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EuPTCVHe0872-07542012000300006

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Tuberculose e cancro: pior que um dois!

INTRODUÇÃO A tuberculose, que adquiriu maior importância nos últimos anos pela resistência aos fármacos e pela predilecção pelos imu­nodeprimidos (1), é uma preocupação global (1,2). A sua incidência crescente tem sido atribuída à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, imigração, más condições sociais e menor im­plementação dos programas de controlo (2,3). A doença pulmonar primária é a forma mais comum de apresentação da tuberculose activa (1). A tuberculose esquelética é pouco comum e representa 10 a 20% das formas extrapulmonares e 1 a 2% de todos os ca­sos de tuberculose (2). No doente imunodeprimido, esta forma é mais frequente podendo estar presente, de modo isolado ou em associação com tuberculose pulmonar, em quase metade dos casos (4). O seu diagnóstico diferencial inclui uma multiplicidade de infecções (bacterianas, víricas e fúngicas), doenças autoimu­nes e neoplásicas, entre outras (1), pelo que um elevado índice de suspeição é essencial para o diagnóstico precoce e para o tratamento e cura da doença (2). Os autores apresentam o caso clínico de uma criança com doença oncológica na qual, durante o tratamento com quimioterapia, a infecção pelo Mycobacterium tuberculosis foi considerada como causa possível de queixas osteoarticulares de novo. Discutem-se as dificuldades diagnós­ticas, nomeadamente no que respeita ao diagnóstico diferencial com doença metastática.

CASO CLÍNICO Criança do sexo feminino, cinco anos, raça caucasiana, natural e residente em Vila Nova de Gaia. Antecedentes patoló­gicos, pessoais e familiares, irrelevantes. Em Novembro de 2008 é referenciada pelo hospital da área de residência para o Insti­tuto Português de Oncologia Francisco Gentil ' Porto (IPOPFG) por massa retroperitoneal, com o diagnóstico subsequente de nefroblastoma do pólo superior do rim direito; o estadiamento revela tratar-se de doença localizada. Inicia quimioterapia neo­-adjuvante com actinomicina D e vincristina de acordo com o protocolo da International Society of Paediatric Oncology (SIOP) de 2001. Subsequentemente realiza exérese cirúrgica que inclui nefroureterectomia direita. O exame anátomo-patológico revela nefroblastoma de risco intermédio, do tipo regressivo no estadio III, com base na classificação pós-tratamento, o que traduz uma boa resposta à quimioterapia num tumor localmente avançado. Prossegue tratamento com quimioterapia sistémica (actinomici­na D, vincristina e doxorrubicina) e radioterapia do leito tumoral.

Em Abril do ano seguinte, em consulta de seguimento, refere dor na região inguinal direita e claudicação da marcha, de carácter intermitente. O exame objectivo revela dor desencadeada pela rotação interna da articulação coxofemural direita. Consideran­do o carácter intermitente das queixas, adopta- se uma atitude expectante. Na reavaliação após dois meses observa-se persis­tência da claudicação da marcha, ainda intermitente, nesta altura associada a dor na região anterior e proximal da perna direita. O exame objectivo demonstra dor à palpação da metade proxi­mal da tíbia direita. Face à persistência das queixas, colocam­-se como principais hipóteses de diagnóstico: doença óssea metastática, artrite reactiva, infecção osteoarticular e neoplasia primária musculo-esquelética. É realizado estudo complementar analítico, incluindo hemograma e bioquímica sérica, de que se salientam anemia (hemoglobina 9,7 g/dl), normocítica normocró­mica, e elevação discreta dos marcadores de citólise hepática (TGO e TGP), alterações expectáveis e não valorizáveis numa criança em quimioterapia. Serologias para citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, vírus herpes simples e vírus da hepatite A, sem al­terações sugestivas de infecção recente. Prova de Mantoux, ne­gativa. Do estudo imagiológico destacam-se: telerradiografia da anca e perna direitas sem alterações osteoarticulares valorizá­veis; ressonância magnética (RM) da perna direita com alteração de sinal na diáfise proximal da tíbia (Figura 1); e cintigrafia óssea com foco de hiperfixação na extremidade proximal da tíbia direi­ta, suspeitos de traduzir metástases (Figura 2). A ecografia abdo­minopélvica exclui recidiva local da doença neoplásica ou metastização abdominal, nomeadamente hepática. A telerradiografia e tomografia computorizada (TC) torácicas excluem alterações pleuroparenquimatosas, de carácter metastático ou infeccioso. Para esclarecimento etiológico realiza-se biópsia óssea guiada por imagem: a citologia é inconclusiva, a histologia mostra es­casso infiltrado inflamatório e ausência de células neoplásicas, e o estudo microbiológico é negativo. Optou-se por biópsia óssea cirúrgica no sentido de aumentar a representatividade da amos­tra: a histologia mostra fragmentos ósseos com focos de osteo­necrose e espaços intertrabeculares preenchidos por exsudado fibrinoleucocitário com espaços vasculares ectasiados, sem si­nais de malignidade; o estudo microbiológico apresenta imuno­citoquímica negativa, cultura em Lowenstein-Jensen negativa e reacção em cadeia da polimerase (PCR) para Mycobacterium tuberculosis complex positiva. Perante o diagnóstico de tuberculose óssea, a criança inicia terapêutica antituberculosa, incluindo dois meses de terapêutica quádrupla (iso­niazida, rifampicina, pirazinamida e etam­butol) e, subsequentemente, dez meses de terapêutica dupla (isoniazida e rifampi­cina). O rastreio de conviventes (realizado no Centro de Doenças Pulmonares) foi negativo. Actualmente, a criança encontra­-se em seguimento no IPOPFG após termi­nar quimioterapia adjuvante em Agosto de 2009, sem recidiva local da doença oncoló­gica ou sinais de metastização à distância. Cumpriu terapêutica antituberculosa, com melhoria sintomática significativa; o estudo imagiológico demonstra alterações suges­tivas de resolução do processo infeccioso e a cintigrafia óssea apresenta distribuição do radiofármaco normal para a idade. De­senvolveu sintomatologia dispéptica como efeito adverso atribuível à terapêutica an­tituberculosa que controlou com inibidor da bomba de protões.

Figura 1 ' RM da perna direita: diáfise proximal da tíbia direita com área de ocupação da medular óssea que capta contraste, sugestiva de infiltra­ção metastática. Sem outras alterações relevantes.

Figura 2 ' Cintigrafia óssea: focos de hiperfixação dos difosfonatos na extremidade proximal da tíbia direita, suspeitos de traduzir metástases.

Restante distribuição do radiofármaco normal para o grupo etário.

Discussão:As neoplasias renais re­presentam 6,3% dos tumores malignos diagnosticados em menores de 15 anos de idade (5), sendo o tumor de Wilms a forma mais comum (1,5,6,7). Este ocorre sobretudo em crianças menores de cinco anos (5) e habitualmente manifesta-se sob a forma de uma massa abdominal assintomática (6). Nos centros europeus, o tratamento baseia-se na quimioterapia pré-operatória, cirurgia e tratamento pós-operatório que depende do estadiamento (8,9). Actualmente a taxa de sobrevida global ronda os 85% (6).

O local de metastização mais comum é o pulmão, seguindo-se os gânglios linfáticos e fígado(9). O tumor de Wilms raramente metastiza para o osso, medula óssea ou cérebro (9).

No caso apresentado, o estadiamento inicial do nefro­blastoma revelou tratar-se de doença localizada. Não obstan­te, durante o período de terapêutica adjuvante, o aparecimento de queixas álgicas osteoarticulares obrigou à consideração da hipótese de metastização óssea. Na ausência de metastização para outras localizações, foram consideradas outras hipóteses nomeadamente a infecção osteoarticular, facilitada pela imunos­supressão. A radiografia do osso envolvido pode ser útil, mas é inespecífica (10) e neste caso foi normal. A RM da perna direita e a cintigrafia óssea foram sugestivas de infiltração metastática na tíbia direita. Todavia, apesar da importância reconhecida à RM nestes casos, a ausência de achados patognomónicos obri­ga a outros testes para confirmação diagnóstica (10). Os exames histológico e microbiológico são importantes para o diagnósti­co, especialmente em associação com técnicas de detecção por PCR(10). A colheita de tecidos por técnicas minimamente invasi­vas, guiadas por imagem, é actualmente o goldstandard (10). No doente imunodeprimido é frequente a anergia tuberculínica, os granulomas são escassos, mal circunscritos, por vezes inexis­tentes, podendo também faltar a necrose caseosa (4). O prognós­tico é habitualmente bom com o tratamento correcto; pode ocor­rer incapacidade residual funcional, habitualmente resultando no atraso diagnóstico (3).

Os autores pretendem reforçar a importância do reconheci­mento da infecção por Mycobacterium tuberculosis nas crianças sob terapêutica imunossupressora, mesmo na presença de ma­nifestações clínicas frustres, evidenciando a importância do seu diagnóstico diferencial com doença oncológica (primária ou se­cundária) (10,11), num contexto epidemiológico adequado, ou seja, residência em área geográfica entre as de maior incidência (12).


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