Parceria nos cuidados de enfermagem em pediatria: do discurso à ação dos
enfermeiros
Introdução
A enfermagem pediátrica, hoje particularmente sensível ao envolvimento dos pais
na prática de cuidados à criança, coloca a sua tónica no desenvolvimento do
processo de parceria com os mesmos, a qual requer uma interação integral com a
família de forma a proporcionar as condições favorecedoras de um
desenvolvimento global da criança. O modelo conceptual subjacente à prática da
enfermagem pediátrica está centrado nas respostas às necessidades da criança
enquanto membro efetivo do sistema familiar. Este facto é reforçado no guia
orientador de boa prática de Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica (OE,
2010), ao aludir a determinados valores, como reconhecimento da criança como
ser vulnerável, valorização dos pais/pessoa significativa como os principais
prestadores de cuidados, preservação da segurança e bem-estar da criança e
família e maximização do potencial de crescimento e desenvolvimento da criança.
Quando a criança é hospitalizada, a família é hospitalizada também, por isso
o beneficiário dos cuidados é o binómio criança/família. A Ordem dos
Enfermeiros considera a competência para avaliar a família e responder às suas
necessidades, nomeadamente no âmbito da adaptação às mudanças na saúde e
dinâmica familiar, um imperativo, sendo transversal a todos os enfermeiros
especialistas (OE, 2010).
No contexto pediátrico, isto é, quando se pensa nos cuidados à criança, a
família surge sempre como uma referência sendo o seu enquadramento hoje
assumido como fator que viabiliza o cuidado humanizado. A criança, não sendo um
elemento independente, quer pela sua condição humana e também pelas suas
características incontornáveis é um ser vulnerável e caminha a par e passo com
a sua família a quem cabe a responsabilidade primeira de promover o seu pleno
desenvolvimento. As crianças necessitam de alguém que fale por elas e as
represente (Hallström, Runeson e Elander, 2002) e na realidade portuguesa,
perante a hospitalização da criança, é à mãe que cabe, regra geral, o
acompanhamento do filho no hospital. Questões culturais associam esta tendência
ao cuidador do sexo feminino como sendo a figura principal de eleição para
permanecer junto dos filhos, tanto mais quando é à mulher que cabe, na
perspetiva de Relvas, o papel de cuidar da criança (Relvas, 2007).
Enfermeiros, pais e crianças passam a conviver no mesmo espaço, a partilhar
experiências, valores, saberes e poderes o que conduz a uma alteração na forma
de ser e de estar, tanto dos profissionais como dos pais já que a estes é
requerida uma participação ativa nos cuidados à criança. A natureza da relação
que se estabelece no seio da equipa implica a negociação do envolvimento dos
pais e a clarificação do papel de cada interveniente no processo, dimensões
essenciais para o novo modo de pensar e organizar o trabalho em parceria.
No elenco de competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem
de saúde da criança e do jovem, o trabalho de cuidar em parceria surge como
promotor da otimização da saúde no sentido da adequação da gestão do regime e
da parentalidade.
Do que nos foi dado apurar e comungando da perspetiva de Grinspun (2010), que o
cuidar é pensar, mas é também ser e fazer, os achados do estudo configuram um
cuidar distinto na sua forma de pensar e nas realidades vividas nas relações
enfermeiros-pais.
No artigo, a par de um breve enquadramento conceptual do tema e da questão que
norteou o desenvolvimento do estudo, são apresentadas as características
metodológicas da investigação realizada e a perspetiva qualitativa valorizada -
a grounded theory. É referida a recolha de dados efetuada bem como o processo
de análise dos mesmos e a discussão dos achados obtidos finalizando com as
conclusões mais relevantes do estudo.
Enquadramento conceptual
A filosofia de cuidados que sustenta os cuidados pediátricos é a filosofia de
cuidados centrados na família (Young et al., 2006). O reconhecimento da
importância desta atuação centrada na família com um envolvimento efetivo dos
pais nos cuidados à criança surgiu já fortalecido com Casey e Mobbs (1988), ao
defenderem que a criança, pais e enfermeiros em parceria, devem assumir parte
ativa no processo de enfermagem. A parceria está associada a um processo
dinâmico que requer participação ativa e acordo de todos os parceiros na
procura de objetivos comuns. Caracteriza-se pela partilha de poder e partilha
de conhecimentos; definição de objetivos comuns, centrados na pessoa;
participação ativa de todos os parceiros e concordância de todos os parceiros
na relação (Gotlieb e Feeley, 2005).
Trabalhar no registo desta filosofia exige a assumpção, por parte dos
enfermeiros, da importância da negociação da parceria de cuidados e o respeito
pela tomada de decisão dos pais. Esta negociação caracteriza-se, na perspetiva
de Espzel e Canam (apud Shields, Pratt e Hunter, 2006), como o elemento chave
da interação efetiva entre pais e enfermeiros.
Os estudos desenvolvidos em torno do envolvimento dos pais nos cuidados à
criança, contam já com algumas décadas de existência, contudo, só a partir do
final dos anos 80, o termo parceria começa a merecer atenção por parte dos
enfermeiros de pediatria. Sobre o termo começa a gerar-se algum entendimento,
mas a parceria com a família continua a ser uma estratégia de intervenção,
constituindo-se num desafio atual para os enfermeiros que se preocupam com a
saúde e o bem-estar das crianças, dos jovens e das suas famílias.
A promoção da qualidade dos cuidados e o desenvolvimento da profissão, através
do desenvolvimento da formação e da investigação em enfermagem constitui, entre
tantas outras, uma obrigação dos enfermeiros atribuída pela Ordem dos
Enfermeiros (OE, 2010). Cientes desta obrigação, os enfermeiros têm
desenvolvido esforços no sentido do desenvolvimento da enfermagem pediátrica
sendo exemplo disto, os estudos que na área do tema em desenvolvimento têm sido
feitos. Apesar do muito em que as unidades de cuidados pediátricos têm já
investido, para uma assistência integral ao trinómio criança, pais, família, é
reconhecida a necessidade de alterações a nível de infraestrutura das unidades
e de um apoio aos profissionais (Silva et al., 2009).
Aos enfermeiros de pediatria é exigido um papel de cuidadores e de educadores
já que a hospitalização de uma criança oferece oportunidade para desenvolver
medidas de promoção da saúde, indispensável a um pleno crescimento e
desenvolvimento infantil. Sinalizar e desenvolver a promoção e educação para a
saúde com as mães presentes no internamento é responsabilidade do enfermeiro
(Albuquerque et al., 2009), no entanto de acordo com Queiroz e Barroso (apud
Silva et al., 2009), ainda acontecem muitas situações de indiferença em relação
à viabilização da mesma.
É uma competência do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde da criança
e do jovem trabalhar em parceria com a criança e família/pessoa significativa,
em qualquer contexto em que ela se encontre. Na perspetiva de Kelly et al.
(apud OE, 2010), o desígnio de ação do enfermeiro especialista traduz-se na
prestação de cuidados de nível avançado com segurança e competência, na
avaliação da família e nas respostas às suas necessidades, nomeadamente no
âmbito da adaptação às mudanças na saúde e dinâmica familiar. Mas o enfermeiro
de cuidados gerais, é também ele dotado de competência para de igual forma
providenciar um cuidado integrado à criança ao jovem e família, devendo
incorporar na sua prática os resultados da investigação válidos e relevantes,
assim como outras evidências que contribuam para o desenvolvimento da
enfermagem e para o aperfeiçoamento dos padrões dos cuidados.
De acordo com Wright e Leahey (apud Gomes, Trindade e Fidalgo, 2009), tem-se
vindo a verificar nos últimos 15 anos, uma alteração na postura dos enfermeiros
para com as famílias, sendo o relacionamento tendencialmente mais colaborador,
consultivo e não hierárquico. Consideram as mesmas autoras, que à família tem
sido conferido pelos enfermeiros maior status, reconhecimento de competência,
igualdade e respeito, combinando habilidades de ambos, enfermeiros e família,
constituindo uma nova e eficaz sinergia do contexto das conversações
terapêuticas (Wright e Leahey, apud Gomes, Trindade e Fidalgo, 2009). Um estudo
realizado com 18 mães que acompanham o filho(a) 24 horas no hospital coloca em
evidência que as mesmas consideram que a sua função de protetores que mantinham
até aí fica agora vulnerável ao contexto de uma nova experiência, onde o
envolvimento nos cuidados, submetido ao poder dos profissionais de saúde, é
potenciador de grande ansiedade e mal-estar (Mendes, 2010). Os pais querem
estar envolvidos nos cuidados aos seus filhos, mas querem também decidir sobre
a extensão desse envolvimento. Quando na relação se traduz uma manifestação de
poder em que um parceiro procura dominar o outro a parceria torna-se
impraticável.
Sujeita a transições normativas decorrentes dos processos de desenvolvimento
inerentes ao ciclo vital, a família sujeita-se também a transições decorrentes
dos processos de saúde e doença, afigurando-se assim como uma unidade em
constante transformação. Face à hospitalização de um filho a família passa a
vivenciar uma situação de estranheza, vê-se obrigada a modificar as suas
rotinas, enfrenta uma adaptação familiar, tem de desenvolver novas
competências, mas novas necessidades vão surgir (Mendes, 2010). Ao enfermeiro
compete avaliar o funcionamento de todo o sistema familiar e a saúde individual
de todos os seus membros, de forma a poder intervir no sentido de ajudar a
manter o nível mais elevado de bem-estar da família. A família necessita de
ajuda externa para se proteger de uma mudança não planeada (Gomes, Trindade e
Fidalgo, 2009).
Só o desenvolvimento de um trabalho em articulação com os atores, os contextos
e as interações, pode garantir uma parceria efetiva com a família. A parceria,
enquadrada na filosofia e valores da profissão e se verdadeiramente
compreendida pelos enfermeiros, tem potencialidades tanto a nível das dinâmicas
interpessoais, como institucionais. Mas o desenvolvimento do processo de
parceria ainda é complexo. É necessário que o enfermeiro saiba o seu
significado e esteja habilitado para conhecer e controlar os fatores que a
condicionam. A parceria não pode ficar circunscrita a um apurar de hábitos da
criança a que pretendemos dar resposta com a participação da mãe, mas ela
prescreve que conheçamos a família que cuida, como cuida, quais são as suas
possibilidades, os seus limites de atuação e que forças ela é capaz de
mobilizar para resolver problemas de saúde (Mendes, 2010).
Metodologia
Tendo como ponto de partida as considerações já expostas sobre o tema, é
apresentado agora o contributo deste estudo. Trata-se de um estudo de abordagem
qualitativa, assente nos referenciais teórico-metodológicos do interacionismo
simbólico e da grounded theory. Esta metodologia pareceu-nos a mais adequada na
medida em que, ao favorecer uma maior aproximação e colaboração entre o
investigador e as pessoas, permite incluir a perspetiva dos atores acerca da
realidade estudada. Permite ainda descobrir e compreender o que está por trás
de cada fenómeno sobre os quais pouco se sabe ou sobre os quais é necessário
ganhar um novo entendimento (Strauss e Corbin, 1990).
O interacionismo simbólico põe em relevo a importância dos significados
subjetivos que as pessoas imprimem às suas ações, sendo que na perspetiva
interacionista, o significado que as pessoas atribuem às situações vivenciadas
surgem da interação e da interpretação que fazem acerca das mesmas (Lopes e
Jorge, 2005). Suportado ainda por leituras diversas, quer de natureza clínica,
quer de natureza metodológica, este estudo foi alicerçado também numa reflexão
pessoal acerca das experiências tidas enquanto professora orientadora dos
estudantes de enfermagem em prática clínica em unidades de pediatria e das
discussões, em contexto, que então emergiam com os enfermeiros. Daquilo que nos
era dado observar surgiu a convicção, contrária à expressa nos discursos dos
enfermeiros da prática, a de que não se pratica com os pais uma parceria
efetiva nos cuidados de enfermagem prestados à criança em pediatria.
A finalidade do estudo não se prende com uma avaliação da prática de parceria,
mas antes com um descrever e comparar o pensamento dos enfermeiros acerca da
mesma e o desenvolvimento das suas ações. Neste sentido, quisemos explorar nos
enfermeiros, a vivência da experiência no contexto do acontecimento, a partir
da questão formulada para orientar e dirigir o estudo - como é que os
enfermeiros de pediatria descrevem a parceria e o que produzem no seu dia-a-
dia? A partir desta inquietação e porque queríamos ouvir os enfermeiros mas
também ver como atuam na prática, foram assumidos os objetivos específicos:
Identificar nos enfermeiros, a forma como percecionam o processo de construção
da parceria na prática de cuidados com os pais.
Identificar no contexto o que produzem os enfermeiros em relação à parceria.
Analisar, comparando, os processos subjacentes ao pensar e ao agir dos
enfermeiros.
Tendo em conta as preocupações que levaram ao desenvolvimento do estudo, a
opção pelas técnicas de recolha de dados recaiu na entrevista semiestruturada e
na observação participante. Foi também aplicado um questionário de
caracterização sociodemográfica, especificamente elaborado para o efeito.
Participaram no estudo 12 enfermeiras de uma unidade de cuidados de pediatria
de um hospital do norte do país, as quais foram selecionadas à medida que se
foi procedendo à recolha e análise dos dados. Os depoimentos foram gravados em
suporte áudio, para posterior transcrição e análise. Todos os participantes
firmaram o consentimento informado para participar no estudo, depois de
explicados os objetivos do mesmo e garantido o anonimato e confidencialidade
dos dados. Centramos a investigação no trabalho diário das enfermeiras na
unidade de pediatria. Estudámo-las no seu contexto natural de ação, em
situações específicas durante a prática de cuidados à criança e família e nas
passagens de turno.
Para sustentar a compreensão do significado das interações e já depois da posse
de alguns dados da própria observação in loco focalizamos a atenção para
situações de interação entre os enfermeiros e as mães presentes e canalizamos a
atenção para determinadas interações que ocorriam durante os cuidados à
criança. Houve momentos em que foram predefinidas algumas situações a observar
e os lugares onde as mesmas ocorrem, situações de cuidados de higiene e de
alimentação, bem como situações de interação ocorridas durante alguns
procedimentos de ordem técnica (punção venosa; aspiração de secreções, entre
outros). Ao longo das observações efetuadas fomos procedendo ao registo do
observado com recurso a notas de campo, descrevendo com detalhe todos os dados
que iam emergindo, bem como os símbolos e significados expressos nas
manifestações verbais e não-verbais. A anotação minuciosa de todos os dados
permitiu-nos depois, fazer um registo fidedigno, no diário de observação.
Utilizamos articuladamente todo o material colhido e através do programa Nvivo8
submetemos os dados aos dois primeiros níveis de codificação. Primeiro uma
codificação aberta a partir da qual os conceitos foram identificados e as suas
dimensões descobertas. Depois, de acordo com as suas similaridades e diferenças
agrupamos estes conceitos em subcategorias e categorias.
Resultados e discussão
Visando os objetivos delineados, a análise dos depoimentos foi
operacionalizada, segundo os domínios considerados.
Em relação ao domínio conceptual de parceria e considerando as dimensões
identificadas: pressupostos da parceria; natureza da parceria e objetivos da
parceria emergem com preponderância as categorias e subcategorias, explicitadas
no quadro 1 que se segue.
Quadro 1 ' Domínio: conceptualização de parceria
Evidencia-se que a nível do discurso, este grupo de enfermeiros assenta a sua
prática nos pressupostos que estão na base do estabelecimento da parceria, ou
seja, o benefício para os pais, o benefício para as crianças e o benefício para
os enfermeiros. ( ) É o melhor para os pais os pais sentem-se mais seguros por
poderem acompanhar o processo estar e poder colaborar connosco deixa-os mais
confiantes também o conhecimento que têm sobre o filho e que partilham connosco
aumentam o sentimento de estar a ser útil de poder ajudar isto para eles é
muito importante (E1).
Esta prática por sua vez é tida como a que melhor pode garantir cuidados de
qualidade. A parceria direciona-nos para um melhor cuidado juntamente com os
pais ao partilhar os cuidados estamos a garantir o melhor para a criança ela
sente-se mais segura mais protegida com a mãe ou o pai em termos afetivos é
muito importante a criança não se sente abandonada claro que nós estamos ali
mas é diferente no início enquanto não ganham a nossa confiança assim não há
rutura com a família (E3). Completando ainda que a parceria não só é uma boa
prática, como sai reforçada pelo contributo que os pais dão para os cuidados.
( ) Para nós sem dúvida também é bom eles conhecem o filho as suas
necessidades e muitas vezes são eles até que nos orientam nos cuidados .e o
facto de estarem e vigiarem a criança já é muito bom às vezes temos tantos
meninos que era impossível para nós vigiarmos todos eles fazem a vigilância da
criança servem de mediadores (E9).
Os enfermeiros reconhecem, nos seus discursos, as novas exigências que a
inserção da família no ambiente hospitalar acarreta, o que corrobora o descrito
por outros autores ao considerarem que os cuidados centrados na família
implicam o envolvimento da mesma sendo fundamental para a saúde e bem-estar da
criança (Franck e Callery, 2004).
As relações interpessoais desenvolvidas com a família exigem um novo modo de
ser e estar com a mesma (Silveira e Ângelo, 2006), devendo ser proporcionado um
ambiente que normalize, tanto quanto possível o funcionamento da família dentro
do contexto dos cuidados e cuidar, tanto da criança como da família (Franck e
Callery, 2004). A parceria desenvolve-se num amplo processo de interações e
intervenções. Na perspetiva interacionista, a família é compreendida como um
grupo social em interação entre si e com os elementos presentes nas
experiências que vivencia, à qual vai atribuindo significados resultantes
dessas interações.
No que se refere à natureza da parceria, encontramos nítidas evidências de que
os entrevistados pensam a parceria como um cuidar partilhado. ( ) Há uma
partilha nos cuidados negociamos a presença dos pais na unidade mas negociamos
também o seu envolvimento nos cuidados (E4), tudo é negociado com os pais há
uma maior interação eles ajudam-nos porque têm o conhecimento do filho e nós
ajudámo-los trabalhamos na base da igualdade (E2). Depreende-se uma ajuda mútua
no desenvolvimento das ações, no conhecimento e na transformação, enriquecemo-
nos mutuamente (E6) trabalhamos em conjunto planeamos juntos os cuidados sem
dúvida que a relação é outra há outra interação porque convivemos no mesmo
espaço trabalhamos lado a lado de igual para igual (E6). O cuidado em
parceria parece surgir como algo lógico e natural no contexto das relações
que se estabelecem.
Duas categorias expressam os objetivos da parceria que na opinião dos
enfermeiros entrevistados, vão no sentido do cuidar integral da criança e da
família e no garantir da unidade familiar. A primeira é composta pelas
subcategorias, desenvolvimento global da criança e bem-estar da família ( ) o
trabalho em parceria com os pais permite sem dúvida um cuidar mais humanizado
garante um desenvolvimento mais harmonioso da criança e um melhor bem-estar da
família cuidamos da criança mas cuidamos dos pais da família também (E8). A
segunda categoria a evidenciar o cuidado centrado na família, ou seja o relevo
no binómio criança/família como beneficiários dos cuidados, salientando-se no
discurso dos informantes ( ) ao trabalharmos em parceria com os pais procuramos
que outros elementos da família também se envolvam o pai...e incentivamos a
visita dos irmãos é bom que eles sintam que temos tudo controlado e para a
criança é bom sentir que não está esquecida por isso incentivamos a visita dos
irmãos essencialmente quando os internamentos são mais longos (E6).
Os achados obtidos em conformidade com os descritos na literatura consultada
dão como certo a aceitação pelos enfermeiros do envolvimento dos pais nos
cuidados bem como o reconhecimento da importância do mesmo no processo de
cuidar e são consensuais em relação aos benefícios que esse envolvimento traz
para a criança (Espezel e Canam, 2002). O cuidado alargado à família constitui-
se, no discurso dos entrevistados, como um garante da unidade familiar, sendo
que os pais são capazes de desenvolver um sentido de controlo sobre a situação
quando têm a compreensão sobre a situação do filho. O cuidado em parceria tal
como advogam Gottlieb e Feely (2005), privilegia características como a
partilha do poder e a partilha de conhecimentos. Considerado pelas autoras como
a marca da parceria efetiva no cuidar, a partilha do poder e de conhecimentos
permite que todos os atores intervenientes no processo se enriqueçam, na medida
em que cada um traz para a relação, conhecimentos, experiências e perícia. O
reconhecimento e a valorização destes conhecimentos, capacidades e habilidades
por parte da enfermeira, são, na perspetiva destes autores, a alavanca para o
poder dos parceiros na relação que estabelecem e para o estabelecimento da
harmonia na relação (Gottlieb e Feely, 2005). Ao ter consciência de seu papel,
como provedora de cuidado e defensora da criança, a família elabora estratégias
e é capaz de enfrentar as dificuldades, não devendo subjugar os seus valores e
as suas crenças, ou seja, não se submetendo às pressões de status e poder,
implícitas ou explícitas nas trocas processadas na interação com os
profissionais de saúde (Silveira e Ângelo, 2006).
Em relação à natureza da parceria nos cuidados com os pais o discurso dos
informantes evidencia a preocupação na referência a dimensões constituintes de
uma colaboração em parceria, tal como advogam Gottlieb e Feely (2005). Mas,
identificar o modo como pais e enfermeiros experienciam a prática da parceria
nos cuidados prestados à criança, é também propósito do estudo. Visando o
objetivo delineado e partindo do domínio das atitudes, dos comportamentos, das
interações e dos procedimentos (explícitos e implícitos), a análise do
observado foi operacionalizada através da evidência dos dados com significado,
a inferência e as dimensões relevantes emergentes. Num esforço contínuo de
integração caminhamos no sentido da busca da compreensão dos dados através de
uma análise comparativa com os dados disponíveis da literatura, o observado e o
relatado pelos atores. Falar em cuidado humanizado à criança, requer uma
interação com a família, uma atitude aberta e flexível, um estar com as pessoas
nos processos interativos de ajuda na busca de uma melhor qualidade dos
cuidados que são oferecidos.
Pais e enfermeiros partilham o mesmo espaço, existe partilha de cuidados,
partilha de saberes, mas adivinha-se um presumível uso do poder mal repartido.
A mãe do Miguel [nome fictício] pediu para ir a casa estava exausta penso que
ainda vem de manhã (Enf. A). A permanência dos pais em período integral no
ambiente hospitalar constitui uma situação complexa a qual configura para os
mesmos uma experiência inquietante e exaustiva. Na maioria das mães presentes
no internamento predominam sinais evidentes de cansaço, se não mesmo de
exaustão pelos dias consecutivos que permanecem no hospital, intercalados
apenas por escassas fugas a casa. Deverão estas fugas a casa estar sujeitas
a uma autorização? A parceria efetiva engloba também a responsabilidade no
apuramento do significado que o afastamento de casa tem na experiência das mães
que fazem um acompanhamento integral dos filhos no hospital, pelo que a
permanência deve também ela ser negociada.
A Rita [nome fictício] ficou sozinha segundo o que ela me disse, a mãe vem lá
para as 10 horas duvido se estiver cá ao almoço já é bom mas ela não me disse
nada (Enf. B). O Gonçalo deu entrada o pai vai ficar com ele .está
desempregado não sei se fica de noite ou se a mãe vem depois do trabalho(Enf.
A). Uma participação em pleno só é possível quando ocorre a negociação de todos
os integrantes do programa de cuidados. A negociação é, na perspetiva dos pais
segundo um estudo realizado, algo que não deve ser menosprezado na medida em
que produz sentimentos como o de estar a ser útil e capaz de ajudar nos
cuidados (Young et al., 2006).
Face às intervenções dos pais, nomeadamente no que diz respeito aos designados
cuidados familiares, alguns enfermeiros esperam pela iniciativa dos mesmos. O
envolvimento dos pais nos cuidados à criança parece assumir-se como uma
continuidade dos cuidados prestados em casa sendo algo que vai acontecendo de
forma natural e por imitação a outros pais presentes. Prestam os cuidados de
higiene e conforto, alimentação, avaliação de temperatura promoção da segurança
e entretenimento da criança. Verifica-se um executar avulso de outras tarefas
delegadas pelas enfermeiras onde o escasso diálogo não dá espaço à negociação.
Enf. C chega ao quarto. Mãe como está o João [nome fictício] ah já
acordou vamos dar o banho. A mãe começa os preparativos para o banho a
enfermeira sai a mãe começa o banho [manifesta alguns receios] outra mãe dá
algumas orientações. A observação, a orientação e o apoio são cruciais no
processo de promoção da autonomia em relação ao cuidar a criança. A informação
disponibilizada resulta deficiente para um envolvimento mais efetivo, o que vai
ao encontro de outros estudos que nos dão conta que os enfermeiros têm pouco
diálogo com as mães (Milannesi et al., 2006; Soares e Levanthal, 2008).
A mãe da Maria [nome fictício] está a chorar. Enf. D entra no quarto. Está a
chorar? o que tem?..está a chorar e a Maria aqui toda bem disposta não é Maria?
Sorri para a criança olha para o soro em curso volta a sorrir para a criança e
sai do quarto. Eu já venho.
A parceria é um processo dinâmico que se vai desenvolvendo em diferentes
subprocessos, intercâmbio de informações, estabelecimento de confiança,
priorização de objetivos (Gottlieb e Feely, 2005), onde a comunicação se assume
como a chave do processo das relações interpessoais (Young et al., 2006). Não
encarar o cuidado centrado na família, ou seja, no binómio criança/família como
beneficiários dos cuidados, não desenvolve o cuidado em parceria. Qualquer
situação de transição, seja qual for a sua natureza tem um forte impacto na
esfera familiar, tendo cada família uma forma diferenciada de reagir e de se
adaptar. Mas a família não só precisa como espera que os profissionais se
aproximem, comuniquem e compreendam a situação por que ela está a passar ao ter
o filho hospitalizado, proporcionando condições para um contexto relacional
propício (Silveira e Ângelo, 2006). A falta de disponibilidade para a parceria,
mais concretamente em relação à dimensão que a integra, a disponibilidade de
si, vai no sentido de uma falta de empenho na missão de cuidar integralmente do
outro e de o ajudar.
No discurso dos informantes foi evidente a preocupação na referência a
dimensões constituintes de uma parceria efetiva, contudo, os dados oriundos da
observação ditam que a parceria em uso não engloba em si mesma, dimensões
como a negociação e a partilha do poder.
Conclusão
O processo de cuidar em pediatria, pela sua especificidade, determina que o
enfermeiro desenvolva as suas capacidades para responder com competência à
singularidade do ato de cuidar a criança em parceria com os pais. Podemos dizer
que na parceria é enfatizada a importância dos pais para o desenvolvimento
integral da criança mas para o desenvolvimento do próprio cuidado também. É
valorizada a parentalidade no processo de cuidar.
Cientes da importância do desenvolvimento desta parceria, quisemos, além de
conhecer como é que os enfermeiros de pediatria percecionam o processo de
construção da parceria, estar atentos também ao que produzem e às
circunstâncias que os rodeiam. Os enfermeiros têm subjacente à mesma,
conceptualizações que configuram esta forma de cuidar, contudo, importantes
divergências entre os discursos e as ações que desenvolvem levam-nos a
considerar existir uma visão fragmentada do trabalho em parceria.
Face às evidências, depreende-se que os enfermeiros ao refletirem a parceria
fazem-no com base no conhecimento que têm sobre a mesma e não tanto com base
nas ações que desenvolvem para a sua implementação, ou seja, nem sempre
suportam as suas práticas na teoria que fundamentam. A parceria em uso
desenvolvida por estes enfermeiros assenta essencialmente na partilha de
cuidados com os pais, a quem são delegados os designados cuidados familiares.
Mas cremos que os cuidados que os enfermeiros oferecem às crianças, aos jovens
e suas famílias ficarão mais enriquecidos com a partilha dos achados desta
investigação. Esperamos que a par de um processo contínuo de capacitação e de
sensibilização os enfermeiros, ao analisar as suas práticas e ao refletir sobre
elas, sejam capazes de potencializar recursos e converter esforços em
atividades sistematizadas que otimizem o processo de parceria.
Os resultados do estudo não podem ser generalizados, mas cremos que os achados
obtidos podem favorecer o conhecimento que contribui para a melhoria da prática
dos enfermeiros que se preocupam com a saúde das crianças, mas também das suas
famílias. Face aos achados deste estudo é possível fazer novos questionamentos
e partir para a descoberta do porquê desta discrepância entre o conhecimento e
a ação.