COLITE ISQUÉMICA - A PROPÓSITO DE DOIS CASOS
INTRODUÇÃO
A colite isquémica é a forma mais comum de apresentação da isquémia intestinal e compreende um largo
espectro de formas de apresentação e é mais frequente
em idades avançadas. É um quadro multifactorial que
pode estar associado a várias condições predisponentes,
desde cardiovasculares ao uso de medicamentos e drogas (1). O diagnóstico é sugerido por colonoscopia que
permite a visualização directa da mucosa. A maioria dos
casos apresenta resolução espontânea, reservando-se a
cirurgia para aqueles com envolvimento peritoneal ou
deterioração clínica (1,2).
CASOS CLÍNICOS
Os autores apresentam dois casos clínicos de colite
isquémica, com aspectos endoscópicos exuberantes e
cuja evolução foi grave e mortal.
Caso Clínico 1
Doente do sexo feminino, 59 anos de idade, internada
por quadro de hematoquésias abundantes e dores
abdominais difusas. A doente apresentou sempre estabilidade hemodinâmica.
Nos antecedentes pessoais tinha obstipação crónica e
bloqueio AV de 1º grau com isquémia sub-endocárdica.
A avaliação analítica era normal com excepção da protrombinémia de 51%. A radiografia do tórax mostrou
derrame pleural direito e a ecografia abdominal ascite
discreta. A colonoscopia revelou, a nível do ângulo
esplénico, mucosa congestiva, edemaciada, friável, com
hematomas sub-epiteliais (Foto 1 e 2).
A investigação hematológica evidenciou um distúrbio da
coagulação (prolongamento do TP e TCC; elevação do
factor VIII; diminuição dos factores VII, X e Proteína
C), enquadrado no contexto de amiloidose (paredes vas-
culares coradas por Vermelho de Congo na citologia da
gordura abdominal) associada a mieloma múltiplo (pico
monoclonal na fracção gama - Ig G Kapa, com hipogamaglobulinémia A e M e aumento dos plasmócitos no
medulograma - 19%). No decurso do internamento, a
doente manteve sintomatologia intestinal até ao 10º dia
de internamento. Ao 17º dia sofreu um acidente vascular
cerebral isquémico, com repetição ao 40 º dia, vindo a
falecer.
Caso Clínico 2
Doente do sexo masculino, 76 anos de idade, internado
por dor abdominal localizada ao epigastro e hipocôndrio
esquerdo, acompanhada de naúseas, vómitos e diarreia
sanguinolenta, com cerca de 1 mês de evolução.
Antecedente de pneumonia recente. No exame objectivo
estava desidratado e desnutrido. A avaliação analítica
mostrou a existência de leucocitose, aumento da PCR,
retenção azotada e acidose metabólica. Dos exames
complementares de imagem realizados apenas a realçar
a existência de derrame pleural bilateral. Colonoscopia
total evidenciou mucosa congestiva, erosionada e friá-
vel, envolvendo circunferencialmente a parede em toda
a sua extensão, excepto no recto que estava poupado.
Para além disso, no cólon transverso e descendente presença de vários hematomas sub-epiteliais (Fotos 3A e
3B), alterações sugestivas de co-lite isquémica grave.
Não foi possível estabilizar o doente de modo a serem
implementadas outros meios de investigação/terapêutica, nomeadamente arteriográficos, tendo o doente falecido nas primeiras 24 horas.
Os dois casos clínicos expostos, exemplificam formas
de apresentação mais exuberantes e agressivas de colite
isquémica, ao contrário do que é habitual.
À habitual classificação endoscópica em 3 formas da
colite isquémica - aguda, subaguda e crónica - Boley et
al (3) acrescentam uma outra forma de apresentação
endoscópica, frequentemente encontrada nos casos de
evolução clínica mais grave: presença de nódulos
hemorrágicos (hematomas sub-epiteliais) representando
hemorragias sub-mucosas e que equivalem às imagens
"em dedadas" observadas nos estudos baritados. Esta
última forma foi a expressão endoscópica encontrada
em ambos os casos descritos.
Num estudo retrospectivo realizado por Medina et al (4),
que incluiu 53 casos de colite isquémica, os autores
analisaram a associação entre os factores predisponentes
e o prognóstico. Concluíram que a vasculopatia periférica e o envolvimento direito do cólon pela isquémia estão
associados às formas mais severas, o que se verificou no
nosso segundo doente. O primeiro doente tinha um
envolvimento segmentar do ângulo esplénico; o segundo doente, embora as alterações mais marcadas se verificarem no cólon esquerdo, tinha envolvimento isquémico de todo o cólon.
Koutroubakis et al (5) investigaram o papel dos factores
de risco trombóticos, quer adquiridos, quer hereditários,
num estudo que recaiu sobre 36 doentes com colite
isquémica. Os autores concluíram que os estados de
trombofilia encontravam-se presentes em 72% dos
doentes e, dessa forma, os factores de risco trombótico
têm um papel importante na patogénese das doenças
isquémicas. Corroborando aquela correlação patológica,
está o que foi encontrado no doente do nosso primeiro
caso clínico a quem posteriormente se diagnosticou
mieloma múltiplo associado a amiloidose, com síndrome de hipercoagulabilidade, e que se julga a patogénese da exuberância e repetitividade dos acidentes vasculares cerebrais. No doente do segundo caso clínico, a
rápida evolução fatal do quadro não permitiu que fosse
efectuado qualquer estudo mais aprofundado de eventual - e provável! - patologia subjacente.