A gestão do autocuidado nos idosos com diabetes: revisão sistemática da
literatura
Introdução
A diabetes é hoje um problema de saúde pública, pela elevada incidência e
prevalência que apresenta. Em Portugal, a sua prevalência é de 11,7% e a da
hiperglicémia intermédia ou pré-diabetes de 23,2%, no grupo etário dos 20
aos 79 anos, afetando em especial os mais idosos, o que em termos globais
estima 905.035 portugueses com diabetes e 1.782.663 pessoas com pré-diabetes.
Este aumento da diabetes, por um lado deve-se às mudanças sociais e culturais
ocorridas nas últimas décadas que levaram a alterações de estilos de vida e a
comportamentos de risco e por outro lado ao envelhecimento da população, o que
pode agravar o problema, sendo de esperar que aumentem os números atuais, à
medida que aumentar na população a faixa etária dos idosos. Mais de um quarto
da população entre os 60-79 anos tem Diabetes, existindo correlação direta
entre o aumento da prevalência da diabetes e envelhecimento e, correlação
inversa entre o nível educacional e a prevalência da Diabetes (Observatório
Nacional da Diabetes, 2012).
As pessoas mais velhas são mais propensas a ter co-morbilidade o que tem um
impacto direto no controlo da glicémia, gestão da diabetes e os subsequentes
resultados na saúde, pelo que o tratamento e os cuidados de saúde que os idosos
com diabetes necessitam são diferentes dos das pessoas mais jovens. A
apresentação da diabetes nos idosos é muitas vezes não especifica e a
hiperglicemia tende, pelo menos inicialmente, a ser mais leve do que nas
pessoas mais jovens ou, pode até ser, completamente assintomática (Jack et al.,
2004).
Da perspetiva da gestão do autocuidado a diabetes nos idosos apresenta
complexidades adicionais, relacionadas com problemas específicos da idade como
baixos níveis de independência, mobilidade reduzida, suporte social
desadequado, reduzida capacidade para o autocuidado. Estes fatores são muitas
vezes limitadores do acesso aos cuidados e o impacto na saúde e na qualidade de
vida do idoso é muitas vezes subestimado pelos profissionais (Sousa e
Zauszniewski, 2005; Wood, 2009).
A diabetes exige do doente e dos profissionais de saúde uma atenção constante,
pois o modo como lidam com a doença é determinante da qualidade de vida. A
necessidade do tratamento permanente impõe ao doente a capacidade de gerir os
seus problemas e ao enfermeiro acompanhamento dos resultados dessa gestão.
Nesse sentido, a intervenção dos enfermeiros para a capacitação do doente com
diabetes, exige-lhes muito mais do que competências técnicas, requerendo também
competências comunicacionais e relacionais no cuidar efetiva e adequadamente do
portador de uma doença crónica para que esse indivíduo tenha o conhecimento, a
aceitação e a capacidade para o autocuidado, o que significa poder vir a ter
uma vida com qualidade. Os idosos com diabetes integram-se no grupo dos doentes
com quadros crónicos e carecem de aptidões de autocuidado para gerir problemas
em casa, associadas a um cuidado e tratamento pró-ativos, integrados,
planeados, que prevejam as suas necessidades, de modo a que quaisquer
alterações ou deterioração no seu estado possam ser rapidamente enfrentados
antes de evoluírem para uma situação aguda (Jack et al., 2004; Internacional
Council of Nurses, 2010)
O autocuidado enquanto função humana reguladora é diferente de outros tipos de
regulação do funcionamento e desenvolvimento humanos, sendo que parte dos
cuidados realizados pelo ou para os indivíduos visam controlar fatores humanos
ou ambientais que afetam o funcionamento ou o desenvolvimento humano
(Söderhamn, 2000), neste sentido pode entender-se o autocuidado como cuidado
antecipatório. As estratégias para dar resposta a este problema exigem uma
abordagem colaborativa, visando uma maior consciencialização e o incentivo a
escolhas saudáveis, realistas e economicamente acessíveis à população. As
intervenções ao nível da prevenção primária e secundária são essenciais e os
enfermeiros podem liderar o processo de consciencialização e a promoção do
autocuidado nas doenças crónicas, nomeadamente a diabetes (Internacional
Council of Nurses, 2010). Assim, afigurou-se pertinente realizar uma revisão de
literatura com o objetivo de conhecer estudos que permitissem identificar
fatores que influenciam na gestão do autocuidado no idoso diabético.
Quadro teórico
A estratégia do autocuidado fundamenta-se na conceção do homem como um ser
capaz de refletir sobre si mesmo e o seu ambiente, simbolizar aquilo que
experimenta, desenvolver e manter a motivação essencial para cuidar de si
mesmo. O autocuidado implica a execução de ações dirigidas pela e para a
própria pessoa ou dirigidas ao ambiente com a finalidade de satisfazer as
próprias necessidades, de maneira a contribuir para a manutenção da vida, saúde
e bem-estar (Söderhamn, 2000). O autocuidado tem sido compreendido à luz do
referencial teórico de Orem que tem como premissa a crença de que o ser humano
tem habilidades próprias para promover o cuidar de si mesmo e que pode
beneficiar com os cuidados de enfermagem quando apresentar incapacidade de se
auto cuidar. O autocuidado é definido como a prática de atividades que uma
pessoa inicia e realiza por sua própria vontade para manter a sua vida, saúde e
bem-estar, sendo uma conduta aprendida em resultado de experiências cognitivas
culturais e sociais. Exige o desenvolvimento de habilidades que são
influenciadas por um conjunto de fatores intrínsecos e extrínsecos à pessoa
como a idade, o sexo, o sistema familiar, o padrão de vida, os fatores
ambientais, acesso a adequação e disponibilidade de recursos de saúde
(Söderhamn, 2000).
O desenvolvimento da competência para o autocuidado em idosos com diabetes
assume particular importância uma vez que as suas necessidades de saúde sofrem
contínuas modificações, especialmente ao longo do processo de envelhecimento,
requerendo práticas sempre renovadas de cuidados à saúde. Jack et al. (2004)
alertam para a frequência com que se rouba ao idoso diabético a capacidade de
autocuidado, em nome da eficiência e proteção. Os profissionais de saúde, e
mesmo os idosos, questionam muitas vezes a competência para o autocuidado
devido a conceções equivocadas e estereótipos que relacionam velhice com a
perda de capacidades e poder para influir sobre si próprio, o que pode
determinar uma atitude passiva dos idosos. No estudo de Hughes e Goldie (2009)
há evidência que os idosos aceitam o controlo sem questionar, aderem à
medicação e têm pouco envolvimento na tomada de decisão. Os profissionais de
saúde parecem ponderar entre os efeitos adversos de um maior envolvimento dos
idosos na tomada de decisão face à terapêutica e contributo que poderia ter
para sua autonomia e empowerment. Sousa e Zauszniewski (2005) procuraram
explicar as relações entre os fatores que influenciam o sucesso de um indivíduo
na gestão do autocuidado. Desenvolveram um modelo de gestão do autocuidado na
diabetes que lhes permitiu identificar relações entre as construções, conceitos
e variáveis que influenciam a tomada de decisão e comportamentos em indivíduos
com diabetes mellitus. Os seus estudos revelaram que os conhecimentos sobre a
diabetes parecem ser fundamentais para o reforço da capacidade de autocuidado e
confiança (auto-eficácia), que em conjunto contribuem para a melhor gestão da
doença. Além disso, promover o apoio social do indivíduo também parece reforçar
o autocuidado e a gestão da diabetes.
Para o desenvolvimento efetivo de práticas de autocuidado deve haver a
participação ativa, responsável e eficaz do idoso e o envolvimento de
terceiros, sempre que possível, deve ser por ele gerido assegurando-se, desta
forma, a sua autonomia e integração ao seu ambiente. Não é a idade ou a doença,
mas os valores adquiridos ao longo da vida e a própria história de vida que
influenciam as decisões das pessoas no que diz respeito ao seu próprio cuidado.
Há, assim, outros fatores que emergem da estrutura social, cultural ou de vida
pessoal a moldar o autocuidado através da experiência de adoecer. A experiência
da doença é um conhecimento único da pessoa (viver com...) que não pode ser
desconsiderado pelo profissional já que é essencial para um suporte efetivo à
gestão do autocuidado (Jack et al., 2004; Silva et. al. 2009). A relação entre
o profissional e o idoso terá de ser de reciprocidade, em que a experiência de
vida constituirá o eixo sobre o qual se assenta o processo de autocuidado. Wood
(2009) defende que o planeamento personalizado e integrado de cuidados, num
trabalho em parceria entre profissionais e idosos com diabetes traz como
benefícios uma maior probabilidade de adesão às medidas de autocuidado, porque
o idoso foi envolvido nas decisões e há maior compreensão da sua situação
perante a diabetes, assumindo mais responsabilidade na gestão da sua doença.
Além disso, esta parceria colaborativa equilibra a perspetiva do enfermeiro e
as preocupações do idoso, permitindo clarificar as metas a alcançar e definir
objetivos realistas a seguir. O estudo desenvolvido por Sousa, Peixoto e
Martins (2008) evidencia a influência positiva do comportamento do enfermeiro
no autocuidado com a alimentação, os pés e exercício físico, quando demonstra
disponibilidade, faculta informação escrita e tem o cuidado de envolver pessoas
significativas no processo de cuidados. Numa revisão sistemática da literatura
Pun, Coates e Benzie (2009) encontraram evidências sobre barreiras ao
autocuidado na diabetes quer na perspectiva dos doentes quer na dos
profissionais de saúde. Nos estudos revistos foram identificadas como
principais barreiras inerentes ao doente: as motivacionais, relacionadas com o
conhecimento insuficiente da doença, tratamento e gestão da diabetes; as
socioeconómicas, ambientais e culturais, relativas ao status económico e
escolaridade; as físicas, nomeadamente idade e género. Como barreiras
resultantes dos profissionais constataram a comunicação ineficaz e empowerment
do doente.
O Internacional Council of Nurses (2010) propõe como referencial para a
intervenção o Modelo de Cuidados na Doença Crónica (Chronic Care Model, CCM),
onde se enquadra a diabetes, com abordagem centrada na interação entre um
doente participante, motivado, informado, com capacidades e confiança para
tomar decisões efectivas acerca da sua saúde e para a gerir, e profissionais
pró-ativos, motivados para informar o doente, apoiar as suas decisões e com
recursos para prestar cuidados de qualidade. De entre os seis elementos inter-
relacionados em que o modelo se baseia, assume relevo para o enquadramento
conceptual do autocuidado o da Relação doente ' prestador de cuidados e de
entre as atividades/ contribuições com relevância para a enfermagem o envolver
os doentes como parceiros ativos na gestão da(s) respetiva(s) doença(s) e o
facilitar o autocuidado e a gestão pelo doente .
Metodologia
Numa primeira fase realizou-se uma pesquisa preliminar no repositório
científico de acesso aberto de Portugal e no motor de pesquisa Google, para
identificar literatura cinzenta, seguidamente nas plataformas SciELO -
Scientific Electronic Library Online, SciELO Portugal, ISI Web of Knowledge,
Biblioteca do Conhecimento Online (b-on) e EBSCOhost que permitiram identificar
os descritores mais apropriados: autocuidado, Idoso, no idioma português,
autocuidado, anciano em espanhol, Self Care, Selfmanagement, Aged, Elderly,
Elder em inglês e Diabetes mellitus comum aos três idiomas. Somente se
obtiveram resultados com descritores no idioma inglês e na plataforma
EBSCOhost. Posteriormente construiu-se o protocolo que conduziu a revisão
sistemática da literatura: definição da questão de investigação, procura e
seleção dos estudos, avaliação da qualidade metodológica dos estudos, extração
dos dados, síntese dos resultados (Centre for Reviews and Dissemination, 2009).
Definiu-se a questão de investigação com base na clarificação PI(C)OD -
Participantes, Intervenções, (Comparações), Resultados, Desenho: nos idosos com
diabetes (P) quais (D) os fatores que influenciam (I) a gestão do autocuidado
(O)? na plataforma EBSCOhost pesquisou-se nas bases de dados electrónicas
CINAHL with full text, MEDLINE with full text, Nursing & Allied Health
Collection: Comprehensive, British Nursing Index, Academic Search Complete.
Cruzaram-se três a três os termos Selfmanagemente e Self-Care com Aged,
Elderly, Elder e com Diabetes mellitus em cada uma das bases, pesquisando-os no
título (TI), no resumo (AB) e texto integral (TX), emergindo 78 artigos.
Estabeleceram-se como critérios de inclusão, estudos que respondessem à questão
de investigação, sem restrições quanto ao seu desenho, publicados na última
década (2000-2010), disponíveis em texto completo nos idiomas português,
inglês, francês ou espanhol. Como critérios de exclusão estipulou-se os estudos
realizados em ambiente hospitalar.
A seleção dos estudos realizou-se através da leitura do título e do resumo
selecionando-se 51 e excluindo-se 27 artigos cuja população de diabéticos era
adulta mas não idosa. Após leitura dos artigos na íntegra a amostra de estudos
reduziu para 43 que cumpriam os critérios de inclusão pré-estabelecidos,
excluindo-se 8 realizados em contexto de internamento. A partir desta fase,
para aumentar a confiabilidade e transparência do processo de seleção, incluiu-
se outro investigador para avaliar a qualidade metodológica de cada artigo
tendo como padrões de avaliação a coerência e congruência metodológica do
estudo (na descrição de objetivo, participantes, método de colheita e análise
de dados), a credibilidade (profundidade da análise) e confiabilidade dos
resultados (clareza das evidências), a relevância dos achados: exploração
temática, descrição conceptual e explicação interpretativa (Sandelowski e
Barroso, 2007) e a hierarquia das evidências de acordo com o tipo de estudos:
de múltiplos estudos randomizados a estudos de experiência ou opinião (Centre
for Reviews and Dissemination, 2009). Os 43 artigos foram analisados na íntegra
e de forma independente pelos dois investigadores. Feita a avaliação crítica da
qualidade dos estudos houve consenso na selecção dos estudos resultando a
amostra em 9 artigos que se resumem no Quadro_1.
Quadro_1
Resultados
Como método de síntese dos resultados, o meta-sumário qualitativo desenvolvido
por Sandelowski e Barroso (2007) afigurou-se particularmente adequado, em
primeiro lugar porque a amostra inclui estudos mistos e em segundo lugar, tanto
os estudos qualitativos como os quantitativos convergem para a homogeneidade na
composição da amostra. Para acomodar as particularidades das conclusões (tanto
qualitativas como quantitativas) dos estudos, seguiu-se uma abordagem de
agregação descritiva dos resultados em sínteses integradoras com posterior
criação de categorias analíticas que permitiram a sumarização dos resultados. O
processo de síntese englobou três etapas com algum grau de sobreposição:
análise indutiva em simultâneo com a codificação livre, linha por linha, dos
resultados de cada estudo para extrair e sintetizar achados que respondessem à
questão de revisão; organização dos indicadores em conceitos e tradução de
conceitos entre os estudos com a construção de 14 temas descritivos; análise
dos temas descritivos, gerando 3 categorias mais abstratas descritoras dos
fatores inferidos nos estudos como interferentes na gestão do autocuidado do
idoso diabético (Quadro_2).
Quadro_2
A categoria Contexto pessoal resultou da análise de 4 temas descritivos
extraídos de 8 estudos (Huang et al., 2004; Morrow et al., 2008; Moser et al.,
2008; Schoenberg et al., 2008; Bai, Chiou e Chang, 2009; Huang, Chen e Yeh,
2009; Scollan-Koliopoulos e Walker, 2009; Handley, Pullon e Gifford, 2010). De
7 estudos retiraram-se 6 temas descritivos de cuja análise adveio a categoria
Situação social (Huang et al., 2004; Morrow et al., 2008; Schoenberg et al.,
2008; Bai,Chiou e Chang, 2009; Huang, Chen e Yeh, 2009; Song e Lee, 2009;
Handley, Pullon e Gifford, 2010). A construção da categoria Suporte ao cuidado
procedeu da análise de 4 temas descritivos recolhidos em 7 estudos (Huang et
al., 2004; Morrow et al., 2008; Moser et al., 2008; Schoenberg et al., 2008;
Huang, Chen e Yeh, 2009; Song e Lee, 2009; Handley, Pullon e Gifford, 2010).
Todos os estudos analisados, quer qualitativos quer quantitativos, reconheciam
como limitação o tamanho da respectiva amostra, contudo a confiança conferida
pela descrição detalhada do processo metodológico e decisões analíticas dos
estudos permite a transferibilidade dos seus resultados (Sandelowski e Barroso,
2007).
Discussão
De entre os fatores descritos nos estudos como interferentes com o autocuidado
e com a sua gestão no idosos diabético, identifica-se na categoria contexto
pessoal a idade, referida nos estudos de Huang et al. (2004), Schoenberg et al.
(2008), como um fator impeditivo de aquisição de competências quer ao nível do
autocuidado quer da sua gestão. A dificuldade na execução da avaliação da
glicemia capilar e a elaboração de uma dieta configuram situações descritas nos
estudos de Huang et al. (2004) e de Schoenberg et al. (2008), estes resultados
poderão clarificar os obtidos por Morrow et al. (2008) quando referem como
fator limitador do autocuidado a diminuição da capacidade funcional englobando
nela a diminuição da acuidade visual. Este fator associado à pouca compreensão
da doença (Scollan-Koliopoulos e Walker, 2009) e à sua negação (Morrow et al.,
2008) e ainda ao conceito de autocuidado (Moser et al., 2008) poderão ser um
contributo para compreender os resultados obtidos no estudo de Huang, Chen e
Yeh (2009) que revela que o exercício físico, o cumprimento de um plano de
dieta específico e o controlo dos valores da glicemia não são encarados como
uma rotina necessária. No estudo de Scollan-Koliopoulos e Walker (2009) surge
reforçada a ideia de que a compreensão da doença traduz-se em relatos de maior
adesão à dieta e ao autocuidado. Os estudos de Schoenberg et al. (2008), e
Bai,Chiou e Chang (2009) reconhecem que o género pode ser visto como fator
limitador do autocuidado, sobretudo o género feminino devido ao papel que a
mulher habitualmente desempenha no seio da família (por exemplo cozinhar) e
facilitador quando ligado ao género masculino. A crença religiosa é apontada
por Bai,Chiou e Chang (2009) como interferente no autocuidado explicada pelo
menor valor atribuído à doença (ocorrência independente da vontade da pessoa) e
a um menor cumprimento na elaboração da dieta se colidir com os preceitos
religiosos. A duração da doença pode conduzir à procura de tratamentos
alternativos como referem Schoenberg et al. (2008), no entanto o respeito pela
autoridade do médico leva os idosos a aderir às recomendações relativas à
medicação, à dieta e aos cuidados aos pés. Outro aspecto referido no mesmo
estudo é a importância conferida à frequência de programas informativos para
poderem conhecer melhor a doença e fazer uma melhor gestão do autocuidado. O
estudo realizado por Handley, Pullon e Gifford (2010) refere três fases porque
passa o diabético no seu processo de doença: perda de controlo relacionada
com o diagnóstico, os sintomas, a duração da doença e as reações emocionais;
ganho de controlo que permite a adoção de novos estilos de vida; permanecer
controlado que favorece o desenvolvimento de capacitação, integração e
aceitação da diabetes. Estas fases estão ligadas ao desenvolvimento de
capacidades cognitivas que ao serem adquiridas contribuem para um melhor
autocuidado e uma melhor gestão do mesmo. A aposentação (Morrow et al., 2008),
a depressão (Bai, Chiou e Chang, 2009) e a duração da doença podem ser fatores
que predispõem a pouca motivação para gerir novos estilos de vida (Handley,
Pullon e Gifford, 2010).
Na categoria Situação social o status económico é relacionado pelos diferentes
autores com os rendimentos e com a reforma, sendo limitador do autocuidado na
medida em que baixos recursos económicos se tornam impeditivos da aquisição de
bens e serviços como tratamentos médicos, aquisição de fitas teste, cumprimento
de dieta, e acesso a transportes (Morrow et al., 2008; Schoenberg et al., 2008;
Bai, Chiou e Chang, 2009). O nível de escolaridade é considerado por Schoenberg
et al. (2008) como barreira para a educação do doente diabético levando a
situações de incoerência com o recomendado e dificuldade de adaptação às
tarefas ensinadas (Handley, Pullon e Gifford, 2010). O horário de trabalho e a
exigência com o trabalho são aludidos no estudo de Huang, Chen e Yeh (2009)
como limitadores da prática de exercício físico. No entanto, no estudo
realizado por Schoenberg et al. (2008) estes fatores acrescidos do ambiente de
trabalho e local de residência são identificados como ambiente gerador de
stress. Outro fator limitador ao autocuidado e à sua gestão, que surge apenas
no estudo de Huang et al. (2004) é o viver só justificado pelos autores por uma
baixa qualidade de vida, tais como pobreza, solidão e deterioração da saúde e
não por negligência de cuidar de si.
Na categoria Suporte ao cuidado os prestadores de cuidados, quer formais
(médico, enfermeiro, farmacêutico) quer informais (familiares e amigos), surgem
como importantes nas práticas de gestão do autocuidado na diabetes. Os
cuidadores formais ensinam, orientam, aconselham, confirmam, modificam e
monitorizam os idosos com diabetes sobre questões de gestão de autocuidado,
alterando as estratégias sempre que é necessário e ajudando a desenvolver
habilidades e regimes de autogestão de cuidados (Huang et al., 2004; Morrow et
al., 2008; Moser et al., 2008). A oferta de programas como a visita
domiciliária e a dieta específica com supervisão (Huang et al., 2004), a
fixação de metas específicas e realistas e os resultados centrados nos doentes
(Morrow et al., 2008) bem como a continuidade de cuidados (Schoenberg et al.,
2008) passa pelo estabelecimento de parcerias entre profissionais de saúde e
idoso, em que este é envolvido no plano de tratamento, o que se torna num
suporte pró-ativo que fornece incentivo e promove responsabilidade. O estudo
desenvolvido por Morrow et al. (2008) refere que a comunicação entre
profissionais de saúde e utente é importante na formulação e priorização de
práticas de autogestão, sendo que a educação do diabético é um pré requisito
para a aquisição de habilidades para o autocuidado. O estudo realizado por
Huang, Chen e Yeh (2009) conclui que uma abordagem multimédia na educação dos
diabéticos aumenta os conhecimentos sobre a doença e melhora o autocuidado. Os
estudos de Song e Lee (2009) e de Handley, Pullon e Gifford (2010) firmam que o
desenvolvimento de habilidades, conhecimentos, confiança e apoio permitem lidar
com as dificuldades (recuperar o controle glicémico através alterações de
medicação) e aumenta a capacidade dos indivíduos e famílias para compreender o
diagnóstico, desfazer mitos e clarificar regimes de tratamento. Por fim Moser
et al. (2008) expressam que o suporte nos cuidados pelos enfermeiros e pelos
cuidadores familiares é essencial e promove a gestão do autocuidado.
Conclusão
A gestão do autocuidado no idoso diabético afigurou-se um processo intrincado,
com diversos fatores em dimensões que se entrecruzam o que os torna
interdependentes.
Os estudos analisados evidenciaram que a gestão do autocuidado consiste num
processo complexo e dinâmico que tem que ser incorporado na situação de vida
dos idosos diabéticos de modo a permitir-lhes a obtenção de ganhos em saúde,
nomeadamente melhoria do estilo de vida, da capacidade funcional, na manutenção
da autonomia, no controlo da diabetes através dum melhor conhecimento e
compreensão da doença. Foram identificados como fatores passíveis de vir a
interferir na gestão do autocuidado a idade, o género, a incapacidade
funcional, a diminuição da acuidade visual e o conhecimento da doença,
inerentes à natureza intrínseca ao idoso. De cariz social ou relacionados,
surgem como fatores intervenientes o fato de o idoso viver só, deter baixo
status socioeconómico e nível de escolaridade, um horário e ambiente de
trabalho exigentes. Importantes também são os fatores associados ao suporte
disponível pelos cuidadores formais e informais, nomeadamente programas que
assegurem a continuidade de cuidados, comunicação eficaz entre profissionais e
utentes e medidas de suporte realistas e centradas no próprio idoso além de
ajuda que promova as práticas de gestão do autocuidado.
Assume-se como limitação desta revisão sistemática da literatura a
interpretação de terceira ordem realizada pelo revisor no processo analítico
dos resultados (Centre for Reviews and Dissemination, 2009), o que não invalida
o reconhecimento de que estes estudos colocam em evidência o potencial da
intervenção do enfermeiro como o profissional de saúde que melhores condições
reúne, não só para delinear estratégias como também para efectuar um
planeamento realista em conjunto com os idosos diabéticos para os capacitarem
para o autocuidado e a sua gestão. Ao ficar evidente que a promoção do
autocuidado e da sua gestão passa por uma comunicação efetiva e pelo trabalho
em parceria com os idosos diabéticos emerge a importância de o enfermeiro
dedicar mais tempo à construção da inter-relação com o idoso durante a prática
de enfermagem, para uma efetiva autonomia pessoal na negociação dos cuidados. O
enfermeiro tem a oportunidade e os recursos para desenvolver relações com os
idosos com diabetes ao longo de um período prolongado, o que lhe permite uma
abordagem e prática colaborativa com o doente para o planeamento e seguimento
de cuidados pró-ativos e sustentados, numa lógica crescente de autocuidado.
Neste contexto, entende-se oportuno o desenvolvimento de estudos versando a
intervenção do enfermeiro na gestão do autocuidado nos idosos com diabetes no
contexto português, o que poderá, eventualmente, contribuir para desenvolver as
práticas de enfermagem, viabilizando a qualidade dos cuidados de enfermagem
proporcionados a este grupo vulnerável da população.