Ecografia na patologia torácica
Introdução
A utilização da ecografia é transversal a múltiplas especialidades, sendo a sua
importância reconhecida em procedimentos diagnósticos e terapêuticos, em várias
áreas do foro médico. Durante duas décadas, este exame complementar foi
subaproveitado na patologia torácica. A crença inicial num valor limitado
devido à interposição de conteúdo gasoso, o elevado custo dos equipamentos e a
longa curva de aprendizagem, associados à inexistência de centros de formação
dirigidos aos internos ou especialistas de pneumologia em Portugal,
contribuíram para a escassa implementação.
A importância da ultra-sonografia torácica é presentemente reconhecida pela
European Respiratory Societye pelo HERMES (Harmonization of Education in
Respiratory Medicine for European Specialists), que, na sua actualização de
20081, recomenda a aprendizagem da técnica como parte integrante do currículo
em pneumologia do adulto. Sugere que os níveis de conhecimento devem abranger
diversos factores que englobam: princípios básicos ecográficos e anatómicos;
alterações patológicas, com especial relevo para o estudo do derrame pleural e
neoplasia; indicações para biopsia guiada. Relativamente à prática clínica,
esta deve contemplar a manipulação dos equipamentos, a correcta interpretação
das imagens e relação com outras modalidades do foro radiológico; a
identificação de lesões e o aumento da eficácia de punção, aspiração e/ ou
biopsia.
O treino em ecografia na patologia torácica, realizado no nosso país de modo
individual e habitualmente sob aconselhamento ou estreita colaboração com a
especialidade de imagiologia, pode e deve ser desenvolvido de forma organizada
e sistemática. Quando este exame é praticado diariamente, a aprendizagem torna-
se mais curta, não ultrapassando as quatro a seis semanas para o fácil
manuseamento do equipamento e o correcto diagnóstico de derrame pleural,
segundo a experiência dos autores. A avaliação de consolidação ou massa
pulmonar periférica e a realização de técnicas invasivas implica um período de
formação mais prolongado. A simplicidade, fiabilidade, versatilidade ' com
utilização no contexto de cuidados intensivos, serviço de urgência, enfermaria,
unidade de técnicas invasivas ' e a diminuição da exposição dos doentes e
profissionais de saúde à radiação representam outros benefícios.
Os avanços tecnológicos que conduziram ao aparecimento de equipamentos de menor
dimensão e custo permitem, inclusivamente, o estudo vascular detalhado ou a
individualização de estruturas extraluminais das vias aéreas (ecoendoscopia
brônquica ou esofágica), não abordados neste trabalho. Por todos estes motivos,
a ecografia do tórax é actualmente um exame de rotina que confere vantagem em
variados procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos (Quadro I).
Quadro I – Avaliação por ultra-sonografia
Equipamento, técnica e anatomia ecográfica
A avaliação ecográfica do tórax é condicionada pelas barreiras acústicas óssea
e aérea (absorção dos ultra-sons pelo tecido ósseo e total reflexão pelo pulmão
contendo ar), mas o espaço pleural e o parênquima pulmonar subpleural são
acessíveis utilizando a janela fornecida pelos espaços intercostais.
Pelas condicionantes anatómicas, o estudo ecográfico não constitui um exame de
primeira linha na maioria das situações. Sempre que possível, deve ser
precedido pela avaliação dos radiogramas e/ou TC de tórax, de forma a
determinar a localização e a acessibilidade da patologia, obviando perda de
tempo e estudos não diagnósticos.
O posicionamento do doente é variável, mas a dependência da gravidade deve ser
tida em consideração. Se o exame tem como objectivo a orientação de uma manobra
invasiva, é imprescindível realizá-lo na futura posição da intervenção. O
acesso à lesão deve ser alcançado de forma confortável para o examinado e
examinando. Para abrir a janela intercostal é útil elevar o membro superior do
lado a visualizar, repousando a mão sobre o ombro oposto ou região posterior da
cabeça.
A generalidade dos ecógrafos permite o estudo da pleura e do parênquima
pulmonar, utilizando dois tipos de sonda2:
Sondas com frequências de aproximadamente 7,5 MHz, com boa
resolução espacial, no entanto com reduzida penetração em
profundidade, apenas permitindo a visualização e adequada
caracterização do espaço pleural e do parênquima em doentes não
obesos. São sondas rectangulares, denominadas lineares;
Sondas com frequência de aproximadamente 3,5 MHz, com maior
penetração em profundidade, facilitando a localização das alterações
e a noção do volume das lesões de maior dimensão, também utilizadas
nos doentes com maior espessura das partes moles da parede torácica
(por exemplo em doentes obesos ou em anasarca). No entanto, perdem
resolução espacial e capacidade na caracterização da ecostrutura.
Têm forma curvilínea e são denominadas sondas sectoriais e convexas.
A sonda deve ser aplicada sempre com gel, exercendo alguma pressão, de maneira
a maximizar o contacto com a pele, evitando interferências de propagação dos
ultra-sons. A identificação de estruturas sólidas, como o fígado e o baço,
facilita uma correcta orientação. A manipulação sistemática no sentido
longitudinal cefalocaudal (linha paravertebral, linha escapular média; linha
axilar anterior, média e posterior, linha medioclavicular e linha paraesternal)
e transversal-oblíquo (da porção posterior do tórax para a anterior ao longo
dos espaços intercostais) previne omissões e permite a correcta localização de
estruturas anatómicas e patológicas3,4. Uma vez identificada a lesão em
investigação, a mobilização da sonda em diferentes planos e angulações faculta
ao examinador uma noção tridimensional da estrutura. Na Fig. 1 (A/B) observa -
se a anatomia da parede torácica, numa imagem obtida no plano sagital, com uma
sonda linear com frequência de 7,5 MHz. A Fig. 2 (A/B), obtida com frequência
superior a 7,5 MHz caracteriza melhor a interface pleuropulmonar. Normalmente,
esta linha hiperecogénica desliza sob a parede torácica de forma síncrona com
os movimentos respiratórios ' sinal de deslizamento.
Fig. 1 (A/B) – Identifica-se o tecido celular subcutâneo hipoecogénico (A),
músculos intercostais (B) intervalados com os arcos costais (C), que
condicionam uma imagem hiperecogénica com cone de sombra posterior (D),
impedindo a visualização em profundidade. A interface pleuropulmonar (E) surge
como uma linha hiperecogénica que desliza sob a parede torácica com os
movimentos respiratórios, sendo ainda possível observar artefactos em cauda de
cometa (F) e de reverberação (G), criados pelo limite do pulmão ventilado e
presentes, em pequeno número, durante os movimentos respiratórios
Fig. 2 (A/B) – Observa-se uma linha hiperecogénica fina, traduzindo a pleura
parietal (A), uma linha hipoecóide formada pelo espaço pleural (B) e uma linha
hiperecogénica de maior espessura, constituída pela pleura visceral em conjunto
com a reflexão acentuada dos ultra-sons pelo parênquima subjacente (C), dando a
impressão vicariante de maior espessura da pleura visceral relativamente à
parietal
Aplicações diagnósticas
Patologia da parede torácica
A ecografia torácica, ao visualizar a sonoanatomia das diferentes estruturas
tecidulares, é um excelente método para objectivar a forma, o tamanho, a
espessura, a linha de demarcação, a ecogenicidade e a ocupação do espaço, por
processos sólidos, líquidos ou estruturais, que reflectem alterações da parede
torácica5. Em termos metodológicos, o envolvimento da parede torácica por ser
decomposto em dois grupos:
Lesões benignas ' lipoma, abcesso, hematoma, fractura de arco
costal ou esterno;
Lesões malignas ' tumores invasivos, adenopatias metastáticas,
osteólise.
Lesões benignas
Das lesões sólidas benignas, o lipoma é uma alteração comum da parede torácica
(Fig. 3). Os hematomas e os abcessos são as lesões de conteúdo líquido mais
frequentes, sendo a sua distinção ecográfica difícil. Os hematomas são
habitualmente aneco ou hipoecogénicos e, quando organizados, apresentam-se com
ecogenicidade heterogénea. Os abcessos caracterizam -se pela formação capsular
em diferentes graus, com estruturas que parecem flutuar no seu interior.
Fig. 3 – Indivíduo do sexo masculino, 55 anos, com tumefacção da parede
torácica, correspondente a lipoma. Com a sonda de 7,5MHz observa-se uma
estrutura hipoecogénica, com múltiplos septos de maior ecogenecidade no seu
interior (A), delimitada face aos tecidos circundantes por uma cápsula regular.
Pode ainda visualizar-se a linha pleuropulmonar (B) e o pulmão arejado (C).
Na fractura de costelas, o diagnóstico radiológico pode ser difícil, sobretudo
se existe alinhamento dos arcos costais. Neste caso, um observador atento e
treinado em ultra-sonografia pode identificar ecos de reverberação designados
fenómeno em chaminé. Perante distanciamento dos topos, deslocação, fragmentos
ósseos ou situações acompanhantes, como hematoma dos tecidos adjacentes ou
derrame pleural, as alterações são mais exuberantes.
Lesões malignas
O crescimento tumoral é um critério importante nas lesões malignas que ocupam
espaço. A textura sonográfica dos tumores invasivos é habitualmente
hipoecogénica, heterogénea e com ecos de reverberação na porção mais posterior
(Fig. 4). A utilização do Doppler de cor possibilita a identificação do tipo e
padrão de vascularização.
Fig. 4 – Doente do sexo masculino, 80 anos, fumador (110 UMA), com o
diagnóstico de carcinoma pavimento celular do pulmão (T4N3M1). O recurso a
sonda de 3.5MHz sectorial possibilitou a visualização de lesão hipo/anecogénica
(A), correspondente a formação tumoral, com infiltração da parede torácica e
descontinuidade do arco costal adjacente (B). Salientam-se os ecos de
reverberação (C) que distinguem a porção posterior da massa face ao pulmão
normal (D)
A sonomorfologia dos gânglios linfáticos permite, com alguma cautela, indicar a
natureza da lesão. A heterogeneidade, o limite pouco definido e o crescimento
agressivo, não poupando as estruturas adjacentes, são característicos das
adenopatias metastáticas6. Nas metástases osteolíticas existe uma interrupção e
destruição da cortical, com transmissão de ecos patológicos. São habitualmente
observadas como lesões ocupando espaço, bem demarcadas, redondas ou ovaladas,
com estrutura parcialmente hipoecogénica. A avaliação do perfil evolutivo das
lesões malignas é uma das vantagens da utilização criteriosa e regular da
ecografia torácica7.
Patologia pleural
Para além da parede, a ecografia torácica permite a visualização da maioria da
estrutura pleural. Três entidades distinguem-se na avaliação ultra-sonográfica
da pleura:
Derrame pleural;
Tumores da pleura;
Pneumotórax.
Derrame pleural
Constitui a principal e mais acessível indicação para realização de ecografia
torácica. Em condições normais, o doente deve estar sentado ou com o tronco a
45º. A avaliação realiza-se com colocação longitudinal da sonda, incidindo a
inspecção sobre as zonas pulmonares dependentes.
Uma das vantagens deste exame consiste na fácil identificação de líquido, mesmo
em pequenas quantidades, com sensibilidade diagnóstica superior à radiografia
simples do tórax e TC torácica. A colecção aparece como uma zona hipoecogénica
bem delimitada pela pleural parietal e pela interface da pleural visceral com o
pulmão periférico. A utilização do Doppler de cor evidencia sinal vermelho/
azul, correspondente a fluido que se desloca por transmissão dos movimentos
respiratórios e cardíacos. Facilita também a distinção com espessamento
pleural, atelectasia, consolidação pulmonar ou lesão sólida. As características
do líquido proporcionam informações úteis, permitindo a inclusão da colecção
líquida em quatro padrões ultra-sonográficos8 (Fig. 5 A/B/C/D).
Fig. 5 – A – Doente do sexo feminino, 65 anos, com etilismo crónico,
insuficiência hepática crónica, ascite e derrame pleural. Observa-se um padrão
anecogénico puro (A), presente sobretudo nos transudados. O conteúdo líquido
encontra-se delimitado pela pleura diafragmática, parênquima hepático
heterogéneo (B) e pulmão adjacente com atelectasia passiva (C). B – Doente do
sexo feminino, 35 anos, não fumadora, sob investigação por derrame pleural
direito. A ecografia torácica revelou um padrão complexo não septado (A) com
partículas ecogénicas heterogéneas no interior de liquido anecogénico,
normalmente compatível com um exsudado. O movimento das partículas em
redemoinho, associado ao espessamento e irregularidade da pleura diafragmática
(setas), é sugestivo de derrame neoplásico. As biópsias pleurais confirmaram o
diagnóstico de adenocarcinoma do pulmão. C – Doente do sexo masculino, 58 anos,
etilismo crónico, pneumonia complicada por empiema sem identificação de agente
etiológico. Com um padrão ecogénico homogéneo, no qual todo o espaço entre os
dois folhetos se encontra preenchido por líquido de ecogeneidade aumentada (A),
presente exclusivamente nos exsudados. D– Doente do sexo masculino, 34 anos,
com o diagnóstico de tuberculose pleuropulmonar. Observa-se um padrão complexo
septado, com septos móveis e imóveis que estabelecem múltiplas locas (A),
estando associado espessamento pleural. Ocorre exclusivamente nos exsudados
Perante a existência de quantidade anómala de líquido, coloca-se a seguinte
pergunta: podemos puncioná-lo em segurança? O volume e a existência de
loculação constituem factores de extrema importância na abordagem diagnóstica e
terapêutica. A quantificação empírica do líquido por ecografia é mais precisa
comparativamente à radiografia de tórax em decúbito lateral9, mas devido às
variações anatómicas não é possível realizar a determinação exacta do volume, à
semelhança do que se faz noutras situações, como por exemplo na patologia
prostática. As fórmulas mais simples para obtenção do volume estimado (em
mililitros) são alcançadas com base na determinação do diâmetro longitudinal
máximo ' distância de separação máxima entre os folhetos parietal e visceral
(em milímetros) multiplicada por um coeficiente de 90 (com o doente sentado) ou
de 20 (com o doente em decúbito)10,11. Na prática, uma separação dos dois
folhetos pleurais superior a 5mm é suficiente para a colheita de líquido e, se
superior a 15mm, a utilização de agulha de Ramel é feita em segurança.
Nos derrames de longa evolução existe habitualmente espessamento pleural. O
processo inflamatório, fibrótico e cicatricial apresenta-se, numa fase precoce,
como um aumento da ecogenecidade da pleura parietal e, numa fase mais tardia,
envolve o folheto visceral e a superfície pulmonar, atenuando a amplitude do
sinal de deslizamento. Quando a espessura pleural costal é superior a 10mm
existe uma elevada probabilidade de malignidade, sendo mandatório o correcto
diagnóstico diferencial12. Outros factores sugestivos de derrame neoplásico são
a deslocação do líquido num padrão em remoinho ' swirling sign13, nodularidade
pleural e espessamento diafragmático superior a 7mm14 (Fig. 5B).
Tumores da pleura
A ecografia do tórax constitui um método eficaz de avaliação da superfície
pleural, perante a suspeita de envolvimento neoplásico. A janela acústica
possibilita a delimitação de lesões nodulares, de ecogeneidade variável, com
espessamento difuso da pleura parietal ou diafragmática e mais raramente da
pleura visceral.
É impossível, por critérios ecográficos, distinguir um tumor pleuropulmonar com
invasão da parede de um tumor da parede com extensão à pleura. Quando ocorre
crescimento tumoral e infiltração existe alteração na normal estrutura da
parede (Fig. 6). Um recente estudo prospectivo15 confirmou a superioridade da
ecografia na identificação de invasão da parede torácica comparativamente à TC
do tórax.
Fig. 6 – Doente do sexo masculino, 63 anos, ex-fumador (60 UMA), sem outros
factores de risco identificados. Enviado para avaliação de derrame pleural
esquerdo recidivante, tendo realizado duas toracenteses com biópsias pleurais,
sem resultado conclusivo. A ecografia da parede torácica com sonda de 7,5 MHz
revela, nos locais anteriormente puncionados, lesão hipoecogénica (A) com
descontinuidade da linha hiperecogénica que traduz a pleura parietal (B),
alteração do tecido muscular e celular subcutâneo adjacente (C) e abolição do
sinal de deslizamento por fixação do pulmão. O resultado anatomopatológico da
biópsia ecoguiada foi de mesotelioma pleural maligno
O mesotelioma pleural maligno apresenta aspectos indistinguíveis dos tumores
secundários12,16. Nalgumas ocasiões identifica-se antecipadamente o
espessamento ou calcificação da pleura parietal. Nos indivíduos com risco
acrescido, a ecografia permite a monitorização de placas de asbesto.
Os tumores benignos (ex: lipoma, condroma, tumor fibroso) são raros e
apresentam-se como lesões arredondadas, bem delimitadas, encapsuladas, não
invadindo o tecido adjacente.
Pneumotórax
Por regra, a avaliação de um pneumotórax é clínica e radiológica. No entanto, a
existência de um ecógrafo pode auxiliar no diagnóstico quando a radiografia do
tórax não se encontra disponível ou a mobilização do doente é difícil.
É uma das patologias que implica maior dificuldade de aprendizagem, dadas as
suas implicações técnicas e a menor incidência face ao derrame pleural. O
diagnóstico é realizado pela inexistência de informação (Fig. 7 A/B), o que no
observador inexperiente gera insegurança, alvitrando -se a possibilidade de
erro na obtenção ou interpretação das imagens! Por vezes identificam-se linhas
horizontais de reverberação pela interposição de ar e, se o pneumotórax é
parcial ou septado, a exploração deve iniciar-se pelo local normal até atingir
o ponto de perda de sinal ' lung point17,18. Nos hidropneumotóraces visualiza-
se o sinal em cortinaque traduz uma linha horizontal que corresponde à
interface entre o ar e o líquido19.
Fig. 7 (A/B) – Doente do sexo masculino, 54 anos, fumador (70 UMA), com
enfisema e massa pulmonar periférica de 35mm no maior diâmetro. Após punção
dirigida ocorreu, como complicação, pneumotórax iatrogénico (a). Foi utilizada
uma sonda com maior profundidade de campo (3,5MHz), constatando-se que o
conteúdo gasoso pleural (A) impede a visualização dos habituais sinais ultra-
sonográficos (desaparecimento do sinal fisiológico de deslizamento e dos
artefactos em cauda de cometa). Todas as alterações descobertas foram
confrontadas com o hemitórax contralateral normal (b), com linha pleuropulmonar
móvel (setas) e pulmão expandido (B)
A ecografia do tórax tem um papel muito limitado como auxiliar da decisão
terapêutica relativamente à quantificação da câmara de pneumotórax e extensão
do colapso pulmonar20.
Patologia pulmonar
A ecografia permite estudar as patologias pulmonares que atingem a periferia do
pulmão. Actualmente, esta avaliação baseia-se nos artefactos produzidos pelo
ar. No parênquima normal arejado, a informação captada pela sonda é escassa,
com inúmeros artefactos de reverberação, orientados horizontalmente, como
repetições regulares da linha pleural ' linhas A. Quando o interstício pulmonar
é preenchido com conteúdo líquido (ex: edema, enfarte ou contusão pulmonar)
identificam-se artefactos em cauda de cometa em número aumentado, também
designados por linhas B(equivalem às linhas B de Kerley)21.
Consolidações pulmonares
A ecografia define vários aspectos numa consolidação pulmonar: volume,
localização, sinais associados (derrame, abcesso) e ecoestrutura interna
(imagens hiperecogénicas punctiformes referentes a broncograma aéreo). Podem-se
avaliar as consolidações pulmonares inflamatórias (pneumonia, tuberculose,
doenças intersticiais), neoplásicas (tumores primários ou secundários),
vasculares (embolia e enfarte pulmonar) e mecânicas (atelectasia).
A consolidação alveolar define-se pelo sinal de pulmão tecidularquando o
parênquima surge como um tecido sólido com ecogenecidade semelhante ao tecido
hepático, e sinal de retalho, quando o limite profundo da consolidação é
irregular. O primeiro ocorre nas fases precoces da consolidação, observando-se
estruturas ramificadas no seu interior (broncograma aéreo), abolição do sinal
de deslizamento pulmonar e, se obstrução brônquica (ex: pneumonia obstrutiva),
a existência de estruturas tubulares anecóides (broncograma de fluido)21. A
evolução desfavorável da pneumonia, a existência de processo necrotizante e
abcesso periférico promovem um aumento da ecogenecidade e heterogeneidade (Fig.
8 A/B). O sucesso da terapêutica antibiótica restabelece a ventilação, torna o
pulmão mais arejado, com aumento dos artefactos e diminuição da área de
consolidação.
Fig._8 – Doente do sexo masculino, 41 anos, fumador (20 UMA) e com hábitos
etanólicos (>120g/dia). A TC do tórax (A) mostra processo necrotizante do
parênquima pulmonar na base esquerda, com nível hidroaéreo, compatível com
abcesso. A ecografia (B) identificou uma lesão hipoecogénica, com parede bem
definida, com ecos internos e septações centrais. A persistência de febre e
toracalgia, associada à ausência de melhoria imagiológica, apesar de
antibioterapia de largo espectro, condicionaram a colocação ecoguiada de dreno
do tipo Pig-tail
Neoplasia pulmonar
Manifesta-se como lesão heterogénea de predomínio hiperecóide. Existem sinais
que podem orientar no sentido de uma maior probabilidade de patologia benigna
ou maligna: o contorno da superfície pleuropulmonar, os limites com o pulmão
ventilado, a destruição da arquitectura normal, o desvio das estruturas
vasculares, a neovascularização (avaliada por Doppler) e a invasão de
estruturas adjacentes.
Síndromas intersticiais
A utilização da ecografia nas síndromas intersticiais centra -se no diagnóstico
do edema pulmonar hemodinâmico ou lesional e baseia-se no princípio de que o
espessamento dos septos interlobulares subpleurais reflecte o dos septos
profundos. O sinal elementar é o aumento das linhas B que apagam as A22. As
áreas de enfarte pulmonar identificam-se como lesões hipoecogénicas de
morfologia triangular e base periférica. Visualiza-se no centro uma imagem
hiperecogénica linear com um bronquíolo e vaso aferente congestionado
(Doppler).
Patologia do mediastino
A patologia do mediastino é mais bem caracterizada com recurso a outras
técnicas, nomeadamente TC ou RNM do tórax, que facultam uma visualização
detalhada e possibilitam um correcto planeamento diagnóstico e terapêutico. A
ecografia transtorácica é uma alternativa válida em situações específicas.
Quando os métodos anteriores não se encontram disponíveis, pode ser utilizada
como um passo intermédio na clarificação de lesões do mediastino anterior.
Permite estabelecer o tamanho, as relações e características como o conteúdo,
os contornos e a mobilidade da lesão. É ainda útil na orientação da biópsia,
reduzindo o risco de complicações, sobretudo de lesão vascular (Doppler) (Fig.
9 A/B/C/D). Recomenda-se que este tipo de avaliação seja efectuado por
profissionais com ampla experiência em ultra-sonografia e profundo conhecimento
da anatomia cardiovascular. O acesso ao mediastino anterior é mais fácil por
abordagem supraesternal, com o doente posicionado a 45º, ombros apoiados e
cabeça em hiperextensão. As vias para e infraesternal, mesmo com boa
colaboração do doente em decúbito lateral e sempre que possível em manobra
expiratória, são mais difíceis de executar. Existem, ainda, factores
limitativos, como a interposição de tecido mamário ou adiposo, a existência de
enfisema subcutâneo, cardiomegalia ou deformidade torácica.
Fig. 9 – Doente do sexo masculino, 69 anos, ex-fumador (50 UMA), realizou
radiografia de tórax (A) de rotina com evidencia de hipotransparência de
contornos mal definidos, ao nível do mediastino superior-médio e região
paratraqueal esquerda. A TC do tórax (B) demonstrou uma massa no mediastino
anterior e médio a nível pré-vascular. Foi efectuada punção percutânea tru-cut
da lesão hipoecogénica (C) evitando os vasos contíguos com utilização de sonda
3,5MHz e Doppler (D). O diagnóstico histológico confirmou a presença de linfoma
B esclerosante do mediastino
O facto de a maioria dos tumores primários e metastáticos se situar no
mediastino anterior e superior torna-os acessíveis a este método. De igual
forma, a existência de compressão do pulmão pela massa favorece a visualização
ecográfica. As características ultra-sonográficas dos tumores variam23: as
formações quísticas são anecogénicas e bem delimitadas; os linfomas apresentam-
se hipoecogénicos (Fig. 9C); os timomas surgem com estrutura hiperecogénica,
por vezes polilobulada, com ou sem demarcação dos tecidos circundantes; as
adenopatias ou conglomerados adenopáticos revelam-se como hipoecogénicos ou
mesmo anecogénicos (perante existência de necrose central), encapsulados ou com
infiltração de estruturas contíguas. Ao contrário dos gânglios linfáticos
axilares e supraclaviculares, os mediastínicos são de difícil acesso por
ecografia transtorácica, constituindo a ecoendoscopia um exame de primeira
linha na sua avaliação.
Aplicações em procedimentos invasivos
A selecção de um procedimento invasivo e de melhor abordagem assenta em
critérios clínicos bem definidos que potenciam o diagnóstico e minimizam as
complicações. Neste contexto, a ecografia torácica tem indicação formal na
condução de manobras invasivas do foro pneumológico, com vantagem face a outros
métodos (Quadro II)24. De uma maneira geral, a aplicação da ultra-sonografia
torácica em técnicas invasivas só deve ser tentada após aquisição de larga
experiência diagnóstica25. Quando realizada por pneumologistas experientes, a
literatura avança resultados encorajadores26. O correcto manuseamento do
material ecográfico permite obter planos oblíquos ou coronais, fornecer
alternativas de punção, facilitar a selecção dos locais ideais, excluir zonas
de necrose, identificar tecido vascularizado e vasos relevantes. Nos
procedimentos invasivos em tempo real, a sonda deve ser desinfectada, coberta
com material esterilizado (por exemplo: luva, preservativo) e gel estéril. A
avaliação ecográfica após realização de toracentese, biópsia ou colocação de
dreno torácico, também é eficaz na detecção de pneumotórax iatrogénico19,27,
não havendo necessidade de posterior controlo por radiografia de tórax28.
Quadro II – Técnicas de imagem na orientação de intervenções torácicas
As principais aplicações da ecografia transtorácica em intervenção englobam:
toracentese, colocação de dreno torácico, biópsia pleural e punção de lesões
ocupando espaço.
Toracentese
Um correcto exame objectivo e avaliação da radiografia de tórax mantêm-se como
a primeira abordagem do doente com derrame pleural. Apesar da sua utilidade,
estes procedimentos têm baixa sensibilidade na identificação de pequenas
quantidades de líquido livre ou loculado28.
A ecografia torácica é um importante contributo no algoritmo diagnóstico de
derrame pleural30,31. A toracentese ecoguiada aumenta a rentabilidade, conforto
e segurança do procedimento, aspectos detectados desde os primórdios da sua
utilização32. Após identificação do diafragma e das estruturas hepática e
esplénica, selecciona-se o melhor espaço intercostal de punção, com
possibilidade de monitorização contínua e em tempo real da posição da agulha,
diminuindo a taxa de pneumotórax29,33,34.
Nos derrames septados identificam-se aderências entre os dois folhetos,
existindo a possibilidade de puncionar a maior câmara (Fig. 10).
Fig. 10– Doente do sexo masculino, 42 anos, com pneumonia adquirida na
comunidade, complicada por derrame pleural septado (A), com atelectasia do
pulmão (B). Foi colocado pleurocath® 8F na loca da maiores dimensões. Do ponto
de vista ultra-sonográfico, o dreno torácico apresenta-se como uma linha de
duplo contorno não visualizada na sua extensão total (setas)
Quando subsistem dúvidas entre infecção pleural (empiema) e intraparenquimatosa
(abcesso), a TC mantém -se como exame de eleição.
Drenagem torácica
A ecografia permite o correcto posicionamento do dreno, reduz os riscos de
colocação e possibilita a selecção do último espaço intercostal, aumentando a
eficácia terapêutica (Fig. 10).
Se a colocação de dreno torácico é consensual no derrame pleural complicado e
no empiema, no abcesso pulmonar o tratamento inicial é médico. Quando esta
abordagem falha, na ausência de melhoria imagiológica, persistência de sepsis
ou desenvolvimento de complicações, a drenagem percutânea sob orientação
imagiológica pode constituir uma opção terapêutica35. Quando as lesões têm
contacto pleural ou estão separadas da pleura por um istmo de pulmão
consolidado, é possível recorrer à ecografia para orientação do procedimento.
Na experiência dos autores posiciona-se um cateter tipo Pig'tailou Mallecotde 8
-12F, com aspiração e manutenção da drenagem (Fig._8). O subsequente controlo
laboratorial e radiológico é fundamental.
Outra das aplicações da ecografia num doente com dreno torácico pode ser a
validação da eficácia da pleurodese. Primeiro, de forma a assegurar a ausência
de líquido na cavidade pleural e a proximidade dos folhetos pleurais; segundo,
após a instilação do agente químico esclerosante, averiguar a eficácia do
procedimento através do espessamento pleural, da inexistência de colecções
líquidas remanescentes e do sinal de deslizamento.
Biopsia pleural
A rentabilidade da biopsia pleural cega depende da patologia subjacente. Varia
entre os 27 e 57%, sendo superior no diagnóstico de tuberculose pleural quando
comparado com o envolvimento neoplásico da pleura36.
As biopsias guiadas por ultra-sonografia têm o potencial de seleccionar os
locais de pleura anormal, espessada ou irregular, com aumento da rentabilidade
diagnóstica37. O procedimento deve ser guiado em tempo real, embora nalgumas
situações possa ser efectuada a marcação da área num primeiro tempo com
subsequente punção. O Doppler garante a inexistência de vasos importantes na
área escolhida. A existência concomitante de câmara de derrame com profundidade
suficiente proporciona uma segurança adicional.
Punção de lesões ocupando espaço
Na nossa prática clínica somos frequentemente solicitados para a realização de
punção/ /biopsia aspirativa transtorácica guiada por TC. A elevada
rentabilidade da ultra-sonografia na condução deste procedimento invasivo,
associada à ocupação e custos do equipamento de tomografia, impõem uma
estratégia de triagem38. É analisada a radiografia ou TC de tórax prévia, com
identificação da lesão, e veriguada a possibilidade de abordagem percutânea
conduzida por eco. Alguns dos factores a ter em consideração são a existência
de contacto pleural, as dimensões, a extensão intratorácica, a distinção da
lesão face aos tecidos envolventes, a ausência de interposição de osso ou ar e
a segurança do local seleccionado. Dada a superior capacidade da ecografia para
distinguir o conteúdo sólido do líquido, as lesões com centro necrótico são
preferencialmente abordadas por ecografia, enquanto as de conteúdo gasoso por
TC.
É importante que a agulha de punção seja fina, mas suficientemente resistente
para manter o trajecto, e tenha uma boa superfície de corte para obtenção de
material suficiente e preservado, factores essenciais para um correcto
diagnóstico. Utilizamos uma técnica simples, em tempo real, com introdução de
agulha do tipo Chiba, punção lombar (22G) ou corte (20/18G) (Fig. 11 A/B),
consoante se pretende a colheita para exame citomorfológico, microbiológico ou
histológico. A eficácia do método, mesmo em pequenas lesões, encontra -se
documentada em múltiplos trabalhos26,38-41. As práticas específicas deverão
depender da preferência pessoal, do treino e da disponibilidade do equipamento
existente.
Fig. 11 – Doente do sexo masculino, 66 anos, fumador (80 UMA), com massa
torácica em investigação. Após identificação de lesão hipoecogénica heterogénea
e caracterização das estruturas envolventes, determinou-se o correcto trajecto,
inclinação e profundidade da agulha (a). O posicionamento da anterior (b)
(setas) foi confirmado no interior da lesão (A) em tempo real
Os tumores da parede merecem referência especial, dado que, sempre que
possível, devem ser puncionados em plano tangencial à superfície pulmonar,
minimizando o risco de pneumotórax.
Também as lesões do mediastino anterior obedecem a critérios específicos. A
punção sob controlo ultra-sonográfico deve ser realizada através de uma
abordagem supraesternal ou paraesternal que evita vasos de grande calibre.
Alguns estudos comprovam a eficácia do método, com rentabilidade diagnóstica de
84% a 96%40,41.
As complicações dos procedimentos invasivos são raras. À excepção da embolia
gasosa, o pneumologista está familiarizado com o seu diagnóstico e tratamento.
Se no decurso da punção percutânea houver perda súbita da imagem, deverá
suspeitar-se de pneumotórax e a técnica deverá ser interrompida. Outras
complicações incluem a hemoptise, a hemorragia pulmonar, o hemotórax e a
sementeira no trajecto da agulha.
Conclusões
A ecografia torácica é uma das técnicas que deve constar do arsenal diagnóstico
e terapêutico dos pneumologistas. A presente revisão comprova a sua eficácia,
fiabilidade, facilidade de utilização, comodidade, segurança e baixo custo,
constituindo nos tempos modernos, de forma isolada ou em complementaridade com
outras técnicas imagiológicas, um instrumento essencial na abordagem da
patologia torácica. A organização de um programa de treino é fundamental para a
correcta implementação e disseminação da técnica no nosso país, o que
certamente ocorrerá num futuro próximo.