses por via intramuscular, e poderá ser uma alternativa para as adolescentes com baixa adesão terapêutica aos ACO(6) e nos casos de contra-indicação ou intolerância aos estrogénios(5). Os efeitos adversos mais comuns incluem alterações menstruais(5,6), aumento de peso, acne e cefaleias(6), bem como risco de redução da densidade mineral óssea, pelo que deverá ser evitado nas adolescentes com risco de osteopenia/osteoporose(6,14) ou, de acordo com alguns autores, em todas a menores de 18 anos(5). As adolescentes sob acetato de depo-medroxiprogesterona deverão ser aconselhadas quanto a suplementos dietéticos ou farmacológicos de cálcio e vitamina D(6,14), bem como incentivadas a realizar exercício físico regular(6). O implante progestativo subcutâneo é eficaz durante três anos e apresenta como vantagem uma contraceção reversível, a longo prazo e muito eficaz(5,6). Demonstra vantagens nas adolescentes que desejam uma ação contracetiva prolongada, referem dificuldade em manter uma administração oral diária ou que têm antecedentes de gestação prévia(8). As suas principais desvantagens incluem irregularidades menstruais, sobretudo ao longo do primeiro ano de uso, e cefaleias(6,9). Não está demonstrado risco de redução da densidade mineral óssea(14). Dispositivo intra-uterino (DIU) Os DIU são muito eficazes como método de contraceção a longo prazo(6) e atualmente associam-se a um baixo risco de infeção(11). O DIU de cobre, com eficácia de cinco a dez anos(5,11), pode condicionar aumento da hemorragia menstrual e dismenorreia(11). O DIU com levonorgestrel, com eficácia de cinco anos(5,11), condiciona uma redução de 75% da hemorragia menstrual(11). O American College of Obstetricians and Gynecologists, entre outras organizações, aprovou o uso de DIU desde a menarca até aos 20 anos(5). Nas adolescentes nulíparas pode existir maior dificuldade de colocação e, dada a maior taxa de expulsão, a indicação deve ser individualizada. As contra-indicações absolutas para o seu uso incluem sépsis pós-parto ou pós-abortamento e doença inflamatória pélvica atual(9).

Contraceção de emergência A contraceção de emergência pode prevenir a gravidez após uma relação sexual desprotegida ou com falha do método contracetivo(6). Estão disponíveis formulações de estrogénio combinado com progestativo (levonorgestrel e etinilestradiol), progestativo isolado (levonorgestrel)(6) e inibidor seletivo dos recetores da progesterona (acetato de ulipristal)(15). A contraceção de emergência está indicada até 72 horas após uma relação desprotegida para as duas primeiras formulações (levonorgestrel associado a etinilestradiol ou levonorgestrel isolado)(6) e até 120 horas para a terceira formulação (acetato de ulipristal)(15).

Seguimento após início da contraceção A reavaliação frequente das adolescentes que iniciaram contraceção é fundamental de modo a maximizar o cumprimento das medidas sugeridas e rever questões relativas ao seu uso correto, efeitos adversos e complicações(6). É uma oportunidade para reforçar o ensino para uma vida sexual saudável, bem como rastrear comportamentos de risco, rastrear DST e realizar citologia cervicovaginal, quando indicado(6).

ESPECIFICIDADES DA CONTRACEÇÃO NAS ADOLESCENTES COM LES A escolha da contraceção nas adolescentes com LES constitui um desafio pelo potencial incremento dos riscos subjacentes à doença (nomeadamente risco tromboembólico), pelo potencial agravamento da doença e por possíveis interações medicamentosas(1,5,7). Revisões recentes da literatura sugerem que as mulheres com LES podem usar a maioria dos métodos contracetivos, incluindo os métodos hormonais (exceto em situações particulares), que os benefícios são superiores aos riscos(5).

Risco tromboembólico Deve considerar-se o risco de complicações tromboembólicas nas doentes com LES e anticorpos antifosfolipídeos (aPL) positivos(1), pelo que todas as adolescentes com LES devem ser rastreadas para a sua presença antes de iniciar contraceção hormonal combinada(11). Os ACO-C estão contra-indicados nas adolescentes com títulos médios ou altos de aPL ( 40 unidades GPL ou MPL) (1,11). Nas adolescentes com títulos baixos ou ausentes deverão rastrear-se outros fatores de risco pró-trombóticos hereditários antes do uso de ACO-C (1,11), nomeadamente através do seguinte estudo complementar: hemograma, factor V de Leiden (e/ou teste de resistência à proteína C ativada), protrombina G20210A, proteína S, proteína C, antitrombina III, homocisteína e lipoproteína (a)(16,17). Os ACO-P (ou outra formulação progestativa) são uma boa alternativa nas doentes com aPL positivos, que na sua maioria não se associam a um aumento do risco de trombose(1,11), com a exceção dos progestativos de terceira geração (gestodeno e desogestrel)(12).

Exacerbação do LES Existem evidências de que os ACO-C não aumentam o risco de exacerbação do LES em mulheres com doença estável, apesar dos estudos não se focarem especificamente em adolescentes(1). Os resultados de dois ensaios clínicos randomizados (ensaio SELENA(18) e ensaio realizado por Sanchez-Guerrero et al.

(19)) demonstraram que os ACO-C não aumentam significativamente o risco de exacerbação da doença numa população de doentes com LES estável. Com base nestes estudos, a contraceção hormonal combinada parece segura nas doentes com aPL negativos(4,11) e com LES inativo(4,11,14) ou ativo estável(4,11,14) sem envolvimento renal(14). Considerando o Systemic Lupus Erythematosus Activity Index (SLEDAI)(20), a contraceção hormonal combinada poderá ponderar-se nos casos de SLEDAI 10 e sem evidência de exacerbação da doença (aumento de três pontos no mesmo índice). São, no entanto, necessários estudos adicionais para avaliar o possível impacto dos estrogénios exógenos em mulheres com doença ativa(1). Neste grupo de doentes, atualmente são opção os contracetivos progestativos(11).

Interações medicamentosas Os ACO-C apresentam potencial de interação com vários fármacos, aumentando a concentração sérica de corticóides, varfarina e ciclosporina(11). Os anticonvulsivantes, como carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, oxcarbazepina, primidona, felbamato, topiramato e lamotrigina, diminuem a eficácia contracetiva dos ACO-C(11). O metotrexato não parece interferir com os estroprogestativos(7).

Opções contracetivas nas adolescentes com LES Nas adolescentes com LES o método preferencial é, como nos restantes adolescentes, um método duplo (método barreira associado a método hormonal), que deverá ser ponderado de acordo com fatores de risco relacionados com a doença. Os autores sugerem uma avaliação clínica preliminar, nomeadamente: anamnese, incluindo sintomas sugestivos de doença ativa, história de trombose venosa ou arterial e factores de risco cardiovascular, como tabagismo; exame objectivo, incluindo sinais sugestivos de doença ativa, somatometria (incluindo cálculo do índice de massa corporal) e avaliação da tensão arterial; e estudo analítico, incluindo hemograma, estudo imunológico (C3, C4, anti-C1q, anti- dsDNA), bioquímica sérica (ureia, creatinina, colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos) e exame de urina (análise sumária de urina e microalbuminúria), doseamento de aPL (anticoagulante lúpico, anticardiolipina e anti-β2- glicoproteína) e estudo pró-trombótico adicional [factor V de Leiden, protrombina G20210A, proteína S, proteína C, antitrombina III, homocisteína e lipoproteína (a)].

Os métodos de barreira não afetam a condição médica pré-existente e podem ser globalmente recomendados(5,7). Relativamente aos contraceptivos hormonais, as formulações combinadas (orais, vaginais e intramusculares) são uma boa opção nas adolescentes com aPL negativos ou com títulos baixos, sem outros fatores de risco pró-trombóticos e sem LES ativo(11) (Quadro 3). Atualmente, poderá ser prudente evitar os contracetivos hormonais transdérmicos até existirem mais dados quanto aos efeitos de uma maior exposição estrogénica relativamente às outras formas de contraceção hormonal combinada(11). Os contracetivos mprogestativos (orais, intramusculares, subcutâneos ou intra-uterinos) por norma não aumentam o risco de trombose e são recomendados nas doentes de qualquer idade que apresentem contra-indicação para o uso de estrogénios(11). O acetato de depo-medroxiprogesterona deve ser usado com cautela nas adolescentes em corticoterapia pelo risco adicional de perda de massa óssea(11). O DIU pode ser uma opção segura e eficaz nas adolescentes com LES, nomeadamente o que contém levonorgestrel(3). Não aumenta o risco de trombose, osteoporose ou hemorragia menstrual abundante(3) e poderá ser útil nas doentes em terapêutica com varfarina por reduzir o fluxo menstrual(11). Apesar do DIU não estar absolutamente contra-indicado nas doentes com terapêutica imunossupressora, não existem recomendações quanto ao grau de imunossupressão que aumenta significativamente o risco de infeção(11). Finalmente, a contraceção de emergência não tem contra-indicação nas adolescentes com LES(7).

Quadro 3 Indicações dos contracetivos hormonais combinados e progestativos nas adolescentes com LES de acordo com o risco tromboembólico e de exacerbação da doença(2,7,21). De notar que os progestativos gestodeno e desogestrel são considerados ligeiramente mais trombogénicos(12). £Uma unidade de GPL corresponde a actividade ligante de 1 μg/ml do anticorpo IgG de cardiolipina, o qual foi purificado a partir de um soro padrão por afinidade cromatográfica.

§Uma unidade de MPL corresponde a actividade ligante de 1 μg/ml do anticorpo IgM de cardiolipina, o qual foi purificado a partir de um soro padrão por afinidade cromatográfica.

CONCLUSÕES O aconselhamento contracetivo nas adolescentes com LES é fundamental e deve incluir informação relativa aos diferentes métodos disponíveis(1), nomeadamente eficácia, indicações, contra-indicações e efeitos adversos. Neste grupo etário a contraceção dupla (método barreira e método hormonal combinado) é a mais indicada, sendo classicamente ponto de discussão o uso de contraceção hormonal combinada nas adolescentes com LES(1,5,7). Revisões recentes sugerem que as doentes com LES podem usar a maioria dos métodos contracetivos, incluindo os métodos hormonais (exceto em situações particulares)(5). De facto, os contracetivos hormonais combinados são uma boa opção nas adolescentes com aPL negativos ou com título baixo, sem outros fatores de risco pró-trombóticos e sem LES ativo(1,11). Os contraceptivos progestativos são recomendados nos casos de contra-indicação para o uso de estrogénios (aPL em título médio ou elevado, outros fatores de risco pró-trombótico ou LES ativo)(1,11). Os métodos de barreira são globalmente recomendados (mas não como método isolado pela baixa eficácia contracetiva) (5,7) e a contraceção de emergência não tem contra- indicação nas adolescentes com LES(7). O DIU não está atualmente contra- indicado, sendo uma opção segura e eficaz nas adolescentes com LES(3), nomeadamente nos casos em que se pretende uma redução do fluxo menstrual (DIU com levonorgestrel) (11). Finalmente, o aconselhamento contracetivo da adolescente com LES deverá ser individualizado, considerando a atividade da doença e fatores de risco para trombose, mas também fatores relativos ao estilo de vida e contexto sociocultural(1).


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