Sofrimento do doente oncológico em situação paliativa
Introdução
O aumento da longevidade e da prevalência das doenças crónicas representam uma
importância acrescida em termos de saúde pública. Segundo a Direção Regional da
Saúde (2006), a segunda maior causa de mortalidade registada deveu-se a doenças
oncológicas, e mais de metade destes doentes morreram em estabelecimentos de
saúde com internamento. Os cuidados prestados nestas instituições estão
preferencialmente vocacionados para a cura, procuram a normalidade fisiológica
e parecem inadaptados para os cuidados paliativos, como atividades orientadas
para o doente e família (Cerqueira, 2005). Como refere Moreira (2001), numa
época em que todos os esforços são direcionados para prolongar a vida e
retardar a morte, tem surgido progressivamente a preocupação de reverificar os
cuidados prestados aos doentes em situação paliativa. No que concerne ao
sofrimento dos doentes oncológicos, Gameiro (1999) sugere que é importante ter
em conta os seus fatores desencadeantes, e refere ser fundamental, nos
cuidados, uma abordagem humanística e respeito da autonomia e da dignidade, bem
como das necessidades individuais e emocionais dos doentes e dos seus
cuidadores informais. Neste contexto, partimos para a realização de um estudo
descritivo-correlacional questionando-nos sobre qual a perceção que o doente
oncológico em situação paliativa e internado em serviços de cirurgia e em
hemato-oncologia sente em relação ao sofrimento.
Enquadramento teórico
A Organização Mundial de Saúde definiu, em 2002, cuidados paliativos como uma
abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes e de suas famílias
' que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com
prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso
à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos mas
também psicossociais e espirituais (Neto et al., 2004, p. 22). Estes cuidados
centram-se nas necessidades e não nos diagnósticos médicos. Parafraseando
Wright (2005), o sofrimento é definido como angústia, dor ou aflição física,
emocional e espiritual. Segundo a International Council of Nurses (2011, p. 76)
esta é uma Emoção negativa: Sentimentos prolongados de grande pena associados
a martírio e à necessidade de tolerar condições devastadoras, isto é, sintomas
físicos crónicos como a dor, desconfortam ou lesão, stress psicológico crónico,
má reputação ou injustiça. Em cuidados paliativos, as principais fontes de
sofrimento para os doentes são as perdas (autonomia e dependência de terceiros,
sentido da vida, dignidade, papeis sociais, estatuto e regalias económicas),
sintomas mal controlados, alterações da imagem corporal e nas relações
interpessoais, modificação de expectativas e de planos futuros e abandono por
parte dos familiares (Neto et al., 2004). Frankl apud Neto et al. (2004 p. 30)
refere que uma pessoa com doença terminal pode encontrar um sentido positivo
para o sofrimento, ou seja, um objetivo ou explicação para a situação,
recorrendo à atividade laboral, projetos de vida, experiências vividas e a
atitudes positivas face aos problemas existenciais, evitando que o sofrimento
seja destrutivo, pois, como a autora cita, o que destrói o homem não é o
sofrimento, é o sofrimento sem sentido. Assim sendo, os cuidados paliativos
têm como objetivos o alívio e/ou diminuição do sofrimento físico, psicológico,
social e/ou espiritual do doente, melhorar a qualidade de vida e garantir a
dignidade dos doentes até ao final da vida. De acordo com Neto et al. (2004)
existem áreas de cuidados fundamentais para atingir esses objetivos: controlo
dos sintomas, apoio à família, comunicação e trabalho em equipa.
Questões de Investigação/Hipóteses
Nesta contextualização, questionamo-nos sobre qual a perceção dos doentes
oncológicos em situação paliativa quanto ao sofrimento. As hipóteses formuladas
foram: H1: A perceção dos doentes oncológicos em situação paliativa do
sofrimento é tanto maior quanto maior é a idade; H2: A perceção dos doentes
oncológicos em situação paliativa do sofrimento é mais elevada no género
feminino; H3: A perceção dos doentes oncológicos em situação paliativa do
sofrimento é mais elevada nos doentes casados; H4: A perceção dos doentes
oncológicos em situação paliativa do sofrimento é mais elevada quando estes se
encontram em situação laboral; H5: A perceção dos doentes oncológicos em
situação paliativa do sofrimento é tanto maior quanto maiores forem as
habilitações literárias.
Metodologia
Tendo em conta os objetivos e a finalidade pretendida, desenhamos um estudo
quantitativo descritivo-correlacional com uma dimensão transversal. A população
foi representada pelos doentes oncológicos em situação paliativa internados em
serviços de cirurgia geral e hemato-oncologia. Foi utilizada uma amostra não
probabilística consecutiva, em que todos os elementos da população, nas
condições de inclusão, foram selecionados. Os critérios de inclusão foram ter
idade = 18 anos, que soubessem ler e escrever, que fossem portadores de doença
oncológica em situação paliativa e que estivessem em sistema de internamento.
Os critérios de exclusão foram os doentes que estivessem na fase agónica e que
apresentassem alterações neurológicas que impedissem o preenchimento do
questionário. Antes de proceder à colheita dos dados, foi dada autorização e
parecer favorável da comissão de ética das instituições e posteriormente foi
realizada uma reunião com os chefes dos serviços e enfermeiros voluntários para
participar na colheita de dados, onde lhes foi explicado em que consistia o
trabalho de investigação, quais os seus objetivos e a uniformização de
procedimentos. A todos os elementos da amostra foi solicitado o consentimento
informado, sendo informados sobre o objetivo do estudo, garantindo-lhes a
confidencialidade e a privacidade dos dados. A mediação entre o investigador e
os doentes foi realizada por um Enfermeiro do serviço. A investigadora,
juntamente com os (as) enfermeiros (as) chefes, combinaram uma data,
semanalmente, para recolher os envelopes fechados que continha os dados, para
que estes pudessem ser codificados e tratados anonimamente. A colheita de dados
realizou-se de janeiro a março de 2010. Para a avaliação da variável de estudo
- sofrimento do doente oncológico em situação paliativa - aplicou-se um
Inventário de Experiências Subjetivas de Sofrimento da Doença (IESSD). Esta foi
validada para a população Portuguesa por Gameiro em 1999 (autorizado pelo
próprio a utilização da mesma), com 22 itens. Mede cinco dimensões: sofrimento
psicológico, físico, existencial, sócio relacional e as experiências positivas
do sofrimento. Não existem pontos de corte, considerando o 44 o mínimo de
sofrimento e 220 o máximo (quadro 1).
Quadro 1 ' Pontos de corte da escala IESSD.
Ao realizar o somatório dos 44 itens, cinco destes terão de ser invertidos (24,
26, 38, 42 e 44). No entanto, na análise particular das experiências positivas
nenhum item será invertido. O tempo de resposta foi entre 10 a 15 minutos e o
questionário é de autopreenchimento. Avaliou-se a consistência interna do
instrumento de colheita de dados através do cálculo do Alfa de Cronbach e
obteve-se para o sofrimento global um valor de 0,936, (assim para a = 0,934 do
estudo de Gameiro (1999)), concluindo-se que a população estudada apresentou
uma elevada consistência interna (quadro 2).
Quadro 2 ' Comparação do coeficiente alpha de Cronbach para o IESSD na
população estudadas e na original.
Constatou-se uma boa consistência interna, oscilando os valores do coeficiente
Alfa de Cronbach de 0,837 para a dimensão do sofrimento existencial, 0,854 para
a dimensão do sofrimento físico e 0,885 para a dimensão do sofrimento
psicológico. Verificou-se que estas dimensões têm um alpha de Cronbach
semelhantes ao do autor (0,846 <a<0,883). No que concerne à dimensão do
sofrimento sócio relacional, a consistência interna foi de 0,612, para o do
autor com 0,757, embora ainda dentro dos parâmetros considerados como
aceitáveis. Quanto à dimensão das experiências positivas do sofrimento,
observou-se que o valor do seu alpha de Cronbach foi de 0,750 e é ligeiramente
superior ao do autor, que foi de 0,690, e é interpretado como uma consistência
interna aceitável.
Resultados
Para análise estatística descritiva e inferencial dos dados foi utilizado o
programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0.
Realizou-se a parte inferencial, mais precisamente as correlações entre as
variáveis quantitativas e as comparações das quantitativas em função das
qualitativas. Recorremos ao teste não paramétrico de Shapiro-Wilk para aferir a
normalidade da população, devido à amostra ser constituída por menos de 50
elementos (n=38). Tendo em conta o tamanho da amostra e dado que uma variável
apresentou distribuição não normal, optou-se pela aplicação de testes não
paramétricos. As hipóteses formuladas foram testadas recorrendo ao coeficiente
de Spearman (correlação entre variáveis ordinais) e ao teste de Mann-Whitney
(comparação de dois grupos independentes).
a) Caracterização sociodemográfica da amostra
A amostra do estudo (quadro 3) era 28,9% do sexo feminino e 71,1% do sexo
masculino.
Quadro 3 ' Distribuição absoluta e percentual dos doentes em estudo em função
das variáveis sociodemográficas
O grupo etário foi designado, de acordo com Rowland (1989), em adulto jovem
(20-35 anos), adulto maduro (36-45 anos), adulto velho (46-59 anos) e em adulto
idoso (=60 anos). Constatou-se que predominava o grupo entre os 46 e os 59 anos
de idade, com 50,0% da amostra. Seguidamente com 42,1% o grupo etário do adulto
idoso. O grupo etário menos predominante foi o grupo entre 36-45 anos de idade,
com uma percentagem de 7,9%. Salientamos que da amostra estudada a idade mínima
foi de 37 e a máxima de 80. Em relação ao estado civil, 71,1% dos sujeitos da
amostra eram casados/união de facto, enquanto 15,8% eram viúvos, 7,9%
divorciados e 5,3% solteiros. Não se evidenciou elementos em separação judicial
e 28,9% não estavam casados. Tendo em conta a situação laboral dos doentes,
65,8% da amostra eram reformados, 21,1% estavam ativos, 10,5% estavam
desempregados e 2,6% eram domésticas ou nunca trabalharam. Realça-se que 78,9%
dos sujeitos não tinham atividade laboral. No que se refere às habilitações
literárias, a maioria da amostra, 63,2%, tinham o Ensino Básico, nomeadamente
39,5% com 4 anos de escolaridade, 15,8% com 6 anos de escolaridade e 7,9% com o
9º ano. De seguida, e em maior percentagem, temos os sujeitos com o Ensino
Secundário, com 13,2% (5,3% com o 11º ano e com curso tecnológico/profissional
e 2,6% com 12°ano), e depois os sujeitos com Ensino Superior, que apresentavam
13,1% (10,5% com bacharelato e os restantes 2,6% com licenciatura). Com menos
de 4 anos de escolaridade perfez 10,5%.
b) Resultados das dimensões do IESSD
Constatou-se, no quadro 4, um nível de sofrimento global ligeiramente superior
ao valor intermédio da escala (3) de 3,13, bem como das dimensões do IESSD,
oscilando entre 3,35 para a dimensão do sofrimento psicológico e 3,46 para a
dimensão das experiências positivas do sofrimento.
Quadro 4 ' Estatísticas resumo das dimensões do IESSD.
Com valores muito próximos à última dimensão referenciada, encontrou-se a
dimensão do sofrimento físico com 3,43. Por ordem decrescente, observou-se a
dimensão do sofrimento sócio relacional com 3,38 e a dimensão do sofrimento
existencial, com 2,87, evidenciando níveis intermédios de sofrimento, ou seja,
níveis de sofrimento que não são baixos, mas também não são muito elevados.
Relativamente aos valores da média ponderada citada por Gameiro (1999), estes
oscilaram entre os 2,16 para a dimensão do sofrimento existencial e o 4,05 para
a dimensão das experiências positivas. Entre estes valores, o mesmo autor
apresenta uma média ponderada de 2,65 para a dimensão do sofrimento físico,
2,75 para a dimensão do sofrimento psicológico, 2,93 para a dimensão do
sofrimento sócio relacional e 2,50 para a dimensão do sofrimento global.
Para testar a hipótese se "a perceção dos doentes oncológicos em situação
paliativa do sofrimento é tanto maior quanto maior é a idade", utilizou-
se o coeficiente não paramétrico de Spearman e o respetivo teste de
significância. Observou-se (quadro 5) uma correlação negativa, baixa e
estatisticamente significativa (rs =-0,35 e p=0,030) entre a idade e a dimensão
do sofrimento sócio relacional, afirmando-se assim que os doentes mais velhos
tendem a evidenciar menor sofrimento sócio relacional e vice-versa.
Quadro 5 ' Correlação do IESSD com a idade.
Para dar resposta à hipótese se "a perceção dos doentes oncológicos em
situação paliativa do sofrimento é mais elevada no género feminino"
procedeu-se à comparação das dimensões do IESSD em função do género através da
utilização do teste de Mann-Whitney. Constatou-se (quadro 6) que os elementos
do género feminino (x = 136,55) apresentaram níveis de sofrimento global mais
baixos em comparação aos elementos do género masculino (x = 138,41), bem como
nas dimensões do sofrimento existencial e do sofrimento sócio relacional. No
entanto, no que concerne à dimensão do sofrimento psicológico, do sofrimento
físico e das experiências positivas do sofrimento, os elementos do género
feminino apresentaram níveis médios de sofrimento mais elevados do que os
elementos do género masculino. Contudo, depreende-se que as diferenças
observadas (p> 0.050) não corroboram a hipótese formulada.
Quadro 6 ' Resultados da aplicação do teste U de Mann-Whitney às dimensões do
IESSD em função do género.
Relativamente à hipótese sobre "a perceção dos doentes oncológicos em
situação paliativa do sofrimento é mais elevada nos doentes casados",
recorreu-se ao mesmo teste não paramétrico de Mann-Whitney. A variável
qualitativa estado civil estava dividida em cinco grupos, nomeadamente nos
solteiros, casado/união de facto, viúvo, divorciado e separado judicialmente e
por existirem grupos com um número de elementos não representativo, como era o
caso do grupo dos solteiros e dos divorciados, reagrupamos os doentes em duas
categorias, não casados e casados/união de facto. Observou-se, através da
análise do quadro 7, que os níveis médios de sofrimento, no grupo dos casados/
união de facto, são mais elevados, em todas as dimensões e no global, no
entanto, essas diferenças não tem significado estatístico (p> 0,050).
Quadro 7 ' Resultados da aplicação do teste U de Mann-Whitney às dimensões do
IESSD em função do estado civil agrupado.
Para testar a hipótese se "a perceção dos doentes oncológicos em situação
paliativa do sofrimento é mais elevada quanto estes encontram-se em situação
laboral" utilizou-se, novamente, o teste Mann-Whitney, pois reagrupou-se
os elementos da amostra em duas categorias. Ou seja, a situação laboral
apresentava vários grupos (ativo, reformado, desempregado e doméstica/nunca
trabalhou) e por alguns deles não terem um número representativo de casos,
optou-se por agrupar os indivíduos em ativos e não ativos. Verificou-se que os
níveis médios de sofrimento são mais elevados no grupo dos não ativos, exceto
na dimensão do sofrimento sócio relacional. No entanto, conclui-se, conforme
quadro 8, que a hipótese foi rejeitada, pois apresenta um valor de
significância p> 0,050.
Quadro 8 ' Resultados da aplicação do teste U de Mann-Whitney às dimensões do
IESSD em função da situação laboral agrupada.
Quanto à hipótese se "a perceção dos doentes oncológicos em situação
paliativa do sofrimento é tanto maior quanto é as habilitações
literárias" aplicou-se, novamente, o teste Mann-Whitney. Esta variável
inicialmente continha nove grupos, mas como as frequências eram baixas na
maioria deles e, como tal, não representativas, optámos por agrupar os
indivíduos em, apenas, duas categoriais (Ensino básico ou inferior e Ensino
secundário ou superior). Através da análise do quadro 9, verificou-se que a não
existência de diferenças estatísticas (p > 0.050) que corroborem a hipótese, ou
seja, as habilitações literárias não influenciam o nível do sofrimento dos
doentes oncológicos em situação paliativa.
Quadro 9 ' Resultados da aplicação do teste U de Mann-Whitney às dimensões do
IESSD em função das habilitações literárias agrupadas.
Discussão
Pelos resultados apresentados quanto ao sofrimento global, constatou-se um
nível de sofrimento global ligeiramente superior ao valor intermédio da escala
(3) de 3,13 e que este afere que sintomas mal controlados e/ou problemas mal
resolvidos ameaçam o bem-estar e a realização pessoal nos doentes, pois como
cita Fanhk in Neto et al. (2004, p. 30) o que destrói o homem não é o
sofrimento, é o sofrimento sem sentido. Assim sendo, há que ter em conta as
principais fontes de sofrimento mencionadas por Neto et al. (2004),
principalmente as perdas (dignidade, sentido da vida, papeis sociais,
autonomia), as alterações da imagem corporal, a modificação de expectativas e
de planos futuros e o abandono. No que concerne à dimensão das experiências
positivas do sofrimento na doença com 3,46, estas referem-se aos sentimentos de
otimismo/esperança, sendo que Martins (2002) menciona que os doentes que
aceitam a sua perda sofrem menos nas suas relações interpessoais. Quanto à
dimensão do sofrimento físico obteve-se 3,43, este está relacionado com a dor,
o desconforto e a perda de vigor. Segundo Dias (2000), reconhecer o direito ao
controlo da dor é reconhecer a autonomia e a dignidade humana e aliviar o
sofrimento. De acordo com Gameiro (1999) o corpo impede a pessoa doente de
aceder ao mundo e de realizar objetivos de vida. Relativamente à dimensão do
sofrimento psicológico, com 3,35, esta está relacionada com as alterações
cognitivas (centram-se na gravidade da doença) e emocionais (aumento da
ansiedade e da tensão provocadas pela doença). De acordo com Gameiro (1999),
este sofrimento visa a consciência que a pessoa tem de si, através de perceções
sensoriais, processos cognitivos, afetivos e espirituais. Pessini e Bertachini
(2004) acrescentam, referindo que estes doentes tendem a apresentar alterações
de humor, sentimentos de perda de controlo, perda de esperança e de sonhos. A
dimensão do sofrimento sócio relacional, com 3,38, é composta pelas alterações
afetivo-relacionais e sócio laborais e nesta é evidente a perda de papéis,
estatutos e objetivos sociais, impedindo o desempenho na sociedade (Béfécadu,
1993 apud Gameiro, 1999). Barbosa e Neto (2006) complementam que para além da
vertente social (perdas económicas, laborais, familiares, isolamento social e
comunitário), este tipo de sofrimento visa problemas no meio familiar
(culpabilização pela sua dependência, problemas sexuais, preocupações com o
futuro e com a comunicação no seio familiar). Quanto à dimensão do sofrimento
existencial, com 3,05, verificou-se alterações na identidade pessoal
(dependência de terceiros, incapacidade de realizar tarefas), no controlo
emocional (explosões emocionais, agressividades), nas limitações existenciais
(dificuldade de encontrar um sentido para a vida) e nos projetos futuros
(incapacidade de realizar projetos importantes). Como refere Gameiro (1999), a
pessoa inicia o seu percurso de sofrimento através do experienciar de emoções e
sentimentos de mal-estar e de tristeza. Posteriormente evolui para a
consciencialização da perda e para a aceitação do facto de ter uma doença
crónica e irreversível. A Direção Geral de Saúde (2004) complementa a
informação supracitada, mencionando que estes doentes apresentam problemas e
necessidades de difícil resolução, exigindo apoio específico, organizado e
interdisciplinar. Os resultados observados, ao nível das várias dimensões e a
nível global, permitem responder à questão atrás referida afirmando que os
doentes evidenciaram níveis intermédios de sofrimento, ou sejam, níveis de
sofrimento que não são baixos, mas também não são muito elevados. Observou-se a
necessidade de minorar as experiências subjetivas de sofrimento dos doentes
oncológicos em situação paliativa, no sentido de controlar, monitorizar e
aliviar os sintomas, promovendo conforto, autonomia e funcionalidade ao doente
dentro das suas capacidades, e realizando ações focadas no interesse da pessoa,
ajudando a manter o seu orgulho e dignidade, promovendo significações e sentido
à vida. Também, como profissionais de saúde, há que garantir a privacidade do
doente, incentivando-o para o autocuidado e para a resolução de conflitos.
Neste estudo observou-se uma correlação negativa entre a idade e o sofrimento
sócio relacional, e no estudo de Gameiro (1999) existiram diferenças entre as
idades e o sofrimento físico, indicando que os doentes mais jovens são os que
apresentam maiores experiências subjetivas de sofrimento físico. No entanto,
nos estudos de Apóstolo et al. (2006) não existem diferenças significativas
entre a idade e as experiências subjetivas do sofrimento. O facto de 30 dos 38
doentes não trabalharem e de 57,9% da amostra estar compreendida entre os
[37;59] anos de idade, coloca questões sobre as preocupações com a incapacidade
de trabalhar e de ajudar no sustento familiar. Apóstolo et. (2006) refere que
quanto mais nova é a pessoa doente, maiores são os obstáculos sobre os sentidos
relativos aos desejos, ambições, carreira, sexualidade e família. O mesmo autor
refere que este tipo de dimensão do sofrimento pode ser minimizado com a
proximidade dos entes queridos, providenciando conforto, proximidade, apoio
familiar e interação entre eles. Neste estudo, bem como no estudo de Martins
(2002), não existem diferenças significativas entre os géneros. No entanto,
Gameiro (1999) revelou a existência de diferenças significativas, quando em
situações de igual morbilidade, em que os homens experienciam mais sofrimento
psicológico que as mulheres. Também se constatou que a hipótese sobre a relação
entre os níveis de sofrimento e a situação laboral não foi confirmada, tal como
no estudo de Gameiro (1999). Contudo, Martins (2002) refere que os doentes com
emprego ou com ocupação têm mais autoestima, pois isso promove uma sensação de
contribui&c cedil;ão para a sociedade e de adaptação à doença. Verificou-se a
não-existência de correlação entre o sofrimento e as habilitações literárias,
contudo, no estudo de Gameiro (1999), estas comparações evidenciaram-se,
referindo a associação das habilitações literárias com o sofrimento psicológico
e com o sofrimento existencial. Gameiro (2004) menciona que os doentes com
menores habilitações literárias tendem a sofrer mais com a doença, pois
apresentam menor capacidade conceptual dos fenómenos perturbadores vividos.
Segundo Barbosa e Neto (2006) os doentes apresentam respostas vivenciais
designadas de desespero existencial e que são: descrença (despreocupação,
denegação, descrença diagnóstico e descrença), desagrado (desassossego,
desapontamento, descontrolo e desconfiança), desânimo (depressão, desesperança,
desvitalização e desvalorização) e desapego (desamparo, desencanto, desistência
e desinvestimento). Assim sendo, devemos avaliar estas respostas vivenciais com
maior ênfase nos doentes com maior e menor escolaridade. Um estudo realizado a
doentes oncológicos em cuidados paliativos no Japão identificou sete grupos de
preocupações existenciais, que foram: Aceitação/Preocupação (25%); Relativas às
relações (22%) - isolamento, preocupações com a preparação dos familiares,
conflito; Esperança/Desesperança (17%); Perda de controlo (16%) - físico,
cognitivo, sobre o futuro; Perda da continuidade (10%) - perda de papéis, de
atividades, de identidade; Tarefas inacabadas (6,8%); Tornar-se um fardo (4,5%)
(Morita, 2004 apud Paulo, 2006). Por outro lado, os doentes com maiores
habilitações literárias, que apresentam grande capacidade cognitivo-conceptual,
tendem a sofrer as subjetividades das significações atribuídas à realidade da
doença e as perceções dos sintomas físicos e psicológicos. Como dificuldades
deste trabalho apontamos a seleção e recrutamento da amostra, relacionada com a
obtenção de doentes com os critérios pré-estabelecidos, e a de reunir todos os
enfermeiros envolvidos na colheita de dados para uniformização de conceitos e
procedimentos. As limitações prenderam-se ao facto de termos um reduzido
tamanho de amostra (n=38) impedindo a generalização dos resultados e de apenas
serem envolvidos doentes de serviços de cirurgia e hemato-oncologia, pelo que
sugerimos, num futuro trabalho, alargar a outros serviços com este tipo de
doentes, nomeadamente em serviços de medicina e em ambulatório.
Conclusão
O sofrimento do doente é um componente importante nos cuidados de saúde e, com
o aumento das doenças crónicas, contempla-se o sofrimento como um foco na
Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE), tornando-se
pertinente a análise da perceção do doente oncológico em situação paliativa
quanto ao sofrimento. A colheita de dados fez-se a todos os doentes oncológicos
em situação paliativa, que se incluíssem nos critérios pré-estabelecidos.
Relativamente à relação entre as dimensões das experiências subjetivas da
doença com a idade, observou-se a existência de correlação negativa e
estatisticamente significativa entre a idade e a dimensão do sofrimento sócio
relacional com rs = -0,35 e p = 0,030), referindo que o sofrimento dos doentes
oncológicos em situação paliativa está relacionado com a idade. No que concerne
à comparação das dimensões das experiências subjetivas de sofrimento na doença
em função das restantes características dos doentes, concluiu-se que os dados
não corroboram a hipótese se a perceção dos doentes oncológicos em situação
paliativa do sofrimento é mais elevada no género feminino", se a perceção
dos doentes oncológicos em situação paliativa do sofrimento é mais elevada nos
doentes casados", se a perceção dos doentes oncológicos em situação
paliativa do sofrimento é mais elevada quando estes se encontram em situação
laboral" e se a perceção dos doentes oncológicos em situação paliativa do
sofrimento é tanto maior quanto maior são as habilitações literárias. Os
resultados obtidos podem contribuir para alicerçar de forma estruturada o papel
do enfermeiro que presta ações paliativas e desenvolver intervenções de
prevenção e alívio do sofrimento dos doentes. Assim, sugerimos elaborar um
estudo experimental, no mesmo contexto deste estudo, com dois grupos de
doentes, um grupo de controlo e um grupo experimental. Ambos serão submetidos
aos cuidados de enfermagem standard, à exceção do grupo experimental que será
introduzido o cuidado de enfermagem massagem terapêutica. A variável sofrimento
seria avaliada com o mesmo instrumento deste estudo, nomeadamente o IESSD. Terá
por objetivo geral o efeito da massagem terapêutica no sofrimento dos doentes
oncológicos em situação paliativa.