Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0874-02832012000300013

EuPTCVHe0874-02832012000300013

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
ano2012
Issue0003
Article number00013

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

O papel dos enfermeiros na equipa multidisciplinar em Cuidados de Saúde Primários: Revisão sistemática da literatura

Introdução Nos cuidados de saúde no século XXI surgem como palavras-chave a capacidade de adaptação, a flexibilidade, a autonomia e a criatividade, interligadas à complexidade imposta pelas mutações populacionais e padrões de morbilidade. As novas tecnologias em uso na saúde, a globalização da informação e o incentivo ao auto cuidado e autorresponsabilidade pela saúde, orientam cada vez mais para uma ajuda qualificada pelo que as políticas de saúde atuais colocam desafios para a mudança de paradigma na prestação de cuidados de saúde. Esta é uma oportunidade que a Enfermagem deve aproveitar, emergindo como grupo profissional privilegiado para redesenhar cuidados inovadores, capazes de gerir os problemas de saúde da população de forma mais eficaz e de acordo com a situação local e os recursos disponíveis (Swiadek, 2009; ICN, 2010).

As tendências internacionais indicam que em muitos países está em curso o desenvolvimento de equipas multidisciplinares como principal recurso de prestação de serviços em todas as áreas da saúde, em especial nos Cuidados de Saúde Primários, que abrangem uma ampla gama de necessidades de saúde e sociais da população. Portugal segue esta tendência com a reforma dos Cuidados de Saúde Primários, cuja reorganização estrutural assenta no desenvolvimento de equipas de saúde multidisciplinares, oriundas das equipas multiprofissionais existentes, baseadas num modelo de auto-organização contratualizada, expressa no compromisso assistencial e contextualizado num plano de ação, sendo os enfermeiros implicados no seu planeamento e implementação.

Neste contexto em que impera a lógica da interdisciplinaridade, com estratégias de intervenção participativas, que fazem apelo a novos papéis interventivos em Enfermagem, fez sentido conhecer o papel dos enfermeiros na equipa multidisciplinar de saúde, no contexto dos Cuidados de Saúde Primários.

Enquadramento O trabalho multiprofissional em saúde coloca em análise os conceitos centrais de equipa, de multidisciplinaridade e de papel profissional.

Diversos estudos sobre o processo de trabalho em saúde demonstraram que é dinâmico e tem uma flexibilidade que pode configurar equipas que expressam o mero agrupamento de profissionais ou equipas de trabalho integradas. Assim, a modalidade de trabalho pode ser multiprofissional, referente à recomposição de diferentes processos de trabalho fundamentada na interdependência técnica do exercício profissional para a qualidade da intervenção em saúde, ou interdisciplinar, com integração das várias disciplinas e áreas do conhecimento profissional na resolução dos problemas de saúde. A multiprofissionalidade diz respeito à atuação conjunta de várias categorias profissionais, e a multidisciplinaridade refere-se à conjugação dos vários saberes disciplinares na compreensão dos problemas de saúde e na parceria nos processos decisórios (Rocha e Almeida, 2000; Humphris, 2007). As parcerias geralmente começam porque alguns cuidados não podem ser prestados por um único profissional, disciplina ou organização. Ao fornecer complementaridade e integração de cuidados, as parcerias podem melhorar oportunidades, recursos e resultados em saúde. uma crescente necessidade de parcerias a estabelecer entre os profissionais e o grande desafio é desenvolver a capacidade de trabalhar em equipas eficazes (Humphris, 2007).

Diferentes autores são concordantes em que uma equipa de saúde é uma realidade constituída por profissionais individuais com liberdade para agir de modo nem sempre totalmente previsível e cujas ações se encontram interligadas a tal ponto que a ação de um profissional modifica o contexto para os outros.

Concluem que a multiprofissionalidade e interdisciplinaridade se baseiam na possibilidade de comunicação não entre campos profissionais e disciplinares (entidades abstratas) mas entre os sujeitos que os constroem na prática e que interagem entre si. A equipa tem de compreender a diversidade dos seus componentes, as competências e os saberes dos seus profissionais, e tirar partido disso no benefício de todos. A prática não deverá ser apenas multiprofissional, em que num mesmo contexto trabalham vários profissionais, mas multidisciplinar, em que as várias disciplinas aprendem das outras, com as outras e sobre as outras. O trabalho em equipa multidisciplinar exige não colaboração mas sobretudo interação e negociação entre os seus membros, visando o desenvolvimento de capacidades de entrelaçamento multidisciplinar na construção de uma interdisciplinaridade pensada e executada na práxis de saúde e no cuidado ao ser humano. Esta interdisciplinaridade pressupõe um olhar transversal capaz de revelar aspetos antes inexplorados que se tornam presentes na interligação entre as disciplinas que compõem o mesmo "todo" de conhecimentos. É necessário diluir o conhecimento das diferentes disciplinas num todo de relações que podem contribuir para compreender a complexidade do ser humano. uma equipa multidisciplinar permite uma prática potenciadora e promotora de desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional, conducente à resolução de problemas em rede, tirando o máximo de proveito dos saberes e competências de cada profissão e de cada profissional num caminho para a transdisciplinaridade, isto é, a capacidade de produzir e usar de forma adequada e efetiva o conhecimento, num projeto de construção participada dos cuidados (Rocha e Almeida, 2000; Humphris, 2007; Nunes et al., 2010).

Os enfermeiros são o grupo profissional mais amplamente distribuído ao nível dos Cuidados de Saúde Primários em todo o mundo, assumindo os mais diversos papéis, funções e responsabilidades (ICN, 2010). O papel profissional diz respeito a um conjunto de conceitos que predizem como os enfermeiros exercem a sua função e a uma variedade de comportamentos que podem ser esperados em certas circunstâncias (Brookes et al., 2007). Nesta delimitação conceptual, o papel profissional é uma construção histórico-social em permanente evolução, antevendo uma diversidade de construções que são formuladas em função dos atributos da prática do enfermeiro que são socialmente aceites e esperados, quer pelos seus pares, outros profissionais de saúde e da comunidade em que o papel está incorporado. Tendencialmente, a essência da prática da enfermagem surge associada ao cuidado, com exacerbação da face formal do seu conhecimento (instrumentalidade técnica),mas a advocacia, a promoção de um ambiente seguro, a participação na definição de políticas de saúde e na gestão dos doentes e sistemas de saúde, são também papéis fundamentais da enfermagem (Pires, 2007; ICN, 2010). Diversos estudos da Organização Mundial de Saúde (cit. ICN, 2010) demonstram que a natureza e a prática da enfermagem são influenciadas pela realidade que compreende a política, a economia e a cultura, diferindo essa realidade de país para país, e de região para região. A prática do enfermeiro é socialmente complexa e contraditória, permeada por mitos históricos que compõem o universo de símbolos e o imaginário que se tem da profissão (Pires, 2007), mas é possível distinguir o ‘saber como' e o ‘saber que': o primeiro reflete o domínio de uma habilidade, expressando o saber fazer; o segundo é um saber teórico, articulado através da linguagem (Benner, 2001). A explicitação e utilização destas diferentes formas de saber, perante utentes e situações concretas e inseridas em determinados contextos, poderão contribuir para representações diversas do papel profissional do enfermeiro, que tende a ser analisado à luz de determinantes culturais que moldam as experiências das pessoas. Uma revisão da literatura realizada por McFarland e Eipperle (2008) indicia que a competência para contextualizar culturalmente os cuidados de enfermagem e a abordagem dos cuidados de saúde, contribui para uma modelagem do papel profissional dos enfermeiros em Cuidados de Saúde Primários. O conhecimento excessivamente técnico, sendo poder, conquista espaços e garante certa autonomia, embora restrita e submetida a macroestruturas conjunturais. O reconhecimento do papel do enfermeiro no contributo para o estabelecimento de relações sociais na produção de serviços em saúde, enquanto capacidade de intervenção humana, inscreve-se no plano subjetivo das relações sociais, reconstruindo-se no quotidiano através da produção de ideias compartilhadas pelos diversos atores profissionais e sociais (Rocha e Almeida, 2000; Pires, 2007). O estudo desenvolvido por Swiadek (2009) concluiu que quanto mais conscientes estiverem os enfermeiros do papel profissional que se pode conquistar, mais próximos ficam dos poderes institucionais para cuidar (enquanto profissional de saúde) e de quem é cuidado (utente, família e comunidade) conduzindo ao redimensionar das relações de trabalho e de autoridade partilhada, necessária aos processos participativos numa efetiva equipa multidisciplinar.

Metodologia A estratégia metodológica foi guiada pela pergunta ' Como é percebido o papel do enfermeiro na equipa multidisciplinar dos Cuidados de Saúde Primários? Desenhou-se um protocolo de pesquisa sistemática de estudos a partir da enunciação da questão de investigação: Como é percebido pelos diversos profissionais e pelos utentes o papel profissional do enfermeiro na equipa multidisciplinar dos Cuidados de Saúde Primários? Refletindo a questão de investigação, para a seleção de estudos definiram-se como critérios de inclusão apenas artigos de estudos com paradigma qualitativo não porque se consideram metodologicamente mais adequados para fornecer as melhores evidências, uma vez que os dados primários potenciam a identificação de atributos ou domínios significativos do papel do enfermeiro, mas também porque não se pretende identificar toda a literatura sobre o assunto mas os estudos mais relevantes para o fenómeno. Procuraram-se estudos publicados no horizonte temporal de 2000-2010, disponíveis em texto integral e nos idiomas português, inglês, francês ou espanhol. Como critérios de exclusão estipulou-se que os estudos que tivessem como participantes apenas estudantes (de enfermagem ou outras áreas da saúde) ou fossem referentes ao papel do enfermeiro exclusivamente em equipas comunitárias de saúde mental ou geriátrica seriam excluídos pela possibilidade de as suas vivências, os seus papéis e competências específicas poderem contaminar os achados dos estudos.

Considerando a viabilidade de acesso iniciou-se uma pesquisa prévia pela literatura cinzenta, recorrendo exclusivamente aos repositórios de informação nacionais LIZETE - Catálogo de literatura cinzenta técnica e científica na Biblioteca Nacional de Portugal e repositório científico de acesso aberto de Portugal, com os termos ‘papel do enfermeiro', ‘equipas de saúde', ‘centro de saúde' e ‘cuidados de saúde primários'. Posteriormente pesquisou-se nas plataformas SciELO - Scientific Electronic Library Online,SciELO Portugal, ISI Web of Knowledge, Biblioteca do Conhecimento Online (b-on) e EBSCOhost, explorando a literatura e procurando identificar os descritores mais adequados, nos quatro idiomas definidos. Apenas com descritores em inglês emergiram estudos relevantes à pesquisa. Elegeu-se a plataforma EBSCOhost e selecionaram- se as bases bibliográficas electrónicas CINAHL with full text, MEDLINE with full text, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, British Nursing Index, Academic Search Complete. Utilizaram-se como descritores de pesquisa ‘nurse's role', ‘professional issues', ‘primary care teams' ‘community health nursing' e ‘healthcare team'. Como estratégia de pesquisa procuraram-se e cruzaram-se os termos no título (TI), no resumo (AB) e texto integral (TX), replicando-se e refinando-se as pesquisas.

A identificação, triagem e avaliação da qualidade metodológica dos estudos relevantes cumpriram o proposto por Sandelowski e Barroso (2007). Do total de 472 artigos que emergiram apuraram-se 42 através do título, e após leitura do resumo eliminaram-se os que não cumpriam os critérios de inclusão pré- estabelecidos (inclusive duas revisões sistemáticas da literatura, uma por incluir estudos relativos ao papel do enfermeiro comunitário de saúde mental e outra alusiva apenas ao papel do enfermeiro no suporte comunitário em residências geriátricas), selecionando-se 25. A partir desta etapa, para aumentar a confiabilidade e transparência do processo de pesquisa, é recomendada a avaliação por pares pelo que se integrou no processo um pesquisador independente: submeteram-se os resumos à sua apreciação para validar e refinar a seleção inicial de artigos a analisar na íntegra, em conformidade com o teste de relevância preliminar; validada a seleção, prosseguiu-se com a leitura do texto integral dos 25 artigos e realizou-se um teste de relevância final tendo como critérios de avaliação da qualidade: a congruência metodológica do estudo, o nível de profundidade da análise e compreensão das evidências, a credibilidade e confiabilidade dos resultados (Sandelowski e Barroso, 2007). Após a avaliação crítica da qualidade dos estudos a decisão quanto à inclusão na amostra foi concordante e restringiu-se a 10 artigos que respeitam os critérios: descriminam os objetivos, os participantes, a metodologia de colheita e análise de dados e permitem a distinção dos achados, conforme se descreve no quadro 1.

Quadro 1 ' Síntese dos estudos da amostra

Resultados O processo de síntese baseou-se na análise temática, de acordo com o percurso sugerido por Sandelowski e Barroso (2007): leitura exploratória de cada artigo para desenvolver uma compreensão do conteúdo e contexto das evidências; análise de conteúdo com identificação dos temas recorrentes ou proeminentes nos diferentes estudos; análise comparativa dos temas recorrentes com integração interpretativa dos resultados em novas categorizações temáticas que englobam e transpõem os significados dos estudos constituintes da amostra.

Os estudos analisaram as equipas de saúde sob perspetivas diferentes, mas com uma comunhão de problemas e determinantes. Seguiu-se a comparação das evidências encontradas nos artigos procurando temas comuns, frases e conceitos.

Algumas diferenças foram descobertas durante esse processo. Seis estudos centram-se no aspeto profissional abrangendo desde as expectativas face ao papel, às competências e à participação na equipa, enquanto os outros quatro focalizam aspetos inerentes ao trabalho em equipa, abarcando as características e fatores inibidores ou propiciadores. Finalizou-se com a transformação das similaridades em construções sintéticas representativas de todo o corpo de evidências para produzir uma síntese integrada num quadro teórico compreensível de todos os estudos. As evidências comuns foram reunidas em dois temas centrais: o trabalho em equipa nos Cuidados de Saúde Primários; o papel do enfermeiro na abordagem dos cuidados baseada em equipas.

O trabalho em equipa nos Cuidados de Saúde Primários O conceito de trabalho em equipa revelou uma diversidade de interpretações e expectativas. Os achados de Ross, Rink e Furne (2000) revelam que não houve um sentido comum do que os participantes entendiam por ‘equipas', independentemente do grupo profissional. A fraca apropriação do conceito parece estar ligada a informações pouco convincentes ou críticas sobre o trabalho em equipas interdisciplinares no contexto dos Cuidados de Saúde Primários, existindo também algumas evidências de que possa estar associada ao desconhecimento das competências necessárias aos cuidados partilhados e insegurança quanto às suas implicações para a identidade profissional. No mesmo estudo, ao particularizarem os achados no grupo dos enfermeiros torna-se evidente que a falta de um conjunto de valores comuns para trabalhar pode influenciar a perspetiva sobre a equipa (Furne, Ross e Rink, 2001).

Emerge a noção de que o trabalho em equipa neste contexto de cuidados introduz não mudanças no ambiente de trabalho como nos papéis profissionais, refletindo uma mudança radical na cultura. Muitos dos participantes neste estudo consideraram ser necessário um suporte organizacional para a mudança, uma vez que a implementação efetiva de equipas interdisciplinares exige liderança, comprometimento e participação ampla de toda a organização. Foram expressas preocupações sobre a maneira como as alterações na equipa e no trabalho foram introduzidas no seu caso (Inglaterra) apesar da existência de um plano de execução estruturado e supervisionado por um grupo operacional. O desenvolvimento de um programa de formação foi identificado como um potencial facilitador para apoiar o trabalho da equipa e desenvolvimento de papéis (Ross, Rink e Furne, 2000; Furne, Ross e Rink, 2001). As evidências do estudo de O'Neill e Cowman (2008) apontam também para a importância atribuída a um líder de equipa que motive o desempenho coletivo, permitindo simultaneamente crescimento e desenvolvimento pessoal. Além disso, os líderes foram reconhecidos como elementos chave para remover obstáculos ao trabalho em equipa eficaz, para facilitar a comunicação e promover processos decisórios. Em todas as equipas participantes neste estudo, os enfermeiros identificaram a necessidade de desenvolver competências de gestão, de assertividade e de confiança como vitais para trabalhar eficazmente em equipas de cuidados primários.

Os estudos desenvolvidos por Shaw, Lusignan e Rowlands (2005) Delva, Jamieson e Lemieux (2008) e Sargeant, Loney e Murphy (2008) debruçaram-se sobre as perceções e expectativas face ao trabalho em equipa nos Cuidados de Saúde Primários, e os seus achados reforçam os dos estudos anteriores. A perceção de que ocorreu uma mudança nos valores culturais e que são necessárias novas parcerias interprofissionais é transversal. Nos achados de Shaw, Lusignan e Rowlands (2005) é percetível que práticas hierarquizadas, aliadas a falta de objetivos comuns e a inabilidade em comunicar têm sido os principais obstáculos ao desenvolvimento eficaz do trabalho em equipa. Os profissionais da equipa têm diferentes competências e o funcionamento eficaz depende da compreensão das respetivas funções e responsabilidades. Apesar de reconhecerem que alguns papéis dentro da equipa mudaram, o que permitiu aos enfermeiros algumas práticas inovadoras, na sua maioria é limitado o nível de participação no planeamento e tomada de decisões dos cuidados de saúde, reduzindo assim o sentimento de partilha no desenvolvimento futuro da equipa que se pretende interdisciplinar.

As diferenças de poder na equipa são bem evidenciadas no estudo de Delva, Jamieson e Lemieux (2008). A diminuição da dominância médica conduziu as equipas à reação em vez de planearem a mudança, como relataram os enfermeiros participantes, sendo por eles percebidas como comprometedoras do processo de trabalho em equipa, induzindo a considerá-lo como a entreajuda entre grupos profissionais, quando necessário. A distinção entre equipas interprofissionais e uniprofissionais foi destacada: o bom relacionamento entre os profissionais da equipa a entreajuda e o objetivo comum de prestar cuidados de saúde centrados nas necessidades dos utentes não faz necessariamente que seja considerada uma equipa interdisciplinar se forem mantidas abordagens operacionais separadas pelas diferentes identidades profissionais.

Os participantes no estudo de Sargeant, Loney e Murphy (2008) corroboram que o ‘trabalhar ao lado' não implica construir a equipa, e a mudança de estereótipos exige aprendizagem interprofissional, muitas vezes ocorrendo informalmente por meio de interações no contexto da prática. Dos achados deste estudo emergem algumas características de uma efetiva equipa interprofissional de Cuidados de Saúde Primários, esquematizada na figura 1.

Figura 1 ' Características da equipa eficaz em Cuidados Saúde Primários

Duas capacidades inter-relacionadas emergiram como centrais às equipas efetivas: a compreensão do papel dos outros, uma capacidade cognitiva e o respeito pelas suas funções na equipa, uma capacidade atitudinal. O respeito pelos diferentes papéis e a capacidade de o demonstrar foram considerados igualmente importantes e essenciais para um trabalho partilhado requerendo, em primeiro lugar, reflexão sobre o âmbito da própria prática e respetivo papel na equipa para uma posterior compreensão do papel dos outros. As equipas de Cuidados de Saúde Primários são dinâmicas e exigem empenho e trabalho para se desenvolverem e, em seguida, manter. De acordo com as vozes experientes dos participantes, são o resultado de um esforço ativo e contínuo que requer tempo, interação e compromisso. A compreensão comum da finalidade, filosofia e princípios dos Cuidados de Saúde Primários constituem uma base importante para a construção interprofissional, possibilitando uma clarificação das responsabilidades, competências e funções a conjugar e complementar nos diferentes tipos de cuidados. Os problemas de saúde exigem resposta fora do âmbito de uma única profissão e muitas vezes impõem colaboração intersetorial com outras organizações, instituições e organismos comunitários, sendo indispensável partilhar conhecimentos e compartilhar competências. Considerada como condição ‘sine qua non' é a comunicação que mantém a equipe coesa e permite o trabalho colaborativo, desde que regular e eficaz, o que exige acessibilidade a todos os elementos da equipa e capacidade de usar a comunicação de forma construtiva.

Na perspetiva dos participantes a comunicação é um desafio crucial para equipas eficazes, sendo transversal a todas as outras características, é entendida como estímulo para a cooperação e partilha e estruturante da coesão na equipa.

Também no estudo de Ross, Rink e Furne (2000) a comunicação entre os diferentes profissionais foi compreendida pelos participantes como essencial para racionalizar abordagens aos cuidados, reduzir a duplicação de esforços e rentabilizar competências, assumindo relevo como um instrumento para mudar práticas de trabalho.

O papel do enfermeiro na abordagem dos cuidados baseada em equipas A procura crescente de cuidados ao nível dos Cuidados de Saúde Primários foi associada às mudanças demográficas e nas estruturas familiares, o que coloca a comunidade como um ambiente emergente para prestação de cuidados, justificando o investimento e desenvolvimento das equipas de cuidados primários para uma prestação de serviços abrangente e adequada ao perfil da população local. Sem esta condição as equipas não serão capazes de responder às necessidades das pessoas e da comunidade, contudo a interdisciplinaridade foi percebida como uma melhoria nos cuidados de saúde prestados ao utente e à população. O acesso precoce aos cuidados de saúde foi identificado como essencial para maximizar as intervenções preventivas e gerir adequadamente as situações de cronicidade, sendo estes os âmbitos de intervenção em que a Enfermagem deve ser capitalizada. Apesar dos processos colaborativos serem valorizados na equipa interdisciplinar e de ser respeitado o contributo de todos os membros da equipa, o desenvolvimento interdisciplinar deve proporcionar oportunidades para que o enfermeiro (e outros profissionais) possam maximizar o seu contributo na equipa, expandindo o seu papel (O'Neill e Cowman, 2008).

No estudo realizado por Perry et al.(2005) o papel do enfermeiro foi percebido como facilitador no acesso aos cuidados. Entre os achados sobressai a perceção dos utentes e administrativos, com valorização da disponibilidade demonstrada pelos enfermeiros, percebida como melhoria no acesso aos cuidados tanto no aumento de contactos/consultas, disponíveis em diferentes momentos do dia, com redução do tempo de espera por cuidados de saúde. Para os utentes o papel do enfermeiro não era claro, mas o seu desempenho superou as expectativas tanto nas competências técnicas como nas relacionais, comunicacionais e culturais. A proximidade, a capacidade de escutar, de orientar, de explicar e fornecer informações mais detalhadas e enquadradas no ambiente social dos utentes, foram percebidas como intervenções que satisfizeram as suas necessidades de uma forma mais adequada.

A dúvida sobre o papel do enfermeiro é transversal a vários estudos (Furne, Ross e Rink, 2001; McKenna e Keeney, 2004; Martin et al., 2005; Perry et al.,2005) mas começam a emergir algumas expectativas sobre o papel profissional no seio das equipas em desenvolvimento (Markham e Carney, 2008; O'Neill e Cowman, 2008).

Os achados indiciam que os outros profissionais na equipa de saúde nem sempre possuem conhecimento sobre as funções e âmbito dprática dos enfermeiros, ou esse conhecimento é superficial, o que contribui para uma perceção do seu papel baseada em estereótipos descontextualizados que influenciam a dinâmica da equipa. No entanto parece existir consciência de que a compreensão do seu próprio papel e do dos outros dentro da equipa surge como fundamental para um processo de cuidados compartilhado.

Como emerge do estudo de Ross, Rink e Furne (2000), trabalhar em equipa multi e interdisciplinar implica esbater limites e ampliar papéis, o que parece necessitar de formação conjunta e identificação de facilitadores de apoio e reforço da equipa para o desenvolvimento de novas formas de trabalho e papéis.

Entre os achados do estudo de Markham e Carney (2008) surge a compreensão de que o atendimento de qualidade envolve cuidados culturalmente aceitáveis na comunidade, o que não se coaduna com os papéis tradicionais e uma ‘prática estagnada', mas antes envolve uma alteração de função relacionada com mudanças nas necessidades de saúde da comunidade. Os enfermeiros participantes identificam como fatores facilitadores da qualidade o desenvolvimento de práticas cada vez mais baseadas na evidência e na padronização, para uniformizar e dar consistência aos cuidados mas também para avaliar e melhorar continuamente o serviço, e a participação efetiva na equipa interdisciplinar no que se refere à coordenação e planificação das respostas às necessidades dos utentes. Se assim não for, consideram que pode ocorrer fragmentação dos cuidados que comprometem a filosofia de continuidade da assistência vinculada ao compromisso que os enfermeiros deverão assumir, o que compromete a qualidade.

Para os enfermeiros participantes no estudo de O'Neill e Cowman (2008) os Cuidados de Saúde Primários representam um desafio às competências dos enfermeiros, para desenvolverem programas integrados e parcerias como recursos para a saúde, e a equipa interdisciplinar uma oportunidade para reforçar a contribuição da enfermagem enquanto grupo profissional capaz de influenciar e adequar cuidados de saúde. O cenário da comunidade é percebido como um potencial para a intervenção inovadora dos enfermeiros devido à diversidade de grupos de clientes e necessidades em saúde da população. O ambiente de trabalho nas equipas de saúde comunitárias é compreendido como menos hierárquico que o ambiente hospitalar, no qual muitos enfermeiros perceberam ter uma maior autonomia e oportunidades para utilizar a sua iniciativa no desenvolvimento dos cuidados. As expectativas relativamente ao seu papel profissional baseiam-se na perceção de que as respostas dos serviços de saúde estão subdesenvolvidas em relação à procura e que os enfermeiros se encontram em posição de gerir algumas das necessidades da comunidade, nomeadamente as relacionadas com as pessoas idosas e com o apoio para manter em casa as pessoas que necessitam de cuidados de saúde básicos. Além destas oportunidades ligadas às condições crónicas, consideram também que podem assumir um papel de liderança nas intervenções preventivas em saúde. Relativamente às principais competências que mobilizam nas equipas, os enfermeiros identificam-se como coordenadores do atendimento e elementos chave na comunicação interdisciplinar pelo seu conhecimento local da comunidade. Muitos dos participantes sugeriram que o papel da enfermagem precisa ser redefinido em consonância com a evolução dos Cuidados de Saúde Primários, identificando a necessidade de desenvolverem a sua própria identidade na comunidade.

Conclusão Das evidências dos estudos que constituíram a amostra ressalta que é necessário ‘trabalhar' para o trabalho em equipa. A abordagem de cuidados baseada em equipas multidisciplinares exige clareza de objetivos, liderança, comprometimento e participação ampla de todos os grupos profissionais.

O papel profissional do enfermeiro na equipa multidisciplinar dos Cuidados de Saúde Primários surge pouco explícito, com tendência a uma perceção estereotipada pelos outros profissionais, mas começando a emergir algumas expectativas por parte dos utentes que o percebem como facilitador no acesso aos cuidados, valorizando as suas competências relacionais e culturais. Os enfermeiros reconhecem que o seu papel pode expandir-se, nomeadamente na área preventiva e nos cuidados no contexto domiciliário e aos idosos, considerando que podem contribuir significativamente para a reorientação e desenvolvimento de abordagens interdisciplinares nos Cuidados de Saúde Primários, melhorando a assistência aos indivíduos e satisfazendo a diversidade de necessidades de saúde da população. Embora identificando que desafios a superar para uma participação mais efetiva dos enfermeiros na decisão, planeamento e coordenação de cuidados, reconhecimento de que a mudança vai ocorrendo à medida que o papel do enfermeiro vai sendo melhor compreendido no seio da equipa e entre os utentes. Surgem como estratégias a seguir as oportunidades formais e informais de aprendizagem conjunta com os outros profissionais, a investigação e a prática baseada na evidência, o trabalho em proximidade e em parceria com os utentes e a comunidade.

Estes resultados colocam em perspetiva o potencial de desenvolvimento do papel profissional do enfermeiro, emergindo a oportunidade para uma maior responsabilização dos enfermeiros na liderança e coordenação de cuidados de proximidade, numa perspetiva de continuidade, integradora e longitudinal.

Assume-se necessária a clarificação do papel profissional junto dos utentes e de outros parceiros prestadores de cuidados de saúde, aproveitando o facto de serem ‘próximos do utente e das famílias' no acesso aos cuidados e evidenciando não a oferta de cuidados terapêuticos mas também de cuidados de bem-estar, de aconselhamento e de capacitação para a tomada de decisões e para o autocuidado, ao longo de todo o ciclo de vida. Perante o exposto evidencia-se oportuno desenvolver estudos no contexto português, face à recente reorganização das equipas multidisciplinares no âmbito da reforma dos Cuidados de Saúde Primários.


transferir texto