Adaptação dos adolescentes com cancro na fase de tratamento: uma revisão da
literatura
Introdução
Para os adolescentes com cancro, às tarefas de desenvolvimento próprias da
idade, acrescentam-se as que derivam do confronto com a doença e respectivos
tratamentos, as quais são frequentemente conflituantes ou incompatíveis
(Ettinger e Heiney, 1993). Estes doentes já adquiriram as competências
cognitivas que lhes permitem perceber a dimensão da ameaça, contudo, ainda não
possuem condições de maturidade e de experiência de vida que lhes sirvam de
referência de autoeficácia para enfrentar esta dupla contenda.
Num período de vida em que a aceitação pelos pares, a auto-imagem e a conquista
da independência são questões essenciais, o tratamento do cancro impõe um
aumento da dependência dos pais e o afastamento dos pares. Para além disso,
estes adolescentes têm de lidar com várias situações de stresse, entre as quais
numerosas idas ao hospital e internamentos repetidos, intervenções
diagnósticas, de tratamento e de avaliação dolorosas e ansiogénicas, e ainda
com os efeitos adversos dos tratamentos (Abrams, Hazen e Penson, 2007; Smith et
al., 2007; Manne e Miller, 1998).
O conceito de adaptação, embora muitas vezes usado como sinónimo de
ajustamento, é mais amplo. A sua origem situa-se na Teoria da Evolução de
Darwin e de certa forma designa a luta natural pela sobrevivência, tendo em
conta as constantes alterações no meio (interno e externo), que constituem as
contingências da existência dos indivíduos e deve ser vista mais como processo
do que resultado, já que corresponde a uma necessidade permanente. Nesta
perspetiva, a adaptação à doença é definida como um processo continuado através
do qual os indivíduos lidam com situações novas ou ameaçadoras, de forma a
gerir o sofrimento emocional, solucionar os problemas específicos relacionados
com a doença e obter domínio ou o controlo das situações de vida relacionadas,
no sentido de satisfazerem as suas necessidades de saúde (Diez, Forjaz e
Landívar, 2005; Hinds et al., 1990). A uma adaptação efetiva correspondem os
casos em que os doentes são capazes de reduzir ao mínimo os transtornos nas
suas distintas áreas de funcionamento, regulando o mal-estar emocional e
mantendo-se implicados nos aspetos da vida revestidos de significado e
importância para eles (Diez, Forjaz e Landívar, 2005).
Questão e objetivos da revisão da literatura
Esta revisão baseia-se na questão geral: Como se caracteriza e se processa a
adaptação dos adolescentes com cancro durante a fase de tratamento?
Especificamente, orientou-se para a consecução dos seguintes objetivos:
- Identificar os construtos básicos considerados nas investigações empíricas
centradas na análise dos processos, das variáveis mediadoras e/ou das respostas
de adaptação dos adolescentes com cancro em fase de tratamento.
- Caracterizar as condições, processos e respostas adaptativas destes
adolescentes expressos nos resultados de investigações empíricas.
Metodologia
Este trabalho corresponde a uma revisão sistemática da literatura com resumo
narrativo (Joanna Briggs Institute, 2008).
Estratégias de pesquisa
A pesquisa bibliográfica foi realizada em exclusivo em bases de dados on-line.
A pesquisa nas bases de dados foi realizada no mês de março de 2011,
recorrendo, em momentos sucessivos, 1º) a bases de dados disponibilizadas pela
EBSCOhost (CINAHL Plus with Full Text, MEDLINE with Full Text, Cochrane Central
Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews,
Psychology and Behavioral Sciences Collection, MedicLatina, Academic Search
Complete); 2º) à SciELO (bases integradas) e 3º) ao RCAAP (Repositório
Científico de Acesso Aberto de Portugal).
No final, revimos ainda a bibliografia dos artigos retidos, de modo à possível
identificação de artigos relevantes não encontrados nas bases de dados.
Com o propósito de fazer uma pesquisa que incluísse tanto quanto possível os
relatórios de investigações centrados no objeto de estudo desta revisão,
utilizámos como palavras-chave no campo do título (TI) os termos principais da
População (adolescentes; cancro) e dos Resultados (adaptação) acrescentado
palavras sinónimas ou de sentido similar. Em relação ao fenómeno em estudo
(adaptação), alargamos a procura aos campos do resumo (AB, abstract) e dos
assuntos de indexação (SU, subjects), de modo a incluir também os relatórios
nos quais, podendo o tema não ser referido no título, fosse explicitado pelo
autor (no resumo) e pelo indexador (nos descritores de assuntos).
A expressão de pesquisa que utilizamos na EBSCOhost foi a seguinte: TI
(adolescen* OR young* OR youth* OR teen* OR puber* OR child* OR pediatric* OR
paediatric*)
AND TI (cancer* OR carcinoma* OR neoplasm* OR tumo* OR onco* OR malignan* OR
leukemia* OR leukaemia OR lymphoma* OR hodgkin OR osteosarcoma OR sarcoma OR
hemato*)
AND (TI (adapt* OR adjust* OR cope OR coping OR manag* OR deal* OR distress*)
OR (AB (adapt* OR adjust* OR cope OR coping OR manag* OR deal*) AND SU (adapt*
OR adjust* OR coping))).
Na base SciELO e no RCAAP, a pesquisa foi feita com os mesmos termos, mas em
tentativas sucessivas com um ou dois termos por linha. Na SciELO, a pesquisa
foi feita em inglês e no RCAAP em português.
No processo de seleção dos relatórios, foram considerados os critérios de
inclusão e de exclusão estabelecidos (Quadro 1).
Quadro 1 ' Critérios de inclusão e exclusão dos relatórios
Na SciELO.org não encontrámos nenhum documento com os critérios de inclusão
estabelecidos. No RCAAP encontrámos duas dissertações de mestrado que à partida
eram de incluir; todavia, pela leitura dos textos, verificámos que uma
(Cardoso, 2010) corresponde a um estudo quantitativo exploratório com uma
amostra muito pequena (12 adolescentes), o que limita a sua validade externa, e
a outra (Barros, 2008), baseada em relatos de jovens adultos e adultos jovens
que tiveram uma doença hemato-oncológica há 5 anos ou mais, centra-se
principalmente no impacto da doença e no contributo de enfermagem.
Assim, só selecionámos artigos das bases de dados acessíveis a partir da
EBSCOhost. No final do processo de constituição da amostra (Figura 1),
retivemos 15 artigos, que constituíram o corpus documental para análise.
Figura 1 ' Fluxograma do processo de constituição da amostra (EBSCOhost)
Amostra
Todos os artigos objetivaram analisar aspetos relevantes da adaptação dos
adolescentes com cancro, embora a partir de diferentes perspetivas e centrados
em construtos distintos.
Dos 15 artigos retidos para análise (Quadro 2), a maioria (8) reporta-se a
investigações de tipo quantitativo, 6 de tipo qualitativo e 1 em que se
utilizou metodologia mista.
Quadro 2 ' Caracterização geral dos artigos revistos
A afiliação profissional dos autores é diversa, assim como a nacionalidade das
amostras. Tanto quanto pudemos fazer a respetiva identificação, 4 artigos são
da autoria de enfermeiros em exclusivo (Wu et al., 2009, Tailândia; Ramini,
Brown e Buckner, 2008, USA; Yeh, 2001, Tailândia; Kyngås et al., 2001,
Finlândia), 3 de psicólogos em exclusivo (Manix, Feldman e Moody, 2009, USA;
Wallace et al., 2007, Inglaterra; Barrera et al., 2003, Canadá), 2 de médicos
em exclusivo (Sanjari et al., 2008, Irão; Sorgen e Manne, 2002, USA), 2 em
parceria de médicos e psicólogos (Williamson et al., 2010, Inglaterra; Trask et
al., 2003, Inglaterra), 1 em parceria de enfermeiros e médicos (Hinds et al.,
2000, USA), 1 em parceria de enfermeiros e outros profissionais de oncologia
(Enskår e von Essen, 2007, Suécia) e 2 de profissionais de oncologia não
discriminados (Jörgarden, Mattsson e von Essen, 2007, Suécia; Hedström, Skolin
e von Essen, 2004, Suécia).
Só em 6 das investigações, a amostra não foi composta em exclusivo por
adolescentes (10-19 anos). Nos restantes casos, como se preconizava nos
critérios de seleção dos artigos, estes discriminavam os resultados referentes
aos adolescentes.
Nos estudos qualitativos, o tamanho da amostra variou entre 4 e 34
participantes, enquanto nos estudos quantitativos variou entre 23 e 120
participantes. Em 2 casos, incluiu os pais, num (1), uma amostra comparação de
adolescentes saudáveis e, noutro, um (1) grupo de controlo equivalente.
Extração e Análise dos Dados
O conteúdo dos 15 artigos selecionados foi sujeito a uma análise descritiva. Os
dados foram retirados do texto integral dos relatórios de investigação
selecionados e transcritos numa tabela elaborada para o efeito, com as
referências fundamentais para caracterizar os relatórios e as investigações que
estiveram na sua base, assim como com a informação necessária para a consecução
dos objetivos desta revisão.
Resultados
Constructos centrais
Considerando a ordem decrescente de generalidade dos conceitos relacionados com
a adaptação à doença, verificámos nos relatórios analisados que Adaptação foi o
construto central em 2 estudos (ambos assumindo como referência o Modelo de
Adaptação de Calista Roy), Ajustamento em 6 estudos (1 centrado em exclusivo
nos Sintomas de Distresse, como indicador de ajustamento negativo, 1 centrado
na Perceção da Qualidade de Vida e Otimismo, como indicadores de ajustamento
positivo, e 4 focando-se em simultâneo nos dois tipos de indicadores), Coping
em 5 estudos (centrados nos recursos e estratégias cognitivas e comportamentais
para lidar com o stresse decorrente da situação de doença) e, por fim, Gestão
das Mudanças na Aparência em 2 estudos.
Condições, processos e respostas adaptativas dos adolescentes com cancro em
fase de tratamento
Os resultados dos estudos revistos, assim como as principais conclusões
aludidas pelos autores, são apresentados em síntese no Quadro 3.
Quadro 3 ' Síntese dos Resultados / Conclusões dos artigos revistos
Tendo em conta os construtos principais em análise, o quadro está dividido em
secções correspondentes.
Discussão
Na pesquisa nas bases de dados online, obtivemos muitos relatórios que, embora
referindo-se aos adolescentes com cancro, na sua grande maioria, correspondiam
a artigos conceptuais ou a relatos de investigações relativos aos sobreviventes
ou, também bastantes, a pesquisas centradas nos pais. Outros reportavam-se ao
estudo de determinados fenómenos relevantes no contexto dos adolescentes com
cancro (autoestima, autoimagem, sintomas e problemas, distresse, suporte
social, intervenções profissionais, entre outros), mas em que a noção de
adaptação não é reconhecida.
Para além disso, muitas investigações eram realizadas em amostras pediátricas
gerais, sem discriminarem os adolescentes, o que de algum modo denota uma
preocupação maior com a verificação de construtos ou pressupostos teóricos
gerais, sem levar em linha de conta as características desenvolvimentais
específicas da adolescência.
Assim, tendo restringido o período temporal de inclusão aos documentos
publicados entre os anos 2000 e 2010, dos muitos relatórios listados no início
da pesquisa, poucos acabaram por ser retidos para análise, no total 15.
Percebe-se pela afiliação profissional dos autores que este assunto interessa a
várias disciplinas, especialmente à enfermagem, à psicologia e à medicina.
Consistente com a linha da investigação mais estabelecida na análise do impacto
e confronto com a doença, a maioria dos estudos revistos centraram-se no
ajustamento psicológico e nos estilos/estratégias de coping (n=11). E, destes,
grande parte recorreu uma abordagem tradicional, do ponto de vista das
assunções teóricas, metodológicas e instrumentais, evidenciando como
preocupação essencial a prevenção do distresse e do desajustamento psico-
comportamental. Porém, alguns, avançando para novos paradigmas, procuraram
testar novas teorias ou identificar e compreender determinados fenómenos a
partir de desenhos de natureza mais indutiva.
Uma limitação geral que podemos imputar aos resultados da revisão é que a
maioria dos estudos analisados se baseou em amostras pequenas, algumas
incluindo em simultâneas crianças mais novas. Outra, a nosso ver a limitação
mais séria, é que foram minoritários os estudos longitudinais, elucidando, por
isso, muito pouco acerca da característica essencial da adaptação à doença
grave, que é a sua dinâmica de continuidade e de transição.
Das duas investigações revistas centradas no construto Adaptação, ambas de
cariz qualitativo e da autoria de enfermeiros, conclui-se que, de um modo
geral, os adolescentes revelam uma adaptação positiva e que, para isso,
recorrem a processos criativos. O estudo de Yeh (2001) sugere que os aspetos
físicos estão interactivamente ligados com os psicológicos, assim como a
interdependência se entrecruza, igualmente, com o desempenho de papéis, o que
não é contrário à perspetiva de Calista Roy (Phillips, 2010; Ellis, 1991).
No estudo de Yeh (2001), um dos aspetos que emergiu como relevante do ponto de
vista da adaptação dos adolescentes com cancro foi a orientação relativa ao
futuro. Compreende-se que este tema seja fundamental nos adolescentes,
especialmente nos mais velhos, considerando a sua fase de desenvolvimento.
Deste modo, é sublinhada a necessidade de os profissionais de saúde serem
capazes de antecipar e preparar os doentes para as ocorrências prováveis,
sobretudo fornecendo informação, propiciando suporte social e levando em linha
de conta as avaliações subjetivas, medos, anseios e expectativas (Abrams, Hazen
e Penson, 2007).
Como é preconizado por Aldridge e Roesch (2007); Brennan (2001), entre outros,
a maior parte dos estudos retidos, centrados no ajustamento à doença, não se
orientam em exclusivo para o estudo dos problemas psicológicos e
comportamentais (distresse), incluindo conjuntamente a análise de aspetos
positivos, como é o caso de qualidade de vida e satisfação com a vida. De
facto, os estudos analisados revelam que os adolescentes com cancro em fase de
tratamento apresentam níveis médios de qualidade de vida reveladores de bom
ajustamento (Barrera et al., 2003) e que, mesmo no contexto de experiências de
elevado potencial stressante, são capazes de reconhecer e salientar aspetos
positivos (Hedström, Skolin e von Essen, 2004).
Para além disso, essas experiências parecem evoluir ao longo do processo de
tratamento, no sentido de um ajustamento crescente (Jörngarden, Mattsson e von
Essen, 2007).
Face a estes resultados, colocam-se várias questões. Uma delas tem a ver com o
teor das análises quantitativas, que predominam e que podem encobrir, com a
expressão da média, os casos de distresse elevado (Neville, 1996) ou de baixa
perceção de qualidade de vida, em ambos os casos a necessitarem de intervenção
profissional precoce. Outra questão tem a ver com a maior tendência que se tem
verificado entre os adolescentes com cancro para adotarem um estilo de
adaptação repressivo ' defensivo, com a ativação de um sistema de defesa auto
induzido, que, no início da doença, se traduz em níveis elevados de esperança,
autoestima e autoeficácia (Hinds et al., 2000), mas que, a prazo, parece estar
associado a alta incidência de problemas de saúde, nomeadamente, a diminuição
da função imunitária (Aldridge e Roesch, 2007; Fuemmeler et al., 2003), o que
na situação destes adolescentes é especialmente crítico.
Verifica-se também que nem todos os aspetos considerados problemáticos como
causadores de distresse se evidenciam com impacto na satisfação com a vida
relatada pelos adolescentes. Todavia, como outros estudos têm revelado, para
além dos problemas com a alimentação, da noção de falta de controlo sobre a
vida e do humor triste, a fadiga é destacada como um problema que deve ser
valorizado (Perdikaris et al., 2009; Erickson, 2004).
Barrera et al. (2003) notaram que o temperamento dos adolescentes pode ser um
preditor do ajustamento. Noutro estudo, analisou-se essa relação em crianças em
geral e os autores observaram que as crianças temperamentalmente mais negativas
(segundo a avaliação dos pais) tendiam a revelar mais ansiedade e depressão
(Miller et al., 2009), não sendo porém os resultados suficientemente claros.
A investigação de Manix, Feldman e Mody (2009), por sua vez, apreciou
particularmente a relação entre o ajustamento à doença e o otimismo dos
adolescentes, concluindo-se que este pode ser um fator moderador e de
resiliência face ao impacto das experiências de stresse e que, sendo assim,
deve ser objeto de intervenção, no sentido de desenvolver essa característica
nos doentes, nomeadamente através dos seus pais e pela atitude positiva dos
profissionais.
Um outro resultado relevante foi a associação registada entre o distresse dos
adolescentes e o distresse dos pais (Trask et al., 2003), assim como entre as
respetivas estratégias de coping (Sanjari et al., 2008; Trask et al., 2003).
Estas correlações destacam a importância da funcionalidade familiar e das
intervenções de apoio à família, no sentido do ajustamento à doença.
Virando-nos agora para as estratégias de confronto (coping) com a situação de
doença, constatamos que os estudos revistos obtiveram resultados de diferente
teor, conforme a natureza qualitativa ou quantitativa das investigações.
Os estudos qualitativos, livres das categorizações prévias explícitas nos
instrumentos estruturados, permitiram identificar recursos diversos e
estratégias complexas e dinâmicas, geridos sob tensão das experiências cíclicas
de perder a confiança e reconstruir a esperança (Wu et al., 2009). Segundo
Hinds et al. (2000), o aumento da esperança (conforto cognitivo), resulta numa
imagem de si mais positiva e na diminuição dos sintomas de distresse,
favorecendo a perceção de um melhor estado físico.
A reconstrução da esperança e o voltar ao normal (Kyngas et al., 2001)
tornam-se possíveis com a força do apoio social, afetivo e informacional, e do
suporte às necessidades e atividades de vida (por parte da família, dos pares,
dos profissionais de saúde), assim como da esperança na recuperação. Este
processo passa com frequência por estratégias criativas efetivadas ao nível do
mundo interior dos adolescentes, incluindo a reestruturação cognitiva e a
relativização dos valores, de modo a persistir na crença positiva de
recuperação e de satisfação com a vida.
Os estudos quantitativos centrados no coping dos adolescentes em tratamento do
cancro, para lá da já referida associação positiva entre os recursos utilizados
pelos adolescentes com cancro e pelos seus pais (Sanjari et al., 2008),
salientam a eficácia das estratégias coping tendo em conta a correspondência
com a perceção de controlabilidade da situação (Sorgen e Manne, 2002),
sugerindo mesmo que intervenções profissionais com o propósito de promover
nestes doentes a utilização de estratégias de envolvimento e focadas no
problema podem ser contraproducentes (Hinds et al., 2000). De facto, alguns
estudos têm demonstrado que nem sempre as estratégias de envolvimento e
centradas no problema são as mais eficazes como se postulava. Na fase pós
diagnóstico, o recurso à negação, à minimização cognitiva e à solicitação de
apoio afetivo, diminui o mal-estar emocional e permite ganhar forças para
enfrentar a doença. Investir em estratégias ativas de mudança da situação,
quando ela é avaliada como incontrolável, resulta em aumento da ansiedade e do
sentimento de impotência (Aldridge e Roesch, 2007).
A imagem corporal é um aspeto preocupante para os doentes com cancro de um modo
geral e especialmente para os adolescentes, pois está fortemente relacionada
com a identidade pessoal e com as relações de intimidade (Fan e Eiser, 2009).
Os artigos analisados efetivamente evidenciam a seriedade das experiências e a
complexidade dos mecanismos a que os adolescentes têm de recorrer para lidar
com as mudanças da aparência durante os tratamentos. Os processos de gestão da
situação de aparência alterada, podem passar por formas de disfarce e inibição
de aparecer em público ou por encontrar uma apresentação alternativa e aprender
a viver com as reações dos outros. Pode até, superadas as fases de rejeição da
diferença e de persistir no regresso à normalidade, traduzir-se numa mudança
e relativização da aparência como valor (Williamson et al., 2010; Wallace et
al., 2007). A sensibilidade, a informação, o apoio técnico dos profissionais,
assim como a compreensão e proteção dos pares, especialmente no espaço escolar,
são considerados fundamentais.
Os campos de atividades/férias são apreciados como muito importantes e
benéficos para a adaptação positiva ao cancro e seus tratamentos. A maioria dos
adolescentes participantes sente que podem beneficiar de serem capazes de falar
com outros sobreviventes acerca das suas experiências, incluindo a gestão da
aparência alterada desde o diagnóstico até depois do tratamento. Necessitam
ouvir histórias de sucesso e de falar com alguém que genuinamente sinta pelo
que estão a passar (Wallace et al., 2007; Ramini, Brown e Buckner 2008).
Conclusão
Os resultados da presente revisão da literatura sobre a adaptação dos
adolescentes com cancro em fase de tratamento permitem-nos uma visão mais atual
e esclarecida acerca dessa experiência crítica de vida e abrem novas
perspetivas para investigações futuras.
Fica-se com a ideia de que o modelo comportamentalista de coping (inspirado na
escola de Folkman e Lazarus), não sendo rejeitado, tende a ser questionado como
referência dominante e complementado a partir de novas perspetivas teóricas,
das áreas sócio cognitivista e fenomenológica, ou introduzindo novas
argumentos, como a relevância da correspondência entre coping e perceção de
controlo, dos estilos adaptativos (repressivos/ansiosos) ou, ainda, do
temperamento.
Também se reconhece que é forçoso dar mais atenção ao processo de adaptação,
enquanto transição pessoal, acentuando as mudanças intrapsíquicas em situações
de ameaça para a vida, nomeadamente ao nível dos valores e das visões do mundo,
ou, ainda, à necessidade dos indivíduos alternarem o seu foco existencial, por
períodos, ao longo da doença (ora colocando a doença e o sofrimento em primeiro
plano, ora abstraindo-se da doença e centrando-se em si como pessoa e na
reapreciação da vida e das relações).
Ao nível das implicações para a prática de cuidados o que mais sobressai é a
pluralidade de reações dos adolescentes com cancro face aos eventos
considerados stressores e que é essencial aceder às avaliações dos adolescentes
acerca da sua ameaça e controlabilidade. Parece também estar reunida evidência
empírica de que os adolescentes têm elevadas capacidades de resiliência e
confronto com a doença e com os tratamentos e que as suas maiores fontes de
suporte são uma família funcional e a continuidade das relações positivas com
os amigos. Dos profissionais de saúde esperam sobretudo sensibilidade,
competência técnica e informação que lhes permita antever o futuro e ter
esperança.
É preciso ouvir a voz dos adolescentes e dos seus pais: é essencial que possam
expressar as suas sensações e sentimentos de mal-estar, de capacidade ou
limitação funcional, assim como indicar formas mais satisfatórias de cuidado,
tendo em conta as suas condições, necessidades e expectativas.