O valor dos cuidados de enfermagem: a consulta de enfermagem no homem submetido
a prostatectomia radical
Introdução
Nas últimas quatro décadas o cancro da próstata tornou-se numa grande
complicação de saúde pública nas sociedades ocidentais. Indiscutivelmente,
estamos perante um verdadeiro problema de saúde pública, sendo que atualmente o
grande desafio é o diagnóstico precoce. O objetivo é assim a deteção numa fase
inicial, na qual a doença se encontra confinada ao órgão, sendo portanto a
probabilidade de cura substancialmente maior.
Claramente, constata-se que o carcinoma da próstata é, ainda, um tema pouco
abordado pelos enfermeiros e, consequentemente, poucas vezes focado nas
revistas da especialidade (Cardoso, Pereira e Borges, 2002, p. 60), o que
conduz à necessidade do estudo do fenómeno de transição dos homens portadores
de carcinoma da próstata submetidos a prostatectomia radical, considerando
todas as potenciais mudanças provocadas pela doença e tratamento na vida da
pessoa e família.
A Teoria das transições (Meleis et al., 2000) foi indispensável para se
conhecer como é experienciado o processo de transição do homem portador de
carcinoma da próstata submetido a prostatectomia radical, questão essa que se
tornou na pergunta de partida que conduziu toda a investigação. A investigação
teve assim como finalidade conhecer o processo de transição do homem portador
de carcinoma da próstata submetido a prostatectomia radical, com o objetivo de
descrever o processo de transição do homem portador de carcinoma da próstata
submetido a prostatectomia radical; compreender as necessidades do homem
portador de carcinoma da próstata submetido a prostatectomia radical; descrever
os recursos mobilizados pelo homem portador de carcinoma da próstata submetido
a prostatectomia radical e conhecer a perspetiva sobre o papel do enfermeiro do
homem portador de carcinoma da próstata submetido a prostatectomia radical.
Assim sendo, com este artigo ambiciona-se, para lá de proporcionar uma visão
geral de toda a investigação, focar a necessidade da implementação da Consulta
de Enfermagem (que se encontra em curso) no pré e pós-operatório da
prostatectomia radical, tal como foi relatado pelos participantes, bem como
expor alguns conteúdos de materialização prática da mesma, consubstanciando a
importância da Consulta de Enfermagem no contexto do valor dos cuidados de
Enfermagem.
Enquadramento teórico
O cancro é talvez a patologia mais temível do mundo atual. Para lá de um fator
de mortalidade acentuado, carrega consigo uma componente de angústia e
desespero, mesmo quando é potencialmente curável (Matos e Pereira, 2005). Neste
sentido, o carcinoma da próstata é hoje consensualmente reconhecido como um dos
maiores problemas de saúde a atingir a população masculina.
A próstata é o órgão masculino mais frequentemente atingido por neoplasias
benignas ou malignas (Presti, 2007). Em termos epidemiológicos, a incidência do
cancro da próstata tem aumentado rapidamente em muitas regiões do mundo e a
mortalidade também se tem acumulado, todavia, de forma menos expressiva. Este é
o tipo de cancro mais frequente no que concerne a órgãos internos, com cerca de
4000 novos casos por ano e aproximadamente 1800 mortes anuais em Portugal, com
base nos dados do IARC (The International Agency for Research on Cancer) de
2002 (Barroso et al., 2010). Em termos nacionais, segundo a mesma fonte, o
cancro da próstata é responsável por cerca de 10% da mortalidade por cancro,
figurando como a segunda causa de morte por cancro no homem, logo depois do
cancro do pulmão. Paralelamente, o cancro da próstata representa 11% de todos
os carcinomas no sexo masculino e contribui com 9% das mortes por neoplasia na
União Europeia (Reis et al., 2006).
A prostatectomia radical é um dos procedimentos mais indicados para o
tratamento do carcinoma da próstata localizado, proporcionando uma sobrevida
global e livre de doença aos 10 anos, de cerca de 90% (Rodríguez et al., 2006).
Atualmente, é declarado como o método curativo mais eficaz desta doença, quando
limitada ao órgão, contudo, não é isento de complicações, que passam
principalmente pela estenose vesico-uretral, incontinência urinária e disfunção
erétil.
A Enfermagem, como disciplina, assegura a necessidade de compreender, estudar e
investigar a pessoa na sua globalidade, considerando a sua dimensão biológica,
psicológica, social e cultural de forma integrada e interativa. Para a
investigação, o conceito de transição foi fundamental, sendo que de acordo com
Meleis (2005) assistir o indivíduo, a família ou a comunidade a lidar com as
transições que afetam a sua saúde surge como um desafio para os enfermeiros,
antes, durante e após um evento produtor de mudança. Apesar de todas as
transições implicarem uma mudança, nem todas as mudanças podem ser consideradas
uma transição, que é uma passagem ou movimento de um estado, condição ou lugar
para outro (Meleis et al., 2000). Assim sendo, uma transição ocorre quando a
realidade atual é interrompida causando uma mudança forçada ou opcional que
resulta na necessidade de construir uma nova realidade (Selder, 1989, cit. por
Kralik, Visentin e van Loon, 2006, p. 323). Os acontecimentos que proporcionam
modificações nos comportamentos, atividades e papéis de cada indivíduo são
então considerados como circunstâncias de transição. Logo, a transição é o
movimento e adaptação à mudança em vez do retorno a um estado pré-existente.
Metodologia
A pertinência da realização desta investigação deriva da insuficiente
sustentação teórica da temática exposta, num contexto em que o carcinoma da
próstata é cada vez mais comum, com implicações claras e objetivas na qualidade
de vida do indivíduo e família, na tentativa de contribuir para amplificar o
conhecimento desta transição, ainda pouco divulgado na literatura.
Com vista a alcançar os desígnios propostos inicialmente optou-se por uma
metodologia qualitativa, através de um estudo exploratório e descritivo. Neste
sentido, decidiu-se eleger uma metodologia que, mais do que fornecer respostas
capazes de predizer ou controlar o comportamento humano, concorra, através da
riqueza e variedade de informação para uma visão compreensiva da própria
realidade. Para isso tornou-se determinante a seleção de uma abordagem
qualitativa, uma vez que a finalidade da investigação extensiva é fornecer uma
visão da realidade mais importante para os participantes do estudo do que para
os investigadores (Streubert e Carpenter, 2002, p. 18). Assim, observa-se que
o poder e riqueza da pesquisa qualitativa estão na fertilidade da descrição e
detalhes de experiências singulares, processos sociais, culturas e narrativas.
Concomitantemente, é uma investigação de caráter descritivo e exploratório, que
visa denominar, classificar e descrever uma população ou conceptualizar uma
situação. Já no que concerne ao seguimento da investigação, esta rotula-se como
transversal na medida em que a recolha de dados foi executada num momento
exclusivo, através da entrevista, sem contemplar a relação temporal entre os
fatores estudados. O tipo de estudo foi perspetivado com o intento de explorar
domínios desconhecidos, contribuindo, deste modo, para a compreensão da
realidade.
Todos os tipos de investigação se baseiam na formulação de perguntas efetivas
(Strauss e Corbin, 2008). Logo, a pergunta emerge do fenómeno de interesse e
corresponde ao que o investigador quer saber acerca do mesmo, ou seja, a
pergunta delimita e clarifica o fenómeno a ser investigado, elucidando o que o
investigador quer conhecer acerca do assunto. Delinearam-se quatro grandes
questões de investigação que derivaram diretamente dos quatro objetivos
definidos inicialmente, ou seja, foram projetadas as questões a partir do
conteúdo latente nos objetivos.
Considerando a diversidade dos pontos de vista, bem como da impossibilidade de
entrevistar todos os sujeitos, ambicionou-se que a técnica de amostragem fosse
capaz de garantir o acesso a fontes com perspetivas diferentes sobre o tema
(Bogdan e Biklen, 2010). Deste modo, os participantes foram selecionados tendo
por base algumas condições de interesse para os próprios, para o investigador e
para o estudo, como: que aceitassem participar no estudo; serem indivíduos do
sexo masculino; terem sido submetidos a prostatectomia radical por carcinoma da
próstata há mais de 2 meses e menos de 12 meses e serem seguidos na consulta
externa de urologia do hospital onde decorreu o estudo. Strauss e Corbin (2008)
suportam que a amostragem teórica é uma técnica adequada para investigar áreas
pouco exploradas como esta.
A entrevista temática ou semiestruturada foi o instrumento de colheita de dados
eleito, já que proporciona flexibilidade ao pesquisador para conduzir o
trabalho e permite que o entrevistado não se afaste do foco da pesquisa e tenha
liberdade para se expressar. No estudo, realizaram-se 18 entrevistas temáticas,
no período compreendido entre 15 de dezembro de 2009 e 30 de abril de 2010. Os
dados emergiram da informação recolhida, através da técnica de análise
escolhida para o efeito e de acordo com a natureza e objetivos do estudo.
Considerou-se pertinente usar como técnica de tratamento de dados a análise de
conteúdo, que tem por finalidade efetuar inferências com base numa lógica,
explanada sobre os discursos, cujas características foram inventariadas e
sistematizadas. A partir da análise de conteúdo foi possível extrair o discurso
do contexto de produção e, através da inferência, procurar o seu autêntico
sentido. O processo de análise foi iniciado com a análise frase a frase, num
processo próximo do que Strauss e Corbin (2008) denominam de microanálise, que
é uma análise detalhada linha por linha, necessária no começo de um estudo
para gerar categorias iniciais (com suas propriedades e suas dimensões) e para
sugerir relações entre categorias; uma combinação de codificação aberta e
axial (Strauss e Corbin, 2008, p. 65). Fazer microanálise sujeita o analista a
ouvir cuidadosamente os discursos, procurando compreender como os participantes
interpretam os factos, acautelando que se tirem conclusões teóricas
precipitadas. Este processo foi conduzido ao longo do tempo com o auxílio do
software informático NVIVO8®. Já o raciocínio utilizado para a construção deste
estudo foi globalmente indutivo, já que, a partir da escuta dos participantes,
se chegou a aspetos e temas comuns que perspetivam a experiência e fornecem
informações importantes sobre o fenómeno.
Por fim, a subordinação e obediência a padrões éticos foram uma preocupação
constante e imutável, respeitando-se os direitos dos envolvidos ao longo de
todo este estudo.
Resultados e discussão
Ao longo de todo o percurso de investigação, descobrir significados para lá das
evidências relatadas pelos participantes, impôs uma reflexão contínua, a partir
do questionamento dos dados, que permitiu revelar os fenómenos emergentes,
explorar as suas características e descrever o processo, depois de se terem
identificado as relações entre os factos, reunindo-os em categorias e
subcategorias. Deste modo, num procedimento gradual, com avanços e recuos
constantes, os discursos dos participantes desapareceram progressivamente,
produzindo uma nova apresentação, consubstanciando-se a partir de seis
categorias, seguidamente apresentadas no quadro 1.
Quadro 1 ' Esquema representativo da categorização que emergiu da análise de
conteúdo
Considerando os objetivos do artigo, passa-se agora a aclarar de forma mais
detalhada a categoria "A perspetiva sobre o papel do Enfermeiro",
onde são observados os discursos dos participantes relativamente ao papel do
enfermeiro no processo de transição do homem portador de carcinoma da próstata
submetido a prostatectomia radical. Perante todos os pontos críticos,
alterações, transformações e adaptações, decorrentes deste processo de
transição, o enfermeiro e os cuidados de Enfermagem assumem uma importância
central na resposta às necessidades de cuidados destes indivíduos. Depois da
análise dos discursos dos participantes surgiu então esta categoria induzida
dos relatos dos mesmos que se consubstancia através de duas subcategorias, como
se observa no quadro 2.
Quadro 2 ' Esquema representativo da categoria "A perspetiva sobre o
papel do Enfermeiro"
A importância da categoria "A perspetiva sobre o papel do
Enfermeiro" manifesta-se de forma inequívoca através dos discursos dos
participantes, bem como vai ao encontro dos objetivos delineados inicialmente
de conhecer a perspetiva sobre o papel do enfermeiro dos homens portadores de
carcinoma da próstata submetidos a prostatectomia radical.
A função de educador
Nesta categoria os participantes mencionam o papel de educador desenvolvido
pelos enfermeiros na sua transição, ilustrando como o fornecimento, ou não, de
informação influencia o seu processo de transição, desde a preparação no pré-
operatório até às estratégias adaptativas para lidar com as possíveis
morbilidades cirúrgicas no pós-operatório. Neste contexto, para Patrão (2005) a
informação deve ser concedida de acordo com as carências da pessoa, devendo ser
realistas, considerando as capacidades das pessoas, de modo a acautelar
problemas potenciais e facilitando um ambiente favorável. Neste processo, o
enfermeiro deve considerar o tipo de informação a que as pessoas querem aceder,
quais os fatores que possuem maior importância na sua tomada de decisão e como
estas interpretam uma qualidade de vida aceitável, para que as decisões sejam
tomadas de acordo com os seus objetivos. A informação referente à incontinência
urinária e disfunção erétil adota um caráter decisivo, dado o forte impacto que
estas colocam na qualidade de vida dos indivíduos. Neste sentido, o enfermeiro
deve compreender a diversidade e individualidade das expressões da
incontinência urinária e disfunção erétil, assim como a importância relativa
das suas dimensões, que se diferenciam ao longo de todo o ciclo vital e de
pessoa para pessoa, facultando um acréscimo de conhecimentos e o
desenvolvimento de atitudes de aceitação das diferentes formas de ver e viver
estes contextos muito particulares. Desta forma, é referido pelos participantes
a necessidade dessa informação, que poderia ser materializada através de uma
Consulta de Enfermagem, como explicitam nos seus discursos quando questionados
acerca da pertinência da mesma.
Era necessário acompanhamento da vossa parte antes e depois, porque nós vimos
às escuras, tanto é que eu fiquei sempre de pé atrás mesmo depois das
explicações do médico (E1)
( ) para além de nos instruir muito sobre o que se está a passar connosco,
começamos a aprender no dia-a-dia o que fazer [Consulta de Enfermagem]. Era
algo que está a fazer falta acho eu (E3)
Para os participantes, o provimento de informação acerca do seu estado de saúde
e o modo como se desenrolará todo o processo subsequente ao diagnóstico,
nomeadamente a cirurgia, bem como o esclarecimento das possíveis consequências
da mesma é sem dúvida indispensável. Este processo poderia ser implementado
através de uma Consulta de Enfermagem no pré-operatório, que seria muito
importante e aprovada pelos participantes, como expõem nos seus discursos.
Pelo menos a pessoa vai com os olhos abertos e a cabeça muito mais leve; fica
a saber o que lhe vai acontecer e a partir daí a pessoa tem de se preparar que
a vida tem de ser assim e vai mudar a partir de agora [Consulta de Enfermagem
pré-operatório]. (E3)
Acho que ajuda muito uma consulta antes da cirurgia ajuda muito [Consulta de
Enfermagem pré-operatório]. (E15)
Concomitantemente, a importância da implementação de uma Consulta de Enfermagem
no pós-operatório também é destacada. Aqui, é salientado o papel do enfermeiro
no ensino e instrução de estratégias adaptativas para lidarem com a
incontinência urinária e disfunção erétil, caso estas tenham sido uma
morbilidade cirúrgica. Simultaneamente, os participantes relatam a necessidade
de apoio de forma a integrarem estes novos contextos na sua vida, através de um
processo adaptativo que se torne mais simples e eficaz.
( ) feita a cirurgia eu acho que o enfermeiro a partir dali deve acompanhar o
doente muito melhor melhor que outro profissional porque está sempre connosco
e sabe o que sentimos melhor que ninguém [Consulta de Enfermagem pós-
operatório]. (E11)
A sugestão que eu dava foi aquela que eu falei, acho que devia de haver no
pós-operatório uma retaguarda, um apoio do enfermeiro mais efetivo [Consulta de
Enfermagem no pós-operatório]. (E12)
Santos (2006) refere que os estudos efetuados por Bishop, em 1994, declaram o
benefício do suporte dos profissionais de saúde, uma vez que apesar de o
suporte emocional familiar ser indispensável, as pessoas doentes esperam dos
profissionais um suporte mais de tipo informativo. Posto isto, é
extraordinariamente importante que os enfermeiros adotem, na sua prática
quotidiana, esta função de educação, não como uma área complementar, mas
integrada no cuidar em Enfermagem, onde a educação para a saúde se estabeleça
como uma atividade de igual dimensão a qualquer outra realizada (Branco, 2005).
A Consulta de Enfermagem é uma atividade autónoma com base em metodologia
científica que permite colocar em prática o processo de Enfermagem. Neste
contexto, emerge como um lugar privilegiado para o enfermeiro desenvolver
cuidados dirigidos ao homem portador de carcinoma da próstata submetido a
prostatectomia radical e às suas pessoas significativas, uma vez que este é um
espaço excecional para incrementar uma postura ativa e autónoma na prestação de
cuidados. O fornecimento de informação ajustada, nomeadamente através da
Consulta de Enfermagem no pré e pós-operatório, possibilita então minorar as
consequências do cancro e dos seus tratamentos, com uma melhor adaptação às
mesmas, contribuindo forçosamente para isso a informação fornecida à medida de
cada um (Patrão, 2005).
A função de ajuda
A presença dos enfermeiros foi analogamente sentida e descrita pelos
participantes de forma significativa, valorizando a disponibilidade que lhes
foi proporcionada em momentos marcantes, de tristeza e angústia, evidenciando-
se o auxílio dos enfermeiros como fundamental para a minimização das suas
experiências negativas. Neste contexto, surge a subcategoria "A função de
ajuda" enquadrada na categoria "A perspetiva sobre o papel do
enfermeiro". Esta função de ajuda é um dos pilares básicos dos cuidados
de Enfermagem, sendo recebida e reconhecida pelos participantes como essencial
no seu percurso de transição. Assim, os seus discursos espelham esta realidade
e a forma como a perspetivam.
Acho que o que os enfermeiros fizeram não vejo que possam fazer mais
ajudaram-me imenso e isso foi muito importante para mim. (E9)
Tanto no hospital como no centro de saúde senti-me bastante apoiado, foi tudo
gente muito competente até mesmo a nível dos conselhos e tudo mais, foi tudo
gente tive sorte com as pessoas que me apareceram pela frente e a ajuda que me
deram. (E8)
Paralelamente, outra dimensão importante foi a satisfação, expressa pelos
entrevistados, com os cuidados recebidos. As pessoas ambicionam invariavelmente
os melhores cuidados disponíveis, valorizando aspetos como serem cuidados com
humanidade, dignidade e respeito, receberem informação clara acerca da sua
doença e tratamento e alcançarem suporte técnico e psicológico quando
necessitam do mesmo. Neste sentido, os seus discursos vão de encontro a esta
realidade, como pode ser observado nos seguintes excertos.
( ) eu acho que fui muito bem tratado, muito bem recebido não tenho nada a
dizer ou apontar tudo 5 estrelas. (E16)
É assim, os cuidados de Enfermagem que eu tive foram no internamento
espetaculares, aliás tive a oportunidade de deixar isso escrito. (E11)
A prestação de cuidados de Enfermagem consolidados num processo de relação de
ajuda, onde se estabelece uma comunicação autêntica capaz de auxiliar o
indivíduo a encontrar outras possibilidades de perceber, aceitar e encarar a
sua nova condição, constitui um dos aspetos fundamentais que contribui para o
desenvolvimento da confiança necessária, estimulando assim uma interação mais
positiva entre o indivíduo, os cuidados de saúde e os seus novos contextos. A
função de ajuda foi então destacada pelos participantes como especialmente
importante para a facilitação do processo de transição. Segundo Matos e Pereira
(2005), o conhecimento atual indica que os níveis de satisfação da pessoa
derivam de várias componentes, designadamente dos aspetos afetivos, como o
apoio emocional e compreensão; dos aspetos comportamentais, como a prescrição e
explicações adequadas e dos aspetos ligados à competência do técnico de saúde,
como o encaminhamento apropriado, que foram aspetos identicamente relatados
pelos participantes do estudo. Em todo este longo processo de transição, o
enfermeiro tem inequivocamente um papel proeminente, uma vez que os
conhecimentos que possui na área das ciências da saúde e humanas permitem-lhe
compreender e avaliar os resultados das suas intervenções, acompanhando a forma
como a pessoa experiencia o seu processo de transição.
A Consulta de Enfermagem
A Consulta de Enfermagem, como atividade autónoma baseada em metodologia
científica permite ao enfermeiro formular um diagnóstico de enfermagem,
realizar um plano de cuidados e respetiva avaliação, assim como a reformulação
das intervenções de enfermagem, no sentido de ajudar o indivíduo a atingir a
máxima capacidade de autocuidado (Paixão e Valério, 2008). É um espaço onde se
tenta obter o maior número de dados, mantendo a pessoa próxima do enfermeiro
numa relação onde seja preservada a privacidade, onde se crie empatia,
confiança, segurança e onde enfermeiro e doente definam, em conjunto, as
estratégias para obtenção dos melhores resultados em saúde (Barcelos, 2005).
A consulta de enfermagem deve ter uma visão holística, captando toda a
informação sensível aos cuidados proveniente da pessoa, possibilitando um
diagnóstico preciso e um planeamento de cuidados de acordo com as necessidades
de cada indivíduo para obtenção de ganhos em saúde. Perante a situação de cada
doente, o enfermeiro cumpre um papel essencial na adaptação às limitações
provocadas pela doença e tratamento (Medalhas, 2005). Estas consultas possuem o
intuito de auxílio à pessoa em transição, utilizando um conjunto de
competências que ao serem postas em prática permitem dar visibilidade à forma
como o enfermeiro perfila o saber adquirido e o saber vivido (Barcelos, 2005).
Neste contexto, do ponto de vista educacional, o enfermeiro deve adequar o
modelo de aprendizagem que mais se adapta ao doente, respeitando as
necessidades e expectativas do mesmo em relação ao tratamento (Medalhas, 2005).
O enfermeiro tem igualmente um papel fundamental na melhoria da qualidade de
vida do doente e por isso deve desenvolver competências para ajudar o doente a
aceitar o tratamento e aderir com segurança ao plano de cuidados delineados,
envolvendo-o no mesmo. Paralelamente, deve alargar o seu campo de competência,
que ultrapassa a mera realização de técnicas segundo prescrição médica, já que
estas só têm fundamento se forem inseridas na relação do conhecimento da pessoa
a cuidar como base dos cuidados prestados (Medalhas, 2005). Deste modo, na
Consulta de Enfermagem é indispensável propiciar momentos para que o doente
verbalize os seus receios e problemas, procurando saber como o doente está a
encarar a situação de doença, de forma a encontrar mecanismos de apoio e outros
recursos que ajudem o indivíduo e a família a ultrapassar o momento delicado
(Medalhas, 2005). Este é inequivocamente um grande desafio, tornando o
indivíduo num sujeito ativo na estimulação das suas aptidões de forma a
ultrapassar saudavelmente o seu processo de transição. Pela experiência
empírica e profissional dos investigadores, suportada e baseada na evidência
dos dados decorrentes do estudo de investigação patentes anteriormente,
nomeadamente os relatos dos participantes, é notória a necessidade da
implementação da Consulta de Enfermagem no pré e pós-operatório, bem como as
suas vantagens e acréscimo ao valor dos cuidados de Enfermagem prestados,
considerando o lugar privilegiado de intervenção autónoma e personalizada
proporcionada pela Consulta de Enfermagem. Assim sendo, torna-se claro pelos
relatos dos participantes neste estudo de investigação a necessidade de
implementação da consulta e a figura central ocupada pelo enfermeiro neste
contexto. Posto isto, a Consulta de Enfermagem no pré-operatório materializa-se
através de uma adequada avaliação inicial, fornecimento de material
informativo, preparação de todo o perioperatório e provimento de um contacto
para esclarecimento de dúvidas. Já a Consulta de Enfermagem, no pós-operatório,
passa pela promoção da adaptação do indivíduo/pessoa significativa a uma nova
condição de saúde e pela readaptação funcional e psicossocial, considerando o
novo contexto de saúde da pessoa.
Conclusão
Investigar o processo de transição do homem portador de carcinoma da próstata
submetido a prostatectomia radical e analisar a pertinência da Consulta de
Enfermagem pré e pós-operatória foi-se tornando cada vez mais clara com o
decurso do estudo. É essencial para a prática da Enfermagem conhecer como o
indivíduo experiencia esta transição, quais os recursos utilizados e as suas
necessidades, e a sua perspetiva sobre o papel do enfermeiro nesta transição,
de modo a desenvolver-se uma intervenção assertiva e eficaz por parte do
enfermeiro.
Com a realização da investigação constatou-se que esta temática é pouco
desenvolvida em estudos de investigação, nomeadamente em Enfermagem, o que
consolida ainda mais a sua oportunidade, pertinência e atualidade.
Paralelamente, ocorreram ocasionalmente também dificuldades na análise de dados
de um fenómeno tão complexo como a transição. A realização de um estudo
transversal correspondeu assertivamente aos objetivos do mesmo, sendo que
porventura um estudo longitudinal poderia permitir aclarar mais
aprofundadamente alguns aspetos na sua relação temporal. Porém, não era
possível a execução de um estudo dessa ordem neste contexto, o que não impede a
sua produção futura.
O cancro é pela sua importância mediática e pelos efeitos nefastos que provoca,
uma das doenças crónicas mais temidas e com maior impacto ao nível
biopsicossocial. O seu passado de doença fatal e o seu presente dominado pela
exuberância dos tratamentos e efeitos colaterais, conjuntamente com a
imprevisibilidade que a caracteriza, contribuem para a sua conotação social
verdadeiramente negativa.
Partindo agora para uma reflexão acerca dos resultados da investigação
constata-se que o homem percorre um longo trajeto de transição que é
principiado com o percurso até ao diagnóstico e impacto do mesmo. Depois do
conhecimento da doença, o indivíduo avança até à cirurgia, numa fase que
compreende consciencialização, envolvimento e preparação e conhecimento. A
cirurgia emerge como um ponto de viragem, com a perceção no pós-operatório da
possível disfunção erétil e incontinência urinária, que acarretam geralmente
alterações ao nível da identidade e mudanças no quotidiano. Neste extenso
percurso, o homem é envolvido por crenças acerca da doença, socorre-se de
diversos recursos, apoia-se em estratégias de coping, é assolado por um vasto
conjunto de sentimentos, deparando-se com preocupações e dificuldades, sem
deixar de perspetivar o futuro. Posto isto, pode despontar uma reestruturação
pessoal, através do novo domínio do autocuidado e utilização de novos padrões
nas relações sexuais, com a adesão às terapêuticas, o que pode facultar o
retorno do bem-estar. Finalmente, surge a perspetiva sobre o papel do
enfermeiro, representada nos discursos dos participantes através da função de
educador e da função de ajuda. Os participantes aludem ao papel de educador
desempenhado pelos enfermeiros na sua transição, particularmente a partir do
provimento de informação, surgindo aqui a importância da introdução da Consulta
de Enfermagem de modo formal. A exigência atual dirigida aos profissionais de
saúde é grande, pretendendo-se intervenções dirigidas aos processos
educacionais e apoio psicossocial, à pessoa e família, com vista ao bem-estar e
qualidade de vida dos indivíduos com doença oncológica (Pinto e Ribeiro, 2006).
Analogamente, a presença dos enfermeiros foi vivida e nomeada pelos
participantes de modo significativo, através da descrição da disponibilidade
total que lhes foi fornecida pelos mesmos em momentos importantes.
No que concerne às opções metodológicas, estas revelaram-se ajustadas aos
objetivos, porque permitiram o despontar do indivíduo em toda a sua
individualidade e singularidade. Assim sendo, considera-se igualmente que os
objetivos do estudo foram atingidos uma vez que foi possível descrever o
processo de transição do homem portador de carcinoma da próstata submetido a
prostatectomia radical, compreender as suas necessidades, descrever os recursos
mobilizados e ainda conhecer a perspetiva sobre o papel do enfermeiro nesta
transição.
O resultado deste estudo deve ser dissecado e enquadrado no contexto da sua
realização. A sua efetivação possibilitou compreender uma realidade vivida por
um grupo de participantes que tinham em comum algumas condições antecipadamente
determinadas, sendo que por esse facto não se ambiciona extrair dados
generalizáveis a outras populações. Todavia, os resultados obtidos podem
constituir uma base sólida para futuras investigações. Resumindo, considera-se
que esta investigação poderá assistir na construção de um entendimento sobre o
processo de transição do homem portador de carcinoma da próstata submetido a
prostatectomia radical, cooperando desta forma para a formalização do
conhecimento em Enfermagem.
Hoje em dia, são inúmeros os aspetos a aperfeiçoar na prática diária dos
enfermeiros, porém, importa salientar que o percurso profissional se edifica
com base em aprendizagens constantes e que a mudança de comportamentos e
atitudes por parte dos profissionais de saúde se declara de elevada
importância, já que é sempre possível contribuir para a excelência da qualidade
dos cuidados prestados. Esta abertura para a mudança é um dos contributos mais
evidentes para o desenvolvimento da qualidade dos cuidados em Enfermagem. A
produção deste artigo tornou manifesto o processo de mudança que ocorre também
nas vidas destes homens, deixando revelar o modo como experienciam o
acontecimento e as consequências à mercê das suas capacidades, habilidades e
competências. Aqui surge o papel do enfermeiro no auxílio a estes homens de
forma a ultrapassarem este processo de transição de forma saudável, sendo que
os resultados alcançados com esta investigação podem ser o mote para uma
intervenção preparada, programada e com objetivos concretos, perspetivando-se
ganhos em saúde efetivos, demonstrando o valor dos cuidados de Enfermagem e o
seu impacto, formalizados através da implementação da Consulta de Enfermagem.
A Enfermagem é uma profissão centrada em interações onde cada pessoa, por
vivenciar um projeto de saúde, se torna singular, única e indivisível num
momento único de cuidado (Serrano, Costa e Costa, 2011, p. 16). Concluindo,
fica patente neste artigo a importância da Consulta de Enfermagem no contexto
da transição do homem portador de carcinoma da próstata submetido a
prostatectomia radical.