A asma e os seus diagnósticos diferenciais
Introdução
A aspergilose broncopulmonar alérgica é uma reacção inflamatória pulmonar
idiopática que se caracteriza por uma resposta inflamatória à colonização
fúngica do pulmão1.
A doença é causada por uma reacção alérgica exagerada a diversas espécies de
fungos, particularmente ao Aspergillus fumigatus(90% dos casos), mas a Cândida
albicans, Helminthosporidiumspp, Curvularia lunata, Drechsleraspp e
Stemphyliumspp também podem estar implicados1,
6
.
A magnitude da reacção à colonização crónica da via aérea pelo
Aspergillusdepende de factores genéticos do hospedeiro que irão contribuir para
uma reacção de hipersensibilidade tipo I, mediada por IgE; tipo III, mediada
por IgG; e tipo IV, mediada por células6. A reacção inflamatória crónica é
responsável por uma progressiva destruição brônquica, que irá permitir maior
penetração do Aspergillusna parede brônquica, amplificando essa reacção. Se o
ciclo se mantiver por um intervalo de tempo longo, culmina na formação de
bronquiectasias1.
A asma é o factor contributivo mais comum, mas a ABPA também pode estar
presente em doentes que apresentam fibrose quística ou outras patologias que
cursam com bronquiectasias6.
Podemos encontrar condições associadas, como a rinite alérgica, a sinusite
alérgica fúngica, a granulomatose broncocêntrica, a dermatite atópica e a
dermatite de contacto6.
Tipicamente, os doentes apresentam história de asma de difícil controlo,
relatando sintomas frequentes de dispneia, tosse, pieira e intolerância ao
exercício1,6. Quando estão presentes bronquiectasias, há produção crónica de
expectoração, com rolhões de muco espesso e acastanhado e maior risco de
infecções respiratórias bacterianas1,
4
,6.
Os critérios de diagnóstico apresentados (Quadro I) não são absolutos e têm
vindo a evoluir ao longo do tempo; no entanto, são uma ajuda preciosa para um
diagnóstico precoce da doença1. Os doentes com os 5 critérios majorapresentam
ABPA com bronquiectasias centrais (ABPA-CB); a ausência de bronquiectasias
sugere o diagnóstico de ABPA seropositiva (ABPA-S). Os critérios minorsuportam
o diagnóstico, não são obrigatórios e podem estar presentes nas agudizações da
doença6.
Quadro I1,6
Os diagnósticos diferenciais da ABPA incluem: asma corticodependente sem ABPA,
fibrose quística, tuberculose, infecções parasitárias, pneumonia de
hipersensibilidade, síndroma de Churg Strauss, pneumonia eosinófilica, linfoma,
síndroma eosinofilica idiopática, patologia autoimune, drogas inaladas
(cocaína/crack) e fibrose Q1.
As alterações radiológicas típicas possíveis de encontrar são variadas: (a)
infiltrados irregulares, transitórios e com localização preferencial nos lobos
superiores; (b) bronquiectasias cilíndricas e saculares centrais; (c) imagens
de impactação mucóide dos brônquios dilatados, como por exemplo opacidades em
“dedo de luva”1,6,
8
.
No estudo funcional respiratório dos estádios I a IV da ABPA encontramos uma
síndroma obstrutiva e no estádio V, para além da obstrução, há também restrição
e diminuição da difusão alveoloarterial do CO1.
O tratamento é estabelecido de acordo com o estádio (Quadro II) em que se
encontra a doença. As exacerbações agudas, estádio I ou III, devem ser tratadas
com corticosteróides orais, 0,5 a 1 mg/kg/dia de prednisolona.
Quadro II1 – Estadiamento da ABPA
Estes serão mantidos até resolução dos sintomas, dos infiltrados e da descida
da IgE total pelo menos 35%, sendo reduzidos num período entre 3 a 6 meses. A
remissão é definida como estabilização de sintomas e IgE total por um período
de 6 meses sem corticoterapia6. Devem monitorizar-se os doentes com IgE total
mensalmente ou bimensalmente, radiografia torácica cada três meses no primeiro
ano e estudo funcional respiratório anual. Nos casos em que haja duplicação da
IgE total, deve considerar-se aumentar a dose de corticosteróides1.
O estádio IV é definido pela incapacidade de parar o tratamento com
corticosteróides. Com o objectivo de minimizar a toxicidade, deve ser mantida a
menor dose possível com controlo dos sintomas6. No estádio V recomenda-se o uso
de corticosteróides apesar da sua fraca eficácia nesta fase da doença.
Nestes doentes, o prognóstico é reservado e muitos deles desenvolvem infecções
bacterianas recorrentes. Uma possível opção de tratamento é o transplante
pulmonar1,6.
Os corticosteróides inalados devem ser usados, pois ajudam no controlo do
broncospasmo e funcionam como poupadores da corticoterapia sistémica. O
tratamento adjuvante com broncodilatadores auxilia no controlo do
broncospasmo1.
Os agentes antifúngicos mostraram ser terapia adjuvante eficaz e devem ser
considerados nos doentes corticodependentes, naqueles em que há agudizações
frequentes, nos estádios tardios da doença e se os corticosteróides não se
mostrarem eficazes ou apresentem elevada toxicidade1,6,
7
.
O agente antifúngico que se mostrou mais eficaz, em estudos realizados, foi o
itraconazol 400 mg/dia por 16 semanas1,6,7. Outros agentes, como o voriconazol,
estão a ser estudados, ainda sem resultados definitivos6.
Os doentes com ABPA desenvolvem uma hipersensibilidade mediada por IgE contra
esporos do fungo Aspergillus fumigatus, originando elevação dos níveis de IgE.
Perante a farmacologia do anticorpo omalizumab, ele pode mostrar-se útil em
doentes com ABPA1. Na literatura encontramos algumas publicações que descrevem
o uso do omalizumab após a falência de terapêutica convencional com
corticosteróides. Nesses casos, os doentes melhoraram sintomaticamente após o
início da terapêutica e a corticoterapia sistémica foi suspensa ou reduzida
significativamente
9
,
10
.
Caso clínico
Doente do sexo feminino com 41 anos, antecedentes de asma extrínseca desde a
infância e pneumonia aos 18 anos. Trabalhava numa cerâmica, realizando a
cromagem de louça. Nos antecedentes familiares relatava tios com rinite
alérgica, o pai com bronquite, irmão com história de asma até aos 7 anos de
idade.
Nos últimos anos a doente foi observada e medicada por diversos especialistas
em vários centros, manteve sempre um controlo parcial da asma e múltiplos
episódios de supuração brônquica durante o ano. Realizou corticoterapia
sistémica por períodos prolongados, com benefício. As queixas brônquicas
motivaram dois internamentos e 7-8 cursos de antibioterapia no último ano.
Nega queixas nasais. Ao observar a doente em consulta de alergologia, havia
queixas de tosse com expectoração mucopurulenta e pieira diárias, bem como
dispneia ao exercício físico.
Ao exame físico apresentava-se eupneica, sem cianose central, facies
cuxingóide, hipocratismo digital, unhas em vidro de relógio, e na auscultação
pulmonar havia roncos e crepitações bilaterais. Verificou-se teste de
hipersensibilidade imediata cutânea positivo para Aspergillus fumigatus.
Nos exames laboratoriais (Quadro III) destacavam-se uma marcada elevação de IgE
total e da IgE especifica a Aspergillus fumigatus.
Quadro III – Estudo analítico
A telerradiografia torácica (Fig. 1) apresentava marcado reforço broncovascular
bilateral, múltiplas imagens arredondadas, saculares, de parede espessada para-
hilares bilaterais.
Fig. 1 – Telerradiografia do tórax PA – Marcado reforço broncovascular
bilateral, múltiplas imagens arredondadas, saculares, de parede espessada para-
hilares bilaterais
Na tomografia computorizada torácica (Fig. 2) observaram-se inúmeras imagens
sugestivas de bronquiectasias, do tipo varicoso e quístico, de parede brônquica
espessada, envolvendo ambos os pulmões, de distribuição mais abundante nos 2/
4 intermédios dos campos pulmonares e nos brônquios segmentares.
Fig. 2 – Tomografia computorizada – Observaram-se inúmeras imagens sugestivas
de bronquiectasias, do tipo varicoso e quístico, de parede brônquica espessada,
envolvendo ambos os pulmões, de distribuição mais abundante nos 2/4 intermédios
dos campos pulmonares e nos brônquios segmentares. São de referir algumas
imagens sugestivas de impactação mucosa nos lobos inferiores
São de referir algumas imagens sugestivas de impactação mucosa nos lobos
inferiores.
A tomografia computorizada dos seios perinasais revelou hipertrofia da mucosa
de revestimento dos seios esfenoidais.
No estudo funcional respiratório apresentava um padrão obstrutivo grave, com
hiperinsuflação pulmonar e prova da broncodilatação com salbutamol positiva
(FVC 1,53 l (52%); FEV1 0,74 l (29%); FEV1/FVC 48%; CV 1,6 l; TLC 3,8 l (84%);
VR 2,2 l (147%); CV/TLC 58%). Havia insuficiência respiratória global na
gasometria com FiO2 21% (PCO2 48,2 mmHg, PO2 56,3 mmHg). Iniciou tratamento com
prednisolona 30 mg/dia, incrementou-se a terapêutica com corticosteróides e
broncodilatadores inalados (budesonida, formoterol e tiotrópio), prescreveu-se
um curso de antibioterapia com espectro para Klebsiella azaenae.
Discussão
No caso clínico descrito, a doente apresentava história de asma de difícil
controlo e episódios de supuração brônquica frequentes.
Verificou-se a existência do teste de hipersensibilidadecutânea positiva a
Aspergillus.
Perante uma asma moderada a grave e hipersensibilidade positiva a Aspergillus
fumigatus,a hipótese de ABPA deve ser ponderada1.
Na continuação da investigação observou-se elevação da IgE total superior a
1000 UI//ml, IgE especifica para Aspergillus fumigatuse a tomografia
computorizada torácica revelou bronquiectasias centrais. Nesta altura estavam
presentes os cinco critérios majorpara ABPA. São de referir critérios
minorpresentes, impactação mucóide na tomografia computorizada torácica já
citada e anticorpos precipitantes para Aspergillus fumigatuspositivos.
O teste da condutividade [NaCl] (teste do suor), negativo numa doente adulta,
permitiu excluir o diagnóstico de fibrose quística.
A cultura da expectoração foi negativa para Mycobacterium
tuberculosis,parasitas e fungos, e excluiu a existência de outra etiologia
infecciosa. A cultura da expectoração positiva para um agente bacteriano
(Klebsiella ozaenae)está de acordo com a presença de bronquiectasias.
Consideramos que a doente apresenta uma aspergilose broncopulmonar alérgica com
bronquiectasias centrais em contexto de asma alérgica.
A doença encontra-se em estádio de agudização (I ou III), não permitindo fazer
afirmação do estádio definitivo.
Iniciou-se medicação com corticoterapia sistémica, e, de acordo com a evolução
clínica, analítica, funcional e radiológica, poderá proceder-se ao ajuste
terapêutico necessário.
Consideraremos a introdução de antifúngico nas condições já referidas. Há
também a possibilidade de tratamento com o anticorpo anti-IgE omalizumab. Nos
casos encontrados descritos na literatura foi administrado cada 2-4 semanas em
doses calculadas a partir da tabela específica, de acordo com os níveis de IgE
séricos9.