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EuPTCVHe0872-81782010000100005

EuPTCVHe0872-81782010000100005

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2010
Issue0001
Article number00005

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Doença Venooclusiva Inflamatória Mesentérica - Causa Rara de Isquémia Intestinal

INTRODUÇÃO A doença inflamatória venooclusiva é uma causa rara de isquemia mesentérica de origem exclusivamente venosa, ou seja, caracteriza-se por inflamação e oclusão do fluxo sanguíneo das veias e vénulas mesentéricas, na ausência de arterite mesentérica ou vasculite extra-intestinal1-3. O diagnóstico clínico é difícil, com sintomas que podem mimetizar doença inflamatória ou mesmo neoplasias, nomeadamente quando ocasiona espessamento focal do cólon 2 . Os doentes mostram-se habitualmente refractários à terapêutica médica conservadora, pelo que o tratamento cirúrgico é essencial 2,3 . O diagnóstico é geralmente estabelecido pelo estudo anatomo-patológico da peça operatória. Os casos descritos na literatura cursaram com prognóstico favorável, sendo rara a recorrência1.

A propósito desta entidade os autores descrevem o caso clínico de um doente com quadro suboclusivo, cujo estudo complementar endoscópico e radiológico apontava para possível neoplasia do cólon, pois apresentava estenose irregular e segmentar do cólon sigmóide, cujas biópsias foram negativas para neoplasia. Foi submetido a laparotomia exploradora, com ressecção do segmento cólico atingido, tendo o estudo anatomopatológico revelado tratar-se de doença inflamatória venooclusiva mesentérica. Discutem-se os principais aspectos da clínica, patogénese e terapêutica da doença, baseados na literatura actual.

CASO CLÍNICO Doente de 69 anos, sexo masculino, raça caucasiana, admitido no Serviço de Urgência por queixas de dejecções com muco e sangue vivo em quantidade moderada. Referia início das perdas hemáticas após realização de colonoscopia em ambulatório 15 dias antes, solicitada pelo seu médico assistente por queixas, com cerca de 4 semanas de evolução, de dor abdominal localizada ao flanco esquerdo, tipo moinha, persistente, e diminuição do trânsito intestinal para fezes e gases também de início recente e tenesmo. Negava febre, queixas perianais ou outras. A colonoscopia de que era portador, e que apenas foi possível até à junção recto-sigmóide por preparação, mostrava mucosa congestiva tendo sido realizadas biópsias que apontavam para inflamação inespecífica.

Dos antecedentes pessoais destacavam-se herniorrafia inguinal aos 58 anos, hipertensão arterial, dislipidémia e hiperplasia benigna da próstata, para o que estava medicado com perindopril, sinvastatina e tansulosina. Negava alergias conhecidas e hábitos tabágicos, referindo ingestão diária de cerca de 60g de álcool. A história epidemiológica era negativa e os antecedentes familiares irrelevantes. Do exame objectivo realizado na admissão apenas se destacava obesidade (IMC: 35 kg/m2) e abdómen distendido, um pouco timpanizado, com ruídos hidroaéreos ligeiramente aumentados, de timbre normal e presença de dor à palpação profunda dos quadrantes inferiores, sobretudo do flanco esquerdo, sem massas perceptíveis ou defesa. Apresentava-se apirético, normotenso e com restantes parâmetros clínicos sem alterações.

O estudo laboratorial inicial mostrava anemia (Hb 10,3g/dl) normocrómica normocítica, PCR de 4,5mg/dl e ureia 8,1 mmol/L. Não eram evidentes outras alterações analíticas, nomeadamente valores elevados dos marcadores tumorais (CEA e Ca 19,9). Na radiografia abdominal simples apresentava ansas intestinais esquerdas distendidas e com esboço de níveis hidroaéreos a esse nível. Foi submetido a estudo endoscópico baixo, que mostrou intenso padrão inflamatório da mucosa, em toda a extensão, com edema marcado condicionando acentuado compromisso da distensibilidade da parede que impedia progressão para além do descendente distal, realizando-se biópsias da mucosa atingida. Internado para estudo complementar, iniciando terapêutica de suporte com fluidoterapia, pausa alimentar com nutrição parenteral e messalazina. No estudo histológico observou-se mucosa cólica com discreta alteração da arquitectura, infiltrado inflamatório na lâmina própria, predominantemente linfoplasmocitário, com alguns eosinófilos e neutrófilos e sem permeação para o epitélio glandular nem formação de abcessos crípticos, ausência de granulomas epitelioides, pigmento hemossidérico ou lesões de necrose, aspectos compatíveis com colite crónica inespecífica. Foi posteriormente realizado clister opaco de duplo contraste que favoreceu a hipótese de se tratar de neoplasia, ao revelar estenose concêntrica, de contornos irregulares, com início a nível da transição recto- sigmóideia não sendo possível a melhor caracterização a montante pela dificuldade de passagem e extravasamento para o exterior do produto de contraste baritado, apesar de bastante diluído (Fig. 1). Efectuou também TC abdominal que mostrou espessamento no recto-sigmóide e cólon descendente, bem como densificação da gordura mesentérica (Fig. 2). Por manter as mesmas queixas clínicas, compatíveis com quadro suboclusivo, e perante incerteza diagnóstica, por estudo complementar inconclusivo, foi decidida a realização de laparotomia exploradora tendo sido notório o espessamento da parede do cólon descendente e sigmóide até à reflexão peritoneal. Foi assim submetido a hemicolectomia esquerda e sigmoidectomia com apendicectomia complementar. O estudo anatomo- patológico da peça operatória mostrou, a nível macroscópico, serosa com áreas hemorrágicas e falsas membranas a revestir também o mesocólon que apresentava áreas endurecidas, amareladas e heterogéneas de tipo citoesteatonecrose; a parede cólica estava espessada, reduzindo significativamente o calibre do lúmen intestinal e a mucosa apresentava zonas aplanadas e erosionadas, a par de outras edemaciadas. Ao exame histológico, a mucosa apresentava infiltrado inflamatório crónico difuso, com áreas de necrose de tipo isquémico/hemorrágico e ulceração. Na parede intestinal, mais aparente em vasos da submucosa e da subserosa, observou-se lesões vasculares, que consistiam em espessamento da íntima e da camada muscular das veias de médio e de pequeno calibre, alterações também presentes nas veias do mesocólon (Fig. 3). O facto de as lesões descritas se localizarem exclusivamente nas veias, permitiu o diagnóstico de doença venooclusiva inflamatória mesentérica. Não se observava atingimento das margens de ressecção. O pós-operatório decorreu sem incidentes, verificando-se boa evolução clínica. Após um ano de vigilância o doente mantém-se assintomático, tendo efectuado colonoscopia total que mostrou presença de 2 pólipos no transverso, com menos de 1 cm, um deles pediculado e outro séssil, cujo estudo anatomopatológico revelou tratar-se de um pólipo inflamatório e adenoma tubuloviloso com displasia de alto grau completamate excisado, respectivamente. Não eram evidentes outras alterações da mucosa. Durante o período de vigilância foi efectuado o despiste de vasculites sistémicas e trombofilias (Anticorpos antinucleares, tempos de coagulação, ANCA e ASCA, antitrombina, Factor V de Leiden, Proteínas C e S, homocisteína, anticoagulante lúpico, anticardiolipina, fibrinogénio, complemento sérico C3 e C4, estudo molecular mutação da protrombina PRT20210G/A, factor reumatóide) que não mostrou alterações. O doente mantém-se em vigilância.

Fig. 1. Imagem de clister opaco mostrando presença de estenose concêntrica, de contornos irregulares, com início na transição recto-sigmóide.

Fig. 2. Imagem de corte coronal (A) e axial (B) de TC mostrando espessamento do recto-sigmóide e cólon descendente (seta) bem como marcada densificação da gordura mesentérica.

Fig. 3. Estudo anatomopatológico da peça operatória demonstrando: A (HE x 20) Veia da subserosa com espessamento fibroso da íntima e camada muscular reduzindo significativamente o lúmen, a par de artéria sem alterações da parede; B (Elastina x 20) Elastina evidencia artéria (a) com preservação da elástica sem lesões e veia afectada (b), com marcada fragmentação da lâmina elástica; C (HE x 20) Mucosa intestinal com ulcerações (a), infiltrado inflamatório polimorfo e microtrombos (b) em capilares e vénulas, secundárias às lesões vasculares.

DISCUSSÃO As vasculites intestinais são situações pouco comuns que acompanham usualmente vasculites sistémicas ou doença inflamatória intestinal 4 . Nestas duas entidades, existe envolvimento primário do sistema arterial. Uma situação mais rara, e que é reportada no caso apresentado, é a isquemia intestinal resultante de vasculite das veias mesentéricas e suas tributárias.

A doença inflamatória venooclusiva mesentérica, embora pouco frequente ou possivelmente subdiagnosticada e por isso com taxas de incidência desconhecidas, é cada vez mais reconhecida 1,5,6 . Desde o primeiro caso publicado em 1976, várias terminologias têm sido utilizadas na literatura para a descrever, tais como flebite enterocólica linfocítica, microflebite linfocítica intestinal, hiperplasia idiopática mioíntima ou venulite mesentérica intramural5.

Trata-se de uma doença sem uma causa predisponente identificada. Contudo, nalguns casos relatados, foram implicados, embora sem consistência científica, alguns fármacos (hidroxietilrutosido, reserpina, metildopa, amilorida) e infecção por citomegalovírus.5 Pode ocorrer em qualquer idade, embora a maioria dos doentes esteja acima da quinta década de vida, e não predominância de sexo3-5.

Os casos descritos na literatura, tal como o apresentado, representam habitualmente um desafio diagnóstico, tanto a nível clínico como endoscópico e histológico4.

Clinicamente a doença caracteriza-se por isquemia intestinal aguda (em 15% dos casos5) ou mais frequentemente subaguda, manifestando-se com quadro variável de náuseas, vómitos, dor abdominal, diarreia com muco ou sanguinolenta, podendo a hemorragia digestiva baixa ser grave 1,6,7 . Está também descrita evolução fulminante. Os quadros suboclusivos, tal como o que sucedeu neste doente, são explicados pela possibilidade de ocorrência de estenoses, que indicam uma doença com uma evolução prolongada3.

As alterações endoscópicas descritas no nosso doente são similares às descritas na literatura, com aspectos inflamatórios da mucosa com edema e eritema por vezes mimetizando a doença inflamatória intestinal.

O estudo radiológico por TC mostra habitualmente as alterações também relatadas no caso apresentado, nomeadamente espessamento da parede intestinal2. Este segmento intestinal envolvido assimila o contraste de forma homogénea em toda a espessura da parede, tal como sucede, por exemplo, na doença de Crohn. Pode igualmente detectar-se na tomografia um ingurgitamento vascular pericólico, que em associação com o edema e inflamação associados, condicionam a presença de lesão tipo massa interpretada por vezes como infiltração tumoral1. A discrepância por vezes encontrada entre a TC e o aspecto endoscópico, por vezes com alterações muito ténues com ligeiro edema da mucosa, é explicada pelo facto de se tratar de uma doença com envolvimento sobretudo pericólico em vez de mucoso/submucoso.

O diagnóstico definitivo é apenas feito através da avaliação anatomo-patológica da peça operatória, pois as biópsias da mucosa são persistentemente inconclusivas1,2.

O diagnóstico histológico fundamenta-se na detecção de lesões vasculares em veias de médio calibre, pelo que são habitualmente identificadas em veias da submucosa e da subserosa. As colorações histoquímicas para as fibras elásticas são úteis na caracterização dos vasos afectados, mostrando que não atingimento da parede das artérias. As lesões observadas dependem do tempo de evolução da doença 1,5,8 . Nas lesões mais precoces predominam os fenómenos inflamatórios, com infiltrado inflamatório na parede das veias, constituído essencialmente por linfócitos T citotóxicos, podendo também ser identificados linfócitos B, neutrófilos e células gigantes. Estas lesões podem ser acompanhadas de vasculite necrotizante. Nas lesões com maior tempo de evolução, predominam os fenómenos de trombose e recanalização ou hiperplasia mioíntima da parede das veias. Não é necessário estar presente todo o tipo de lesões para o diagnóstico. Estas lesões condicionam um espessamento da parede e necrose isquémica na mucosa com ulcerações.

Todas estas alterações histológicas podem atingir ambas as veias mesentéricas, pelo que pode haver envolvimento do delgado e do cólon, embora este último seja o mais atingido, sem predomínio de nenhum segmento2,5. Casos isolados reportam flebites da vesícula e do omento5.

O diagnóstico diferencial deverá ter em conta outras vasculites que atingem o tracto gastrointestinal, como doença inflamatória intestinal, vasculites sistémicas (lúpus eritematoso sistémico, doença de Behçet, síndrome de Churg- Strauss, doença de Buerger, artrite reumatóide) assim como trombofilias herdadas ou adquiridas e hemoglobinúria paroxistica nocturna, situações que foram afastadas no caso relatado através da história clínica apurada e exames laboratoriais, que não apontavam para nenhuma outra patologia secundária3. Por exemplo, devemos interrogar-nos sobre a possibilidade deste diagnóstico numa doença de Crohn que não responde ao tratamento médico convencional.

Tal como este doente, todos os casos anteriormente descritos se mostraram refractários à terapêutica conservadora, não existindo actualmente nenhum fármaco que reverta as lesões, embora possam diminuir a sua progressão e evitar ressecções mais extensas 1,9,10 . Os sintomas persistentes obrigaram a exploração cirúrgica em todos os doentes, com ressecção do segmento atingido.

Pouco se conhece acerca da história natural da doença, mas os casos relatados na literatura, tal como este, evoluíram favoravelmente, sendo rara a recidiva ou necessidade de reintervenção cirúrgica 1,11 . O único caso descrito na literatura com recidiva, que obrigou a reintervenção cirúrgica após 15 meses, apresentava lesões de flebite microscópica nas margens de ressecção da primeira peça operatória1,10. Não se preconiza nenhum tipo de terapêutica profilática no pós-operatório, nomeadamente corticosteróides, anticoagulantes, etc 12 .

CONCLUSÕES A doença inflamatória venooclusiva mesentérica representa uma causa rara de isquemia intestinal, de etiologia desconhecida, afectando exclusivamente as veias mesentéricas e suas tributárias. Origina quadro clínico, endoscópico e imagiológico que pode simular outras patologias, nomeadamente neoplasias ou doença inflamatória intestinal. O tratamento cirúrgico é essencial, com ressecção segmentar do intestino atingido, sendo o diagnóstico definitivo apenas estabelecido com o estudo anatomopatológico da peça operatória. Uma vez estabelecido o diagnóstico é necessário vigilância dos doentes, apesar do prognóstico favorável e rara recorrência.


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