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EuPTCVHe0873-21592010000200003

EuPTCVHe0873-21592010000200003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
ano2010
Issue0002
Article number00003

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Pneumonia adquirida na comunidade numa unidade de cuidados intensivos

Introdução A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é a principal causa de sépsis em cuidados intensivos de adultos, com uma mortalidade e morbilidade significativas. Corresponde a 35,6 a 51,9 % dos doentes com sépsis grave 1,2 a 49,2% dos doentes com choque séptico. No entanto, os estudos sobre PAC em UCI são escassos em Portugal.

Objectivos Caracterizar as PAC que motivaram internamento em unidade de cuidados intensivos, com ênfase nos resultados, clínica, laboratório, microbiologia, antibioterapia e sua repercussão na morbilidade e mortalidade.

Material e métodos Estudo retrospectivo dos doentes admitidos numa UCI polivalente com PAC, de 1 de Junho de 2004 a 31 de Dezembro de 2006. Foram seleccionados doentes com pneumonia na admissão hospitalar ou nas primeiras 48 horas, tendo -se excluído aqueles com internamento hospitalar recente (< 10 dias) e os doentes residentes em lar/casa de repouso 3, 4,5 .

Analisaram-se dados demográficos, índices de gravidade, dados laboratoriais relevantes, antibioterapia e sua adequação, necessidade de ventilação mecânica e sua duração, mortalidade e duração da estadia na UCI. Os dados foram tratados em EXCEL e SPSS.

A etiologia foi classificada como provável se o exame cultural de expectoração ou de secreções brônquicas (colhidas por aspirado traqueal) revelasse um determinado agente bacteriológico.

A etiologia foi considerada definitiva se se verificasse um dos seguintes critérios: por hemocultura sem foco extrapulmonar aparente; por aspirado transtorácico e fluido pleural; seroconversão ' um aumento de 4 vezes no título de IgG para Chlamydia pneumoniae(IgG>1:512), Chlamydia psittaci(IgG>64), Legionella pneumophila>1:128, Coxiella burnetii>1:80 e vírus respiratórios (i.e. vírus influenzaA e B, vírus parainfluenza1 a 3, VSR, adenovírus; um título de IgM único aumentado para C. pneumoniae>1:32, C. burnetii>1:80 e Mycoplasma pneumoniae(qualquer título); um único título >1:128 ou antigénio urinário positivo L. pneumophila 6 .

A antibioterapia foi considerada adequada se o agente isolado era susceptível à antibioterapia em curso.

Resultados Os internamentos por pneumonias adquiridas na comunidade corresponderam a 11,8% do total de internamentos (644). Analisaram-se 76 doentes com uma idade média de 62,88 (18,75) anos, 26,3 % do sexo feminino e 73,7% do sexo masculino.

As síndromas de admissão mais frequentes foram: insuficiência respiratória aguda (41), insuficiência respiratória crónica agudizada (20), choque séptico (9), edema pulmonar cardiogénico (5).

A gravidade de doença era grande, com APACHE II médio de 24,88 (9,75), SAPS 2 médio de 51,18 (18,05), a que correspondia mortalidade prevista de 47,27%.

Todos os doentes apresentavam comorbilidades, com número médio de 4 e máximo de 6. As comorbilidades mais frequentes foram: cardiopatia isquémica (15), DPOC (13), infecção VIH (11), diabetes mellitus(11), doença oncológica (11), tabagismo (9), alcoolismo (6) e insuficiência cardíaca (5).

Dos 76 doentes com PAC, isolou-se microrganismo responsável em 42,1% (32/76) (Quadro I). Em 57,9% (44/76) não foi possível isolar microrganismo.

Quadro I - Positividade dos exames culturais, serologias e antigenúrias efectuadas

O agente etiológico mais identificado foi o Streptococcus pneumoniae, mas o grupo de agentes etiológicos mais frequentemente identificados foi o dos bacilos entéricos gram negativos (Quadro II).

Quadro II - Agentes etiológicos

Houve 20 agentes prováveis e 12 etiologias definitivas que corresponderam aos seguintes microrganismos ' Streptococcus pneumoniae, Salmonella enteritidis, Stenotrophomonas maltophilia, Burkholderia cepacia, Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Pneumocystis jirovecii, Legionella e Mycoplasma pneumoniae.

Os 4 doentes em que se isolou Pneumocystis jiroveciitinham infecção VIH/SIDA.

A maioria dos doentes, 52 (68,4%) vinha sob antibioterapia prévia à admissão na UCI. Em  67,3% (35) destes a antibioterapia foi alterada na admissão. A antibioterapia prévia mais usada foi a levofloxacina. O esquema de antibioterapia mais usado na admissão foi a associação ceftriaxone com azitromicina (Quadro III). Nos 32 doentes em que foi possível avaliar a adequação terapêutica, 27 (6 da antibioterapia prévia) tinham esquemas de antibioterapia adequados, e em 4 destes (14,8%) houve descalação (2 da antibioterapia prévia), 5 não eram adequados. Em 44 doentes não foi possível isolar agente.

Quadro III - Principais esquemas de antibioterapia prévia e na admissão

A grande maioria dos doentes, 66 (86,8%), foi ventilada, com uma duração mediana de 4 [1-10] dias.

As principais complicações foram: pneumonia nosocomial (10), reentubação (9), ARDS (7), insuficiência renal aguda (5) e  pneumotórax (2) (Quadro IV).

Quadro IV - Principais complicações

A demora mediana foi de 5,3 [2,6 ' 11,7] dias. A mortalidade na unidade foi de 36,8% (28 doentes). A mortalidade hospitalar foi de 55,26% (42 doentes).

Para avaliar o impacto de algumas variáveis descritas na literatura como associadas ao prognóstico dos doentes com PAC na nossa população, efectuou-se análise univariada, cujo resultado consta do Quadro V. Na análise univariada, o índice SAPS 2 relacionou-se com uma maior mortalidade, de forma muito mais significativa do que o APACHE II.Também o valor de PCR e o de potássio se relacionaram, com significado estatístico, com maior mortalidade. A antibioterapia inicial não adequada relacionou-se com maior mortalidade, com odds ratiode 11,43 IC 95% (1,085-120,42). Não havia diferença estatisticamente significativa nas médias de idade, APACHE II, valores de admissão de hemoglobina, leucócitos, plaquetas, creatinina, ureia, bilirrubina. A positividade de hemoculturas não se relacionou com maior mortalidade.

Quadro V - Análise univariada de variáveis prognósticas

As variáveis com significado estatístico na análise univariada foram incluídas na análise logística multivariada (Quadro VI). Nesta análise, apenas o SAPS II manteve significado estatístico ' p= 0,021, com OR= 2,8 (2,73-2.91), verificando-se uma forte tendência para o aumento da mortalidade com a não adequação da antibioterapia.

Quadro VI - Análise multivariada de variáveis com significado estatístico na análise univariada

O tempo de internamento dos sobreviventes na UCI está relacionado com a gravidade de doença ' SAPS II (p=0,000), da resposta inflamatória ' n.º de leucócitos (p=0,036), PCR (p=0,022) e com o INR (p=0,004) (Quadro VII).

Quadro VII - Regressão dependente da demora média (variáveis com significado estatístico)

A insuficiência respiratória com necessidade de ventilação mecânica foi a principal razão de admissão dos doentes. A análise do tempo de ventilação (sem dados de oximetria) mostrou que este dependeu de número de leucócitos (p=0,021), o INR (p=0,014) e o SAPS II (p=0,000) (Quadro VIII).

Quadro VIII - Regressão dependente do tempo médio de ventilação mecânica (variáveis com significado estatístico)

Discussão A prevalência das PAC na nossa unidade de cuidados intensivos correspondeu a cerca do dobro de outras séries 6,7 .

Alguns pontos merecem discussão: a gravidade e carga de trabalho destes doentes, a elevada percentagem de bacilos gram negativos, a importância da antibioterapia inicial no resultado final.

A mortalidade hospitalar foi mais elevada do que anteriormente descrito num estudo de 6 UCI portuguesas (38%) 8 , mas a gravidade de doença é francamente elevada. Os doentes admitidos tinham índices de gravidade superiores aos das séries analisadas 7 , com maior presença de comorbilidades do que outras séries 7 .

Infelizmente, os dados na admissão hospitalar não eram completos, não permitindo o cálculo de scoresespecíficos, como CURB65 9 e/ou scorede Fine 10 . Este facto não permite a comparação com outras séries e poderá indicar uma ausência de estratificação formal da gravidade destes doentes, ao contrário do recomendado por diversas sociedades.

Sabe-se que a comorbilidade pulmonar predispõe para pneumonia devido a bacilos entéricos gram negativos e Pseudomonas aeruginosa, provavelmente devido a colonização prévia na DPOC (e/ou bronquiectasias) 11 .

O Streptococcus pneumoniaefoi o microrganismo mais frequentemente isolado; no entanto, ao contrário do que é classicamente descrito na literatura, houve uma preponderância do grupo dos bacilos entéricos gram negativos. Este predomínio é provavelmente explicado pelo número significativo de comorbilidades, uma vez que excluímos à partida doentes com contacto recente com instituições de saúde, incluindo lares e casas de repouso. Não dispomos de dados para determinar se alguns destes doentes correspondem a casos de pneumonia associada a cuidados de saúde, como definido por Niederman e outros 5 . No entanto, esta diferença de prevalência dos microrganismos entre as populações de cuidados intensivos e enfermaria está de acordo com outras séries que analisaram a PAC grave 6, 12,13, 14 .

De salientar também que o segundo agente etiológico mais identificado ' Klebsiella pneumoniae' também é muito frequentemente causador de PAC grave noutras séries 15 . Em estudos de prevalência europeus 12 , S. aureus, Legionellae bacilos entéricos gram-negativos são raros na doença abordada fora do hospital, mas mostram um padrão de aumento progressivo na sua frequência com a crescente gravidade da doença.

Os exames culturais apresentaram rentabilidade moderada provavelmente pelo facto de a maioria dos doentes estar sob antibioterapia prévia. Provavelmente também o facto de o microrganismo causador ser eventualmente difícil de identificar pelos métodos convencionais, tal como as bactérias anaeróbias ou outros ainda não identificados podem contribuir para essa falência. No entanto a maioria desses casos parecem ser pneumonias a Streptococcus pneumoniaenão isolados 12 . Os doentes falecidos apresentavam na admissão maior gravidade de doença. Na análise univariada e multivariada, o índice SAPS 2 relacionou-se com uma maior mortalidade, tal como esperado 15 , de forma mais significativa do que o APACHE II.A não adequação de antibioterapia apresentou também significado estatístico na análise univariada.

A intensidade da resposta inflamatória (avaliada pela PCR) e o potássio relacionaram-se com significado estatístico com maior mortalidade, mas apenas na análise univariada, não mantendo valor prognóstico na análise multivariada, o que está de acordo com outros autores 16 . As pneumonias bacteriémicas são apontadas como de maior gravidade 15 ; no entanto, a positividade de hemoculturas não se relacionou com maior mortalidade nesta série, ao contrário do que tem sido observado.

A descalação terapêutica, muito em voga, foi praticada apenas em quatro casos de antibioterapia adequada. O tempo até obtenção de resultados e a boa resposta clínica dos doentes foram a principal causa de não aplicação deste princípio, no entanto não dispomos de dados concretos que nos permitam esclarecer este ponto.

Conclusões A PAC é uma patologia relativamente frequente em cuidados intensivos, com uma mortalidade elevada e importante consumo de recursos.

O uso da antibioterapia deve ser criterioso, tendo em conta os principais agentes e a sua susceptibilidade, o que nos deve fazer reflectir acerca da adaptação das opções de antibioterapia empírica ao contexto epidemiológico em que estamos inseridos.


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