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EuPTCVHe0873-21592009000600012

EuPTCVHe0873-21592009000600012

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
ano2009
Issue0006
Article number00012

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Tuberculose testicular: Caso clínico

Introdução A incidência da tuberculose extrapulmonar tem vindo a aumentar nas últimas décadas, principalmente devido a epidemia do VIH 1 , 2 . O tracto genitourinario é o local mais frequentemente afectado e clinicamente representam 2,34% dos casos; no entanto, o seu envolvimento é observado em 7% dos doentes com tuberculose no momento da autopsia1,2, 3 .

A tuberculose do testículo pode resultar de uma extensão retrograda da infecção a partir da próstata e vesículas seminais, assim como de propagação hematogenea1,2,3. Também foram postuladas a disseminação através do sistema linfático pélvico e a transmissão venerea3, 4 .

A infecção habitualmente afecta primeiro o epididimo, sendo que a orquite ocorre como resultado da extensão contígua e reflecte um estádio tardio no processo da doença1,2,3. A orquite tuberculosa isolada, por disseminação hematogenea e sem envolvimento do epididimo, é rara1,3. Assim sendo, a tuberculose testicular é uma entidade clínica rara que ocorre em aproximadamente 3% dos doentes com tuberculose genital2,3.

Clinicamente, não pode ser distinguida de lesões como o tumor testicular, infecção aguda (bacteriana ou virica), infecção granulomatosa (como a sarcoidose) ou enfarte, podendo até, em alguns casos, mimetizar uma torção testicular1,2,3. A sua cuidadosa distinção é importante para um tratamento apropriado1.

Os homens sexualmente activos, com idades compreendidas entre os 20 e os 50 anos, são os mais frequentemente afectados e queixam-se habitualmente de dor ou aumento de tamanho do testiculo1,2,3,4. A presença de sintomas urinários e piuria estéril sugerem fortemente uma associação ao envolvimento renal3.

A ecografia do testículo é actualmente a melhor técnica para a visualização e orientação diagnóstica das lesões testiculares1,2,3.

Caso clínico AJP, sexo masculino, 58 anos, fumador de 57 UMA, com clínica de bronquite crónica tabágica, reformado de operário em fábrica de fundição e minas de volfrâmio com resultante silicose. Seguido em consulta de Pneumologia por tuberculose pulmonar (Fig. 1), confirmada em exame directo e cultural de expectoração (> 36 bacilos por campo), e cujo antibiograma apresentava sensibilidade a todos os fármacos de primeira linha.

Fig. 1

A serologia para o vírus de imunodeficiência humana era negativa. Iniciou tratamento antibacilar com boa evolução clinicorradiologica e conversão das baciloscopias ao 1.o mês de tratamento. Ao 2.o mês inicia dor em moedeira e aumento do testículo direito, sendo orientado para a consulta de Urologia. O doente negava história prévia de traumatismo ou orquite. Ao exame físico apresentava uma volumosa massa palpável a nível do saco escrotal direito, ocupando todo o volume do saco e alterando a forma das estruturas intraescrotais.

O toque rectal revelou uma próstata com aproximadamente 50g e nódulo palpável a nível do terço médio do lobo direito.

Do estudo efectuado será de salientar um antigénio específico da próstata (PSA) aumentado (10,88), com relação PSA livre/total diminuída (13,5%); os doseamentos da beta-gonadotrofina corionica humana (β-HCG), alfa-fetoproteina (α-FP) e DHL foram normais.

Realizou posteriormente ecografia testicular e vesicoprostática que demonstrou um testículo direito com múltiplas formações nodulares, pericentimétricas, sugestivas de processo neoplásico (Fig. 2). Salientava-se a existência de múltiplas adenopatias da cadeia inguinal direita. Perante a avaliação inicial sugestiva de lesão neoplásica, o doente foi submetido a cirurgia com orquidectomia radical direita (Fig. 3).

Fig. 2 Ecografia testicular

Fig. 3 Testículo com lesão heterogénea branco-amarelada, com necrose que envolve a quase totalidade da polpa testicular. Hidrocelo de pequeno volume

O resultado histológico revelou um processo granulomatoso necrosante Ziehl- Neelsen positivo, compatível com o diagnostico de orquite granulomatosa necrosante de etiologia tuberculosa (Fig. 4).

Fig. 4 C Parênquima testicular (à esquerda) e processo inflamatório granulomatoso necrosante (à direita). A Granulomas epitelióides com necrose.

B Bacilos álcool ácido-resistentes, observados após coloração pelo método de Ziehl-Neelsen

Comentário As manifestações de tuberculose extrapulmonar podem surgir no decurso do tratamento da tuberculose pulmonar, mesmo com tratamento correctamente orientado e em indivíduos imunocompetentes. Os doentes com orquite bacilar têm habitualmente uma boa resposta a terapêutica antibacilar.

Preconiza-se um tempo de tratamento antibacilar com o esquema habitual (isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol 2HRZE + 4HR) de 6 meses de duração; no entanto, em algumas situações, pode ser necessária intervenção cirúrgica2,4.

A cirurgia está indicada em casos graves, ou perante a falta de resposta clínica ao tratamento, com aumento no tamanho e edema do testículo ou formação de abcesso2,4. É importante o diagnóstico diferencial com outras entidades clínicas; nomeadamente quando os achados clínicos mimetizam os de um tumor testicular. O diagnóstico de infecção tuberculosa é facilmente perdido, pelo facto de os tumores serem a causa mais comum de massa testicular1.

A nível ecográfico, a presença de um aumento do epididimo em conjunto com lesão testicular é mais sugestivo de infecção do que de etiologia neoplásica2,3. Os padrões ecográficos associados com a orquite tuberculosa são vários e incluem: um aumento difuso, heterogéneo e hipoecoico do testículo; um aumento difuso e homogéneo do testículo; um aumento nodular e heterogéneo e a presença de múltiplos e pequenos nódulos hipoecoicos num testículo aumentado1,2,3.

Este último, também conhecido como padrão miliar, é característico da tuberculose do testiculo1,2. Outros achados ecograficos associados são o espessamento da pele escrotal, o hidrocelo, as calcificações intraescrotais extratesticulares, o abcesso escrotal e o tracto sinuoso escrotal1,2,3. A adição do ecodoppler, para avaliação do fluxo sanguíneo, pode ajudar a diferenciar entre a presença de enfarte, tumor ou inflamação do testiculo1,2.

A epididimorquite tuberculosa deve ser considerada no diagnóstico diferencial de edema escrotal por tumor, infecção aguda ou orquite inflamatória. A evidência de tuberculose fora do tracto genitourinario, a falência da terapêutica antibiótica convencional, a presença de calcificações no escroto, o abcesso, os tractos sinuosos do testículo e a imunodepressão ajudam no diagnóstico de tuberculose do testiculo1,2,3.


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