Ansiedade, depressão e burnout em enfermeiros: Impacto do trabalho por turnos
Introdução
Em Portugal, o exercício da profissão de enfermagem remonta a finais do século
XIX. Contudo, foi a partir da 2.ª metade do século XX que as modificações
operadas nas competências exigidas aos enfermeiros, quer ao nível de formação
académica, quer profissional têm vindo a traduzir-se no desenvolvimento de uma
prática profissional cada vez mais complexa, diferenciada e exigente (DL 104/
98, 21 de abril).
Os enfermeiros, tal como a grande maioria dos profissionais de saúde, fazem
parte dos profissionais sujeitos a trabalho em horário rotativo (rolman). No
nosso país existe um sistema de três turnos constituído, na maioria dos casos,
pelo turno da manhã (8h às 16h), da tarde (16h às 24h) e da noite (24h às 8h),
podendo sofrer ligeiras alterações de acordo com as políticas de cada
instituição. Este facto é consequente das exigências cada vez maiores no setor
da saúde, decorrentes da evolução na enfermagem, visto ser fundamental a
manutenção de atividades durante as vinte e quatro horas.
Cada vez são mais claras as consequências que o trabalho por turnos acarreta na
vida pessoal e familiar dos profissionais de saúde, como é o caso dos
enfermeiros. Cerca de 29% da população ativa trabalha por turnos, pelo que os
efeitos da intolerância ao trabalho por turnos assumem uma elevada importância
em termos de saúde ocupacional (Santos, 2008).
O trabalho por turnos poderá ter repercussões diretas sobre a vida pessoal e
familiar do trabalhador, uma vez que o número de horas semanais de trabalho e a
forma como são distribuídas, podem afetar a qualidade de vida. Em consequência
das exigências deste tipo de horários de trabalho, é comum a vida pessoal ser
descurada pela profissional, não havendo um equilíbrio entre ambas.
A ansiedade é um estado emocional inerente à psique humana, ao qual as pessoas
se defrontam diariamente. Os termos stress e ansiedade são muitas vezes
confundidos. O stress ou, mais corretamente, um fator de stress, é uma pressão
externa exercida sobre o indivíduo, todavia, a ansiedade é a resposta subjetiva
a esse fator de stress (Hetem, 2004, citado por Bastos et al., 2007).
A depressão é um estado patológico de sofrimento psíquico consciente e de
culpa, acompanhado por uma marcada redução dos valores pessoais e uma
diminuição da atividade psicomotora e orgânica (Grinberg, 2000, citado por
Valente, 2009).
A sobrecarga quantitativa de trabalho, a duração do trabalho, a falta de
autonomia e controlo no processo de trabalho, a presença de riscos físicos,
químicos e biológicos, lidar com o sofrimento, a insuficiência de recursos, a
responsabilidade por pessoas, as relações de trabalho e suporte social no local
de emprego, a remuneração, a segurança no vínculo de trabalho, as perspetivas
de promoção, o quadro familiar, o conflito casa-trabalho, o quadro social e
quadro pessoal são considerados fatores de stress nos profissionais de saúde
(Velez, 2003).
Por vezes a resposta ao stress é demasiado frequente, intensa ou duradoura e a
pessoa não consegue ter mecanismos de compensação para se manter num ritmo
elevado de ação, levando, assim, ao stress crónico (Lopez-Soriano e Bernal,
2002, citado por Pinto, 2008).
O burnout, frequentemente confundido com o stress, é uma resposta de um stress
crónico que afeta o desempenho do trabalhador, o relacionamento interpessoal, a
produtividade, bem como a qualidade de vida do indivíduo e da organização.
Então, o stress refere-se a um processo de adaptação temporário, enquanto o
burnout está ligado a uma quebra na adaptação, acompanhado de um mau
funcionamento crónico (Pinto, 2008). A melhor distinção entre estes dois
conceitos pode ser feita tendo em consideração o fator tempo – o stress
profissional prolongado conduz ao burnout(Pacheco, 2007).
Quando os profissionais não conseguem arranjar estratégias eficazes – coping –
para lidar com estes acontecimentos, acabam por apresentar um cansaço físico e
emocional, estando perante a síndrome de burnout. Vários estudos referem que
uma pessoa que tenha estratégias de coping adequadas sente que tem um bom
controlo das situações com que se encontra, gostando de enfrentar e resolver
ativamente os problemas (Pacheco, 2007).
O conceito burnout foi utilizado pela primeira vez em 1974 pelo psiquiatra
psicanalista norte-americano Freudenberger que afirmou que qualquer sujeito
pode sentir stress, mas o burnout só é experienciado por pessoas que vão para
as suas carreiras profissionais com elevados índices de motivação e
envolvimento pessoal e de ideias, e que posteriormente se sentem frustrados
(Vaz Serra, 1999, citado por Pacheco, 2007).
Em 1981, Maslach e Jackson desenvolveram o processo de fundamentação conceptual
e empírica da síndrome de burnout, afirmando que a mesma é composta por três
dimensões, conceptualmente distintas, mas empiricamente relacionadas: exaustão
emocional, despersonalização e redução da realização pessoal (Rainho, 2005).
A síndrome de burnout é observada com mais frequência em profissionais que têm
uma relação constante e direta com outras pessoas, aumentando quando esta
relação é de ajuda, como é o caso dos enfermeiros (Moreno Jiménez, 2002, citado
por Rainho, 2006).
Os enfermeiros encontram-se em segundo lugar de acordo com um estudo efetuado
sobre as profissões mais afetas ao burnout (Silva, 2000, citado por Pinto,
2008).
Os enfermeiros, de todos os grupos profissionais da área da saúde, são os mais
expostos a situações capazes de colocar em risco a sua saúde (Sutherland e
Cooper, 1995; Gillespie, 1986 e Hingley e Cooper, 1986, citados por Serra,
1995).
As alterações de saúde mental, as psicossomáticas (fadiga, cefaleias, insónia,
alterações gastrointestinais, hipertensão, cardiopatia isquémica, entre
outras), emocionais (ansiedade, depressão, comportamentos suicidas e abuso de
drogas) e comportamentos defensivos (isolamento, negação, rotatividade,
irritabilidade, impulsividade, cinismo, etc.) podem ser consequências do
burnout. Estas podem ter implicações laborais, como insatisfação e degradação
do ambiente de trabalho, diminuição da qualidade de trabalho, absentismo e
abandono da profissão e, ainda, consequências pessoais e familiares, como o
défice na comunicação, hostilidade, rutura familiar, isolamento social, etc.
(Rainho, 2006).
Uma vez que atualmente ganha uma maior expressão o estudo no âmbito da saúde
mental do profissional, procurou-se estudar os níveis de ansiedade, depressão e
burnout num grupo de enfermeiros em exercício na Unidade de Saúde de Coimbra –
Fernão Mendes Pinto praticando um horário por turnos, assumindo-se como
objetivo fundamental deste trabalho o conhecimento dos níveis de ansiedade,
depressão e burnout em enfermeiros que trabalham por turnos.
Metodologia
Amostra
A população-alvo deste estudo é constituída pelos enfermeiros que trabalham por
turnos na Unidade de Saúde de Coimbra – Fernão Mendes Pinto.
A amostra é não-probabilística e o método de amostragem utilizado foi a
amostragem acidental. A escolha do local do estudo prendeu-se essencialmente
com questões de acessibilidade física e logística.
Dos enfermeiros que trabalham na Unidade de Saúde de Coimbra, foram excluídos
os que não trabalham por turnos. A avaliação foi realizada na Unidade de Saúde
de Coimbra, em vários momentos, de forma a abranger o máximo de profissionais
durante o turno da tarde, que decorre das 16h às 23h. Foi excluído o turno da
manhã por ser o turno correspondente aos que trabalham em horário fixo e
excluído o turno da noite pelo facto de o objetivo não ser a avaliação no
período noturno, que podia adulterar os resultados obtidos.
Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.
Foram incluídos na amostra 25 profissionais de saúde, com uma taxa de resposta
de 100%. A idade média da amostra foi de 28,32 ± 9,79, com uma amplitude de
idades dos 22 aos 59 anos, havendo um predomínio do género feminino (76%,
n=19). A média de idades no género feminino foi de 27,79 ± 10,09, e no género
masculino de 30,00 ± 9,44.
Relativamente ao estado civil, 72% (n=18) da amostra eram solteiros e 28% (n=7)
casados ou em união de facto. Apenas 12% (n=3) dos inquiridos tinham filhos.
76% (n=19) viviam em meio urbano e 24% (n=6) em meio rural. A grande maioria da
amostra era católica – 80% (n=20). Quanto à prática de exercício físico, 48%
(n=12) enfermeiros praticavam exercício físico regularmente, em oposição a 52%
(n=13) que não praticavam exercício físico.
No que respeita à toma de medicação ansiolítica, a grande maioria não tomava
este tipo de medicação – 96% (n=24). Relativamente à toma de estimulantes,
apenas 8% (n=2) referiu a sua ingestão.
Em relação ao regime de trabalho, 62,5% (n=15) encontrava-se a full-time na
instituição, em oposição a 37,5% (n=10) que se encontrava em regime de part-
time. A maioria da amostra - 68% (n=17) - eram trabalhadores independentes
(recibo verde), 20% (n=5) com contrato de trabalho a termo resolutivo certo e
12% (n=3) encontravam-se em estágio profissional. No que diz respeito ao número
de locais de trabalho, 64% (n=16) dos inquiridos apenas tinham um, 28% (n=7)
tinham dois e 8% (n=2) tinham três locais de trabalho.
Por fim, em relação ao tempo de experiência profissional como enfermeiro, 24%
(n=6) tinham menos de meio ano de exercício profissional, 32% (n=8) entre meio
ano e dois anos e 44% (n=11) mais de dois anos.
Relativamente aos procedimentos formais e éticos, foi pedida autorização à
Administradora da Unidade de Saúde de Coimbra – Fernão Mendes Pinto e ao
Enfermeiro-Gestor com o objetivo de poder recolher os dados aos enfermeiros da
presente instituição que trabalham por turnos, tendo sido dado um parecer
favorável.
Este estudo não teve qualquer interesse financeiro. Foi respeitado o anonimato
e a confidencialidade, excluindo assim a possibilidade de os resultados serem
influenciados pelo facto de os elementos que constituíram a amostra serem
colegas de trabalho. Todos os sujeitos deram o seu consentimento informado para
participar no estudo.
Procedimento
A recolha de dados foi realizada através de um questionário que engloba dois
instrumentos previamente traduzidos e validados para a população portuguesa
Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) (Pais-Ribeiro et al., 2007) e
Maslach Burnout Inventory (MBI) Manita (2003). Deste modo, o questionário foi
constituído por três grupos de questões.
O primeiro grupo incluía treze questões, com o objetivo da caracterizar
sociodemograficamente a amostra: idade, género, estado civil, existência de
filhos, meio em que habita, religião, prática de exercício físico, toma de
medicação ansiolítica, toma de estimulantes, regime de trabalho, tipo de
contrato de trabalho, experiência profissional e o número de locais de
trabalho. A escolha das variáveis foi baseada em estudos semelhantes, como o de
Rainho (2005), Rainho (2006), Santos (2008), Silva (2008) e Gomes et al.
(2009).
O segundo grupo foi constituído por catorze questões correspondentes ao
instrumento Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), traduzido, adaptado e
validado por Pais-Ribeiro et al. (2007).
Resumidamente, o HADS é constituído por duas subescalas, sendo que uma mede a
ansiedade e a outra que a depressão. Cada subescala é constituída por sete
questões e são pontuadas separadamente. Cada questão é respondida pelo
indivíduo numa escala de quatro pontos (0 a 3), logo, para cada subescala a
pontuação varia de 0 a 21.
Para cada subescala – ansiedade e depressão – uma pontuação igual ou inferior a
7 traduz a inexistência de ansiedade ou de depressão; entre 8 e 10 significa
que há uma probabilidade de desenvolver ansiedade ou depressão; igual ou
superior a 11 manifesta a existência de ansiedade ou depressão (Pais-Ribeiro et
al., 2007).
O terceiro grupo foi constituído por vinte e duas questões de uma versão
adaptada do instrumento Maslach Burnout Inventory (MBI) de Maslach, Jackson e
Leiter (1996), tendo sido utilizada a versão traduzida, adaptada e validada
para a população portuguesa por Manita (2003). Este instrumento permite avaliar
as três dimensões do burnout: exaustão emocional, despersonalização e
realização pessoal. Cada questão é classificada numa escala de 0 a 6 pontos.
Relativamente à dimensão exaustão emocional, quando a pontuação é inferior ou
igual a 16 é classificado como baixo, de 17 a 27 como médio e superior ou igual
a 28 como alto. No que diz respeito à despersonalização, inferior ou igual a 5
é baixo, de 6 a 10 é médio e superior ou igual a 11 é considerado alto. Por
fim, em relação à dimensão realização pessoal, quando superior ou igual a 40 é
qualificado como baixo, de 34 a 39 como médio e, inferior ou igual a 33, como
alto (Manita, 2003).
A todos os sujeitos foram aplicadas as escalas em dois momentos: no início do
turno da tarde e no final. Foi pedido a todos os sujeitos que respondessem aos
questionários com base na sua perceção subjetiva, e de forma sincera.
A recolha dos questionários, por autoaplicação, foi realizada no período de 8 a
22 de janeiro de 2010 durante o turno da tarde.
Análise estatística
Após a codificação das variáveis, o tratamento de dados foi efetuado através do
programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows,
versão 14.
A distribuição das variáveis foi testada, quanto à normalidade, pelo teste de
Shapiro-Wilks. Recorreu-se a uma estatística descritiva simples para
caracterização geral da amostra e da distribuição das variáveis. Para o estudo
da associação entre variáveis categóricas recorreu-se ao teste do ?2. O teste t
de Student para amostras emparelhadas ou o teste de Wilcoxon foram usados, em
função da natureza das variáveis e conforme apropriado. O teste t de Student
para amostras independentes ou o teste U de Mann-Whitney foram usados nas
comparações entre dois grupos, em função da natureza das variáveis e conforme
apropriado. Procedeu-se, ainda, a análises de correlação bivariada (r de
Pearson ou ? de Spearman) sempre que necessário.
Os valores estão apresentados como média ± desvio-padrão e amplitude de
variação (variáveis quantitativas) ou como percentagem (variáveis
qualitativas). O critério de significância estatística utilizado foi um valor
de p=0.05.
Resultados
Análise geral
De seguida serão apresentados os resultados para as diferentes variáveis deste
estudo. A comparação dos scores das escalas HADS e MBI obtidos nos dois
momentos considerados apresentam-se nos quadros 1 e 2.
Quadro_1
– Resultados da escala MBI nas suas três dimensões no primeiro momento de
avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após).
Quadro_2
– Resultados da escala HADS nas suas duas dimensões no primeiro momento de
avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após).
No que diz respeito ao primeiro momento de avaliação – antes do turno –, os
valores médios obtidos evidenciaram níveis médios de exaustão emocional (48%,
12 dos inquiridos), baixos de realização pessoal (64%, n=16) e de
despersonalização (56%, n=14), como indica o quadro 3.
Quadro 3 – Resultados em percentagem da escala MBI nas suas três dimensões no
primeiro momento de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após).
Relativamente à ansiedade e à depressão, os valores obtidos foram compatíveis
com um nível moderado de ansiedade (88%, n=22) e ligeiro de depressão (64%,
n=16), expresso no quadro 4.
Quadro 4 – Resultados em percentagem da escala HADS nas suas duas dimensões no
primeiro momento de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após).
Como se pode analisar nos quadros 3 e 4, no que diz respeito ao segundo momento
de avaliação (antes do turno), os valores médios obtidos evidenciaram níveis
semelhantes de exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal (pelo
MBI), e de ansiedade e depressão (pelo HADS). Assim, apresentaram níveis médios
de exaustão emocional (44%, 11 dos inquiridos), baixos de realização pessoal
(48%, n=12) e de despersonalização (52%, n=8). No que diz respeito à ansiedade
e à depressão, os valores obtidos foram compatíveis com um nível moderado de
ansiedade (92%, n=23) e ligeiro de depressão (60%, n=15).
Na comparação dos scores entre os dois momentos, não se encontraram diferenças
estatisticamente significativas, sugerindo que a perceção subjetiva das
dimensões cognitivas aferidas pelas duas escalas foi semelhante nos dois
momentos (p>0,05, cf. quadro_1 e quadro_2).
Género e idade
A análise anterior foi replicada considerando a variável género, de forma a
procurar diferenças na perceção subjetiva das dimensões cognitivas aqui
estudadas entre os profissionais homens e mulheres. De acordo com os resultados
apresentados nos quadros 5 e 6, pode-se observar que os valores obtidos por
género se encontraram em linha com os obtidos no total da amostra, excetuando-
se a dimensão despersonalização no género feminino após o turno, que se
encontrava no nível baixo de despersonalização.
Quadro 5 – Resultados da escala MBI nas suas três dimensões no primeiro momento
de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), por género.
Quadro 6 – Resultados da escala HADS nas suas duas dimensões no primeiro
momento de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), por
género.
Do ponto de vista de variação na perceção subjetiva antes e após o turno,
apenas houve diferenças estatisticamente significativas relativamente à
dimensão realização pessoal no género masculino (média de 41,33 ± 5,43 antes do
turno e de 37,33 ± 5,05 após o turno, p=0,039). Tal indica que os sujeitos do
género masculino poderão melhorar a sua perceção subjetiva de realização
pessoal com a realização do turno.
Procurámos, de forma exploratória, perceber se existia alguma relação entre a
idade dos enfermeiros e os resultados das escalas. Desta análise verificou-se
que os enfermeiros mais velhos apresentavam valores mais baixos de exaustão
emocional e de despersonalização e superiores de realização pessoal, como se
pode observar no quadro 7. Contudo, estas diferenças não são estatisticamente
significativas (p>0,05), como se pode verificar nos quadros 7 e 8.
Quadro 7 – Resultados da escala MBI nas suas três dimensões no primeiro momento
de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), por idade.
Quadro 8 – Resultados da escala HADS nas suas duas dimensões no primeiro
momento de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), por
idade.
Foram os enfermeiros mais novos que apresentaram valores mais ligeiros de
ansiedade antes do turno e mais elevados após. Os inquiridos com idade inferior
ou igual a 24 anos, apresentavam valores de ansiedade superiores após o turno,
ao invés dos enfermeiros mais velhos, que após o turno da tarde, apresentaram
menor ansiedade. No que diz respeito à depressão, os mais novos apresentaram
valores inferiores nos dois momentos, todavia, os valores de depressão
diminuíram após o turno, ao contrário dos profissionais mais velhos, que
apresentaram valores superiores de depressão no 2º momento de avaliação. Estas
diferenças não são estatisticamente significativas (p>0,05), como se pode
verificar pelo quadro 8.
Regime de trabalho, tipo de contrato e experiência profissional
Para avaliar a influência do regime de trabalho na perceção subjetiva dos
enfermeiros avaliados, procedeu-se a uma análise exploratória, cujos resultados
se apresentam no quadro 9 e 10.
Quadro 9 – Resultados da escala MBI nas suas três dimensões no primeiro momento
de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), por regime de
trabalho.
Quadro 10 – Resultados da escala HADS nas suas duas dimensões no primeiro
momento de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), por
regime de trabalho.
Os resultados obtidos evidenciaram que os enfermeiros a full-time apresentavam
um maior valor de exaustão emocional e de realização pessoal, e inferior de
despersonalização, comparativamente aos enfermeiros em part-time, o que se pode
justificar com o facto de que os enfermeiros a full-time eram mais novos. No
que diz respeito à ansiedade e depressão os valores são semelhantes. Contudo,
estas diferenças não são estatisticamente significativas (p>0,05).
Dos que trabalhavam em regime part-time, observou-se que a grande maioria
(66,7%, n=7) estava no patamar médio de exaustão emocional, enquanto nos que
trabalhavam em full-time a distribuição pelos três graus de exaustão emocional
foi semelhante (37,5% (n=6) no nível baixo, 37,5% (n=6) no nível médio e 25%
(n=3) no nível alto).
No que concerne às dimensões "despersonalização" e
"realização pessoal", não se encontraram diferenças em função do
regime de trabalho, com os resultados a alinharem-se com a tendência global da
amostra. O mesmo se verificou para as dimensões "ansiedade" e
"depressão" , avaliadas na HADS, com o nível moderado de ansiedade
de ligeiro de depressão a predominar.
No que concerne à relação do tipo de contrato (estágio profissional,
trabalhador independente e termo resolutivo certo) com as dimensões cognitivas
aferidas, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas
(p>0,05), embora tenha sido possível identificar alguma diferenciação em
algumas das dimensões avaliadas. Por exemplo, se em relação à ansiedade e
depressão, os três grupos seguiram a mesma tendência da maioria da amostra –
moderada ansiedade e ligeira depressão – e não se diferenciaram, já nas
restantes foi possível identificar alguma diferenciação, embora seja pouco
relevante. Quanto à exaustão emocional, verificou-se que os trabalhadores
independentes e os que estavam em estágio profissional apresentavam
maioritariamente níveis médios, contrastando com os restantes, que apresentavam
um nível baixo de exaustão emocional. No que concerne à despersonalização, a
maioria da amostra apresentou um nível baixo e apenas os enfermeiros em estágio
profissional não seguiram esta tendência, observando-se que a maioria destes
apresentava um nível médio de despersonalização (n=2). Relativamente à
realização pessoal, foram também os enfermeiros em estágio profissional que não
apresentaram um nível baixo de realização, estando este grupo divido pelos três
níveis (1 indivíduo para cada categoria).
Avaliou-se ainda a relação com o tempo de experiência profissional,
constatando-se que os enfermeiros com mais tempo de serviço (superior a dois
anos) apresentavam valores de exaustão emocional e de despersonalização mais
elevados comparativamente com os que tinham menos tempo de exercício
profissional. Os enfermeiros com menos tempo de experiência profissional
apresentavam valores superiores de ansiedade e inferiores de depressão
comparativamente com os enfermeiros que trabalhavam há mais tempo, contudo, não
se encontraram diferenças estatisticamente significativas (p>0,05).
Atividade física e estado civil
A título meramente exploratório, procurámos perceber se a atividade física
(prática regular de exercício físico) tinha relevância na análise que se
preconiza no presente trabalho. No que diz respeito à exaustão emocional dos
indivíduos não praticantes de atividade física, 38,5% (n=5) apresentavam-se num
patamar médio, 38.5% (n=5) baixo e 23% (n=3) alto. Dos que praticavam atividade
física, a maioria (58,3%, n=7) encontrava-se no nível médio.
Dos que não praticavam exercício físico, 76,9% (n=10) tinham baixa
despersonalização, indo ao encontro da tendência da amostra; contudo, dos que
praticavam, a maioria (41,7%, n=5)) encontrava-se no nível médio, sendo esta
diferença estatisticamente significativa (p=0,023). Relativamente à realização
pessoal, ansiedade e depressão os dois grupos seguiram a mesma tendência da
amostra global, não se diferenciando entre si. Indo ainda mais longe,
constatou-se que os praticantes de exercício físico apresentaram uma média de
exaustão emocional e despersonalização superior aos não-praticantes. Todavia,
não se observaram diferenças estatisticamente significativas (p>0,05).
Adicionalmente avaliou-se a relação do estado civil com o resultado das escalas
aplicadas. Verificou-se que os casados/união de facto tinham um nível de
exaustão emocional e de despersonalização mais baixo que os solteiros, sendo a
diferença no que concerne à despersonalização estatisticamente significativa
(p=0,022). Relativamente à realização pessoal, pode-se afirmar que os casados
se sentiam menos realizados pessoalmente, encontrando-se a maioria destes no
nível baixo (71,4%, n=5). No que concerne à ansiedade, todos os casados
apresentaram um nível moderado, sendo que, dos solteiros, 83,3% (n=15)
encontravam-se no mesmo nível e os restantes no nível ligeiro. Os inquiridos
que viviam em união de facto ou casados apresentavam ainda níveis superiores de
depressão.
Observaram-se, ainda, diferenças estatisticamente significativas no que diz
respeito à dimensão ansiedade (antes e após o turno) nos inquiridos que são
casados ou vivem em união de facto (p=0,005), como se pode observar pelo quadro
11. Porém, permaneceram no mesmo nível (moderado).
Quadro 11 – Resultados da escala HADS na dimensão ansiedade no primeiro momento
de avaliação (antes) e no segundo momento de avaliação (após), em enfermeiros
que são casados/união de facto.
Discussão
O impacto do exercício por turnos na qualidade de vida e nos ritmos biológicos
humanos tem sido um tópico recorrentemente invocado na literatura científica.
Vários trabalhos já realizados têm demonstrando que o trabalho por turnos e
noturno cria conflito com os ritmos biológicos humanos e cria dificuldades na
adequação a vida familiar e social (Estevão, 2006).
No que diz respeito ao estudo em questão, em que procuramos avaliar o impacto
do exercício profissional em diversos indicadores de saúde, verificaram-se, em
termos médios, níveis médios de exaustão emocional e baixos de realização
pessoal e de despersonalização nos profissionais inquiridos. Relativamente à
ansiedade e à depressão, os valores obtidos foram compatíveis com um nível
moderado de ansiedade e ligeiro de depressão.
Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas do primeiro para
o segundo momento de avaliação, concluindo que a jornada de trabalho não
influencia de forma determinante a perceção subjetiva nas dimensões
psicológicas avaliadas. Todavia, é de referir que os valores obtidos nas três
dimensões do MBI e os níveis de ansiedade registados na escala HADS,
identificam níveis assinaláveis e clinicamente relevantes nesta classe
profissional, atendendo à juventude que caracteriza esta amostra e ao reduzido
tempo de experiência profissional acumulada.
Do ponto de vista de variação na perceção subjetiva do primeiro para o segundo
momento de avaliação, apenas houve diferenças estatisticamente significativas
relativamente à dimensão realização pessoal no género masculino, o que indica
que os sujeitos do género masculino melhoraram a sua perceção subjetiva de
realização pessoal com a realização do turno. Poder-se-ia considerar que a
prática em concreto aparenta ser mais recompensadora para os elementos do
género masculino, mas a reduzida dimensão da amostra não permite extrair de
forma consistente esta elação, podendo este resultado tratar-se de um achado
casual, acrescentando ainda o facto de que em outros estudos realizados sobre
esta temática o mesmo não se verificar.
Em 2005, Queirós P. realizou um estudo que lhe permitiu afirmar que 25% dos
enfermeiros portugueses apresentam burnout no trabalho. A insatisfação dos
enfermeiros deriva de várias situações: baixa valorização do seu trabalho,
falta de poder na tomada de decisões e relacionamento do grupo de trabalho
(Pinto, 2008).
Constatou-se que os enfermeiros com mais tempo de serviço apresentavam valores
de exaustão emocional e de despersonalização mais elevados e inferiores de
realização pessoal, apesar de as diferenças não serem estatisticamente
significativas. De acordo com um estudo realizado em 2003, o burnout diminui
com o aumento dos anos de experiência profissional, o que contraria o resultado
obtido (Gillespie e Melby, como citado em Silva, 2008). Contudo, vários fatores
podem estar na razão deste acontecimento, como o facto de termos uma amostra
constituída por poucos elementos, as condicionantes inerentes à própria
instituição, uma vez que a colheita de dados se restringiu apenas à Unidade de
Saúde de Coimbra – Fernão Mendes Pinto e ainda pela situação atual da profissão
de enfermagem (os enfermeiros com mais tempo de serviço viveram uma conjuntura
melhor que a atual, assistindo à desvalorização da mesma). Por outro lado, a
amostra é constituída maioritariamente por profissionais bastante jovens, com
tempos de serviço médios ainda reduzidos.
No que diz respeito à ansiedade, os enfermeiros com menos tempo de experiência
profissional apresentaram valores superiores. Esta ocorrência pode dever-se à
situação atual da profissão de enfermagem (maior instabilidade profissional,
tipos de contratos, carreira de enfermagem, entre outros), bem como ao impacto
provocado pela entrada no mercado do trabalho e o assumir de novas
responsabilidades.
Adicionalmente, verificou-se que os enfermeiros mais novos apresentavam valores
mais elevados de exaustão emocional e de despersonalização e inferiores de
realização pessoal, o que se encontra alinhado com os argumentos aflorados
anteriormente. Uma justificação para esta situação é o facto de que os mais
jovens, habitualmente, terem começado a trabalhar há menos tempo, havendo uma
menor segurança/instabilidade do emprego. Outra situação deriva do facto de
haver menor experiência profissional e, por sua vez, uma maior insegurança nas
suas ações, o que pode gerar situações de maiorstress.
Foram os enfermeiros mais novos que apresentaram valores mais ligeiros de
ansiedade antes do turno e mais elevados após o turno. No que respeita à
depressão, os mais novos apresentaram valores inferiores, o que contradiz o
resultado anterior, podendo-se justificar, igualmente, pela reduzida dimensão
da amostra, uma vez que enfermeiros mais novos apresentam mais problemas
relacionados com a instabilidade profissional e com o salário obtido (Gomes et
al., 2009).
Os enfermeiros casados ou vivendo em união de facto apresentaram níveis de
exaustão emocional e de despersonalização mais baixo que os solteiros, sendo a
diferença no que concerne à despersonalização estatisticamente significativa.
Este resultado vai ao encontro de outros estudos realizados, que indicam que os
indivíduos solteiros apresentam maiores níveis de burnout do que indivíduos
casados (Gold, 1985, como citado em Silva, 2008). A relação conjugal pode,
então, funcionar como suporte emocional, uma vez que a responsabilidade com a
casa, filhos, cônjuge, entre outras, contribui para se lidar melhor com os
problemas que possam ocorrer, protegendo, assim, de burnout7 (Marques-Teixeira,
2002).
Contudo, verificou-se que os enfermeiros casados ou que vivem em união de facto
se sentiam menos realizados pessoalmente e apresentavam um nível mais elevado
de ansiedade e depressão. Tendo em conta que estes enfermeiros eram mais
velhos, a baixa realização pessoal pode estar relacionada com a atual
conjuntura que vive a enfermagem, tendo como referência o passado. O facto de
apresentarem um nível mais elevado de ansiedade e depressão poderá descender da
acumulação de papéis inerentes a estes indivíduos.
Este acumular de funções sociais, de acordo com alguns estudos, tem um efeito
apaziguador do stress no trabalho, criando suporte social. Porém, de acordo com
outros autores, devido às eminentes exigências laborais, as responsabilidades
familiares acabam por ser descuradas, levando a menos momentos de lazer e menor
descanso (Janssen et al., 2004, citado por Silva, 2008).
Observaram-se, ainda, diferenças estatisticamente significativas no que diz
respeito à dimensão ansiedade (antes e após o turno) nos inquiridos casados ou
em união de facto. O facto de a ansiedade ser menor após o turno, pode estar
relacionado com a situação explicada anteriormente, isto é, funcionando a
relação conjugal como fator protetor de ansiedade, depressão e burnout, o
aproximar-se do final da jornada de trabalho e regressar a casa poderá
funcionar como agente redutor de ansiedade.
Quanto à relação das dimensões afetivas avaliadas com as características
contratuais do exercício, os resultados obtidos demonstraram que os enfermeiros
a full-time apresentavam um maior valor de exaustão emocional e de realização
pessoal, e inferior de despersonalização, comparativamente aos enfermeiros em
part-time, o que se pode justificar, o que pode derivar dos enfermeiros a full-
time serem mais novos.
A explicação para os trabalhadores independentes e os que estavam em estágio
profissional terem apresentado níveis médios de exaustão emocional, destoando
com os restantes, que apresentaram um nível baixo de exaustão emocional, pode
dever-se ao facto de que os trabalhadores com estes tipos de contrato se
encontram numa situação mais instável, pelo que, a perceção de estabilidade
profissional gera um sentimento de segurança, podendo ter um efeito protetor de
burnout (Silva, 2008).
A maioria da amostra apresentou um nível baixo de despersonalização e apenas os
enfermeiros em estágio profissional não seguiram esta tendência, apresentando
um nível médio. Presenciou-se que os praticantes de exercício físico
apresentaram uma média de exaustão emocional e despersonalização superior aos
não-praticantes. Estes resultados possivelmente devem-se ao reduzido número de
inquiridos, não podendo auferir daqui uma conclusão.
Os resultados obtidos permitem proferir que o objetivo proposto foi atingido,
isto é, conhecer os níveis de ansiedade, depressão e de burnout em enfermeiros
que trabalham por turnos.
Conclusão
Uma das principais limitações do presente estudo foi a sua limitada duração,
assinalando-se também como limitação o tamanho reduzido da amostra. Sugere-se
desta forma a sua replicação numa amostra maior, englobando profissionais de
instituições públicas e privadas, e com uma definição metodológica que permita
a recolha de dados de forma longitudinal incluindo diferentes turnos laborais.
Em estudos futuros poderá ainda ser considerado o turno precedente ao turno
avaliado, uma vez que os intervalos de descanso entre cada turno poderão
influenciar os níveis de ansiedade e burnout. Ainda, em estudos posteriores,
faz sentido que se avalie o impacto da realização de 40 horas semanais em
horário por turnos ao invés de 35 horas por semana.
O estabelecimento de uma boa relação entre o profissional de saúde responsável
pela gestão e os prestadores de cuidados é da máxima importância, na medida em
que, só desta forma pode existir espírito de equipa, onde todos trabalham para
um objetivo comum.
Na sequência do referido, é crucial que o enfermeiro responsável pela gestão
(Enfermeiro-Chefe/Enfermeiro-Principal) esteja atento às consequências
contraproducentes que advêm de cada tipo de horário, devendo tomar medidas de
ajuste do mesmo a cada trabalhador, dentro das suas possibilidades, para
atenuar esses efeitos, uma vez que o trabalhador descontente e exausto – quer
fisica, quer mentalmente – facilmente leva a problemas de absentismo, baixa na
produtividade e consequentemente, diminuição da qualidade dos cuidados
prestados aos utentes.
Vários estudos referem como medidas preventivas de burnout a redução de horas
de trabalho, condições de trabalho atrativas e gratificantes, reconhecimento da
necessidade de formação permanente e o investimento no aperfeiçoamento
profissional, dar suporte social às equipas e favorecer a sua participação nas
decisões. Assim, deve existir uma abordagem que encare este como um problema
coletivo e organizacional e não individual (Pinto, 2008).