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EuPTCVHe0874-02832011000300014

EuPTCVHe0874-02832011000300014

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
ano2011
Issue0003
Article number00014

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Avaliação clínica não-invasiva de disfagia no AVC: Revisão sistemática

Introdução O processo normal de deglutição é fundamental para a manutenção da vida, permite-nos garantir o transporte dos alimentos desde a sua ingestão até ao esófago, iniciando o processo da digestão e a eliminação de saliva da cavidade oral, evitando a sua passagem para as vias respiratórias. Assim, a passagem suave e segura dos alimentos e saliva da cavidade oral até à orofaringe acontece através de uma sequência coordenada de contrações musculares. Esta atividade programada pode ser iniciada voluntariamente ou despertada por movimentos reflexos desencadeados por impulsos sensoriais da faringe posterior (Ropper e Brown, 2005). Todo este processo tem subjacentes mecanismos neurofisiológicos complexos, podendo ser perturbado por diversos fenómenos fisiopatológicos (Jacobi, Levy e Silva apud Marques, André e Rosso, 2008).

Segundo Cavalcanti (1999, p.8), a American Speech and Hearing Association define a disfagia como uma desordem na deglutição, caracterizada por dificuldades na preparação oral da deglutição ou no ato de levar o alimento ou a saliva da boca até o estômago. Atualmente, define-se como sendo a dificuldade em deglutir, podendo manifestar-se pelo aumento do tempo despendido na refeição, por períodos de tosse durante as refeições, pela dificuldade em deglutir a saliva, pelo excesso de secreções na traqueia, por pneumonias recorrentes ou por perda de peso (Garcia e Coelho, 2009). Consequentemente, pode ser causa de aspirações silenciosas não percebidas, ou seja, o alimento ou saliva entra nas vias aéreas o que pode conduzir à ocorrência de edema pulmonar ou pneumonia.

A disfagia está associada a um elevado número de patologias do foro neurológico, nomeadamente, acidentes vasculares cerebrais (AVC), doença de Parkinson (DP), esclerose múltipla, entre outras (Ventura, 2000). Para a World Gastroenterology Organization (2004), a disfagia classifica-se em orofaríngea e esofágica, podendo ocorrer dificuldade em iniciar a deglutição, regurgitação nasal de líquidos (característica da miastenia gravis e das doenças neuromusculares), tosse frequente, engasgamento após a deglutição, e por vezes, a combinação destas manifestações (Ropper e Brown, 2005). A dificuldade em iniciar a deglutição é frequentemente atribuída ao enfraquecimento muscular da língua ou da face, e pode ser uma manifestação de miastenia gravis, doença do neurónio motor ou, mais raramente, de doenças inflamatórias do músculo.

Assim, a disfagia de causa neurológica pode resultar numa disfunção na preparação oral, na transferência oral e na motilidade faríngea. Dependendo da patologia neurológica em causa, a cognição também pode encontrar-se comprometida, como por exemplo na doença de Alzheimer onde a agnosia pode contribuir para a não ingestão dos alimentos (Daniels, 2006).

A causa mais comum de disfagia e aspiração é o AVC, podendo ocorrer em cerca de um terço dos doentes (Marques, André e Rosso, 2008), sendo mais evidente nos primeiros dias após o AVC, independentemente do hemisfério afetado (Ropper e Brown, 2005). Contudo, a incidência temporal dos sintomas varia, dependendo do início da avaliação pós-AVC e do meio de diagnóstico utilizado (Hågg, 2007). A literatura sugere que a incidência de disfagia pode variar entre 22% e 65%, variando conforme os métodos de avaliação utilizados, e pode persistir durante muitos meses ou ressurgir no contexto de comorbilidades futuras (Ramsey, Smithard e Kalra, 2003).

Apesar de alguns doentes recuperarem espontaneamente da disfagia alguns dias após o AVC, a sua deteção precoce, ainda durante a fase aguda, evitando o risco de aspiração associado, é de extrema importância. A disfagia isolada ou em associação com outras incapacidades funcionais está relacionada com um pior prognóstico, aumentando o risco de pneumonias (15 a 43% das causas de reinternamento de doentes com AVC segundo Kind et al., 2007), desnutrição, hospitalização prolongada, institucionalização pós-alta e taxa de mortalidade (Marques, André e Rosso, 2008; Ramsey, Smithard e Kalra, 2003). Muitas destas complicações podem ser prevenidas através de uma avaliação frequente da disfagia e providenciando as intervenções mais apropriadas, o que permitirá a alimentação por via oral atempada e segura ou a adoção de outras estratégias adequadas para a minimização de riscos (Barros, Fabio e Furkim, 2006).

A abordagem da disfagia assume uma posição de destaque, principalmente pela minimização do risco de aspiração e por servir de base à construção de referenciais seguros para o diagnóstico e tratamento. Contudo, a história clínica do doente não deve ser ignorada, pela relação evidente entre a disfagia e o distúrbio neurológico em causa. O seu aparecimento súbito associa-se ao AVC, enquanto que um agravamento progressivo é indicador de doença degenerativa (World Gastroenterology Organization, 2004; Daniels, 2006). São muitos os doentes que não se apercebem da presença da disfagia devido à diminuição da sensibilidade, à ausência de reflexo da tosse perante a aspiração, ou pela não perceção da retenção faríngea (Daniels, 2006). Isto leva a crer que, para além da disfagia de etiologia neurológica, este é um problema também decorrente do processo de envelhecimento fisiológico e estrutural pelo que é também importante a sua avaliação na população idosa, nomeadamente na institucionalizada (Sitoh et al., 2000).

Avaliação da disfagia Existem várias formas de monitorizar os padrões de dismotilidade da orofaringe secundários a doença neurológica. A avaliação clínica (invasiva ou não- invasiva) tem sempre como objetivos detetar a presença de disfagia, caracterizar a sua gravidade, determinar as causas, planear a reabilitação e aferir os resultados do tratamento (Maccarini et al., 2007). Alguns testes, ordenados em invasivos do mais para o menos frequente e não-invasivos, são mencionados por Daniels (2006) e Dawodu (2008): estudo videofluoroscópico da deglutição (VFE); avaliação da deglutição por videoendoscopia (VE); esofagoscopia transnasal; ultrassonografia; eletromiografia; cintigrafia; fluoroscopia manométrica.

Importa ter em conta que esta lista de testes disponíveis não é exaustiva, e pode ser necessário o recurso a outros, especialmente se forem identificados achados de relevo durante a avaliação inicial (Dawodu, 2008).

A avaliação clínica não-invasiva baseia-se na anamnese e exame físico dirigidos aos problemas da deglutição, na avaliação da anatomia e na funcionalidade, sensibilidade e reflexos e, por último, no teste da ingestão oral (Maccarini et al., 2007).

Relativamente à anamnese e exame físico, sendo o primeiro passo da abordagem ao doente, inclui, de acordo com a proposta de Maccarini et al. (2007, p. 299): a) idade do doente; b) estado geral; c) diagnóstico neurológico; d) características da respiração; e) estado de consciência e condições neuropsicológicas; f) capacidade de comunicação; g) hábitos alimentares; h) qualidade da fonação e da articulação do discurso; i) presença de hipersalivação; j) duração da refeição; e k) condição social. (Os autores abordam nesta ordem mas pode ser alterado).

O passo seguinte diz respeito à avaliação morfodinâmica (ou estrutural) e engloba (idem): I) lábios (abertura, encerramento, insuflação, beijo); II) língua (motilidade, protusão, e retração); III) mandíbula; IV) palato (vocalização de ah); V) laringe (morfologia e movimentos das cordas vocais, encerramento da glote, elevação da laringe); e VI) controlo muscular cefálico.

A sensibilidade é avaliada na região peri-bucal (superficial e profunda), nos lábios, boca, língua palato (superficial, profunda e térmica), e avaliam-se os reflexos (idem, p. 299,304): i) normal (reflexo de vómito, reflexo da tosse); ii) patológico (dentada, pontos cardinais, sucção, deglutição); e iii) teste da água (avalia as características da voz após a ingestão de alguma água ' uma voz seca, húmida ou gorgolejante pode ocorrer ' e é possível avaliar se está presente tosse causada por aspiração).

Avalia-se ainda a função gustativa com estímulos específicos e, por último, realiza-se o teste da ingestão oral (avaliação funcional) que avalia a fase oral (sucção e mastigação) e a fase faríngea da deglutição, usando líquidos (água), semi-líquidos (alimentos liquefeitos) e semissólidos (dieta pastosa) (idem, p. 304). Existem inúmeras formas de avaliação de disfagia descritas na literatura internacional, incluindo formas não-invasivas, com recurso a diversas escalas, nomeadamente as descritas por Ramsey, Smithard e Kalra (2003) e por Marques, André e Rosso (2008). Contudo, o número de estudos sobre a validade e fiabilidade das mesmas é escasso, por vezes sem estudos randomizados. Assim, foi desenvolvida uma revisão sistemática da literatura dos últimos 5 anos, sobre estudos de avaliação clínica não-invasiva de disfagia, em doentes com AVC, em algumas das principais bases de dados internacionais. Para este efeito seguiu-se o método dos sete passos sugerido pelo Centro Cochrane: formulação da pergunta; métodos de localização e seleção dos estudos; avaliação crítica dos estudos; colheita de dados; interpretação dos resultados; aperfeiçoamento e atualização (Higgins e Green, 2008). Esta pesquisa visa identificar a existência de um método não-invasivo de avaliação da disfagia, de aplicação fácil e rápida, que não induza stress no doente e produza resultados fiáveis.

Formulação da questão Como interesse de investigação, formulou-se a seguinte questão: que métodos de avaliação não-invasiva de disfagia no doente com AVC existem publicados, com validade e fiabilidade comprovadas?.

Métodos de localização, seleção e avaliação dos estudos Realizou-se uma pesquisa da literatura com recurso às bases de dados eletrónicas PubMed (Medline), Ebscohost, SpringerLink (Springer/ Kluwer), Biblioteca Virtual em Saúde, Scielo, Elsevier-Science Direct e B-on (que congrega, entre outras, as editoras Annual Reviews, Elsevier e Springer Wiley e as bases de dados de texto integral da Ebsco: Academic Search Complete, Biomedical Comprehensive, Business Source Complete, CINAHL, DYnamed, ERIC, Health Business Elite, Nursing Allied Health e Psychology & Behavioral Science). A pesquisa decorreu durante o mês de agosto de 2009, tendo sido realizada com recurso às palavras-chave: dysphagia, deglutition, evaluation, bedside dysphagia screening, bedside, dysphagia assessment e dysphagia assessment.Utilizaram-se estas palavras-chave, para pesquisa em qualquer parte do texto. Limitou-se a pesquisa a estudos escritos em Português, Inglês, Francês e Espanhol, publicados entre 1 de janeiro de 2005 e 1 de outubro de 2009.

Foram definidos como critérios de inclusão os estudos específicos sobre a avaliação clínica não-invasiva da disfagia, posteriores a 2005, e com metodologia de investigação que cumprisse os pressupostos de validade científica. Encontraram-se 2575 estudos na totalidade das bases de dados, dos quais, a partir do resumo, se selecionaram 61 de interesse para uma avaliação completa do artigo (Quadro 1).

QUADRO 1 ' Resultados da pesquisa por base de dados utilizada

Avaliação crítica dos estudos Do grupo de 61 estudos selecionados para uma análise mais profunda, apenas dois diziam respeito a estudos específicos sobre a avaliação clínica não-invasiva da disfagia.

Não foram incluídos estudos que testavam a eficácia de instrumentos não- invasivos para o diagnóstico de aspiração (em casos de suspeita de aspiração ou de diagnóstico confirmado de pneumonia, por exemplo). Excluíram-se ainda artigos de revisão sistemática sobre disfagia, apesar de alguns se terem revelado úteis para a discussão dos resultados. No final da pesquisa o corpus de análise constitui-se então por apenas dois estudos (Quadro 2).

QUADRO 2 ' Estudos analisados

Colheita de dados O quadro 3 apresenta o resumo dos dados mais relevantes destes dois estudos, onde é possível comparar as características da amostra, os objetivos do estudo, bem como as técnicas de avaliação utilizadas, resultados e principais conclusões.

QUADRO_3 ' Dados dos estudos analisados

Apresentação e análise de dados Analisando os dados apresentados, os estudos correspondem plenamente aos critérios de inclusão definidos, apresentando amostras consideráveis (Fortin, Côté e Filion, 2009), isto atendendo aos seus objetivos e ao facto de serem do tipo quase-experimental no E1 (não existe nenhuma referência à distribuição aleatória dos doentes pelos grupos), e experimental no E2, que englobam, nestes casos, a realização de exames complementares de diagnóstico invasivos (VE a 19 doentes no E1; VFE a 59 doentes no E2).

Relativamente às características da amostra, ambas são uniformes e permitem a extrapolação e replicação dos resultados com facilidade, com definição clara dos critérios de inclusão e exclusão em ambos os estudos. Também a metodologia seguida na avaliação, quer pelos enfermeiros quer pelos médicos, é bem descrita em ambos os estudos, que pormenorizam de forma adequada as características dos instrumentos utilizados.

Numa análise mais rigorosa de cada um destes instrumentos, verifica-se que o teste GUSS é constituído por duas fases: uma avaliação inicial através de um teste de deglutição indireto (com saliva ou spray substituto de saliva nos doentes incapazes de a produzir) e um teste de deglutição direto posteriormente. No teste de deglutição indireto, avalia-se a vigília, a tosse voluntária, a deglutição da saliva, sialorreia e disfonia. o teste de deglutição direto subdivide-se em três outros testes: em primeiro, com semissólidos (água destilada e espessante até obter consistência de pudim), em seguida líquidos (3, 5, 10, 20 e 50 ml de água destilada) e, por fim, sólidos (5 pequenos pedaços de pão humidificado) que avaliam a deglutição, a tosse involuntária, a sialorreia e a disfonia. A cada um é atribuído um máximo de cinco pontos, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a performance. De referir que todos são desenvolvidos de uma forma sequencial, de acordo com tempos limite específicos, passando ao teste seguinte se for obtida a pontuação máxima no anterior. A cada item é atribuído 0 pontos (patológico) ou 1 ponto (fisiológico). Quanto aos critérios de avaliação da deglutição no teste direto, é classificada em: deglutição normal (dois pontos), deglutição prolongada (um ponto) ou deglutição patológica (zero pontos). As pontuações finais são categorizadas em: 0 a 9 (severa), 10 a 14 (moderada), 15 a 19 (fraca) e 20 (deglutição normal sem risco de aspiração).

Os participantes foram selecionados por amostragem não-probabilística consecutiva e divididos em dois grupos. O primeiro, constituído por 20 doentes, foi submetido a avaliação cega por 2 terapeutas, e os restantes 30 por 2 enfermeiros especialistas na área. Todos os doentes foram avaliados por 2 médicos através de VE, também com análises cegas separadas por um tempo inferior a 2 horas, utilizando uma escala (PAS) para quantificar mais precisamente o grau da disfagia e avaliar possíveis discrepâncias no processo.

Quanto ao teste TOR-BSST, este é constituído por cinco itens (voz prévia; movimentos da língua; sensibilidade faríngea; deglutição da água ; voz posterior), selecionados a partir de uma revisão sistemática realizada pelos autores (sobretudo através de estudos anteriores), sendo que, o item sensibilidade faríngea acabou por ser excluído, dada a dificuldade sentida pelos profissionais em a diferenciar do reflexo de vómito. Na revisão sistemática, construção e validação do referido instrumento, estiveram envolvidos três terapeutas da fala, dois gastrenterologistas, um enfermeiro e um neurologista, cuja prática diária envolve cuidados ao doente com disfagia.

Previamente à aplicação, todos os avaliadores (55 enfermeiros e restantes técnicos de saúde) participaram numa sessão de quatro horas de formação e treino. O teste é composto por três secções: dois testes orais breves e um teste de deglutição de água.

Todos os participantes selecionados (por amostragem não-probabilística consecutiva) para participar no estudo foram submetidos a uma avaliação por estes 55 enfermeiros. Após essa avaliação, através do programa estatístico SPSS®,foram selecionados aleatoriamente um em cada cinco para realizar videofluoroscopia, com análise cega por 2 médicos diferentes e, novamente por 2 enfermeiros (separadamente) num período inferior a 24 horas, sem que nenhum profissional conhecesse as informações médicas dos doentes ou sequer os que tinham sido selecionados para a VFE.

Resultados e discussão A pesquisa efetuada resultou num número escasso de estudos referentes à avaliação clínica não-invasiva de disfagia. Concretamente, verificou-se que a literatura disponível é em grande parte fundamentada por estudos anteriores a 2005, nomeadamente alguns dos analisados por Marques, André e Rosso (2008).

Os estudos analisados monitorizaram a administração de líquidos, semissólidos e sólidos para determinação do risco de aspiração e ambos demonstraram elevados índices de validade e fidelidade dos instrumentos utilizados. De notar que uma das vantagens da avaliação da capacidade de deglutição de substâncias de diferentes consistências, se traduz numa aproximação dos hábitos alimentares do quotidiano. No entanto, requer quantidades consideráveis de substâncias de teste (tais como líquidos, semissólidos e sólidos diferentes), bem como equipamentos para administração dos mesmos, o que dificulta a sua concretização em oposição ao teste da água isolado. A utilização destes instrumentos permite de forma segura adequar a dieta a cada doente. Verifica-se também que ainda não existe consenso sobre com que tipo de consistência se deve iniciar o teste de deglutição. Se por um lado a disfagia é maior nos líquidos, por outro a sua aspiração tem efeitos menos nefastos em termos de infeção respiratória (Marques, André e Rosso, 2008). Em nenhum dos estudos analisados se verificou extrapolação dos dados para a população em causa pelo que se acresce o cuidado na generalização dos resultados.

De realçar que ambos os instrumentos analisados revelaram elevados valores de sensibilidade [96,3% para os doentes agudos e 80% para os doentes em reabilitação (TOR-BSST); 100% para ambos os grupos na GUSS], ou seja nenhum (GUSS) ou muito poucos (TOR-BSST) doentes com disfagia foram avaliados como não a tendo. A falha mais verificada foi o diagnóstico de falsos positivos (50 e 31% GUSS; 36,4 e 32,0% TOR-BSST), com um valor preditivo positivo (VPP) de 81 e 74% para o GUSS e 76,5 e 50% para o TOR-BSST. O Valor Preditivo Negativo (VPN) foi de 100% no GUSS para ambos os grupos e 93,3 e 89,5% no TOR-BSST. Perante estes valores, a um doente com um resultado positivo pode, por vezes, ser prescrito um plano alimentar mais complicado do que o necessário. No entanto, a possibilidade de aplicação repetida do teste dada a sua não-invasividade poderá corrigir esta decisão, embora este facto não tenha sido abordado especificamente em nenhum dos estudos.

Com base na forma aleatória como os doentes foram selecionados para o exame complementar de diagnóstico, como foi descrito o processo metodológico, pela dimensão da amostra e pelos critérios de validade apresentados assim como pelos resultados dos testes de concordância obtidos, o Teste de Toronto para a avaliação da deglutição (TOR-BSST) é o que produz melhores resultados na deteção de doentes com disfagia (QUADRO_3). Além disso, é preciso lembrar que todo o processo de avaliação e monitorização requer um período de treino por parte dos avaliadores, o que é, aliás, disponibilizado pelos autores, num curso de treino de quatro horas através da internet. No entanto, a capacidade do teste GUSS permitir uma avaliação de disfagia ' com diferentes graus de severidade ' separada do risco de aspiração é um facto importante, e a ter em consideração, sobretudo porque os seus resultados também se podem considerar muito bons (QUADRO_3).

Nesta revisão, verificou-se que é positiva a utilização de métodos não- invasivos de avaliação de disfagia e do risco de aspiração em doentes com AVC, com elevada sensibilidade e especificidade quando comparados com métodos mais invasivos. Estes métodos não-invasivos podem ser utilizados logo desde a fase aguda, sendo os resultados da sua aplicação reprodutíveis entre profissionais com a mesma ou diferentes especializações prévias (médicos, enfermeiros de reabilitação ou terapeutas), desde que treinados no método.

Os resultados são satisfatórios, na medida em que podem protagonizar ganhos importantes em saúde através da identificação precoce e intervenção ajustada às dificuldades de deglutição, evitando as sequelas que, por norma, daí advém, bem como contribuir para a redução dos custos decorrentes da realização de exames invasivos ou tratamento de complicações pela não-identificação precoce. Além dos custos, é preciso notar que muitas vezes os doentes nem sequer realizam estes exames complementares (VE ou VFE), devido à sua pouca acessibilidade, uma vez que nem sempre são prescritos após deteção da disfagia ou por dificuldades em se deslocar pela instabilidade da sua situação clínica. Apesar da avaliação da disfagia requerer uma abordagem interdisciplinar, os enfermeiros, com a formação adequada, desempenham um papel de relevo na monitorização e observação dos doentes, nomeadamente nos serviços de internamento em fase aguda, pelo seu acompanhamento contínuo, necessitando somente dum método de avaliação que traduza o grau e tipo de disfagia. O reduzido número de estudos alerta para a importância de se desenvolverem investigações futuras nesta área, tanto na validação de novos instrumentos, até de mais simples execução, bem como na avaliação do impacto da monitorização da disfagia ao longo da fase aguda pós- AVC em oposição a avaliações pontuais.

Conclusão Durante a realização desta revisão, o problema metodológico mais premente foi a escassez de literatura disponível para o período de tempo selecionado. Apesar de se encontrar um número de estudos considerável, poucos são os referentes a instrumentos de avaliação não-invasiva de disfagia, sendo que muitos se centram em instrumentos de avaliação invasiva e outros na avaliação não-invasiva da aspiração, ou seja, quando esta está estabelecida e as suas consequências não são evitáveis na sua quantidade e gravidade. Quando se analisam as referências bibliográficas dos mesmos, muitas reportam a anos anteriores a 2000.

Pelo facto de não se encontrarem disponíveis na literatura atual linhas orientadoras para a avaliação do doente do foro neurológico com disfagia, estes estudos necessitam ser replicados para que a evidência dos seus resultados permita a extrapolação dos mesmos e propicie a aplicação de protocolos de atuação rápida, eficazes e baratos nos diversos contextos hospitalares. Também outras situações desencadeantes de disfagia, nomeadamente o processo de degenerescência fisiológico, deverão merecer atenção de estudos futuros, em unidades institucionais de acolhimento de pessoas idosas, onde o problema pode afetar 60% dessa população (Sitoh et al., 2000).

Partilha-se ainda da opinião de Bsppath e Perry (2005) que consideram que a disfagia acarreta uma importante alteração do bem-estar e das relações sociais da pessoa, que também devem ser alvo da atenção dos profissionais de saúde, focando-se na sua reabilitação, recorrendo a escalas para a sua mensuração.

Salienta-se também um aspeto da maior importância que é o facto de os enfermeiros serem a classe profissional que, de acordo com o seu mandato social e com as competências definidas pela Ordem dos Enfermeiros (2003) no domínio da Prestação e Gestão dos Cuidados, é responsável pela supervisão das refeições dos doentes internados e pela manutenção e promoção do seu bem-estar (corporal, psicológico e relacional), o que também está definido no Artigo 9.º,alínea c) do Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro.

Por fim, importa referir que no seguimento desta revisão sistemática, foi criada uma escala de identificação designada - teste rápido de identificação de disfagia - Tridis®, de natureza não-invasiva, implementada no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, cujos resultados serão objeto duma avaliação e publicação oportuna.


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