Diarreia Associada a Clostridium Difficile num Hospital Central
Diarreia Associada a Clostridium Difficile num Hospital Central
INTRODUÇÃO
Por razões ainda não totalmente esclarecidas, a incidência e gravidade da DACD
tem vindo a aumentar, em diversas áreas do globo
1
. Nos Estados Unidos da América, durante a década de 90, a incidência da
infecção por C. difficile, em Unidades de Cuidados Intensivos, permaneceu
estável reportando-se 30 a 40 casos por 100 000 habitantes
2
. Em 2001, este número aumentou para praticamente 50 e, em 2005, para 3 vezes
mais2. Para além da maior prevalência endémica, têm sido reportados surtos
associados a elevada morbilidade e mortalidade2. Em Portugal, não dispomos de
estudos epidemiológicos, mas sabe-se que a DACD é uma infecção frequente nas
instituições hospitalares e que a sua incidência tem vindo a aumentar,
inclusive em instituições sociais e lares para a terceira idade
3
. No trabalho português de N. Almeida et al., verificou-se, entre 1995 e 2003,
uma incidência de 1,2 casos/10 camas de internamento/ano
4
.
Existem várias explicações para este aumento de incidência. Em primeiro lugar,
a existência de melhores métodos de detecção; em segundo lugar, a crescente
utilização de antibióticos e de imunossupressores no contexto da quimioterapia;
e, em terceiro lugar, o aumento da frequência da doença tem promovido a
contaminação hospitalar com esporos de C. difficileaumentando a probabilidade
de infecção dos doentes susceptíveis
5
.
Os surtos descritos em vários pontos do mundo associaram-se à emergência
epidémica de uma estirpe hipervirulenta designada de NAP1/BI/O27, capaz de
produzir a toxina binária e produtora de 16 e 23 vezes mais toxina A e B,
respectivamente, devido à delecção do par de bases 18 do gene regulador tcdC e
resistente às fluoroquinolonas
2,6-8.
Inicialmente, quando introduzidas, as quinolonas eram uma causa invulgar de
DACD. No entanto, a sua utilização crescente conduziu à selecção de estirpes de
C. difficileresistentes a estes fármacos
9
.
O C. difficileé um bacilo gram-positivo, anaeróbio, formador de esporos, o que
possibilita a sua persistência nos doentes e no ambiente, por longos períodos,
facilitando a sua transmissão, por via fecal-oral
10
. Algumas estirpes da bactéria produzem 2 tipos de toxinas: a toxina A
(enterotoxina) e a toxina B (citotoxina), causadoras de colite11. As toxinas
estimulam a expressão epitelial de interleucina (IL)-8 e de ICAM-1, mediadores
de inflamação, necrose celular e de perda de proteínas11. As toxinas, também
interferem na síntese de proteínas da mucosa, na permeabilidade capilar e no
peristaltismo intestinal11.
A flora bacteriana cólica de um adulto saudável é geralmente resistente à
colonização por C. difficile. Contudo, quando ocorre alteração da flora
intestinal normal, esta resistência é ultrapassada. Portanto, qualquer factor
associado à alteração da flora entérica aumenta o risco de colonização10. O
principal factor de risco é a exposição aos antibióticos. A idade avançada, a
gravidade da doença subjacente, a cirurgia gastrointestinal, a presença de
sonda nasogástrica, a medicação anti-ácida12,13, o internamento em Unidades de
Cuidados Intensivos, a maior duração do internamento e de antibioterapia e a
realização de antibioterapia múltipla são outros factores de risco
8,10,14,15
.
O C. difficileé hoje reconhecido como o principal patogéneo responsável pela
colite associada aos antibióticos e por 15 a 25% dos casos de diarreia
associada aos antibióticos
16
. A clindamicina, a ampicilina e as cefalosporinas de 3ª geração são os agentes
indutores mais frequentes, mas virtualmente todos os agentes antibacterianos
(nomeadamente alguns fármacos utilizados na quimioterapia)8 podem ser
responsáveis
9,17
. Uma dose única de antibiótico pode ser suficiente para despoletar a
infecção9. Curiosamente, estão reportados casos de doença relacionada com a
toma de metronidazole e vancomicina9.
A infecção por C. difficileafecta predominantemente idosos e doentes
hospitalizados ou institucionalizados2. No entanto, recentemente, várias
comissões de controlo e prevenção da doença têm advertido para o risco de
infecção em indivíduos anteriormente considerados de baixo risco, como os
jovens, as puérperas, os indivíduos anteriormente saudáveis e em ambulatório,
muitos deles sem história de hospitalização ou exposição prévia a antibióticos
1,2,18
.
O C. difficiletem sido associado a um amplo espectro de doença, que pode ir
desde estados assintomáticos, diarreia auto-limitada até à doença fulminante
incluindo a sépsis, megacólon tóxico e perfuração cólica1.
Os doentes com doença ligeira podem tornar-se assintomáticos, mesmo sem
terapêutica específica
19
. Actualmente, recomenda-se o metronidazole como terapêutica de 1ª linha, na
generalidade dos casos. No entanto, a vancomicina deve ser a 1ª escolha nos
casos de maior gravidade (doentes com necessidade de internamento em Unidades
de Cuidados Intensivos ou com hipoalbuminemia)15. Contudo, as alterações
epidemiológicas da doença (emergência da estirpe NAP1/BI/027) acompanham-se de
maior número de casos de doença grave, refractária e recorrente e de diferentes
respostas à terapêutica, verificando-se perda da superioridade da vancomicina,
relativamente ao metronidazol
20,21
. Por outro lado, numa meta-análise recente, verificou-se supremacia da
teicoplanina, relativamente aos outros fármacos19. Encontram-se em investigação
novos fármacos, opções terapêuticas diferentes, como a bioterapia e estratégias
preventivas, através da vacinação mas, independentemente dos avanços da
ciência, é fundamental a prática de medidas de controlo da infecção hospitalar
e a restrição da utilização de antibióticos de largo espectro8.
Os objectivos do nosso estudo foram determinar a incidência da DACD e a sua
evolução; caracterizar a população de doentes adultos internados com o
diagnóstico de DACD, relativamente aos seus aspectos demográficos,
epidemiológicos e clínicos; avaliar os regimes terapêuticos utilizados e a sua
eficácia; identificar factores de risco e de prognóstico da DACD.
MATERIAL E MÉTODOS:
Análise retrospectiva dos doentes, com idade superior a 18 anos, internados no
Hospital de Santa Maria, com o diagnóstico DACD, no período decorrido entre
Janeiro de 2000 e Dezembro de 2007. Foram critérios de inclusão todos os
doentes com quadro clínico de diarreia e estudo laboratorial e/ou histológico
concordante. O diagnóstico laboratorial de DACD foi estabelecido através da
identificação da toxina A e/ou B (a partir de Janeiro de 2007), nas fezes,
recorrendo aos testes de imunoensaios enzimáticos (ELISA). A presença das
características lesões vulcão (ulceração focal da mucosa cólica associada a
erupção de células inflamatórias e restos necróticos a cobrir a área de
ulceração) sustentou o diagnóstico histológico
22
.
Através da consulta dos processos clínicos, foram avaliadas as seguintes
variáveis: dados demográficos (idade, sexo), epidemiológicos (número total de
casos anual e número total de internamentos anual) e clínicos (doenças
associadas e respectiva terapêutica, antibioterapia prévia, manifestações
clínicas, métodos complementares de diagnóstico, terapêutica prescrita,
resposta à terapêutica, evolução clínica, recidiva).
A análise estatística foi efectuada no software Statistical Package for the
Social Sciences(SPSS) for Windows(versão 13,0). Os valores das variáveis
contínuas foram expressos em média ± desvio padrão e foi utilizado o teste t de
Student, para comparar médias. As variáveis categóricas foram comparadas
através do teste exacto de Fisher. Considerou-se existir significância
estatística para um valor de p inferior a 0,05.
RESULTADOS:
Durante o período de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007, identificaram-se 93
doentes internados com o diagnóstico de DACD, para um total de 229 275
internamentos em doentes com mais de 18 anos, conferindo uma incidência anual
média de 3,71 em 10 000 internamentos. A incidência não foi igual em todos os
anos, verificando-se uma tendência para um aumento ao longo dos 8 anos, com um
acréscimo exponencial, para 15,41 em 10 000, no ano de 2007, como se pode
verificar na Fig. 1.
Fig.1. Incidência anual de diarreia associada a C. difficile
Verificou-se uma prevalência ligeiramente maior de doentes do sexo masculino
(55 doentes, 62%) e a idade média foi de 66 ± 16 anos (semelhante em homens e
mulheres), com um mínimo de 22 e um máximo de 92 anos. Encontrámos uma
população envelhecida, sendo que 64% dos doentes tinha mais de 65 anos. A Fig.
2representa a distribuição por grupos etários.
Fig. 2. Distribuição por grupos etários.
A DACD foi adquirida durante o internamento em 55% dos doentes, sendo
considerada nosocomial, enquanto que nos restantes foi adquirida em
ambulatório. O intervalo médio entre o internamento e o diagnóstico de DACD foi
de 20 ± 18 dias (1-24). Os 3 principais motivos de internamento nos doentes com
infecção nosocomial foram: quadro infeccioso não relacionado em 45% (das quais
a infecção respiratória foi a mais frequente em 53%, seguida da urinária em 26%
e da cutânea em 11%), patologia cardiovascular em 31%, insuficiência renal em
5%.
Nesta população de doentes, as co-morbilidades mais importantes foram a
patologia cardiovascular em 49%, insuficiência renal crónica em 17%, diabetes
mellitusem 15% e patologia respiratória crónica em 12%.
O principal factor de risco foi a antibioterapia prévia, que ocorreu em 82% dos
doentes. De referir, que a maioria dos doentes estava polimedicada, sendo o
número médio de antibioticos prescritos, previamente à infecção por C.
difficile, de 2,2 ± 1,5. De facto, 33% dos doentes tinham sido, previamente,
medicados com 1 antibiótico, 52% com mais que um antibiótico e 26% com 3 ou
mais antibióticos. Os antibióticos mais utilizados foram: penicilinas em 53%,
cefalosporinas em 27% (dos quais dois terços foram cefalosporinas de 3ª
geração), carbapenems em 23%, quinolonas em 15% e aminoglicosídeos em 12%. O
intervalo de tempo entre a antibioterapia (isto é, a última substituição
antibiótica) e o início do quadro de diarreia foi muito variável, com uma média
de 12 ± 16 dias, um mínimo de 1 dia e o máximo de 120 dias (este último
intervalo de tempo ocorreu num doente sob terapêutica anti-bacilar).
Outros factores de risco nesta população de doentes foram a imunossupressão em
27% e a patologia oncológica em 24%. A patologia oncológica mais frequentemente
encontrada foi a hematológica em 32%. A imunossupressão deveu-se a infecção
pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) em 9 doentes, terapêutica
imunossupressora em 6 doentes e quimioterapia em 8 doentes. O intervalo entre o
último ciclo de quimioterapia e o início do quadro de diarreia foi de 50 ± 30
dias (12-90). Em 9% dos doentes não se encontraram outros factores
predisponentes para a infecção por C. difficile, com excepção de internamento
hospitalar. Apenas 3% dos doentes, tinha história pregressa de DACD.
Quanto ao quadro clínico, os sinais e sintomas mais frequentes foram a diarreia
(em virtualmente todos os doentes), a febre (em 54% dos doentes) e a dor
abdominal (em 46%). A diarreia caracterizava-se por múltiplas dejecções, em
média 6 ± 4 por dia (1-20), de consistência líquida em 85% dos doentes, e com
hematoquézia em apenas 13% dos doentes. Em cerca de um quarto dos doentes
(27%), verificaram-se critérios de gravidade relacionados com hipovolemia, isto
é, insuficiência renal aguda, choque e/ou isquemia hepática. Da avaliação
analítica destaca-se leucocitose em 51% dos doentes, verificando-se reacção
leucemóide, isto é, leucocitose superior a 50 000/μL em 2 doentes, sendo a
contagem média de leucócitos de 14 572 ± 11 725/μL, mínimo de 1100/μL e máximo
de 81 550/μL. Verificou-se elevação da PCR na grande maioria dos doentes (93%),
sendo, em mais de metade dos doentes (54%), superior a 10 mg/dL, com uma média
de 12,5 ± 9,3 mg/dL (0,3-35,4 mg/dL). A hipocaliemia foi frequente, em 46% dos
doentes, bem como a hipoalbuminemia em 82% (média de 27 ± 8 g/L, mínimo de 13
g/L e máximo de 46 g/L).
Do ponto de vista de métodos de imagem abdominal, 23 doentes foram submetidos a
ecografia e/ou TC abdominal, dos quais em 13% o exame foi considerado normal,
em 70% verificou-se espessamento parietal do cólon e, em 17%, distensão cólica.
A pesquisa da toxina do C. difficile foi efectuada em 76 doentes, apresentando
uma sensibilidade de 86% e a endoscopia em 31 doentes, com sensibilidade de 84%
(considerando o exame positivo quando apresentava imagens sugestivas de
pseudomembranas). Em 10% dos doentes, os achados da endoscopia foram
inespecíficos, com hiperemia e edema da mucosa e em 6% foi considerada normal.
A colonoscopia foi total em 6 doentes, nos restantes apenas foi efectuada
sigmoidoscopia. O motivo porque apenas se efectuou sigmoidoscopia foi, na
maioria dos doentes, por apresentar alterações endoscópicas já no cólon
esquerdo; em 2 doentes apenas se efectuou sigmoidoscopia apesar de esta ser
considerada normal.
Apenas 29 doentes foram submetidos a biópsias do cólon, sendo que, em 31%,
estas não apresentavam aspectos de colite pseudomembranosa, sendo compatíveis
com o diagnóstico em apenas 69% dos doentes. Mesmo nos doentes com achados
macroscópicos de pseudomembranas, a histologia e a toxina foram positivas em
apenas 72% e 59% dos casos, respectivamente. Por outro lado, 2 doentes que
apresentaram achados inespecíficos na endoscopia, tinham alterações muito
típicas de colite pseudomembranosa na histologia. Um aspecto que reforça a
importância da histologia é o facto desses dois doentes, também apresentarem
pesquisa de toxina negativa, sendo que a histologia foi o único elemento
diagnóstico. Por último, 2 doentes com toxina positiva apresentaram achados
endoscópicos e histológicos não diagnósticos (Fig. 3).
Fig. 3. Métodos de diagnóstico (dados de 81 doentes)
Em relação à terapêutica dirigida de primeira linha, efectuada em 69 doentes,
em 89% (61 de 69 doentes) dos casos o antibiótico utilizado foi o
metronidazole, a vancomicina em 4% e nos restantes 7% uma associação
metronidazole com vancomicina. Em 87% dos casos, o metronidazole foi
administrado por via oral ou através de sonda naso-gástrica, nos restantes
casos foi administrada por via endovenosa. Verificou-se resposta à
antibioterapia de primeira linha em 83% dos doentes, conseguindo-se apirexia ao
fim de 2 ± 2 dias (24 horas ' 8 dias) e resolução de diarreia ao fim de 5 ± 3
dias (24 horas ' 14 dias).
A doença refractária ocorreu em 17% e a re-infecção/recidiva ocorreu em 10%
(exclusivamente nos doentes tratados com metronidazol). O intervalo de tempo,
após o qual surgiu reinfecção/recidiva, foi de 22 ± 11 dias, referente a 3
doentes. Todos os doentes com infecção refractária ou recidiva da diarreia
foram tratados com vancomicina oral em altas doses (500 mg cada 6 horas); 2
doentes foram concomitantemente medicados com colestiramina e suplemento de
Saccharomyces boulardii, e um doente com colestiramina apenas. Não se verificou
mortalidade associada.
Subdividindo os doentes num grupo fácil de tratar e noutro de difícil
tratamento (nos doentes com recidiva ou doença refractária), não se encontraram
diferenças significativas em termos epidemiológicos, embora se tenha verificado
uma tendência para maior imunossupressão no grupo difícil de tratar (44% vs23%;
p=0,079), bem como para idade mais avançada (73 ± 12 vs65 ± 18 anos; p=0,052).
Do ponto de vista clínico, o grupo difícil de tratar apresentava um número de
dejecções ligeiramente menor (5 ± 2/ dia vs7 ± 4/dia, p=0,038), leucocitose
mais acentuada (20 783 ± 21 513/μL vs12 818 ± 7 480/μL, p=0,028) e
hipoalbuminemia mais grave (23 ± 5 g/L vs29 ± 8 g/L; p=0,031). Não se
verificaram diferenças em termos de duração da antibioterapia prévia, timingde
diagnóstico, critérios de gravidade, achados endoscópicos, atraso de início de
antibioterapia específica ou esquema antibiótico utilizado.
Comparando os subgrupos de doentes com infecção adquirida na comunidade e
nosocomial, não se verificaram diferenças nos dados epidemiológicos. Do ponto
de vista clínico, a dor abdominal foi mais frequente nos doentes ambulatórios
(63% vs33%; p=0,010), assim como a desidratação (74% vs33%; p<0,001), a
insuficiência renal aguda (41% vs17%; p=0,021) e maior leucocitose (16 230 ± 10
260/μL vs13 108 ± 13 277/μL; p=0,014), facto que pode ser devido a um maior
intervalo de tempo, desde o início dos sintomas até ao diagnóstico (12 ± 11 vs5
± 4 dias; p<0,001). Apesar das taxas de resposta terem sido semelhantes nos 2
subgrupos, a resposta à terapêutica foi mais lenta na infecção nosocomial,
tanto em tempo de apirexia (2,1 ± 2,2 vs1,3 ± 0,7 dias; p=0,043) como de
resolução da diarreia (5,6 ± 3,1 vs4,2 ± 2,3; p=0,004).
DISCUSSÃO
Verificou-se uma incidência anual média de DACD de 3,71 em 10 000
internamentos, superior à descrita nos principais estudos epidemiológicos
europeus que descrevem incidências anuais de 0,3 a 1,9 em 10 000 internamentos
23,24
. A incidência de DACD aumentou exponencialmente em 2007, para 15,41 em 10 000,
o que se pode dever a múltiplos factores, como o aumento do consumo de
antibióticos, a alteração do método de diagnóstico da toxina no nosso hospital
que passou a detectar simultaneamente a toxina A e B, bem como uma maior
sensibilização por parte dos médicos, podendo tratar-se dum aumento no
diagnóstico e não da incidência real. Recentemente, vários centros têm descrito
surtos de DACD associada a estirpes hipervirulentas no contexto de toma de
quinolonas
6,25-27
. De facto, a percentagem de doentes com DACD a tomar quinolonas, em 2007, foi
substancialmente superior à dos outros anos (23% vs6%; p=0,041), o que pode ter
contribuido para um surto de DACD no nosso hospital.
A população de doentes era envelhecida, com 64% dos doentes com mais de 65
anos. De facto, está descrita um aumento da incidência nos grupos etários mais
idosos
25,28
.
A infecção por C. difficile é a principal causa de diarreia infecciosa
nosocomial
29
, mostrando muitos trabalhos que a DACD é nosocomial em cerca de 80%23. No
entanto, verificámos que, em cerca de metade dos doentes (45%) a infecção foi
adquirida em ambulatório. A DACD foi semelhante nos 2 grupos. No entanto,
quando adquirida no ambulatório, o diagnóstico foi mais moroso, o que se
traduziu por maior repercussão clínica da diarreia e da desidratação e, quando
nosocomial, associou-se a uma resposta mais lenta ao tratamento. O atraso na
resposta ao tratamento nos doentes com infecção nosocomial pode ser explicado
por inúmeros factores, entre os quais o facto de doentes internados estarem
potencialmente mais debilitados e com maiores co-morbilidades, muitas vezes não
sendo possível parar o antibiótico que propiciou o desenvolvimento de DACD,
muitas vezes sem via oral eficaz. Por outro lado, as estirpes de C. difficile
transmitidas em meio hospitalar podem ser particularmente virulentas, mais
agressivas e com diferente potencial de resposta à antibioticoterapia
específica. Pode ainda dar-se o caso de haver constantemente reinfecção nestes
doentes.
A antibioterapia prévia foi o principal factor de risco, tendo sido observada
em 82%. A maioria dos doentes tinha sido medicada com vários antibióticos, o
que está de acordo com o reportado por múltiplos autores que descrevem o número
de antibióticos como factor de risco de DACD
15,30
. Como esperado, os antibióticos mais frequentemente encontrados foram as
cefalosporinas de 3ª geração e as penicilinas, no entanto, os carbapenems
tiveram uma importância maior do que a descrita na literatura
31
. De referir que 4 doentes tinham sido medicados com anti-bacilares, agentes
que têm sido mais frequentemente reconhecidos como causa de DACD, nomeadamente
a rifampicina32. Um achado interessante foi a grande variação no tempo entre a
toma do antibiótico e o início da DACD. De facto, se por um lado uma só toma
pode ser suficiente para provocar DACD [9], no presente estudo também
observámos que esse intervalo de tempo pode ser superior a 6-12 semanas16,31.
Outro factor de risco importante foi a imunossupressão, nomeadamente a infecção
pelo VIH em 9 doentes. A DACD é a principal causa bacteriana de diarreia nestes
doentes (em mais de metade dos casos), sendo duas vezes mais frequente nos
indivíduos com critérios de SIDA33.
A apresentação clínica teve um amplo espectro de gravidade. Os nossos dados
relembram que a DACD pode ser causa de reacção leucemóide, bem como de
enteropatia exsudativa, com hipoalbuminemia frequente, traduzindo provavelmente
perdas proteicas através de úlceras do cólon
34
.
Relativamente aos métodos de diagnóstico, o mais utilizado e o mais sensível
foi a pesquisa de toxina, que apresentou uma sensibilidade de 84%. No entanto,
a pesquisa de toxina negativa não exclui o diagnóstico de DACD, devendo ser
efectuada colonoscopia, se a suspeita clínica for forte. A realização de
endoscopia levanta algumas controvérsias, como os eventuais riscos,
nomeadamente de perfuração, em caso de colite grave, ou a necessidade de
efectuar colonoscopia total em oposição a sigmoidoscopia. Quanto a este último
aspecto, Bergstein e colaboradores
35
num trabalho de 1990, mostraram igual acuidade diagnóstica entre a
sigmoidoscopia e a colonoscopia total. Um outro aspecto, que os nossos dados
ressaltam, é a necessidade de efectuar biópsias, sobretudo se os achados forem
inespecíficos, uma vez que, em 2 doentes, o diagnóstico apenas foi possível
pela histologia. Por outro lado, e porque a histologia pode ser morosa, deve
ser iniciada terapêutica empírica em caso de doença grave e de alto índice de
suspeição, mesmo que a investigação inicial seja negativa.
A maioria dos doentes respondeu à terapêutica de primeira linha, embora um
quarto dos doentes tivesse infecção refractária ou reinfecção/recidiva. Os
doentes de mais difícil tratamento foram tendencialmente mais idosos,
imunodeprimidos e com alterações analíticas mais acentuadas sugestivas de
doença mais grave. Recentemente foi proposto um scoreclínico preditivo de DACD
recorrente, tendo como base 3 critérios (idade superior a 65 anos, doença grave
ou fulminante e necessidade de antibioterapia posterior ao episódio), sendo
considerados de alto risco os doentes com pelo menos 2 critérios (risco de
recorrência de 37%), com uma AUCROC de 0,83. Doentes com os 3 critérios
apresentam, segundo os autores, um risco de recorrência/recidiva de 88%
36
.
Não se verificou mortalidade associada a DACD, embora na literatura estejam
descritas taxas de mortalidade de 0,5 a 3%
23,37,38
.
Nem todos os doentes receberam terapêutica específica. De facto, uma meta-
análise recente levanta dúvidas quanto à necessidade de tratar formas
ligeiras.19
Por último, a reinfecção/recidiva ocorreu, apenas, em doentes medicados com
metronidazol. Trabalhos mais recentes mostraram alguma vantagem da vancomicina
relativamente ao metronidazol
12,19,39,40
. Fernandez et al. identificaram a hipoalbuminemia, inferior a 25 g/L e estadia
em Unidade de Cuidados Intensivos como critérios de gravidade. Assim, alguns
autores consideram que a terapêutica com vancomicina deve ser a terapêutica de
primeira linha, em caso de doença grave ou de não resposta ao metronidazol, em
3 a 5 dias1.
CONCLUSÕES
Verificou-se um aumento recente na incidência da DACD, adquirida na comunidade
em cerca de metade dos doentes (45%).
A antibioterapia prévia foi o principal factor de risco. Chamamos a atenção
para as quinolonas, anteriormente pouco reconhecidos como causadores de DACD,
que foram os agentes responsáveis em 15% dos doentes.
A pesquisa de toxina de C. difficile foi o método de diagnóstico de DACD mais
sensível.
A recidiva foi mais frequente com o metronidazol, não estando indicado, como
terapêutica de 1ª linha, nas infecções mais graves.