REFLEXÕES SOBRE A ETIOPATOGENIA
A doença inflamatória do intestino (DII) é uma doença
crónica recidivante que afecta todas as partes do tubo
digestivo. A DII é multifactorial, em que factores de
ordem genética, imunológica e ambiências têm um relevo preponderante no início e na perpetuação da lesão
tecidular imunomediada (Figura 1). Embora ainda hoje
se desconheça com clareza a sequência de eventos que
desencadeiam a DII a célula epitelial, as bactérias e a
resposta imunológica inata parecem estar intrincadamente envolvidas.
A mutação NOD2 (também designada CARD15) foi a
primeira que se correlacionou com um risco aumentado
para a doença de Crohn (1,2), particularmente o tipo
fibroestenosante (3). As três principais mutações surgem
no segmento rico em leucina o que está relacionado com
o sinal intracelular de resposta a componentes bacterianos (4). Cada uma destas mutações confere um risco
alélico. O CARD 15 faz parte da resposta imunológica
inata e é um sensor ao muramil dipeptideo (MDP) presente na parede bacteriana (gram positivas e negativas).
O intrigante desta molécula é que está presente nos
monócitos e macrófagos e nas células de Paneth (5) e
pode ser expressa em células epiteliais intestinais como
resposta inflamatória (6). Muitas das mutações CARD
15 activam deficientemente o NFkB (4). Este paradoxo
parece ser explicado pelo facto de as células de Paneth
mutadas serem menos eficazes no combate bacteriano
(7) e foi demonstrado que ratos deficientes em CARD15
foram mais susceptíveis a infecções por Listeria (8).
Recentemente Begue et al (9) evidenciou que a mutação
CARD15 compromete a resposta a agentes bacterianos,
sendo a doença de Crohn primariamente uma alteração
dos enterocitos com disfunção profunda da resposta
epitelial a bactérias (9).
O mecanismo patogénico da inflamação intestinal tem
três componentes: 1) alteração da barreira epitelial, 2)
acesso de antigéneos luminais à lamina própria e 3)
resposta imunológica alterada. As células epiteliais formam uma barreira à microflora do lúmen intestinal e a
diversos antigéneos, regulando a resposta imunológica
da mucosa. As células epiteliais podem ser perspectivadas como causa (10, 11) ou factor contributivo de colite (12). As células epiteliais têm a capacidade de produzir interleucinas, reagindo contra antigéneos. Estas
interleucinas libertadas têm o papel de recrutar linfócitos
ao espaço peri-epitelial desempenhando, assim, a
primeira linha de defesa. O modelo animal deficiente em
Mdr1a (11) é muito interessante, neste contexto, uma
vez que este gene pertence à família dos genes "resistentes a múltiplas drogas" responsáveis pelo transporte para
fora das células de proteínas hidrofóbicas. Neste modelo
existe um aumento de produção de interleucinas pelas
células epiteliais por um aumento da estimulação antigenica. Na mesma perspectiva, ratos deficientes em Ncaderina (10), molécula importante na adesão entre as
células, desenvolvem um quadro de colite. A explicação
para este quadro reside provavelmente numa excessiva
exposição a antigéneos levando à produção duma
resposta imune aumentada e não regulada da mucosa.
Em doentes com doença de Crohn a permeabilidade
intestinal precede a recidiva clínica por mais de um ano
(13) e familiares de primeiro grau de doentes com doença de Crohn têm um aumento da permeabilidade intestinal. O TNF-α e o IFN-γ são as citoquinas responsáveis
por estas alterações epiteliais (14). O IFN-γ afecta as
proteínas de junção entre as células, incluindo a ZO-1,
moléculas de adesão juncional 1, ocludina, claudina-1 e
claudina 4 (15). O papel central do IFN-γ na colite pode
ser documentado em dois modelos animais com produção aumentada de IFN-γ: 1) t-bet (16) e 2) STAT 4
(17). A proteína t-bet é uma molécula fundamental na
regulação da produção de IFN-γ e quando aumentada
induz a produção excessiva desta citoquina com níveis
diminuídos de produção de IL-4 (18). A STAT 4 é necessária para a diferenciação TH1 actuando como factor de
transcripção do IFN-γ e manutenção da resposta TH1
(19, 20).
O processo inflamatório da mucosa é mediado por uma
de duas vias: resposta imunológica por células TH1 ou
células TH2 (21). À resposta TH1 estão associadas as
interleucinas IL-12, IFN-γ e TNF- α e à TH2 as interleu-cinas IL-4, IL-5 e/ou IL-13 (16). Estes dois tipos de
comportamento imunológico são encontrados na colite
induzida pelo ácido sulfónico trinitrobenzeno (TNBS)
(tipo TH1) e na colite induzida pela oxazolona ( TH2).
A oxazolona induz as células "natural killer" produtoras
de IL-13 (22, 23). O primeiro modelo (TNBS) mimetiza
a colite transmural e o segundo a colite ulcerosa.
O relevo da inflamação na DII tem vindo a ser documentado em vários estudos animais e em doentes com
doença de Crohn (Figura 1). Nos primeiros, foram descritas alterações na: 1) indução de células reguladoras
(CD4+45RBhi) (24), 2) células reguladoras (ratinhos deficientes em IL-10 e TGF-β) (25, 26) e 3) aumento da
resposta efectora (ratinhos transgénicos em STAT 4, ratinhos deficientes na proteína G, subunidade αi (17, 27,
28). E nos segundos, observou-se aumento da produção
de IL-12 (29,30) e aumento de STAT 4 activada, indicando activação da transdução de sinal via IL-12 (31,
32). Foi ainda documentado, um aumento de produção
de IFN-γ e dimuição da produção de IL-4, nas células T
de doentes com doença de Crohn (33, 34).
Na DII existem, assim, um conjunto de factores: 1)
exposição a antigéneos bacterianos que desencadeiam uma
resposta imunológica alterada, 2) células epiteliais com
resposta deficiente a antigéneos luminais e 3) células
epiteliais com aumento da permeabilidade conduzindo a
uma resposta efectora perpetuada com lesão tecidular.