Literacia em saúde mental de adolescentes e jovens: conceitos e desafios
Introdução
O conceito de literacia em saúde não é recente, atribuindo-se a Simonds (1974)
a primeira utilização conjugada dos termos na década de 70 do século XX, para
se referir à necessidade de educação para a saúde em contexto escolar (Ratzan,
2001; Bernhardt, Brownfield e Parker, 2005). Contudo, e apesar da novidade do
conceito à época, o interesse pela temática no âmbito da promoção e educação
para a saúde surge de modo vincado em meados da década de 90 do século
precedente (Kickbusch, 1997; Nutbeam, 1998), constituindo-se atualmente, quer
como resultado chave da promoção da saúde (Nutbeam, 2000), quer ainda como
pressuposto fundamental para o exercício ativo, participado e ampliado da
cidadania em saúde dos indivíduos, grupos e comunidades.
A literacia em saúde pode ser definida como a medida em que os indivíduos têm
capacidade para obter, processar e entender informação básica em saúde e
serviços disponíveis para tomar decisões de saúde apropriadas (Selden et al.,
2000, p. vi). Neste âmbito, a literacia abrange diferentes domínios do saber e
áreas de atuação profissional, tais como Enfermagem, Serviço Social, Medicina,
Psicologia, Sociologia (Ratzan e Parker, 2000; Kickbusch, Maag e Saan 2005),
que tendo subjacentes diferentes preocupações, compromissos e modelos de
intervenção nas suas práticas profissionais, lhe configuram diferentes modos de
aplicação. Muito do desenvolvimento encetado no domínio da literacia é fruto,
também da ênfase e desenvolvimento de teorias como a Teoria Sócio-cognitiva, a
Teoria da Ação Racional, a Teoria do Comportamento Planeado e inclusive o
Modelo de Crenças na Saúde.
O conceito de "literacia em saúde" tem sido, por vezes, aplicado
indiscriminadamente como sinónimo de promoção da saúde, educação para a saúde,
comunicação em saúde, ou ainda alfabetização (Zarcadoolas, Pleasant e Greer,
2006), não se estabelecendo fronteiras precisas entre eles.
Assim, a literacia distingue-se da educação para a saúde, pois esta refere-se
mais ao processo de aprendizagem planeada, à atividade intencional que se deve
centrar nas disposições e capacidades individuais e grupais, oferecendo
conhecimentos, influenciando modos de pensar, gerando ou clarificando valores,
ajudando a mudar atitudes e crenças, facilitando a aquisição de competências e
produzindo mudanças de comportamento e estilos de vida (Rodrigues, Pereira e
Barroso, 2005, p. 19). No que concerne à promoção da saúde, apesar das
múltiplas definições existentes e decorrentes das várias cartas e declarações
sob patrocínio da OMS (ex. Carta de Otava, que data de 1986), pode ser
entendida como um processo que permite às pessoas ter controlo sobre a sua
saúde, exigindo uma atuação ao nível das determinantes de saúde através de
investimentos e ações (Declaração de Jacarta sobre Promoção da Saúde no Século
XXI). Raeburn e Rootman (1998, p.11) referem que a promoção da saúde visa o
desenvolvimento ao longo do tempo, nos indivíduos e nas comunidades, de estados
básicos e positivos e de condições para a saúde física, mental, social e
espiritual. Este processo não está apenas nas mãos das pessoas, sua condição
inicial, mas implica profissionais de saúde, decisores políticos e políticas,
já que visa o desenvolvimento e capacitação pessoal e comunitária.
Relativamente à comunicação em saúde, termo mais abrangente, ( ) diz respeito
ao estudo e utilização de estratégias de comunicação para informar e para
influenciar as decisões dos indivíduos e das comunidades no sentido de
promoverem a sua saúde ( ). Não se trata somente de promover a saúde, embora
esta seja a área estrategicamente mais importante. De facto, comunicação em
saúde inclui mensagens que podem ter finalidades muito diferentes, tais como:
promover a saúde e educar para a saúde - evitar riscos e ajudar a lidar com
ameaças para a saúde; prevenir doenças; sugerir e recomendar mudanças de
comportamento; recomendar exames de rastreio; informar sobre a saúde e sobre as
doenças; informar sobre exames médicos que é necessário realizar e sobre os
seus resultados; receitar medicamentos; recomendar medidas preventivas e
atividades de autocuidados em indivíduos doentes (Teixeira, 2004, p. 615).
Facilmente se depreende da inter-relação destes conceitos, já que todos incluem
uma preocupação fundamental, a saúde, em termos individuais e comunitários/
coletivos. Ainda assim devemos entender a literacia para chegar à literacia em
saúde.
Revisão da literatura
Da literacia à literacia em saúde.
A que nos referimos quando utilizamos o termo literacia e mais especificamente,
literacia em saúde? Bernhardt, Brownfield e Parker (2005) servem-se de uma
analogia simples mas interessante para compreender o conceito de literacia. Um
automobilista pretende deslocar-se para um determinado local desconhecido. Para
chegar ao seu destino deve precaver-se à partida, avaliando o percurso mais
seguro e adequado. Tomar notas do percurso quanto a estradas, nomes de ruas ou
mesmo levar um mapa, pode ser útil, mas torna-se muitas vezes um quebra-cabeças
quando o condutor se perde. Poderá utilizar um moderno sistema de navegação
GPS, contudo o acesso a este aparelho implica custos, competências para
trabalhar com o sistema operativo, não está disponível para a maioria das
pessoas e também não está apetrechado com a informação de obras esporádicas ou
de urgência em algumas localidades ou ruas.
Outras opções passam pela utilização do telemóvel, estando em contacto
permanente com alguém bem informado que lhe vá dando orientações, ou então em
último caso, parar o carro e perguntar a uma pessoa qual o melhor caminho,
ainda que tenha vergonha em assumir que está perdido. A literacia em saúde
assemelha-se em muito ao processo envolvido neste exemplo, com as devidas
diferenças, na medida que exige competências e habilidades para
"navegar" de modo adequado. A literacia não se cinge a ler e a
escrever (e contar). Ela é definida habitualmente como a capacidade de usar as
competências de leitura e escrita, incluindo o cálculo (numeracia), ensinadas e
apreendidas, com ênfase para a sua utilização no quotidiano, de modo a permitir
aos indivíduos dar resposta aos desafios emergentes do dia-a-dia (Benavente et
al., 1996; Pinto, 1996). Pode surgir por isso associada a outros conceitos além
da saúde, tais como informática, ciência, estatística, finanças, política, etc.
(Peerson e Saunders, 2009). A literacia distingue-se da educação no sentido em
que esta última se cinge mais ao ato de ensinar e de aprender, realçando o
aspeto da assimilação (Pinto, 1996).
A literacia refere-se a um processo dinâmico, que não se esgota na
alfabetização e que referindo-se à capacidade de usar determinadas
competências, implica que o indivíduo questione e assuma o papel ativo a nível
pessoal, social, profissional. Pode parecer à primeira vista que uma pessoa
"iletrada" seja sinónimo de "analfabeta", o que é um
erro, como demonstra Nascimento (2006, p. 290): ( ) São iletradas as pessoas
que não dominam suficientemente a escrita para fazer frente às exigências
mínimas da vida pessoal e profissional. Conceção limitada, mas legítima e
minimamente operativa ' enquanto procura atender a situações gritantes de
marginalidade. Conceção negativa, que não tem em conta a eventual riqueza de
outras capacidades e outros saberes ' tão profundos que muitos letrados não
os atingem e tão criativos que conseguem partilhar com outro a riqueza que
anima a sua interioridade. Conceção minimalista também, porque não ultrapassa a
função utilitária. Nem por isso menos prática. Atente-se, pelo menos, em que
seria tão perigoso considerar suficientes as operações de escolaridade mínima
(ler, escrever e contar) como ignorar o seu contributo para o desenvolvimento
de capacidades analíticas e judicativas.
Nutbeam (2009) refere que a literacia é vista usualmente como sendo constituída
por dois elementos, as tarefas (tasks) e as competências (skills). A literacia
baseada nas tarefas refere-se à medida em que o indivíduo consegue realizar
tarefas chave, como ler um texto básico ou escrever frases simples. Já a
literacia que se baseia em competências centra-se no nível de conhecimento e
aptidões que os indivíduos devem possuir para realizar tais tarefas. Neste
sentido, e quando situada no domínio da saúde, a OMS (1998, p.19) define a
literacia como implicando: ( ) a obtenção de um nível de conhecimento,
aptidões pessoais e confiança para agir no melhoramento da saúde pessoal e da
comunidade, mudando estilos de vida pessoais e condições de vida. Assim,
literacia em saúde significa mais do que ser capaz de ler panfletos e fazer
apontamentos. Ao melhorar o acesso das pessoas à informação sobre saúde, e a
sua capacidade para a usar de forma efetiva, a literacia na saúde é crítica
para a capacitação das populações.
O mesmo autor (Nutbeam, 2000) considera três tipos ou níveis de literacia,
designadas de funcional (ou básica), interativa (comunicacional) e crítica.
Esta divisão possibilita perspetivar a literacia num crescendo de autonomia e
capacitação ou empoderamento (empowerment) dos indivíduos.
- Literacia funcional/básica: competências suficientes para ler e escrever
permitindo um funcionamento efetivo nas atividades do dia-a-dia, amplamente
compatível com a definição de literacia em saúde referida acima;
- Literacia interativa/comunicativa: aptidões cognitivas e de literacia mais
avançadas que, em conjunto com as aptidões sociais, podem ser usadas para
participar nas atividades no dia-a-dia, para extrair informação e significados
a partir de diferentes formas de comunicação e aplicar essa nova informação;
- Literacia crítica: competências cognitivas mais avançadas que, juntamente com
as aptidões sociais, pode ser aplicada para analisar criticamente a informação
e usar esta informação para exercer maior controlo sobre os acontecimentos e
situações da vida (Nutbeam, 2000, p. 263-4).
O indivíduo neste crescendo de literacia em saúde, vai assumindo um desempenho
passivo na literacia básica/funcional, ativo na literacia interativa, e pró-
ativo na literacia crítica. Para cada nível de literacia, Nutbeam (2000) define
objetivos educativos, conteúdos associados, benefícios individuais e coletivos,
dando exemplo de atividades educativas (tabela 1).
Tabela 1 ' Níveis de literacia na saúde
Naturalmente que as intervenções protagonizadas em termos de literacia têm como
objetivos produzir resultados, quer em termos de saúde (ex. redução da
morbilidade), quer sociais (ex. qualidade vida). Nutbeam (2000) refere também
resultados intermédios ao nível da saúde, quando se refere às determinantes da
saúde modificáveis ao nível dos estilos de vida saudáveis (ex. atividade
física), dos serviços de saúde efetivos (ex. existência de serviços
preventivos; adequação e acesso aos serviços) e ambientes de saúde seguros (ex.
restrição ao acesso de álcool).
Neste contexto, ao nível dos resultados da promoção da saúde e do impacto das
medidas de intervenção, elas têm resultados ao nível da literacia em saúde
(atitudes e conhecimentos relacionados com a saúde, motivação, intenções de
comportamento, competências pessoais), na ação e influência social
(participação da comunidade, capacitação da comunidade, normas sociais, opinião
pública) e nas políticas de saúde e prática organizacional (declarações
políticas, legislação, regulação, alocação de recursos, práticas
organizacionais). Em termos de ações de promoção da saúde, elas situam-se ao
nível da educação (educação e esclarecimento nas escolas), da mobilização
social (facilitação da criação de grupos) e de defesa dos grupos (advocacia;
lobbying nas organizações políticas e governativas).
Modelo conceptual de literacia em saúde
Partindo de uma análise conceptual do que foi produzido sobre literacia,
Mancuso (2008) sugere um modelo que engloba de forma sistematizada aqueles que
são os antecedentes, definidos pelo autor enquanto competências, os atributos e
as consequências individuais e sociais, tendo como pano de fundo a relação
indivíduo-sociedade.
O autor dá ênfase ao conceito de competência (antecedente), enquanto conjunto
de conhecimentos, habilidades e atitudes que implicam que o indivíduo perante
uma situação seja capaz de mobilizar conhecimentos e recursos de modo adequado,
dando uma resposta ajustada à situação. Como se pode observar na figura 1, os
atributos da literacia em saúde (capacidade, compreensão e comunicação) estão
integrados e são precedidos pelas aptidões, estratégias e capacidades firmadas
dentro das competências necessárias para atingir a literacia em saúde.
Figura 1 ' Modelo conceptual da Literacia em Saúde. Fonte: Mancuso (2008, p.
251)
Dos atributos elencados por Mancuso (2008), salientam-se a capacidade (o autor
utiliza algumas vezes ao termo aptidão), a compreensão e comunicação. A
capacidade, refere-se não só àquilo que é inato mas às competências adquiridas,
mediadas pela educação e afetadas pela cultura e que resultam ou são adquiridas
através do processo de aprendizagem. Ao nível da literacia em saúde essas
competências incluem a recolha, avaliação e análise da informação, a procura de
ajuda, e ainda a capacidade para se movimentar e negociar dentro do sistema de
saúde.
O atributo compreensão (lógica, linguagem e experiência) aponta para a
conjugação de fatores de diversa ordem que permitem uma interpretação e
entendimento da imensa informação existente e disponibilizada (ex. matérias de
educação para a saúde, bulas de medicamentos, formulários de consentimento,
etc.). Possibilita ao indivíduo tornar-se um crítico da informação existente
(ou associando nova informação à existente), identificando os assuntos de saúde
e atribuindo-lhe um sentido.
O atributo comunicação reporta para uma troca (mensagens, pensamentos,
informação) que deve promover a compreensão, a escuta e a observação críticas,
ainda que no domínio da saúde, a comunicação se destine sobretudo informar e
influenciar as decisões conducentes à melhoria de saúde. Esta troca de
informação é, muitas vezes, feita para lá da comunicação entre profissional e
doente, à base da utilização de textos, materiais audiovisuais, internet.
Contudo, para ser eficaz os conteúdos deverão ser rigorosos, equilibrados,
consistentes, compreensíveis e sobretudo atenderem à lógica da competência
cultural.
Quais são então as consequências ou resultados advindos deste modo de
perspetivar a literacia em saúde? Mais do que isso, o que acontece quando o
modo de intervenção/ação não é pensado desta forma e os indivíduos possuem um
reduzido nível de literacia em saúde? Baseado em diferentes estudos (Nielsen-
Bohlman, Panzer e Kindig, 2004; Weiss, 2005; Edmunds, 2005), Mancuso (2008)
refere diferentes consequências, que incluem, entre outros:
- custos acrescidos nos cuidados de saúde;
- reduzido ou falso conhecimento sobre as doenças e tratamentos;
- menor competências de autogestão;
- menor capacidade para cuidar de pessoas em condições crónicas;
- erros de medicação;
- incapacidade para lidar com sucesso com o sistema de cuidados de saúde;
- utilização dos serviços de saúde de forma desadequada.
Em suma, podemos verificar que a literacia em saúde não é estática, ela evolui
ao longo do tempo, e engloba os atributos de capacidade, compreensão e
comunicação. Estes atributos estão integrados e são precedidos pelas
competências, daí que se a pessoa possui literacia, tem potencial para
influenciar os indivíduos e a sociedade (Mancuso, 2008).
Literacia em saúde mental
A saúde mental e mais concretamente o campo das doenças mentais e psiquiátricas
é com toda a certeza uma das áreas da saúde que mais alterações tem produzido
ao longo das últimas décadas. Algo que se verifica quer dentro dos diferentes
domínios do saber científico e áreas profissionais, quer ainda na opinião
pública e publicada. Nestas últimas prevalecem imagens quase sempre despidas de
credibilidade, que reduzem as doenças as transgressões, crimes e violência,
como se assim se conseguisse explicar, per si, todas as adversidades do nosso
quotidiano e consequentemente as partes menos sadias do relacionamento e
confronto, connosco próprios e com os outros.
Assim, e se é comummente aceite que a saúde mental é um bem a preservar, sendo
considerada uma prioridade da saúde pública dado o seu inestimável valor, as
doenças são contingentes da condição humana, com pesadas implicações para os
indivíduos e para a sociedade (OMS, 2001). Estas são capazes de transformar as
pessoas em analfabetas de si e do mundo, que faz prevalecer simultaneamente uma
visão preconceituosa das doenças e doentes, fortemente enraizada cultural e
socialmente. Por conseguinte, as doenças são perspetivas habitualmente como um
problema dos outros, gente ociosa, incapazes, mentalmente inferiores, ou ainda
uma franja social de imprevisíveis, perigosos e incorrigíveis (Loureiro, 2008;
Loureiro, Dias e Aragão, 2008).
Estas questões remetem-nos de modo evidente para o estigma e para o impacto
profundo que este tem, quer na relação com os doentes (comportamentos
discriminatórios no quotidiano), quer do indivíduo consigo mesmo quando paira
um eventual processo de adoecimento (ocultação de sintomas), e escusa à procura
de ajuda.
A expressão "literacia em saúde mental" foi introduzida e definida
por Jorm et al. em 1997, e revista em 2000 (p. 396), para se referir ao
conjunto de componentes que incluem: a) the ability to recognise specific
disorders or different types of psychological distress; b) knowledge and
beliefs about risk factors and causes; c) knowledge and beliefs about self-help
interventions; d) knowledge and beliefs about professional help available; e)
attitudes which facilitate recognition and appropriate help-seeking; and f)
knowledge of how to seek mental health information.
A partir desta definição, tornam-se claras as consequências/efeitos que podem
advir dos reduzidos índices de literacia em saúde mental. Impedem o
reconhecimento precoce dos sintomas, quer em si próprio, quer nos outros, o que
adia a procura de ajuda, enquanto os sintomas se agravam continuamente. O
comportamento de procura de ajuda pode também ser influenciado pela falta de
conhecimento sobre a disponibilidade dos serviços de saúde mental, os
profissionais disponíveis para apoio e, sobretudo as opções de tratamento
disponíveis (Cotton et al., 2006).
Acresce ainda a dificuldade de comunicar os problemas aos profissionais de
saúde, dificultado pela falta de conhecimento sobre as doenças e agravado pelo
estigma que estas acarretam (Jorm, 2000; Rickwood et al., 2005; Loureiro, 2008;
Loureiro, 2009; Loureiro, Mateus e Mendes, 2009).
Neste contexto interessam-nos especificamente os adolescentes e jovens (15-24
anos), pois correspondem a períodos considerados críticos, caracterizados por
transições e mudanças significativas no contexto de vida dos indivíduos, em que
os problemas relacionados com o bem-estar têm profundo impacto na vida adulta
(Jorm, 2000; OMS, 2001). Tratando-se de grupos com reduzido nível de interação
com o sistema de saúde, apresentam contudo um potencial de intervenção elevado,
sobretudo porque fazem uso das tecnologias de informação como a internet, sendo
uma das fontes privilegiadas de procura e acesso à informação em saúde.
As intervenções protagonizadas com objetivo de aumentar a literacia em saúde
mental, que têm sido perspetivadas, quer para os contextos públicos/
comunitários mais abrangentes, quer ainda para grupos específicos, podem ser
caracterizadas quanto: a) ao alvo da intervenção (medidas preventivas
universais ou então seletivas para grupos específicos); ao modo de difusão
(internet; mass média; televisão; brochuras); ao âmbito (nacionais, locais); e
ainda quanto ao local ou setting onde se desenvolvem (hospitais, escolas,
centros de saúde, espaço virtual, etc.).
A internet surge como um veículo ou meio privilegiado de produção, disseminação
e apropriação dos mais diversos conteúdos (Korp, 2006), sendo considerada uma
ferramenta indispensável ao serviço da informação e suporte em saúde mental.
Vários estudos vêm atestar o potencial de procura de informação e suporte
fornecido por esta ferramenta (Eysenbach et al., 2002; Gould et al., 2002;
Johnsen, Rosenvinge e Gammon, 2002; Ybarra e Eaton, 2005; Berger, Wagner e
Baker, 2005; Powell e Clarke, 2006; Gallagher et al., 2008; Oh, Jorm e Wright
2008; Horgan e Sweeney, 2010).
Ao nível da saúde mental podem ser destacados diferentes programas e
iniciativas que incluem a internet, tais como: Beyondblue; Compass Strategy;
Defeat Depression Campaign; Nuremberg Alliance against Depression. Alguns estão
centrados nas instituições de educação ou de saúde, tais como MindMatters ou
Mental Illness Education, enquanto outros se focalizaram programas de treino
individual, como o Mental Health First Aid (MHFA). Este último programa
encontra-se inclusivamente em fase de adaptação para o contexto português,
sediado na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), no âmbito de um
programa de Educação e Sensibilização para a Saúde Mental, pertencente à
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde ' Enfermagem (UICISA-E).
Muitas questões relevantes se colocam à operacionalização deste tipo de
programas de intervenção a partir de estruturas web dedicadas, que incidem
nomeadamente sobre: a prevalência de consulta e utilização dos sites; a
avaliação da credibilidade das fontes; a qualidade dos conteúdos/informações
(rigor científico); as ligações e hiperligações; o interface, interatividade
com o utilizador, aspetos quantitativos, éticos e de acessibilidade. Para lá
destas questões, os sites dedicados de base institucional demonstram ser
eficazes quando: são construídos respeitando as características dos públicos-
alvo (não se cingindo ao fac-simile); procuram constituir-se como um meio útil
e disponível; respeitam a confidencialidade e anonimato; não realizam nem têm
intenção de realizar o diagnóstico em momento algum, tão pouco substituem a
ajuda profissional especializada, mas através dos conteúdos cientificamente
validados, permitem esclarecer os indivíduos quanto às doenças ou problemas e
nortear a tomada de decisão, especificamente a de procura de ajuda.
As boas práticas sugerem que a informação disponibilizada deve ser validada por
profissionais e peritos em saúde mental, assim como a interface deve ser
validada por focus group da população a que se destina. A título de exemplo, o
estudo recente de Horgan e Sweeney (2010) numa amostra de 922 jovens,
identificou como fatores mais importantes a ter em conta no desenho dos sites
as questões da confidencialidade, anonimato, a informação acerca dos autores e
entidade responsável pela construção, autoria e manutenção da estrutura web.
Das razões para procurar informação e suporte na internet, foram apontados para
lá do anonimato, privacidade e confidencialidade, a quantidade de informação
disponível, a acessibilidade, a forma fácil e rápida como se encontra a
informação que se procura.
A internet constitui-se ainda como um forte aliado das pessoas que procuram
proteger-se do estigma e preconceito associado às doenças mentais. Por
conseguinte, pensada com objetivo de incentivar, pelo esclarecimento, a procura
de ajuda quando necessária, esta ferramenta deve atender também à necessidade
de desconstruir mitos e crenças discriminatórios.
Naturalmente que nos ocorre a dificuldade que constitui a mudança de crenças e
atitudes relativamente às doenças mentais, sendo o tamanho do efeito produzido
por pequenas intervenções dirigidas e individualizadas muito modesto.
Ao nível da saúde mental a procura de ajuda, enquanto mecanismo de coping
(Rickwood et al., 2005), tem sido estudada, ora dando ênfase às explicações
mais a nível macrossocial, tendendo a centrar o acesso a partir dos fatores
socioeconómicos (Pescosolido e Boyer, 1999), ora, em menor número, às
explicações com foco mais microssocial, valorizando os fatores psicossociais
individuais que facilitam ou inibem o processo de procura de ajuda (Rickwood et
al., 2005), com ênfase para variáveis como a "familiaridade" e o
"contacto" com as doenças mentais (Vogel, Wade e Hackler, 2007).
Naturalmente que um portal web não se constitui como garante da procura de
ajuda. No entanto, se acompanhado de uma estrutura que procure o
esclarecimento, baseado no rigor e credibilidade da informação disponibilizada,
pode potenciar a procura de ajuda, enquanto componente da literacia em saúde. É
de salientar que a procura de ajuda em saúde mental é por força da sua
natureza, mais complexa que noutras doenças, pois implica uma transação entre
um domínio pessoal, íntimo, o mundo interno do indivíduo e um domínio que
implica as relações sociais e interpessoais (Rickwood et al., 2005).
Acresce ainda a consciência que o indivíduo tem da necessidade de apoio. Logo
as questões relacionadas com a procura de ajuda devem ser entendidas no quadro
dos sistemas de crenças, das normas e atitudes relativamente às doenças mentais
nos respetivos contextos socioculturais, que qualquer programa de educação em
saúde mental deve levar em conta (Mancuso, 2008).
É do nosso entendimento que a literacia em saúde mental não se esgota apenas
naquele que é o conhecimento e reconhecimento das doenças e fatores implicados,
tal como a definição apresentada por Jorm (2002). A literacia em saúde mental
faz um apelo inequívoco para o valor que a saúde e bem-estar assumem para os
indivíduos, tendo consciência daquelas que são as implicações em termos
pessoais e sociais das doenças mentais.
No quadro 1 são apresentadas as obras fundamentais de leitura no domínio da
literacia e que aparecem citadas no corpo de texto deste artigo.
Quadro 1 ' Lista de obras/artigos que abordam as questões da literacia em saúde
Conclusão
A literacia em saúde mental, situada no campo de atuação da saúde e das
políticas de educação, tem presente o papel que a escola ocupa na sociedade,
como parte essencial para o crescimento, desenvolvimento e maturação dos
indivíduos, constituindo-se como a chave para uma participação responsável e de
sucesso conducente ao bem-estar dos cidadãos na vida social.
Neste contexto a literacia em saúde deve torna-se um princípio fundamental dos
programas de saúde escolar, pois perspetiva não só a adoção de comportamentos
mais saudáveis, dado que implica os conhecimentos e conceções sobre
perturbações mentais e do comportamento de modo a promover o seu
"reconhecimento, prevenção e gestão de modo eficaz", mas sobretudo
porque implica a aquisição de competências para obter essa informação
(localização), sua avaliação e aplicação com sucesso ao quotidiano.
As páginas web dedicadas são uma fonte privilegiada de informação, na medida em
que permitem não só aceder à informação sobre saúde mental, mas potenciam no
utilizador a compreensão pelo esclarecimento e as ações necessárias, por
exemplo nos processos de procura de ajuda em situações de vulnerabilidade. A
literacia assim perspetivada, permite o desenvolvimento de competências
necessárias para o empowerment dos indivíduos (Nutbeam, 2000).
As novas ferramentas de informação disponíveis, são em simultâneo meios
privilegiados de fomentar a literacia em saúde mental para encarregados de
educação, país, professores e profissionais de saúde.