Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0872-81782010000300002

EuPTCVHe0872-81782010000300002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2010
Issue0003
Article number00002

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Helicobacter pylori numa população dispéptica no Algarve: prevalência e caracterização genética Helicobacter pylori numa população dispéptica no Algarve: prevalência e caracterização genética INTRODUÇÃO A infecção por Hp é reconhecida como uma das infecções crónicas mais comuns estimando-se que cerca de metade da população mundial esteja infectada 1,2 . É conhecido também que a sua prevalência varia consideravelmente com diversos factores sendo, geralmente, superior em meios sócio-económicos desfavorecidos 3,4 em que são comuns habitações com grandes aglomerados familiares e deficientes condições higieno-sanitárias ' ambientes reconhecidos como propiciadores da transmissão da bactéria3-5. Dessa forma, o espectro de prevalências da infecção por Hp é muito amplo variando com o grau de desenvolvimento das regiões ' a maioria dos países em desenvolvimento apresentam taxas superiores a 80% em contraste com os 20 a 40% dos países desenvolvidos3. Entre estes, Portugal é uma notável excepção apontando-se uma prevalência próxima dos 80% apesar da 26ª posição no rankingde desenvolvimento das Nações Unidas6.

Embora, na maioria dos casos, a infecção seja assintomática, a sua associação etiológica com a gastrite crónica, a úlcera péptica, o cancro gástrico e o linfoma MALT é universalmente aceite 7-11 . Contudo, a maioria dos doentes dispépticos não tem evidência de doença estrutural que claramente explique os sintomas 12 . Tem-se procurado implicar o Hp nestes doentes com resultados controversos. A sua prevalência na dispepsia não ulcerosa é sobreponível à da população geral 13 . Por outro lado, admite-se que a erradicação do Hp nestes doentes pode reduzir a incidência de úlcera péptica12, mas o seu efeito nos sintomas dispépticos é duvidoso 14 .

Desde as observações iniciais de Warrene Marshall, que a bactéria tem sido exaustivamente estudada, tendo sido identificados vários mecanismos de virulência. Entre eles, os mais largamente estudados são a proteína imunodominante Cag A e a citotoxina vacuolizante Vac A. Relativamente à primeira, codificada pelo gene cag A, é produzida por cerca de 60% das estirpes ocidentais 15 e mais de 90% das asiáticas 16 e representa um factor de risco para o desenvolvimento de gastrite atrófica, neoplasia gástrica e úlcera péptica17-19. A citotoxina Vac A, produzida por cerca de 50% das estirpes, induz a formação de vacúolos em células eucarióticas. O gene vac A está presente em todas as estirpes, mas apresenta variações nas regiões sinal (tipos s1 ou s2), região média (tipos m1 ou m2) e intermédia (i1 ou i2). A combinação s1m1 confere elevada actividade citotóxica, s1m2 intermédia e s2m2 baixa actividade 20 . A proteína BabA, codificada pelo gene babA2, está igualmente implicada na patogenicidade da bactéria, ao permitir a sua adesão ao epitélio, e a sua presença associa-se ao desenvolvimento de adenocarcinoma, úlcera péptica e gastrite21-23. O gene oip A, presente em menos de metade das estirpes ocidentais, associa-se igualmente a maior inflamação da mucosa24.

Assim, pela importância etiológica do Hp e pela variabilidade da sua prevalência e da sua virulência, torna-se importante conhecer a realidade local. Neste estudo, estudámos a prevalência da infecção por Hp numa população de doentes dispépticos no Algarve submetidos a endoscopia digestiva alta, procurámos estabelecer a eficiência global dos testes de diagnóstico utilizados e caracterizar geneticamente as estirpes isoladas. Finalmente, tentámos correlacionar a infecção por Hp, e as suas características genéticas (genes cag A, vac A, oip A e babA2), com os achados endoscópicos.

MATERIAL E MÉTODOS Seleccionámos, de modo aleatório, 205 doentes submetidos a endoscopia digestiva alta entre Janeiro de 2002 e Setembro de 2005, por queixas dispépticas. Todos deram o seu consentimento informado. Foram excluídos os doentes que realizaram terapêutica com antibiótico ou anti-ulceroso no ano antecedente. A todos foi efectuado um inquérito epidemiológico, registados os achados endoscópicos, realizado teste rápido da urease e colhidas 3 biópsias do antro e 3 do corpo gástrico para exames histológico, cultural e molecular de Hp. As biópsias para exame histológico foram colocadas em formol; as biópsias para exame molecular congeladas a seco e as biópsias para exame cultural foram colocadas em lactato de Ringer.

Para pesquisa da presença de Hp, usámos 3 métodos ' teste rápido da urease, exame cultural e histopatológico ' admitindo-se infecção na presença de pelo menos 2 testes positivos.

Exame cultural As biópsias foram manuseadas assepticamente, tendo sido trituradas num pequeno volume de Caldo Mueller-Hinton(OXOID). O homogeneizado foi inoculado, segundo os procedimentos descritos pelo «National Committee for Clinical Laboratory Standards» (NCLLS), em meio selectivo (Columbia Agar; OXOID) suplementado com 10 % de sangue desfibrinado de cavalo (OXOID) e suplemento selectivo para Hp (SR 147; OXOID) e meio não selectivo (Columbia Agar; OXOID) suplementado com 10 % de sangue desfribinado de cavalo (OXOID). As placas foram incubadas a 36 ± 1ºC, em condições de microaerofilia (Gás Generating Kitsfor Campilobacter; OXOID) com cerca de 6 % de oxigénio, 10 % de dióxido de carbono e uma humidade relativa superior a 98%, durante 3 a 4 dias. A partir do dia, faz-se uma observação diária até 5 a 7 dias. No entanto, as placas foram mantidas a 36 ± 1ºC em atmosfera de microaerofilia durante 12 dias antes de considerar a cultura negativa. A identificação foi feita através de observação da morfologia típica das colónias (colónias pequenas, brilhantes, convexas e de bordos regulares; não hemolíticas), citomorfologia característica com coloração de Gram(células Gram-, espiraladas ou encurvadas, com formas em U ou I), reacção positiva nos testes bioquímicos de urease (caldo ureia, com Suplemento SRO 20 K Oxoid).

Exame histológico A pesquisa específica da presença de Hp foi realizada por 3 anatomopatologistas em amostras fixadas e coradas com hematoxilina-eosina.

Teste rápido da Urease Foi testada a actividade da urease em 2 amostras do antro e 2 do corpo gástrico usando o CLOtest® (Kimberly-Clark/Ballard Medical Products, USA) de acordo com as instruções do fabricante. Resumidamente, as amostras são colocadas num meio contendo ureia e um indicador de pH. A hidrólise da ureia em amónia e CO2na presença da urease altera o pH do meio com alteração da cor do indicador. A alteração da cor nas primeiras 24 horas foi interpretada como teste positivo.

Caracterização genotípica de factores de virulência de Hp Em 22 das estirpes isoladas, realizámos a caracterização genotípica dos factores de virulência cag A, vac A, oip A e bab A. Para isso, foi efectuada a extracção de DNA cromossomal das estirpes isoladas a partir de biópsia gástrica, e pesquisada a presença do gene cag A e bab A2 e foram caracterizadas as regiões média e sinal do gene vac A pela técnica de PCR (Polymerase chain reaction) com iniciadores específicos. A região sinal foi amplificada, utilizando iniciadores específicos. Os fragmentos do gene oip A foram purificados e sequenciados num sequenciador automático 3100 Genetic Analyser (Abi-Prism).

Análise estatística A análise estatística foi feita com recurso ao programa SPSS versão 15. Foram utilizados o teste x-quadrado e o teste exacto de Fisher para comparação de variáveis categóricas. Considerou-se estatisticamente significativo um p < 0,05.

RESULTADOS Determinámos a presença de Hp em 205 doentes ' 110 homens e 95 mulheres com idade média de 65,9 ± 16,9 anos (11 a 89). A prevalência da infecção foi 44,9% (92 doentes infectados), sendo superior no sexo masculino (49,1% vs40%) sem, contudo, atingir significado estatístico (p=0,192) ' Quadro I. A idade associou-se de forma estatisticamente significativa à infecção por Hp, com prevalências superiores nos escalões etários entre os 30 e os 60 anos (p=0,044) ' Quadro 1 e Fig. 1.

Quadro 1. Distribuição e prevalência da infecção por Hp por sexo e grupo etário.

Fig._1. Distribuição da prevalência da infecção por Hp por grupo etário.

Relativamente aos testes diagnósticos usados, a cultura, com acuidade global de 99%, mostrou-se superior ao teste rápido da urease e ao exame histológico, cujas acuidades globais foram de 93,7% e 68,8% respectivamente ' Quadro 2.

Quadro 2. Métodos de diagnóstico da infecção por Hp utilizados.

Os achados endoscópicos estão descritos no Quadro 3. A infecção por Hp associou-se, como esperado, à presença de úlcera duodenal (p=0,039), não se evidenciando associação com nenhuma das outras patologias. As endoscopias normais foram mais frequentes em doentes não infectados (p=0,002).

Quadro 3. Distribuição dos diagnósticos endoscópicos e correlação com infecção por Hp.

Caracterizámos, com recurso à técnica PCR, os genes cag A, vac A, bab A2 e oip A de 22 das estirpes isoladas. O gene cag A foi detectado em 20 das 22 das estirpes, 90,9%; relativamente ao gene vac A, 45,5% (10/22) das estirpes possuía o genótipo s2/m2, 22,7% (5/22) o genótipo s1/m2 e 31,8% (7/22) o s1/m1.

O gene oip A encontrou-se funcional (ON) em 78,9% (15/19) das estirpes e o gene bab A2 foi detectado em 50% das 22 estirpes isoladas ' Quadro 4.

Quadro 4. Caracterização genética das estirpes isoladas.

Não se conseguiu estabelecer associação entre os vários perfis genéticos com qualquer das patologias diagnosticadas.

DISCUSSÃO O valor calculado da prevalência da infecção por Hp ' 44,9% ' foi consideravelmente inferior ao estimado para a população geral portuguesa e próximo do de vários países desenvolvidos da Europa Ocidental. Contudo, tendo em conta que se trata duma população dispéptica e que a prevalência desta infecção em doentes dispépticos é superior à da população geral, com um odds ratio de 2,3 25 , o valor encontrado de 44,9% assume um valor relativo ainda mais baixo no contexto português. Neste sentido, poderemos dizer que estamos dentro dos valores habituais descritos para a Europa ocidental.

Ao olhar para a figura_1, torna-se evidente a redução progressiva da prevalência acima dos 60 anos. Outros trabalhos mostraram declínios da prevalência nestes grupos etários, apontando taxas de soroconversão que podem atingir os 7% anuais 26,27 . Este fenómeno pode ser devido à própria história natural da infecção por Hp, condicionada pelo surgimento da gastrite atrófica e consequente perda do nicho ecológico da bactéria28 ou mesmo ocasionada por condições sócio-económicas particulares envolvendo a infância desses grupos etários 29 . Contudo, na nossa população, registámos apenas 10 casos de gastrite atrófica e sem associação com a idade e, além disso, não conhecimento, no Algarve, de circunstâncias específicas que tivessem dificultado a infecção por Hp no período que pode corresponder à infância do grupo etário estudado. Não dispomos de explicação evidente para esta observação, que merece ser aprofundada no aspecto epidemiológico e demográfico. as taxas inferiores abaixo dos 30 anos nos parecem explicáveis pela melhor condição sócio-económica a que se assistiu em Portugal nas últimas 2 ' 3 décadas.

Relativamente aos meios de diagnóstico utilizados, a cultura, considerado por muitos autores, o gold standard no diagnóstico desta infecção, mostrou a melhor acuidade global classificando correctamente 99% dos doentes. Por sua vez, os resultados do exame histológico foram francamente desapontadores com sensibilidade de apenas 48%. O facto de ser muito operador-dependente, quer na colheita, quer na análise das amostras, de ter sido realizado por anatomopatologistas distintos tendo apenas sido usada uma coloração, pode justificar, em parte, estes resultados. o teste rápido da urease, com resultados de acordo com os habitualmente descritos, confirmou-se como um método eficaz, rápido e económico.

Estima-se que cerca de 80% dos doentes com úlcera duodenal e mais de 60% daqueles com úlcera gástrica estão infectados com Hp 30 . Na nossa população, no caso da úlcera duodenal, essa percentagem foi inferior ' 67% ' mas manteve-se a associação com significado estatístico.

No caso da úlcera gástrica e da duodenite erosiva, apesar de ambas mais frequentes nos doentes infectados, julgamos que a ausência de associação significativa se ficou a dever à insuficiência dos números de ambas as patologias. Todavia, a associação mais estreita verificou-se entre as endoscopias normais e a não infecção o que, de forma indirecta, atesta igualmente o papel etiopatogénico da bactéria.

Relativamente aos factores de virulência, pelo reduzido número das estirpes caracterizadas, não foi possível estabelecer associação com as patologias encontradas. Todavia, é notória a presença marcada de genótipos ditos virulentos. Relativamente às estirpes comuns nos países ocidentais, constatámos, na nossa amostra, significativamente maior presença do gene cagA (90,9%) e estado ON do gene oipA (78,9%); além disso, quase dois terços ' 63,6% ' das estirpes reuniram pelo menos 3 dos quatro genótipos reconhecidamente mais virulentos 31 . A fazer na nossa pequena amostra, cremos que as estirpes da nossa região têm elevado potencial patogénico, mas será necessário reunir um maior número de doentes e avaliar também indivíduos assintomáticos para melhor esclarecer estes dados.


transferir texto