A restrição física da mobilidade: estudo sobre os aspetos ligados à sua
utilização com fins terapêuticos
Introdução
De acordo com estudos realizados sobre a restrição física da mobilidade (RFM),
as taxas prevalência, situam-se entre 7,4% e 17% nos serviços hospitalares de
curto internamento, e 3,4% a 21% dos doentes em fase aguda da doença. Em lares,
a prevalência varia entre 41%-64% (Marks, 1992; Evans, Wood e Lambert, 2002;
Hamers e Huizing, 2005).
A RFM de doentes durante um processo agudo de doença foi uma prática comum
durante muitos anos. Os sistemas de RFM são utilizados para impedir as pessoas
confusas de vaguear, evitar a exteriorização de dispositivos médicos e
minimizar o risco de queda. No entanto, a RFM pode reduzir alguns riscos, mas
traz outros. Numa primeira pesquisa da literatura encontra-se associado a
eventos adversos como a morte (ANAES, 2000; Evans, Wood e Lambert, 2002;
Fletcher e Hirdes, 2010).
A Agence Nationale d' Accréditation et d' Évaluation en Santé (ANAES, 2000 p.
10), define restrição física como sendo uma utilização de todos os meios,
métodos, materiais e vestuário que impedem ou limitam as capacidades de
mobilização voluntária de todo corpo, ou de parte dele, tendo como único
objetivo obter uma segurança do indivíduo que apresenta um comportamento
considerado perigoso ou mal adaptado.
Em Portugal não foram encontrados estudos sobre doentes com RFM hospitalizados,
ao contrário de outros países que já têm uma história consistente de
investigações realizadas neste domínio.
Deste modo, torna-se importante fazer uma reflexão para uma análise da
problemática sobre RFM. A utilização desta técnica representa um dilema para os
enfermeiros, que oscilam entre o direito à autodeterminação do doente e a
necessidade de decidirem o que é melhor para ele.
Com este estudo pretendeu-se identificar: a frequência, o tipo, os locais, os
locais anatómicos da colocação e os critérios usados pelos enfermeiros para a
utilização da RFM.
Quadro teórico
A RFM tem-se manifestado como uma intervenção do fenómeno confusão, que
condiciona o processo terapêutico do doente. A identificação atempada desta
síndrome e a instituição de intervenções que promovam a segurança, dignidade e
qualidade de vida dos doentes internados, são emergentes. A confusão, como uma
resposta da pessoa ao processo de doença e de envelhecimento, será um fenómeno
cada vez mais frequente em contexto hospitalar. As intervenções descritas pelos
vários estudos desenvolvidos vão no sentido de promoverem a segurança do
doente, restringindo-o fisicamente. A RFM é uma medida impopular e não desejada
(ANAES, 2000). Poderá ser considerada apropriada como medida de última
instância em situações de perigo iminente para o doente e para os outros. Em
Portugal, a Direção Geral da Saúde emitiu uma Circular Normativa, que nas
instituições onde se prestam cuidados de saúde, os episódios de comportamento
agressivo ou disruptivo por parte dos doentes são uma realidade, torna-se
necessário adotar medidas de RFM, tendo em vista a sua proteção e a do meio
envolvente (Direção Geral da Saúde, 2007). É evidente que a RFM, na maioria dos
casos são utilizadas como medida de segurança, em que a razão principal é a
prevenção de quedas (Segatore e Adams, 2001; Fletcher e Hirdes, 2010). A
prevenção de retirar dispositivos médicos (sondas nasogástricas, cateteres,
sondas vesicais, etc.) é também uma razão importante (Choi et al., 2003; Hamers
e Huizing, 2005). No entanto, existem indicações para o uso das RFM, para
permitir um tratamento emergente (Segatore e Adams, 2001).
Existem variadíssimos sítios onde são utilizadas as RFM, como por exemplo a
cama, cadeira de rodas, sofá, etc. A escolha do sítio da aplicação da
restrição, visa uma restrição parcial ou completa dos movimentos da pessoa. E
também assegura que o doente não sofra uma queda. Em instituições de saúde com
internamentos de longo prazo, o uso de RFM no sofá varia entre 19 a 84% (ANAES,
2000), ao contrário de outros estudos que descrevem 49% (n=128) dos residentes
que estavam com RFM, 26% (n=67) dos casos eram usados tanto na cama como na
cadeira, e em doentes em fase aguda, o local mais utilizado para a RFM era a
cama, em 100% (n=37) (Hamers e Huizing, 2005; Bredthauer et al., 2005).
A localização anatómica da RFM pode ser a nível do tronco, com colete de
imobilização ou um cinto, cintura pélvica, das extremidades ou dos membros
(punho ou tornozelo) com imobilizadores de punho/tornozelos, das mãos com luvas
sem dedos e a todo o comprimento do corpo com as grades laterais da cama.
Num estudo efetuado na Austrália, em lares da 3ª idade, verificou que num
universo de 6500 doentes, 1536 tinham RFM, e em 23,7% dos casos observou-se
cintos abdominais. Num outro estudo realizado num hospital coreano, numa
unidade de cuidados intensivos, é referido que em 94 doentes que apresentavam
RFM, 67% estavam com imobilizações bilaterais de punho. As luvas que são um
tipo de imobilização que evita que o doente faça fricção ao longo de episódios
de prurido, numa amostra de 244 enfermeiros de uma unidade de cuidados
intensivos de um hospital da Turquia, 35,8% (n=91) disseram que as usavam. Ao
investigar a prevalência da RFM na Irlanda do Norte, num estudo longitudinal
observacional, verificou-se que 68% (n=102) dos doentes foram submetidos a
algum tipo de RFM, sendo que as grades elevadas foi o tipo de RFM mais
observado (Gallinagh et al., 2002; Choi et al., 2003; Demir, 2007).
Metodologia
Este estudo de investigação está direcionado para a problemática da RFM. Mais
concretamente, pretende conhecer os aspetos inerentes à utilização da restrição
física da mobilidade, pelos enfermeiros, durante o período de internamento, num
hospital central português. A opção metodológica que orientou este estudo foi
uma abordagem quantitativa de natureza exploratória descritiva.
O presente estudo orientou-se no sentido de responder aos seguintes objetivos:
1) identificar a frequência da utilização de RFM; identificar, o tipo, locais,
localização anatómica da colocação da RFM; 2) identificar os critérios usados
pelos enfermeiros para utilizar a RFM; 3) identificar, nos doentes com RFM:
défice de autocuidado, avaliado através do quadro de classificação de doentes,
que os caracteriza por indicadores críticos de acordo com a sua dependência na:
higiene e cuidados pessoais; alimentação; movimentação e eliminação; alteração
do equilíbrio - avaliado pela observação direta do doente, e revela particular
importância pois os doentes com alterações do equilíbrio apresentam um risco
acrescido de queda; confusão, através da aplicação da Neecham scale (traduzida
e validada para a população portuguesa por Neves, Silva e Marques (2011)) num
corte transversal no tempo.
População/amostra
Este estudo desenvolveu-se num hospital central português. A população em
estudo foi constituída por 552 doentes internados nos serviços de Medicina,
Cardiologia, Cirurgia, Endocrinologia, Gastrenterologia, Hematologia,
Neurologia, Ortopedia, Pneumologia, Unidade de Cuidados Intensivos, Infecciosas
e Urologia. A amostra foi constituída por 110 doentes com RFM.
Instrumento de recolha de dados
A recolha dos dados ocorreu num único momento, ou seja, de forma transversal e
resultou da aplicação de um formulário aos doentes internados. A observação do
doente internado foi, neste estudo, a maior fonte de dados. Para tal, observou-
se cada doente no ambiente da enfermaria. No momento da colheita de dados, para
além da observação, também se colocaram duas questões ao enfermeiro responsável
pelo doente com RFM.
O instrumento de recolha de dados foi o formulário constituído por 3 partes: a
primeira é um espaço destinado à caracterização do doente, onde foram
registadas as variáveis de atributo retiradas do processo clínico; a segunda
parte é constituída por conjuntos de conceitos relacionados com a restrição
física da mobilidade, cuja finalidade foi objetivar exatamente o que se
observava; a terceira e última parte do formulário foram destinadas à
transcrição da resposta do enfermeiro responsável pelo doente à questão
colocada.
Os objetivos destas questões passaram por conhecer qual a razão da RFM e quais
as intervenções aplicadas previamente à RFM. As questões colocadas foram: qual
a razão da RFM? e quais as intervenções realizadas antes da RFM?. A resposta
dada pelo enfermeiro era de imediato transcrita para o formulário.
Análise estatística
Os dados foram introduzidos numa base de dados e posteriormente tratados
recorrendo ao programa estatístico SPSS 'Statistical Package for the Social
Sciences ' versão 14.0. Com o objetivo de resumir e retirar conclusões da
informação obtida, utilizou-se uma estatística descritiva e inferencial.
A análise dos dados teve em conta um valor de p <0.05 ' estatisticamente
significativo. O processo de análise das entrevistas baseou-se na técnica de
análise de conteúdo (Bardin, 2008). Para esse efeito, foi concebido um modelo
de análise a priori, constituído por categorias e subcategorias, organizado
segundo um quadro teórico definido - CIPE® (Versão 1). A metodologia de
organização do corpus de análise dentro dos temas estabelecidos teve como
critério o valor semântico, a CIPE® (Versão 1), como modelo semântico permitiu
a não-variação de juízos permitindo o estabelecimento preciso dos temas,
categorias e subcategorias. A enumeração de cada unidade de registo
subcategorizada só foi contabilizada uma vez. Assim, o que se considera
significativo é a regularidade quantitativa de aparição no total do corpus.
Deste modo, a importância da categoria aumenta com a frequência de aparição da
unidade de registo subcategorizada, portanto, foi uma análise categorial,
frequencial e quantitativa.
O estudo obteve autorização da Comissão de Ética da Instituição. Foi solicitado
o consentimento escrito, livre e esclarecido do representante legal/familiar do
doente confuso, visto ser considerado pessoa vulnerável. Os enfermeiros que
participaram assinaram também o termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados
Características gerais da amostra
Os resultados obtidos mostram que dos 110 doentes da amostra (com RFM) situava-
se entre os 23 e os 96 anos, com média de 73,8 anos. Cerca de metade (53%) era
do sexo masculino e de acordo com a escala de Confusão Neecham (aplicada a 552
doentes) identificaram-se 112 (20,3%) doentes confusos. Em termos de
escolaridade 32,7% (36) têm a instrução primária, 31,8% (35) são analfabetos, e
os que não sabem/não respondem' correspondem a 20,9%. Há, no entanto, um
número razoável de sujeitos que apresenta um grau de escolaridade baixa como a
instrução primária e analfabetos. Contrapõe-se a este grupo uma percentagem
diminuta de indivíduos com a instrução secundária e superior.
Relativamente à distribuição dos elementos da amostra pelos diferentes
serviços, o serviço de Medicina distingue-se com a maior percentagem de doentes
com presença de RFM observados 37,3%, de seguida o serviço de Neurologia
representa 19,1% e na Unidade de Cuidados Intensivos verifica-se 10%. Em termos
de diagnóstico médico, os três maiores grupos são as patologias: 25,5 do trato
respiratório, 24,5% do aparelho circulatório e as do aparelho digestivo, com
10,9%. Em termos de dependência a maior percentagem de RFM, foi observada nos
doentes totalmente dependentes com 77,3% e 21,8% nos doentes que necessitavam
de ajuda parcial e 60,9% dos doentes apresentava alterações do equilíbrio.
Observação do fenómeno
A RFM esteve presente em 19,9% (n=552). No entanto, a observação do doente no
seu espaço da enfermaria permitiu a identificação do local, tipo e localização
anatómica da RFM. Com base na observação, o fenómeno foi documentado, enquanto,
ao local: cama, cadeira de rodas e sofá; ao tipo: grades, imobilizadores de
punho e lençol; e à localização anatómica: dois membros superiores, tronco, um
membro superior e aos quatro membros. Os locais da RFM podem ser os mais
diversificados. O local mais observado é a cama, com 92,7% os outros locais
apresentam valores percentuais nitidamente mais baixos. Conforme a tabela 1,
foram observadas num total de 135 vezes os três tipos de RFM, e ao mesmo tempo
havia doentes com mais do que um tipo de RFM. Dos mais significativos, 58,5%
são referentes às grades. A localização anatómica da RFM tem um importante
significado, pois vai interferir na aptidão que o indivíduo tem para efetuar
movimentos com o corpo, incluindo a capacidade de regular os mecanismos de
controlo sobre si próprio. Os movimentos dos membros superiores estão limitados
em metade dos casos, foram observados num total de 60 vezes. Os locais
anatómicos de RFM em mais de 2/3 das vezes incluem os membros superiores.
Tabela 1 ' Locais, tipo e localização anatómica da RFM
As razões para a RFM
Tendo em conta a razão apontada para tal, foram identificados 16 conceitos,
referidos 178 vezes pelos enfermeiros responsáveis pelos doentes com RFM, e
agrupados em 8 categorias (tabela 2). A maioria (36,5%) é no domínio Risco de
queda, seguindo a subcategoria Prevenção da exteriorização de dispositivos
médicos com 20,2% (36), do total das respostas por parte dos enfermeiros
responsáveis pelos doentes com presença de RFM.
Tabela 2 ' Razões apontadas pelos enfermeiros responsáveis pelos doentes com a
presença de RFM
As alternativas tentadas previamente à restrição física da mobilidade
As entrevistas com os enfermeiros mostraram que dos 110 doentes com RFM, a 80%
(88) não foi tentada qualquer alternativa prévia à RFM. Nos restantes 20% (22)
dos doentes foram tentadas alternativas prévias à RFM. Dos enfermeiros que
aplicaram alternativas, apurou-se 5 conceitos referidos 24 vezes, que foram
agrupados numa única categoria, denominada Intervenção prévia à RFM' (tabela
3). Regista-se que a quase totalidade das intervenções são no domínio da
Informação, Administração de medicação, e Orientação, ao passo que o
Diálogo e a Presença de familiares são tentativas esporádicas.
Tabela 3 ' Intervenções prévias à restrição física da mobilidade
Características dos doentes com Restrição Física da Mobilidade
Após a análise descritiva dos dados, a finalidade foi estudar a relação entre
os atributos do doente (idade, sexo, escolaridade) e a presença da RFM. A idade
média dos doentes com RFM envolvidos no presente estudo foi de 73,8 anos de
idade, mediante os resultados, constatou-se que os doentes que apresentam RFM
são em média, 12,2 anos mais velhos que os indivíduos que não apresentam RFM,
revela a existência de uma relação significativa entre o atributo idade e a RFM
(t = - 6,550, df=550 e p <0,001). Em relação ao sexo dos indivíduos da nossa
amostra, os testes estatísticos por nós efetuados não comprovam a existência de
uma relação estatística significativa, 53% (58) dos doentes são do sexo
masculino, os restantes 47% (52) são do sexo feminino. Os resultados mostram
uma associação significativa entre as RFM e o nível de escolaridade (?2=38,565,
df=4 e p <0,001). As pessoas com menor nível de escolaridade, analfabetismo e
com instrução primária 40,2% (35) e 41,4% (36), respetivamente, têm maior
probabilidade de vir a ser alvo de RFM. Por outro lado, as RFM foram observadas
com menos frequência nos doentes com instrução básica 3,4% (3), instrução
secundária 8% (7) e curso superior 6,9%. Relativamente à variável diagnóstico
médico da doença está associado com a RFM (?2=65,863, df=12 e p <0,001). As
doenças mais frequentes nos doentes com RFM integram-se nos grupos de doenças
do aparelho respiratório e circulatório, com 25,5% (28) e 24,5% (27),
respetivamente, representando em conjunto mais de 50% dos doentes com RFM. No
que se refere à confusão, revela um elevado significado estatístico entre a RFM
e a confusão (?2=225,532, df=1 e p <0,001), através da aplicação da NEECHAM
Confusion Scale, constatámos que a RFM está presente em 71,8% (79) dos doentes
confusos e, em 28,2% (31) dos doentes avaliados como não-confusos, este dado é
muito importante, pois demonstra que há doentes a quem são aplicadas as RFM,
por outras razões que não a confusão. Os resultados permitiram, ainda,
verificar que os doentes que o grau de dependência no autocuidado está
significativamente relacionado com a RFM (?2=545,747, df=2 e p <0,001). Por
último, constata-se que existe uma associação com elevado significado
estatístico entre o equilíbrio e a RFM (?2=306,409, df=1 e p <0,001).
Confusão versus tipos de RFM
Quando os enfermeiros se deparam com doentes confusos, elegem prioritariamente
as grades como a RFM mais utilizada, em 63% (55), ficando os restantes a cargo
dos imobilizadores de punho e tornozelo. Nos doentes não-confusos, a maioria
também é imobilizado com as grades.
Doentes com equilíbrio/desequilíbrio, confusos /não confusos com RFM.
Em doentes com desequilíbrio, confusos e com RFM verifica-se que, todos os
doentes com desequilíbrio, confusos ou não, tinham RFM, dos doentes sem
desequilíbrio e confusos, 33 não tinham RFM e dos doentes sem desequilíbrio e
sem confusão, 4,4% (19) dos 428, tinham RFM, valor este que é muito importante
(tabela 4) pois foram invocados 5 conceitos 26 vezes. Permite inferir que
algumas das razões apontadas se relacionam com a confusão. Apesar de no momento
da avaliação o diagnóstico não estar presente, isso não impede que o doente
possa estar confuso, porque a confusão é um fenómeno com características
flutuantes, ou ter estado confuso e, na dúvida, os enfermeiros optam por
intervenções que os salvaguardem de surpresas desagradáveis, como a
exteriorização de dispositivos médicos. Isso pode também explicar a
justificação atribuída ao Imperativo legal' e à Falta de colaboração nos
tratamentos instituídos', que se relacionam muitas vezes com a responsabilidade
associada às quedas e à dificuldade em cumprir as prescrições, ambas muito
relacionadas com os doentes confusos. Mas a Falta de colaboração nos
tratamentos instituídos' pode também verificar-se em doentes que não estão
confusos e, nessa medida, terem a capacidade para decidir recusar uma qualquer
proposta de tratamento. No que se refere à agitação, é verdade que existem
outras causas que estão na sua origem, para além da confusão, como a dor ou a
retenção urinária, mas a RFM nunca seria adequada. Por outro lado, uma anterior
confusão do tipo hiperativo poderia justificar a manutenção da RFM por mais
algum tempo, até o enfermeiro ter, não uma certeza absoluta, mas uma certeza
com elevada probabilidade de que o doente não porá em risco a sua integridade
física, ou de outros.
Tabela 4 ' Razões invocadas para a Restrição Física da Mobilidade em doentes
sem alteração do equilíbrio e não confusos
Discussão
Uso da RFM
No nosso estudo o uso de RFM é inferior aos valores encontrados na maioria dos
estudos a que tivemos acesso nesta área. É de salientar, que a maioria dos
estudos reporta a lares e hospitais psiquiátricos, o que difere deste.
Comparativamente com o estudo de Hamers e Huizing (2005) que verificou que a
incidência de RFM no período de 1999-2004 varia entre 41-64% nos lares e 33-68%
nos hospitais, e o de Gallinagh et al., (2002) que observou 102 doentes num
estudo longitudinal, 68% foram submetidos a RFM. As razões apontadas pelos
enfermeiros para o uso da RFM correspondem ao risco de queda seguido da
prevenção da exteriorização de dispositivos médicos, 36,5% e 36%
respetivamente, do total das respostas para justificarem o seu uso. Estes dados
são frequentemente referenciados por diversos autores que investigam estas
matérias, (Hamers e Huizing, 2005; Choi et al., 2003; Fletcher e Hirdes, 2010).
Os motivos não variam muito, sendo que para Hamers e Huizing (2005) evitar as
quedas foi o principal motivo, com cerca de 90%. No seu estudo, Choi et al.
(2003), refere que o uso de RFM foi de 70,2%, pela presença nos doentes de
dispositivos médicos (ex. sondas nasogástricas, soros etc.). Perante estes
dados, constata-se que os principais motivos que levam os enfermeiros a
restringir fisicamente os doentes são a sua segurança. A pesquisa verificou que
dos 110 doentes com RFM, em 20% dos doentes foram tentadas alternativas prévias
à RFM. A evidência científica mostra que as alternativas da RFM são eficazes,
em muitas circunstâncias. Demir (2007) comprovou que os enfermeiros tentaram o
uso de alternativas à RFM em 74,4% e 25,6% dos enfermeiros não o fizeram. As
alternativas prévias à RFM utilizadas foram: 10,9% a promoção de um ambiente
seguro, 9,7% a permissão para os doentes passarem mais tempo com os familiares,
9,2% o estar mais tempo com o doente, 8,3% colocar o doente na enfermaria junto
da sala de trabalho do enfermeiro e, por último, 7,2% planear os cuidados
juntamente com o doente. Segundo o mesmo autor refere, nenhuma destas
alternativas reduziu o uso da RFM. Um aspeto particularmente importante prende-
se com o fato de os enfermeiros tentarem a orientação para a realidade, que é
uma intervenção adequada para os doentes confusos, ainda que a evidência que a
suporte não seja inequívoca (O`Connell e Ski, 2006). As questões que emergem
relacionam-se com a qualidade da orientação, isto é: será que os enfermeiros
utilizam a orientação como uma intervenção de enfermagem? e com a crença no seu
valor: será que os enfermeiros atribuem valor à intervenção? O trabalho de
Sousa, Silva e Marques (2011), realizado entre nós, demonstra que os membros da
família prestadores de cuidados utilizam essa técnica, por tentativa e erro, e
como senso-comum, sem ter havido um ensino profissional que os capacitasse para
tal. A pesquisa confirmou que os doentes mais idosos têm maior probabilidade de
virem a ser alvo de RFM, o que é congruente com a literatura. Este grupo etário
reúne um conjunto de condições favoráveis ao seu uso em virtude da sua
vulnerabilidade e, por outro, pelo uso mais ativo dos serviços de saúde. Ao
mesmo tempo, mais de metade dos doentes com RFM estava concentrada em três
tipos de serviço: médico, neurológico e cuidados intensivos, facto já
conhecido, que se relaciona a um conjunto de patologias prevalentes (como as
doenças do aparelho respiratório e circulatório) e a características inerentes
a essa faixa etária. A preocupação com a segurança, por parte dos profissionais
de saúde, encontra um paralelismo com o diagnóstico médico (Neves, Silva e
Marques, 2011). Foi identificada uma associação significativa entre as RFM e o
nível de escolaridade. As pessoas com menor nível de escolaridade, analfabeto e
com instrução primária 40,2% e 41,4%, respetivamente, têm maior probabilidade
de vir a ser alvo de RFM.
E no seguimento de que a maioria da população envolvida neste estudo é idosa,
verifica-se que as populações idosas têm, em muitos países, baixa escolaridade
(Caldas, 2005; Fletcher e Hirdes, 2010). Havendo relação entre o nível de
escolaridade e a idade, e tendo esta uma relação significativa com a RFM, não é
seguro afirmar a relação causa efeito entre a escolaridade e a RFM. A RFM é uma
indicação para doentes com comportamentos violentos com desordens mentais, tais
medidas representam, concomitantemente aos seus objetivos terapêuticos de
proteção da vida e da integridade física dos doentes (Segatore e Adams, 2001;
Portugal, 2007). Um dos principais motivos que levam à utilização da RFM é,
precisamente, a confusão (Demir, 2007). Através da aplicação da NEECHAM
Confusion Scale, confirmamos que há um elevado significado estatístico entre a
RFM e a confusão, por outro, constatámos que a RFM está presente 28,2% dos
doentes avaliados como não-confusos. Verificou-se a existência de relação do
grau de dependência no autocuidado está com a RFM o que deixa em aberto algumas
interrogações, como o porquê disso acontecer, já que, se o doente está mais
dependente, à partida estará mais incapaz de realizar ações que o ponham em
risco e, por outro lado, a RFM irá agravar esse estado de dependência, a
literatura também aponta a existência de uma forte tendência para a RFM nos
doentes mais dependentes (Hamers e Huizing, 2005; Fletcher e Hirdes, 2010). A
identificação de alteração do equilíbrio influencia a RFM como sendo um dos
principais motivos que leva os enfermeiros a tomarem a decisão de RFM aos
doentes, é a alteração do equilíbrio. Repare-se que um doente que tenha
capacidade para se levantar da cama, ou para iniciar a marcha, se tiver
alterações do equilíbrio, pode cair, e a prevenção das quedas, como já vimos, é
uma intenção fortemente enraizada nos enfermeiros. A questão que emerge é,
porque são aplicadas medidas de RFM aos doentes sem alterações do equilíbrio.
Se forem doentes capazes de andar, será pelo risco de fuga? (Degan et al.,
2004; Fletcher e Hirdes, 2010).
Conclusão
Este estudo é consensual quando comparado com a literatura consultada, já que,
no início do mesmo, nada se sabia da realidade portuguesa. As alterações da
memória, que estão associadas à confusão, provocam sofrimento ao doente, e
levam a uma diminuição na sua capacidade de julgar, sendo incapaz de tomar
decisões coerentes e seguras.
A deteção e tratamento precoce da confusão e das suas causas que evitem a
progressão e manutenção da condição são fundamentais para o sucesso
terapêutico, que deve ter como prioridade garantir a segurança física do
próprio doente e dos que o rodeiam, de acordo com os dados que obtivemos. Os
profissionais de saúde têm a obrigação de determinar a correta etiologia do
quadro, prescrevendo a intervenção mais adequada. Repare-se que a RFM ao ser
implementada em doentes confusos, não vai contribuir para a resolução daquele
problema, mas para a sua exacerbação. Truman e Ely (2003) referem que os
enfermeiros estão numa posição privilegiada para a melhoria dos cuidados a
estes doentes, já que têm um contacto mais próximo e contínuo, sendo
normalmente os primeiros a detetar alterações do comportamento, que são uma das
principais razões para a RFM.
O que se verificou, neste estudo, foi que existe uma forte associação entre a
RFM, os doentes idosos, confusos, com alterações do equilíbrio, com patologia
das vias respiratória e circulatória e totalmente dependentes no autocuidado. E
as razões estão muito relacionadas com a proteção e segurança dos doentes,
intenção que é transversalmente indicada pela generalidade dos estudos nesta
área, e também neste. As doenças assinaladas estão muito relacionadas com a
confusão, como comprovou Neves, Silva e Marques (2011), e há pré-conceitos
associados aos idosos que explicam um incremento na utilização das RFM nesta
população específica (Ruth, 1999).
Neste estudo verificou-se que é na cama que a maior parte dos doentes têm RFM,
e significativamente através da elevação das grades, isoladamente ou com outro
tipo de RFM, o que se relaciona com o fato do doente ser muito dependente nos
autocuidados. Se o doente tiver capacidade para se erguer, a colocação das
grades num nível superior, só fará aumentar a gravidade da queda que se quer
evitar. Este problema poderia ser facilmente contornado, se as camas
hospitalares dispusessem de sistemas hidráulicos que permitissem o abaixamento
das camas. Bolander (1998) refere que a elevação das grades na cama está
contraindicada em doentes que sejam capazes de passar por cima delas.
Também constatamos a reduzida utilização de alternativas, antes da
implementação da RFM, emergindo a orientação para a realidade, intervenção que
deverá ser alvo de atenção prioritária, no futuro. Mostrou-nos, este trabalho,
a complexidade subjacente às RFM, tendo-nos igualmente servido, para perceber
que o doente merece que nos empenhemos em encontrar soluções, que podem passar
por uma maior e mais ativa participação da família. Não para o hospital se
substituir a ela, mas para se intensificarem ações que conduzam a um retorno à
realidade, por sujeitos conhecidos do doente, e assim diminuir ou até mesmo
reverter a sua confusão, motivo associado à RFM. Finalmente, reconhecemos que
este estudo tem limitações, que se relacionam muito significativamente com a
nossa inexperiência em processos de pesquisa, mas os resultados alcançados são
pertinentes e corroboram outros de outras realidades. A RFM é uma prática
comum, apesar dos discursos apontarem no sentido da sua progressiva eliminação.
Estas verdades, na essência, opostas, determinam que elejamos como prioritário,
no futuro, a concretização de estudos de investigação multidisciplinares,
englobando os profissionais que estão na prestação de cuidados, no sentido de
se conseguir diminuir, ao mínimo possível, esta prática, já que, mesmo quando
se tentaram medidas prévias à RFM, isso não impediu a sua efetivação.