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EuPTCVHe0872-81782007000200002

EuPTCVHe0872-81782007000200002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2007
Issue0002
Article number00002

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CARCINOMA DO CÓLON OU RECTO EM JOVENS: CARACTERIZAÇÃO CLÍNICO-PATOLÓGICA E VIAS DE CARCINOGÉNESE

INTRODUÇÃO O carcinoma do cólon ou recto (CCR) apresenta uma incidência elevada nos Estados Unidos da América e nos países da Europa Ocidental (1). Os CCR diagnosticados em doentes com idade inferior a 45 anos, considerados jovens, são relativamente raros, constituindo menos de 10% de todos os casos (2,3).

No desenvolvimento do CCR têm sido descritas alterações genéticas que permitiram a identificação de pelo menos duas vias distintas de carcinogénese. A primeira via, designada por via supressora (VS) ou clássica, resulta da inactivação de genes supressores tumorais, nomeadamente dos genes APC (cromossoma 5q), p53 (cromossoma 17p), DCC (cromossoma 18q) e SMAD4 (cromossoma 18q) e activação de oncogenes como o kras e a ß-catenina (4-7). No seu conjunto, estes fenómenos condicionam perdas de heterozigotia que conduzem a instabilidade cromossómica (8). A VS é a via predominante, sendo responsável por cerca de 80% dos CCR esporádicos (9).

A segunda via, designada por via mutadora (VM), foi descrita mais recentemente e, para além de outros eventos genéticos, é caracterizada pela inactivação de genes que se encontram envolvidos no sistema de reparação de erros de replicação do ADN, sobretudo o MLH1 e o MSH2 (10,11). A VM caracteriza-se fenotipicamente pelo aparecimento de instabilidade de microssatélites de alto grau, e é responsável por cerca de 15% dos CCR esporádicos (12-14). Em doentes com diagnóstico de CCR em idade inferior a 45 anos, tem sido descrita uma frequência mais elevada para a VM (15-18). As alterações que caracterizam a VM podem ser adquiridas a nível somático, na célula neoplásica, ou estarem na dependência de mutações germinais nos genes de reparação do ADN, o que permitirá então a sua transmissão à descendência. A identificação de mutações germinais nos genes de reparação do ADN estabelece o diagnóstico de uma síndroma hereditária de carcinoma do cólon ou recto, a Síndroma de Lynch, o que possibilita a inclusão dos portadores da mutação identificada num programa de vigilância (19,20).

Embora nos últimos anos várias publicações tenham analisado a presença de instabilidade de microssatélites em CCR de doentes jovens, com a correspondente caracterização da VM (15-18), poucos trabalhos estu- daram, neste grupo de doentes, as alterações genéticas que caracterizam a VS (21,22).

Os objectivos do presente estudo foram: 1) Caracterizar uma população de doentes com CCR diagnosticado em idade inferior a 45 anos, sem história familiar sugestiva de síndromas hereditárias de CCR, em relação à prevalência das VS e VM; 2) Correlacionar as características clínico-patológicas e a sobrevivência, com a via de carcinogénese seguida.

DOENTES E MÉTODOS Doentes No presente estudo, foram incluídos 42 doentes com CCR diagnosticado em idade inferior a 45 anos, sem critérios clínicos para síndromas hereditárias de CCR ou doença inflamatória intestinal. A média de idades dos doentes foi de 35,5+6,0 anos (19-44); 19 eram do sexo masculino e 23 do sexo feminino.

Analisou-se para cada caso a localização, o grau de diferenciação, a produção de muco e estádio do CCR, bem como a história familiar e a sobrevivência dos doentes.

Todos os casos, com material disponível, foram revistos por um patologista que desconhecia os dados clínicos no momento da análise das peças operatórias. O grau de diferenciação foi avaliado segundo os critérios definidos pela OMS (23) e a presença de muco extra-celular foi classificada através dos critérios modificados de Wiggers, em três graus: ausente (adenocarcinoma); inferior a 50% (adenocarcinoma produtor de muco) e superior a 50% (adenocarcinoma mucinoso) (24).

Análise Genética Na análise genética utilizou-se ADN extraído de tecido tumoral e de mucosa não neoplásica colhidos de peças cirúrgicas, após fixação em formol e inclusão em parafina. A caracterização genética foi efectuada através da avaliação das perdas de heterozigotia e da pesquisa de instabilidade de microssatélites.

A análise das perdas de heterozigotia foi realizada utilizando marcadores de microssatélites próximos do loci dos genes APC (D5S346, D5S656, D5S1965, D5S421), p53 (TP53, D17S796, D17S1796), SMAD4 (D18S46), e DCC (D18S35). Cada par de ADN extraído a partir de tecido tumoral - tecido não neoplásico, foi amplificado por PCR, tendo-se utilizado primers marcados com diferentes fluorocromos, excepto para os marcadores D17S796 e D17S1796 que foram efectuados em gel de poliacrilamida desnaturante. A electroforese dos fragmentos marcados com fluorocromos foi realizada num sequenciador automático ABI Prism 310 com recurso ao software GeneScan (Applied Biosystems). Para cada marcador foi efectuada uma razão entre a área dos picos dos alelos do tecido não neoplásico e tumoral, tendo-se considerado haver perda de heterozigotia sempre que esta razão foi superior a 1,5 ou inferior a 0,67 (Figura 1).

Considerou-se que o CCR seguia a VS quando existiam alterações em pelo menos dois (50%) dos genes estudados.

A instabilidade de microssatélites foi estudada com o painel de marcadores de Bethesda (25), D2S123, D5S346, D17S250, BAT-25 e BAT-26, após amplificação por PCR e electroforese em gel de poliacrilamida desnaturante. Para visualização dos produtos de PCR, os géis foram submetidos a auto-radiografia ou revelação após coloração com nitrato de prata. A instabilidade de microssatélites foi definida pela presença de pelo menos um alelo adicional no tumor, quando comparado com a mucosa não neoplásica (Figura 2) e, de acordo com os critérios de Bethesda, classificou-se em alto grau quando se verificou para 2 ou mais marcadores, baixo grau quando se verificou para 1 marcador e estável quando não foi detectada em nenhum dos 5 marcadores testados.

Considerou-se que o CCR seguia a VM na presença de instabilidade de alto grau.

Nos doentes com CCR que seguiram a VM, procedeu-se à análise de mutações germinais nos genes de reparação do ADN, MLH1 e MSH2, através de DGGE (Denaturating Gradient Gel Electrophoresis) a qual foi seguida de sequenciação directa do produto de PCR, sempre que foi detectada uma alteração. Nos casos em que não foram identificadas mutações pontuais, efectuou-se também MLPA (Multiplex ligation-dependent probe amplification) para pesquisa de grandes deleções.

Estatística Na análise estatística utilizou-se o teste do χ2 para comparação de proporções e o anova para comparação de variáveis contínuas. As curvas de sobrevivência foram estimadas de acordo com o método de Kaplan-Meier e as diferenças de sobrevivência de acordo com o teste de logrank (STATA 8.0). Considerou-se haver significado estatístico na presença de p<0,05.

RESULTADOS

A correlação entre as vias de carcinogénese seguidas pelo CCR e as variáveis clínico-patológicas estudadas encontra-se discriminada no Quadro 1.

Verificámos, de acordo com os critérios descritos, que 14/42 (33%) CCR seguiram a VM e 16/42 (38%) a VS.

Os restantes 12/42 (29%) CCR não apresentaram marcadores nem da VM nem da VS, admitindo-se terem seguido uma via alternativa (VA), ainda não caracterizada.

Relativamente à VS, as perdas de heterozigotia foram mais frequentes no locus do gene p53 (48,1%), seguida pelos loci dos genes APC e SMAD4 (44,4% em ambos), e pelo locus do gene DCC (22,2%).

Os CCR que seguiram a VM localizaram-se preferencialmente no cólon proximal (78,6%) e os que seguiram a VS no cólon distal (50%). Ao invés, os associados à VA localizaram-se sobretudo no recto (83,3%) (p< 0,001).

Relativamente à produção de muco, disponível em 41/42 CCR incluídos na presente análise, verificámos que 5/7 (71,4%) tumores mucinosos se encontravam associados à VM enquanto os CCR que seguiram a VS foram os que apresentaram menor produção de muco, apenas 2/16 (12,5%) casos (p=0,03).

Não se observaram diferenças na distribuição por sexo nem na média de idades dos doentes para qualquer das vias seguidas pelos CCR. Também relativamente ao grau de diferenciação, disponível em 34/42 CCR e à distribuição por estádio TNM, caracterizada em 39/42 CCR, não se encontraram diferenças com significado estatístico.

Em relação à história familiar, disponível para 40/42 doentes incluídos na presente série, apenas 4 doentes apresentaram um familiar de grau com CCR, corre- spondendo 2 à VM, 1 à VS e 1 à VA (p=NS).

O tempo médio de vigilância foi de 62,8±58,2 (1-282) meses, sem diferença com significado estatístico para as 3 vias. Os CCR que seguiram a VS apresentaram um maior número de recidivas comparativamente aos que seguiram a VM ou a VA, respectivamente 62,5%, 36% e 42% (p=NS). A probabilidade cumulativa de sobrevivência aos 8 anos foi semelhante para as VM e VA (70% e 69% respectivamente) e superior à da via supressora (50%) (p =NS) - Figura 3.

Ao compararmos os doentes com CCR em idade igual/inferior e superior a 35 anos, verificamos que no primeiro subgrupo foi predominantemente seguida a VM (53,3%), enquanto que no segundo foi a VS (51,9%) (p=0,03).

Nos doentes com CCR que seguiram a VM, procedeu-se à análise mutacional para os genes de reparação do ADN, MLH1 e MSH2. Esta encontra-se concluída em 12/14 casos. Identificaram-se 4/12 (33%) mutações pontuais, 3 no MLH1 (nonsense) e 1 no MSH2 (splicing), respectivamente para CCR diagnosticados aos 31, 38, 44 e 30 anos. Adicionalmente foi identificado um polimorfismo no MLH1, numa doente com CCR identificado aos 32 anos. Nos 2 casos que seguiram a VM e em que a história familiar não se encontrava disponível, o diagnóstico genético encontra-se concluído, não tendo sido identificada qualquer mutação germinal nos genes de reparação do ADN testados. Em 2/14 casos, o diagnóstico genético encontra-se em curso.

DISCUSSÃO Nos últimos anos foi claramente demonstrado que os CCR se desenvolvem através de duas vias de carcinogénese distintas, a VS e a VM. Estas vias diferem do ponto de vista dos eventos genéticos, das características clínico-patológicas e do prognóstico. A VS caracteriza-se pela ocorrência de perdas de heterozigotia, a sua prevalência atinge os 80% nos casos de CCR esporádi- cos, mais frequentes em idade superior a 50 anos e, associa-se a um prognóstico mais desfavorável (8,9). A VM traduz-se pelo aparecimento de instabilidade de microssatélites de alto grau e, os CCR que seguem esta via localizam-se mais frequentemente no cólon proximal e são mais vezes produtores de muco (14). Esta via ocorre preferencialmente em doentes jovens, traduzindo por vezes a ocorrência de uma síndroma hereditária de CCR e, tem sido associada a um melhor prognóstico (15-18).

Mais recentemente alguns autores identificaram um subgrupo de CCR, ocorrendo entre 13% e 64% dos casos analisados, que não apresentava marcadores de nenhuma destas vias. No entanto, quer a dimensão da amostra quer a metodologia aplicada nos diversos trabalhos foi variável (21,22,26-32). As publicações mais representativas pertencem a Goel e colaboradores e Tang e colaboradores, que incluíram nas suas séries 209 e 179 doentes respectivamente (31,32). Estes dois estudos incluíram doentes com CCR independentemente da idade de diagnóstico do mesmo e, nestes trabalhos aceita-se que, embora as VS e VM possam ser distinguidas com base nas suas características moleculares, alguns casos evidenciam sobreposição de marcadores das duas vias e adicionalmente CCR em que nenhuma das vias pode ser implicada.

Os trabalhos que analisam as diferentes vias de carcinogénese em doentes jovens são escassos e com idades de inclusão distintas (inferior a 40 ou inferior a 45 anos) (21,22,26,27). Apenas num estudo foram identificadas diferenças significativas na prevalência da VA quando se comparou a idade do diagnóstico do CCR em idade jovem e mais tardia (13 vs 64%) (22).

No presente trabalho efectuou-se a caracterização clínica, patológica e molecular de uma série de CCR diagnosticados em doentes com idade inferior a 45 anos e sem história familiar compatível com síndromas hereditárias de CCR. Verificámos que a VS foi seguida pelos CCR em 38% da globalidade da série, e que a VM foi responsável por 33% dos casos. A análise, em paralelo, da instabilidade de microssatélites e das perdas de heterozigotia, permitiu ainda identificar um grupo significativo de CCR (29%), que não apresentou marcadores para qualquer destas vias, admitindo-se assim a existência de uma via de carcinogénese alternativa. A prevalência que encontrámos na nossa série para a VA, está de acordo com os resultados publicados na literatura internacional.

Apesar da VS ter permanecido, mesmo num grupo de doentes com idade de diagnóstico do CCR inferior a 45 anos, a via de carcinogénese mais frequente, verificámos que a distribuição dos CCR pelas diferentes vias diferia significativamente se a análise fosse efectuada constituindo 2 subgrupos de doentes de acordo com a idade, inferior ou igual e superior a 35 anos. Assim, podemos constatar que a VM apenas foi preferencialmente seguida no grupo dos doentes mais jovens. Estes resultados estão de acordo com os de Liu e colaboradores (15), que numa série global de 189 CCR esporádicos, demonstram uma diferença significativa na frequência da VM para CCR diagnosticados em idade igual ou inferior a 35 anos relativamente aos diagnosticados em idade superior a 35 anos, 58% vs 12% respectivamente. Por outro lado, em 5/12 doentes com idade igual ou inferior a 35 anos foram identificadas mutações germinais em genes de reparação do ADN, estabelecendo-se assim o diagnóstico de Síndroma de Lynch em 5 novas famílias. Concluiu-se nesse trabalho que os mecanismos envolvidos na génese dos CCR nos doentes com idade igual ou inferior a 35 anos diferiam em relação aos doentes mais velhos, independentemente da identificação de novas Síndromas de Lynch, e também que esta era muito provável nos doentes mais jovens. Sugeria-se assim que, sobretudo nos doentes, com CCR em idade igual ou inferior a 35 anos, a VM deve ser a via estudada em primeiro lugar.

O facto de, na nossa série, ter sido possível identificar cara-cterísticas clínico-patológicas distintas para as 3 vias, com dife-renças estatisticamente relevantes para a localização dos CCR e para a produção de muco, reforça o significado da distinção molecular encontrada, contribuindo para a validação das dife-rentes vias de carcinogénese do CCR. No entanto, na literatura, as correlações encontradas entre as características clínicopatológicas e as vias de carcinogénese não são uniformes e diferem dos achados por nós encontrados.

Assim, Tang e cola-boradores referem que comparando as VA e VS, a primeira se associou mais frequentemente a CCR pouco diferenciados ou mucinosos (32), enquanto Chan e colaboradores localizam pre-ferencialmente os CCR da VA no cólon distal (22).

O melhor prognóstico dos CCR que seguem a VM em relação aos que seguem a VS é reconhecido em diversos trabalhos pu-blicados (30,33,34). As duas únicas publicações em que é abordado o prognóstico da VA, incluem doentes jovens, e associam-na a estádios patológicos mais avançados, traduzindo-se por maior envolvimento ganglionar ou metastização à distância (21,22).

Salientamos no entanto, que na presente série, a sobrevivência dos CCR que seguiram a VA, cuja caracterização genética desconhecemos, se aproximou da verificada para a VM. Serão necessários mais trabalhos, sobretudo com maior número de doentes, para clarificar este aspecto.

Neste estudo, uma percentagem significativa, 4/12 (33%) dos casos que seguiram a VM resultaram de mutações germinais patogénicas nos genes de reparação do ADN, MLH1 e MSH2, possibilitando o diagnóstico de 4 novas famílias com Síndroma de Lynch. Este diagnóstico teve implicações imediatas para os doentes afectados pelo CCR, bem como para os seus familiares de grau, aos quais pôde ser oferecida a possibilidade de efe-ctuarem o diagnóstico genético, tendo os portadores da mutação iniciado um programa de vigilância. A outra alteração, identificada no gene MLH1, é um polimorfismo, representando uma alteração não patogénica, não tendo por isso implicações clínicas.

Os resultados do presente trabalho levam-nos a admitir que no processo de carcinogénese do CCR em doentes jovens, exista uma via alternativa apresentando uma prevalência elevada e características clínico-patológicas distintas. Estará possivelmente associada a outros eventos genéticos, equacionando-se o envolvimento de eventuais silenciamentos por hipermetilação de genes supressores tumorais como o APC, IGFII, p16 e outros localizados no cromossoma 9p e do gene que codifica os receptores de estrogéneos (27,35,36), estabilização da proteína p53 na ausência de mutações do gene p53 (31), ou mutações bialélicas do gene MYH (37).


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