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EuPTCVHe0873-21592010000300012

EuPTCVHe0873-21592010000300012

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
ano2010
Issue0003
Article number00012

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Pneumonia a Varicella zoster

Introdução A varicela, doença altamente contagiosa, é a infecção primária causada pelo vírus Varicella zoster(VVZ), um vírus ADN pertencente à família Herpesviridae.

A varicela no adulto associa-se a considerável morbi mortalidade. Das múltiplas complicações da varicela, a pneumonia a VVZ (PV) é a complicação mais grave e mais frequente nos adultos, sendo potencialmente fatal. As chaves no tratamento da pneumonia a Varicella zosterpassam pela precocidade do diagnóstico e na instituição de terapia adequada. O aciclovir constitui o fármaco de 1.ª linha, apesar da inexistência de evidência da sua eficácia. A corticoterapia tem vindo a ser cada vez mais preconizada. Aquando da necessidade de suporte ventilatório, a utilização de PEEP (positive end-expiratory pressure)elevado é relevante.

Patogénese Os dados disponíveis sobre a fisiopatologia da varicela são limitados. Não se sabe ao certo a porta de entrada do VVZ no nosso organismo ' conjuntivas, faringe ou pulmões ', após o que se segue um período de incubação médio de cerca de 15 dias. O VVZ multiplica-se inicialmente nos gânglios regionais e cerca de 4-6 dias depois ocorre a primeira viremia subclínica, durante a qual se verifica disseminação visceral. O vírus passa então a replicar-se no sistema reticuloendotelial, sobretudo a nível dos macrófagos1, ocorrendo a segunda viremia, aproximadamente 14 dias após a infecção, com disseminação vírica à mucosa da nasofaringe e à pele, manifestando-se sob a forma do típico exantema maculopapulovesicular10. O VVZ transmite-se por gotículas da nasofaringe e, menos frequentemente, por contacto directo a partir do líquido das vesículas de varicela e da zona 7 . O contágio pode ocorrer de 1 a 2 dias antes do aparecimento do exantema até 48h após formação da última crosta7.

A infecção primária é habitualmente ligeira e os sintomas duram cerca de uma semana, conferindo imunização vitalícia7. A disseminação pulmonar do VVZ, ocorrida aquando da segunda viremia, produz uma pneumonite intersticial disseminada com consolidações hemorrágicas dispersas. As alterações histopatológicas manifestam-se como uma florida reacção imune, caracterizada por infiltrados intersticiais de células mononucleadas, edema septal, destruição do endotélio capilar, necrose fibrinóide, preenchimento alveolar por fluido proteináceo rico em eritrócitos e células mononucleadas. Os infiltrados neutrofílicos são inespecíficos e sugestivos de sobreinfecção bacteriana.

Epidemiologia Apesar de apenas 7% dos adultos serem seronegativos1, desde a década de 80 que a incidência da infecção em adultos tem vindo a aumentar, a par do aumento de admissões hospitalares e da mortalidade. Embora ocorram pouco mais de 2% dos casos em adultos, a doença é mais severa e as complicações são 25 vezes mais frequentes do que nas crianças7, particularmente as neurológicas e as respiratórias.

A PV foi reconhecida como entidade clínica em 1942. Apesar de rara, é a complicação mais frequente e mais grave da varicela nos adultos1, 3 , apresentando uma incidência aproximadamente de 1 por cada 400 casos de infecção1, ou seja, cerca de 25 vezes a das crianças. Entre 5 a 50% de todos os casos de PV 2 ,3,21 ocorrem em adultos previamente saudáveis, maioritariamente da 3.ª à 5.ª décadas de vida. Consideram-se factores de risco para o desenvolvimento de pneumonia: tabagismo7, 11 , 12 , 17 ,21, gravidez (sobretudo 2.º e 3.º trimestres)1,7,11,12,21, compromisso imunológico1,7,11,21, idade avançada10,21, convívio próximo com o caso-índice1, sexo masculino11 e doença pulmonar crónica1,12,21. Outras variáveis associadas ao desenvolvimento de PV foram: febre superior a 38,3.ºC17, lesões cutâneas em número superior a 10017 ou exantema cutâneo/hemorrágico severo21, enantema da cavidade oral17, hepatite17 e migração de áreas de baixa prevalência de VVZ7. A presença de mais que um factor de risco associa-se a progressão para PV severa e constitui factor preditivo para admissão em UCI12.

O risco aumentado nos fumadores parece estar relacionado com o efeito do tabaco sobre os macrófagos pulmonares, tornando estes indivíduos mais susceptíveis à infecção pelo VVZ12. Alguns autores referem que, em relação aos casos de varicela no adulto, cerca de 50% dos fumadores desenvolvem pneumonia, em contraposição com 3% dos não fumadores3.

A incidência de pneumonia entre grávidas com varicela é de 9 a 40% e habitualmente severa1,3,7. A PV foi também reconhecida como relativamente comum em doentes imunocomprometidos (Quadro I). Tem-se verificado maior incidência nos receptores de transplante de medula óssea (até 50%) e nas crianças com neoplasias (até 20% na leucemia e 32% nos tumores sólidos).

Quadro I Factores contribuintes de risco acrescido para desenvolvimento de pneumonia a varicela

A varicela é particularmente severa em indivíduos imunocomprometidos, para os quais o risco de disseminação visceral é elevado (30 a 50%), encontrando-se significativamente aumentada nos casos de doença de enxerto vshospedeiro. O risco para PV é também superior. O período de contágionestes doentes prolonga- se várias semanas10 e a cura demora até o triplo do tempo. O melhor factor preditivo de disseminação pulmonar encontrado foi a contagem absoluta de linfócitos (CAL) aquando da infecção, ocorrendo em 48% dos doentes com CAL inferior a 500 células/μL e em 21% dos que apresentavam CAL superior a 500 células/μL. Com o declínio da CAL, o risco para PV aumenta, atingindo os 71% para CAL inferior a 100 células/μL. Em conformidade, o risco de mortalidade passou de 7% nos casos com CAL superior a 500 células/ μL para 29% naqueles com CAL inferior a 100 células/μL.

Relativamente à mortalidade, à PV no adulto não tratada está associada uma pesada taxa de 10 a 30%3,11, sendo mais elevada nos imunocomprometidos e nas grávidas (entre 30 e 40%2), chegando mesmo a atingir os 50% se falência respiratória com necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI)11. A idade superior a 65 anos, o compromisso do estado imunológico e a falência renal aguda parecem favorecer o aumento da mortalidade por PV.

A mortalidade por PV, antes da introdução do aciclovir, variava entre 7 e 19%1,12. Contudo, tem-se verificado uma diminuição da mortalidade por PV (de 19% nas décadas de 60-70 para 6% na de 9011). Esta melhoria parece estar relacionada não somente com a disponibilidade e instituição precoce do anti- vírico, bem como com a maior experiência por parte dos profissionais de saúde, com a maior precocidade do diagnóstico e com o melhor suporte respiratório nas UCI.

Clínica Na maioria dos casos, o exantema característico estabelece o diagnóstico clínico, frequentemente em associação com história recente de exposição. O diagnóstico diferencial de varicela passa por: reacções alérgicas (síndroma de Stevens-Johnson), zona generalizada, infecções por herpes simplexou enterovírus, rickettsiose vesiculosa, pitiríase liquenóide e varioliforme aguda e psoríase gutata.

O diagnóstico de PV é dificultado pela baixa frequência de sintomatologia típica (101,7 a 25%1 dos doentes). Constituem sinais precoces de risco para desenvolvimento de pneumonia a erupção continuada de novas lesões, a persistência da febre e a ocorrência de tosse de novo3. Febre, tosse, dispneia/ taquipneia, toracalgia pleurítica e hemoptises são apanágio de infecção pulmonar severa. Em 50 a 75% dos doentes, a pneumonia é acompanhada ou precedida em 1 a 2 dias por dor abdominal ou dorsolombar severa e por vezes persistente, tipo neuropático, de origem vírica ou imunológica. O exame objectivo pode revelar adicionalmente alteração do estado mental, sinais de dificuldade respiratória, crepitações bibasais e inevitavelmente o exantema característico, uma vez que a pneumonia se estabelece cerca de 1 a 6 dias após o mesmo e muito raramente antes. As vesículas geralmente visualizam-se também no palato e vias respiratórias superiores, mediante laringoscopia.

Exames complementares de diagnóstico Analiticamente, é frequente encontrar-se trombocitopenia moderada, hiponatremia e elevação das transaminases7, das enzimas musculares e da amilase. Menos frequentemente, pode verificar-se disfunção renal.

O VVZ pode ser identificado mediante cultura (requer 3 a 5 dias), indirectamente por PCR ou testes antigénicos rápidos de imunofluorescência indirecta (resultados em 1-2h). Os testes serológicos permitem obter resultados mais tardios, sendo o FAMA (fluorescent antibody to membrane antigen)tido como gold standard.Podem ocorrer reacções cruzadas com o vírus herpes simplex tipo 1 (VHS1), indicativo de homologia de sequência de aminoácidos da glicoproteina B do invólucro vírico10. A ocorrência de reacções cruzadas com o VHS1, a não definição do tempo para seroconversão e o facto de a inexistência de anticorpos não excluir infecção podem condicionar dificuldades na interpretação dos testes serológicos.

A realização/monitorização da oximetria é um procedimento muito importante no reconhecimento precoce de PV, uma vez que a hipoxemia precede frequentemente a dispneia e os achados radiológicos12, constituindo um sinal de alerta para gravidade clínica. A gasometria arterial evidencia frequentemente insuficiência respiratória tipo 1 com normocápnia7.

A radiografia do tórax deve ser realizada a todos os adultos com varicela 6 ,7. Em 1965, num estabelecimento militar norte-americano, 16% dos indivíduos com varicela apresentavam alterações radiológicas1,7,21, dos quais apenas ¼ se encontravam sintomáticos. Pode revelar infiltrado reticulonodular difuso, mas poupando os vértices. Inicialmente, os nódulos apresentam diâmetros de 2 a 5 mm e são mais facilmente visualizados à periferia ou no perfil. Com a progressão da doença, os nódulos aumentam e coalescem, resultando em infiltrados extensos.

Nos casos ligeiros, os infiltrados podem resolver em 3 a 5 dias, enquanto nas formas disseminadas e severas podem persistir durante várias semanas. São achados pouco frequentes nas fases iniciais: derrame pleural, adenopatias hilares e pneumotórax. O diagnóstico diferencial coloca-se com as diversas causas de infiltrados reticulonodulares (Quadro II). A extensão das alterações radiológicas não tem correlação directa com a severidade da morbilidade pulmonar (PaO2/FiO2), mas parece reflectir a intensidade do exantema7.

Quadro II Causas principais de Infi ltrado reticulo nodular diagnóstico radiológico diferencial com PV

A tomografia computorizada (TC) torácica permite a visualização de nódulos isolados, nódulos com imagem em vidro despolido circundante, imagens em vidro despolido isoladas e lesões coalescentes. Sugere-se a sua realização para avaliação do envolvimento pulmonar em doentes com varicela e sintomas respiratórios, mas sem alterações na radiologia convencional 14 . A broncoscopia permite observação de lesões vesiculares brônquicas. O lavado bronco broncoalveolar apresenta aumento de contagem absoluta de linfócitos e diminuição da relaçãoCD4/CD8 6,7.

Tratamento Perante um doente com sinais de dificuldade respiratória, deve instituir-se imediatamente oxigenoterapia de alto débito e mantê-lo sob vigilância clínica e oximetria de pulso contínua. As opções terapêuticas no caso de falência respiratória incluem ventilação mecânica não invasiva (pressão positiva contínua ' CPAP ou binível ' BIPAP) e VMI7. Alguns autores advogam que a frequência respiratória na admissão pode ter valor preditivo para a necessidade de suporte ventilatório. Os doentes submetidos a VMI beneficiam de PEEP elevada e, eventualmente, de prone positionpara optimização da função diafragmática e da relação V/Q. Numa série de 7 doentes com falência respiratória refractária, a modalidade de ventilação convencional, foi instituída oxigenação por membrana extracorpórea, com boa resposta em 5 doentes8.

Dada a elevada prevalência de infecções bacterianas secundárias, os antibióticos são frequentemente utilizados de acordo com o estado imunológico do doente e com a estirpe e sensibilidade identificadas. A aplicação tópica de clorhexidina pode reduzir a colonização cutânea por microrganismos Gram positivos7. O aciclovir é de uso mandatório em doentes com risco de doença severa (imunocomprometidos, recém-nascidos de mães com varicela no periparto) e/ou complicações. É recomendado o seu uso no caso de indivíduos com idade superior a 13 anos, crianças com mais de 1 ano com patologia crónica (pulmonar ou cutânea) e em utilizadores crónicos de salicilatos10. O aciclovir demonstrou reduzir a mortalidade em indivíduos com varicela complicada por pneumonia, quer em imunocompetentes, quer em imunocomprometidos e grávidas7, 13 . Tem maior eficácia se administrado por via intravenosa e nas primeiras 72h de doença10 ou nas primeiras 24h de exantema7, associando-se a melhoria clínica (desaparecimento da febre e taquipneia), da oxigenação e a uma mais rápida resolução da pneumonia. Para o tratamento da pneumonia, a via de administração preferida é a intravenosa3, na dose de 5-15 mg/kg cada 8h, durante 7-10 dias.

Embora menos sensível ao aciclovir que o VHS, o VVZ é inibido para concentrações séricas do aciclovir de 0,08 a 1,2mg/L, sobejamente alcançadas pelas doses preconizadas. A dose deve ser ajustada na insuficiência renal, devido à potencial nefrotoxicidade.

Outros efeitos secundários importantes são o desenvolvimento de flebites nos locais de infusão, disfunção neurológica (desorientação, tremores) e elevação das transaminases. A resistência do VVZ ao aciclovir é pouco frequente, tendo sido relatada sobretudo entre doentes infectados pelo VIH, podendo utilizar-se em alternativa o foscanert por via intravenosa. Os pró-fármacos do aciclovir (valaciclovir e famciclovir) apresentam biodisponibilidde oral acrescida de 60 e 80%, respectivamente, em comparação com o aciclovir. Uma vez que as concentrações mínimas inibitórias para o VVZ não são alcançadas com a administração do aciclovir por via oral, no ambulatório é preferível a utilização do valaciclovir (pró -fármaco disponível em Portugal), 1g cada 8 horas durante 7-10 dias.

A utilização de corticosteróides como coadjuvantes no tratamento da PV, se bem que controversa, é advogada pela maioria dos autores. Os corticóides exercem modulação da resposta inflamatória intrapulmonar e têm demonstrado sucesso noutras doenças infecciosas e não infecciosas (tuberculose pulmonar miliar, Pneumocystis jirovecii, vasculite, aspiração de conteúdo gástrico, fase fibroproliferativa do ARDS), limitando a deterioração da função respiratória11.

Num estudo retrospectivo e prospectivo envolvendo 15 doentes com PV, em que a 6 deles foi administrado 200mg de hidrocortisona intravenosa cada 6h durante 48h, com início nas primeiras 24h de admissão na UCI, verificou-se diminuição da duração do internamento (quer na UCI, quer hospitalar) e da mortalidade.

Ocorreu também uma mais rápida recuperação radiológica e das trocas gasosas, bem como menor número de complicações11. Os corticóides parece modificarem a resposta inflamatória que o vírus desencadeia sobre o parênquima pulmonar quando administrados precocemente11. necessidade de realizar estudos randomizados para aferir o grau de evidência da utilidade dos corticosteróides na PV.

Profilaxia O VVZ tem baixa variabilidade molecular, tendo sido identificados três genótipos majoraté à data10, todos completamente sequenciados. A vacina, de vírus vivo atenuado, é cerca de 80 -85% eficaz contra a doença de uma forma geral e altamente eficaz (> 95%) na prevenção de casos graves10.

Em Portugal não está incluída no Plano Nacional de Vacinação, existindo no mercado duas formulações da vacina disponíveis. A Sociedade Portuguesa de Pediatria recomenda a vacinação de crianças com idade superior a 2 anos e doença crónica (fibrose quística, diabetes, etc.) e de adolescentes não imunes e advoga a realização de estudos custo/benefício para a vacinação universal.

Com a implementação em 1995 do programa de vacinação na infância nos EUA, a mortalidade relacionada com a varicela sofreu uma quebra dramática (de 0,41/ 1 000 000 para 0,14/1 000 000 habitantes, p<0,001) 9 , verificando-se concomitantemente redução da incidência da doença, complicações e admissões hospitalares10, 18 , 19 . Contudo, a maioria das mortes que continuam a ocorrer são entre indivíduos sem factores de alto risco e elegíveis para vacinação9. A vacina está contraindicada nos indivíduos imunossuprimidos e nas grávidas. Na Europa tem aprovação para indivíduos imunocomprometidos com mais de 1200 linfócitos/μL10.

A vacina também tem eficácia na pós-exposição, prevenindo e modificando a varicela em cerca de 96% dos indivíduos expostos, se administrada nas primeiras 72h, ou em 67% dos casos se administrada nos primeiros 5 dias10.

A imunização passiva com a IGVZ (imunoglobulina anti-varicela zoster) reduz a incidência de varicela clínica em 50% dos doentes quando administrada nas primeiras 72 a 96h de exposição, ao prevenir a progressão da doença antes da primeira viremia. Os restantes 50% apresentam formas ligeiras ou subclínicas.

Contudo, em pequena percentagem de doentes imunocomprometidos, pode ocorrer pneumonia, devendo este subgrupo ser tratado com aciclovir3. A IGVZ está indicada para grávidas, recém-nascidos cujas mães contraíram varicela até 7 dias antes a 2 dias após o parto, indivíduos imunocomprometidos e para profissionais de saúde não imunes após exposição ocupacional. Um estudo japonês de 1993, não controlado e não randomizado, sugere que a administração de aciclovir entre o 7.º e o 9.º dias do período de incubação previne a varicela3.

Existem poucos estudos em doentes imunocomprometidas, mas a implementação de aciclovir em altas doses em associação com a IGVZ ou isoladamente (janela temporal para administração IGVZ ultrapassada) pode ter a sua utilidade neste grupo de alto risco.

Complicações e sequelas pulmonares As infecções bacterianas ou sépsis devido a sobreinfecção pulmonar ou cutânea ocorrem em 25-50% dos doentes com PV3,7. Os cocos Gram-positivos (sobretudo, Streptococcusâ-hemolíticos do grupo A e Staphylococcus aureus) são os agentes etiológicos principais nos doentes com contagem de neutrófilos superior a 500/ μL. Aquando de neutropenia (<500/μL), o risco de infecção aumenta, nomeadamente por bacilos entéricos Gram-negativos e fungos.

Nos doentes ventilados verifica-se maior risco de infecções nosocomiais3 e de desenvolvimento de pneumomediastino e pneumotórax3. A hemorragia pulmonar, complicação tardia, resulta da lesão difusa e necrose focal de grandes vasos, frequentemente acompanhada de coagulação intravascular disseminada3. Do conjunto de sequelas pulmonares descritas em indivíduos com passado de PV, os defeitos de difusão de CO3, a diminuição da tolerância ao exercício3 e o desenvolvimento de padrão restritivo3,7 são as que cursam com maior incapacidade, porém apresentam evolução favorável. Podem ainda manter-se durante anos nódulos de tecidos moles7 e, decorridos 2 anos, é frequente a observação de microcalcificações pulmonares miliares residuais, com cerca de 2- 3mm3,7, em radiografia do tórax.

Caso clínico Indivíduo de 38 anos, sexo masculino, fumador (15 UMA), recorre ao serviço de urgência em 14/02/2006 por quadro, com três dias de evolução, composto por epigastralgia, odinofagia e exantema. A apresentação cutânea consiste em lesões papulares localizadas ao tronco com subsequente distribuição centrífuga e generalização, com evolução simultânea para vesículas. É admitido o diagnóstico de varicela, sendo medicado com omeprazol e ebastina para o ambulatório. Dois dias depois é reencaminhado ao SU por agravamento das lesões cutâneas e disfonia ligeira, havendo ainda referência a tosse seca e sudorese nocturna.

Ao exame objectivo apresentava-se com normal estado mental, corado, hidratado, anictérico, eupneico, febril (temperatura axilar = 38,5.ºC), normotenso, com placas brancas destacáveis na mucosa da cavidade orofaríngea compatíveis com candidíase, sem alterações auscultatórias cardio pulmonares e com exantema maculopapulovesicular generalizado. Analiticamente apresentava trombocitopenia moderada (86 000 × 109/L), hipoprotrombinemia (70%), citólise hepática com TGO de 560 UI/L e TGP 698 UI/L, LDH de 2042 UI/L e PCR de 0,4 mg/dL. A radiografia do tórax revela um infiltrado micronodular bilateral. O doente é internado no serviço de Medicina Interna, admitindo-se candidíase orofaríngea e exantema a esclarecer, instituindo-se terapêutica com fluconazol.

No primeiro dia de internamento (D1) verificam-se baixos valores da oximetria de pulso, com evidência de insuficiência respiratória tipo I (pH 7,422, pCO2 34 mmHg, pO2 50,8 mmHg, HCO3 22,6 mMol/L, SpO2 87,1%). Inicia-se oxigenoterapia suplementar com FiO2 de 50%, com boa resposta gasimétrica. Por apresentar serologia compatível com infecção aguda por citomegalovírus (CMV), admite-se infecção diseminada a CMV e institui-se terapia com Ganciclovir e profilaxia de sobre infecção bacteriana com flucloxacilina. As serologias para VIH, VHB, VHC e VDRL resultam negativas.

Ao D2, apresenta agravamento clínico e radiológico, com exantema mais exuberante (Figs. 1-4). Este caracteriza-se por lesões em diversas fases de evolução (pápulas eritematosas, vesículas claras, vesículas com conteúdo turvo, vesículas com umbilicação central, vesículas com zona central necrótica e pústulas), algumas com 1 cm de maior diâmetro, localizado preferencialmente à face, pescoço e couro cabeludo e com preservação das plantas e palmas.

Adicionalmente, desenvolve edema periorbitário bilateral e dos tecidos moles do pescoço; adenomegalias submandibulares, laterocervicais e cervicais posteriores fusiformes, elásticas e dolorosas; febre elevada; taquipneia e fervores crepitantes bibasais à auscultação pulmonar.

Fig. 1 Edema periorbitário bilateral e dos tecidos moles do pescoço

Fig. 2 Enantema da cavidade oral

Fig. 3

Figs. 3 e 4 Exantema exuberante com lesões em diversas fases de evolução (pápulas eritematosas, vesículas claras, vesículas com conteúdo turvo, vesículas com umbilicação central, vesículas com zona central necrótica e pústulas), algumas com 1 cm de maior diâmetro. Localizado preferencialmente à face, pescoço e couro cabeludo e com preservação das plantas e palmas

A radiografia torácica revela agravamento do infiltrado reticulonodular bilateral (Fig. 5). Perante insuficiência respiratória, hipoxemia com necessidades crescentes de oxigenoterapia  suplementar, o doente é admitido na UCIP. É conectado a prótese ventilatória, na modalidade de volume controlado e com necessidade de PEEP elevado ' 10 cmH2O e FiO2 de 80%, para uma PaO2/FiO2 de 205 mmHg. Admitida Pneumonia aVaricella zoster,institui-se aciclovir 10 mg/kg ev 8/8h e prednisolona 60mg oral id.

Fig. 5 Radiografia do tórax Infiltrado intersticial difuso bilateral com padrão nodular

Realiza endoscopia digestiva alta e ecografia cervical constatando-se  espectivamente esofagogastroduodenite erosiva, com lesões sugestivas de atingimento esofágico por VVZ (excluindo-se lesões por cândida) e adenite das glândulas salivares, adenopatiase celulite do pescoço.

Ao D4, objectiva-se agravamento da relação PaO2/FiO2 para 160 mmHg, pelo que se admite ARDS primário. Posteriormente, verifica-se evolução favorável do quadro clínico, com diminuição progressiva da temperatura central, inicialmente de 41.ºC; resolução do edema cervical; regressão parcial do exantema, controlo da sobreinfecção bacteriana cutânea com ácido fusídico e iodopovidona; melhoria do infiltrado radiológico e da relação PaO2/FiO2, permitindo o desmame do ventilador a partir do D6 e extubação com sucesso ao D7. Manteve estabilidade eléctrica e hemodinâmica, bem como função renal e natremia normais. As serologias para VVZ, CMV e HSV1+2 foram positivas e compatíveis com infecção recente. Ao D7 regressa à enfermaria de medicina onde tem como intercorrência pneumonia nosocomial necrotizante do LID sem agente isoladotratada com piperacilina+tazobactam (Fig. 6). Tem alta após 25 dias de internamento, mantendo condensação radiológica com cavitação central em resolução.

Fig. 6 Radiografia do tórax Condensação pneumónica à base do pulmão direito, com cavitação central e nível

Na primeira consulta de seguimento é medicado com amoxicilina+ácido clavulânico por tosse produtiva.

Na segunda consulta, 23 dias após a alta, é reinternado por suspeita de tuberculose pulmonarno contexto de febrícula e tosse produtiva arrastadas, com referência a toracalgia pleurítica na base direita com três dias de evolução.

Durante o segundo internamento, realizou-se TC torácica que revelou uma massa sólida de morfologia triangular e base externa nos segmentos posteriores do LID compatível com consolidação parenquimatosa escavada e abcedada ou lesão tumoral necrosada (Fig. 7); broncofibroscopia com observação de grande quantidade de secreções grumosas nas árvores brônquicas, resultando a pesquisa de células neoplásicas negativa e o exame de amostra de biópsia transbrônquica revelando processo inflamatório intenso, misto, sem especificidade; BATT, cujo exame revelou parênquima pulmonar com lesão inflamatória crónica, transitando para área de condensação e ausência de características histomorfológicas de tuberculose e de lesão neoplásica; e diversas culturas, não se conseguindo qualquer isolamento microbiológico, nomeadamente de fungos ou micobactérias.

Fig. 7 TAC torácica Nos segmentos posteriores do LID, observa-se uma massa sólida de morfologia triangular de base externa, com limites irregulares.

Apresenta realce heterogéneo com contraste, áreas centrais hipodensas e ar no seu interior, medindo 8x6 cm. As alterações descritas poderão corresponder a consolidação parenquimatosa escavada e abcedada ou a lesão tumoral necrosada

É diagnosticada pneumonia escavada do LID sem agente isolado, após exclusão de tuberculose e neoplasia pulmonares, apresentando boa evolução clínica, analítica e radiológica, mediante tratamento com vancomicina em perfusão contínua.

Durante o seguimento, manteve-se assintomático, com fibrose residual radiológica (Fig. 8), mas sem outras sequelas. Em Outubro de 2006, tem alta da consulta de Medicina Interna.

Fig. 8 Radiografia do tórax Fibrose residual bilateral, sobretudo ao campo pulmonar inferior direito

Discussão No caso apresentado o doente contraiu a infecção em Fevereiro, em concordância com o pico de incidência da varicela no final do Inverno, não tendo sido identificada a fonte de contágio. Os factores de risco encontrados para desenvolvimento de PV foram apenas o sexo masculino e o tabagismo. No entanto, também apresentou outras variáveis para as quais se encontra estabelecido na literatura algum grau de associação a PV: febre elevada, exantema cutâneo grave com mais de 100 lesões, enantema da cavidade orofaríngea e hepatite.

Analiticamente verificou-se ainda trombocitopenia moderada sem diátase hemorrágica. O facto de as serologias para VVZ, CMV e VHS1+2 terem sido positivas e compatíveis com infecção recente, é seguramente o resultado da ocorrência de reacções cruzadas entre os diversos herpesvírus.

Realizou-se com sucesso profilaxia da sobreinfecção bacteriana cutânea, tendo ocorrido sobre infecção pulmonar, que pode acontecer em até 50% dos doentes com PV, favorecida neste caso pelo suporte ventilatório invasivo. Esta intercorrência prolongou significativamente o internamento hospitalar e obrigou a segundo reinternamento por reinfecção da cavitação pulmonar. Não se verificaram outras complicações da varicela e foi realizado estudo com exclusão de neoplasia ou compromisso da imunidade celular, nomeadamente serologia para o VIH.

O aciclovir foi neste caso instituído tardiamente (7.º dia de exantema e 4.º dia de sintomas respiratórios), devido à assunção prévia de infecção disseminada por CMV, diagnosticada pela respectiva serologia, que interpretamos a posterioricomo reacção cruzada. Contudo, e apesar de o risco de morte neste doente ser cerca de 50%, verificou-se evolução favorável.

A utilização de corticóides parece-nos valorizável, tendo favorecido a boa evolução da PV, bem como a extubação com sucesso ao fim de 5 dias, apesar do desenvolvimento de ARDS.

Conclusões As chaves no tratamento da PV passam pela precocidade no diagnóstico e na instituição de terapia adequada. O diagnóstico é habitualmente clínico e eventualmente induzido por história de exposição. Em todos os doentes com varicela deve ser investigada a existência de factores de risco para complicações, designadamente para PV. No doente com varicela, deve-se estar atento à possibilidade de múltiplas complicações, enfatizando a necessidade de vigilância clínica apertada. A probabilidade de desenvolvimento de falência respiratória com necessidade de ventilação mecânica é difícil de estabelecer no início da doença. A qualquer doente adulto assintomático com varicela deve realizar-se radiografia torácica e oximetria/gasometria arterial. O doente com alterações radiológicas ligeiras e com normal saturação de O2 pode ter alta medicado com valaciclovir, devendo ser reavaliado dentro de 24 a 48h. Os doentes que apresentem qualquer grau de hipoxemia devem ser admitidos com monitorização da SpO2 contínua.

O aciclovir constitui o fármaco de primeira linha, devendo ser iniciado de imediato, se possível nas primeiras 24h de exantema ou nas primeiras 72h de doença. A profilaxia de sobre infecção bacteriana cutânea deve ser universal. A utilização de corticoterapia e, nos doentes com suporte ventilatório, de PEEP elevado, parecem-nos relevantes.


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