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EuPTCVHe0874-02832013000200002

EuPTCVHe0874-02832013000200002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
ano2013
Issue0002
Article number00002

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Adesão à ventilação não invasiva: perspetiva do doente e familiar cuidador

Introdução A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), para além de ser altamente prevalente a nível mundial, é também uma doença grave, condicionando graus de incapacidade relevantes e elevada mortalidade, sendo responsável por 3 milhões de mortes anuais, o que a coloca em lugar como causa de morte, correspondendo a 5,1% dos óbitos no mundo (World Health Organization, 2008).

Em Portugal, a prevalência da DPOC nos adultos ativos é superior a 5 % da população. Os custos diretos aumentaram significativamente, assim como a taxa de letalidade intra-hospitalar, num intervalo de apenas 5 anos (1998-2002). O número de internamentos por DPOC aumentou 5%, tendo crescido os seus custos de uma forma desproporcionada, que representam um acréscimo de 10% (Portugal.

Ministério da Saúde. Direção Geral de Saúde, 2005).

Como forma de alterar este panorama, para além das medidas previstas no Plano Nacional de Prevenção e Controlo da DPOC, tem-se vindo a investir em novas alternativas terapêuticas: a oxigenoterapia de longa duração e a ventilação mecânica não invasiva (VNI) domiciliária (Portugal. Ministério da Saúde.

Direção Geral de Saúde, 2006; Pfeifer et al., 2007; Taveira et al., 2009).

A ventilação mecânica não invasiva (VNI), que consiste na aplicação de um suporte ventilatório sem recorrer a métodos invasivos da via aérea, surge assim para estes doentes, nas condições referidas, como uma nova e interessante modalidade de tratamento capaz de trazer melhorias no estado de saúde e um aumento da qualidade de vida (Morais, 2001).

A adesão ao regime terapêutico surge como a principal condição para diminuir as complicações evitáveis associadas à não adesão e, por sua consequência, reduzir os gastos com a saúde e baixar as taxas de morbilidade e mortalidade (Taveira et al., 2009).

A adesão é definida como o grau ou extensão em que o comportamento da pessoa, em relação à toma de medicamentos, ao cumprimento da dieta e à alteração de hábitos ou estilos de vida, correspondem às instruções veiculadas por um profissional de saúde (World Health Organization, 2003). Por conseguinte, vai ter implicações ao nível da estrutura, dos processos e da dimensão emocional e cognitiva familiar (Sousa, Figueiredo e Cerqueira, 2004; Sousa, Relvas e Mendes, 2007), sobretudo com inclusão de novas tarefas e a adoção do papel de cuidador (Sequeira, 2010; Araújo, Paúl e Martins, 2010).

Por estes motivos, compreender as razões que levam as pessoas com doença crónica, em particular com DPOC, a aderirem ao regime terapêutico, no caso à VNI, é urgente e imprescindível.

A investigação procura, assim, a partir das perceções e significados atribuídos pelos doentes com DPOC e seus cuidadores informais, construir uma estrutura teórica sobre o processo de adesão à VNI no domicílio. Neste empreendimento de descrição e compreensão das realidades e das vivências humanas, aderimos ao paradigma qualitativo (Streubert e Carpenter, 2002; Guerra, 2006), seguindo uma abordagem metodológica no âmbito da Grounded Theory (Guerra, 2006; Strauss e Corbin, 2008; Laperriére, 2008).

As técnicas de colheita de dados que utilizámos foram a observação e a entrevista. Na ordenação e análise de dados adopámos o modelo paradigmático (Laperriére, 2008), seguindo as orientações de Strauss e Corbin (2008).

Metodologia O estudo em referência enquadra-se no paradigma qualitativo, sendo adotada a metodologia da Grounded Theory para se construir uma estrutura teórica sobre o processo de adesão à VNI no domicílio, a partir das perceções e significados atribuídos pelos doentes com DPOC e seus cuidadores informais (Strauss e Corbin, 2008; Laperriére, 2008).

Para tal, segundo os mesmos autores, a partir da análise comparativa constante dos dados, o processo de codificação dos dados é realizado em três etapas consecutivas: a primeira, correspondente à codificação aberta, tem por objetivo fazer emergir dos dados o maior número possível de conceitos e de categorias, questionando-se sobre quais conceitos poderão corresponder aos dados ou incidentes observados; a segunda, a codificação axial, corresponde ao processo de relacionar categorias às suas subcategorias em torno de linhas, eixos (axial), onde se encontram associadas as sua propriedades e dimensões; a terceira, por sua vez, a codificação seletiva, visa o processo de integração final e de refinamento da teoria.

Recolha de dados A recolha de dados foi realizada através da observação e entrevista, durante dois períodos distintos: o primeiro período decorreu durante o mês de novembro de 2009 até ao mês de março de 2010; o segundo período, entre setembro e dezembro de 2010.

- As observações foram efetuadas in situ (Jaccoud e Mayer, 2008), correspondendo: à observação das interações de forma direta e dos contextos, procurando ser discreto e não um intruso indesejável, evitando interferências nas ações ou nos cuidados de saúde.

- As entrevistas foram realizadas, no primeiro período, com um caráter essencialmente exploratório, no sentido de alargar horizontes e expandir o universo de análise na perspetiva dos participantes. Posteriormente, no segundo período, fizeram-se a um nível mais analítico, comportando algumas dimensões de análise, para aumentar a capacidade de comparabilidade dos dados entre os sujeitos e de interpretação necessária ao processo de codificação e de descrição, para que se pudesse ir muito para além do senso comum (Lessard- Hébert et al., 2008).

Participantes da investigação O grupo amostral de doentes ficou constituído com dezasseis participantes, dos quais, catorze com DPOC, um com DPOC e com apneia do sono e um participante com hipoventilação por obesidade, a fazerem oxigenoterapia de longa duração mais ventilação não invasiva no domicílio. O grupo amostral dos cuidadores familiares ficou composto com nove participantes, sendo três filhas, duas noras e quatro cônjuges.

Apresentação e análise de dados A apresentação e análise dos dados provenientes de dois grupos amostrais distintos foram realizadas em conjunto, devido ao facto de as entrevistas aos doentes e acompanhantes serem realizadas em simultâneo e se basearem, essencialmente, naquilo que são as suas experiências e perceções sobre o objeto de pesquisa.

Condições causais Na perspetiva dos doentes e familiares cuidadores, a DPOC e a iniciação da VNI surgem, ao longo do tempo, num contexto de alguma vulnerabilidade familiar ou de suscetibilidade a infeções respiratórias, agravadas por condições de vida e de trabalho adversas e por alguns comportamentos de risco (Figura_1).

Dificuldades e benefícios Duma forma geral, os doentes são unânimes ao afirmar que a OLD isolada é mais fácil de tolerar do que a VNI. Tal facto deve-se, em parte, à simplicidade e ao conforto das interfaces: na OLD, os doentes utilizam lunetas nasais. Na VNI, as interfaces prescritas, máscaras nasais e faciais, são consideradas desconfortáveis. Como tal, torna-se inquestionável conhecer as dificuldades e obstáculos, as medidas de superação, as estratégias adotadas, os principais intervenientes e os recursos utilizados para que a adesão à VNI seja bem sucedida (Figura_2).

Condições do contexto A família é apontada como o principal apoio ao desenvolvimento das tarefas inerentes à implementação das modalidades terapêuticas a que o doente está sujeito. Todavia, este mantém uma maior ligação física e afetiva a um familiar, com quem tem maior afinidade e grau de envolvimento nos cuidados decorrentes da doença crónica e respetivos tratamentos.

Apercebemo-nos que, quando os contributos da rede familiar são insuficientes, os doentes e os familiares mobilizam recursos de maior proximidade, como a vizinhança ou centros de apoio social.

Em síntese, o doente, para satisfazer as atividades instrumentais e de vida diária, mobiliza, em primeira instância, a família que se encontra física e afetivamente mais próxima, com quem tem um relacionamento de grande partilha e cooperação, recorrendo à vizinhança quando as circunstâncias o permitem. O que significa que as IPSS são um recurso quando os cuidados informais não satisfazem plenamente as necessidades.

Para os cuidados respiratórios contam, ainda, com um serviço de apoio domiciliário permanente assegurado por empresas especializadas (Figura_3).

Intervenientes e estratégias Da análise das entrevistas verificou-se o envolvimento dos seguintes intervenientes: na área clínica, o médico de família, o médico pneumologista e o enfermeiro do serviço de internamento; na área de prestação de serviços ao domicílio, o técnico especializado em cuidados respiratórios (no nosso estudo, cardiopneumologista); nos Centros de Apoio de Terceira Idade (CATI), o enfermeiro e o assistente operacional.

Por sua vez, os dados obtidos pela observação levam-nos a acrescentar os elementos seguintes: na área clínica, o técnico cardiopneumologista da Unidade de Assistência Ventilatória (UAV); na área de ação social, o técnico de serviço social, no acompanhamento de doentes que necessitavam de suporte social no domicílio; na área das respostas sociais, nas CATI, o assistente operacional (Figura_4).

As estratégias utilizadas pelos doentes e cuidadores familiares visam a utilização dos recursos pessoais e familiares na implementação e manutenção da VNI no domicílio, no sentido de corresponderem o melhor possível às medidas terapêuticas. Salvaguardando a negociação que procura suavizar a exigência do regime terapêutico, as estratégias em geral implicam a reestruturação familiar.

Nalguns casos, uma reaproximação inter-geracional que conduz ao reagrupamento do doente no domicílio dos filhos. Noutros casos, a família inicia um processo de redefinição de papéis e responsabilidades, com a intenção de integrar adequadamente a doença crónica e os tratamentos nos seus processos de vida (Figura_5).

Consequências Naturalmente que, no contexto em que o fenómeno se expressa no doente com DPOC submetido à OLD e à VNI, as ações e interações desenvolvidas conjuntamente com as respostas estratégicas têm como resultado uma satisfatória adesão ao regime terapêutico.

Por conseguinte, os dados depois de lidos e relidos, cruzados com as respetivas análises e com as notas de observação, permitem-nos esboçar um modelo cuja estrutura e processo servem de ancoragem à compreensão e explicação do fenómeno em estudo (Figura_6).

Neste modelo, que se refere apenas aos dados provenientes dos doentes e familiares cuidadores, o processo de adesão ao regime terapêutico da pessoa com DPOC resulta da concorrência recíproca e dinâmica entre os conhecimentos do estado de saúde, as avaliações das dificuldades e dos benefícios terapêuticos e o tipo de suporte e apoio mobilizado, implicando a participação de um conjunto de intervenientes e o desenvolvimento de estratégias específicas.

Conclusão Os doentes e familiares cuidadores mostraram possuir alguns conhecimentos sobre a sua situação de saúde, que se foi agravando ao longo do tempo, por vezes longo, num contexto de alguma vulnerabilidade e suscetibilidade a infeções respiratórias.

Por estes motivos foram confrontados com um regime terapêutico, a OLD e a VNI, que é seguido ou não com base numa avaliação que fazem sobre dificuldades e benefícios da sua implementação. As principais dificuldades são o desconforto causado pela máscara, os ruídos do ventilador, a falta de conhecimentos e a intolerância à máscara e ao ventilador. Os benefícios estão relacionados com a perceção da melhoria da saúde e do bem-estar, refletidos na redução da fadiga, dispneia e cefaleias, no aumento da força, na melhoria do sono e do aspeto físico.

O doente, para superar as dificuldades, conta com o suporte da família em termos de acompanhamento, partilha e cooperação. Quando esse suporte é percecionado como insuficiente, o doente e familiar cuidador recorrem a outros familiares próximos e à vizinhança, ou então, ao suporte institucional, sendo necessário o apoio das empresas de prestação de cuidados respiratórios domiciliários de forma permanente e incondicional.

Como intervenientes significativos no processo de implementação da VNI, a família e o cuidador informal atribuem ao enfermeiro funções/intervenções importantes, tanto no domínio do informar, destacando acções relacionadas com o ensino, instrução e treino, como no âmbito da adaptação à máscara e ventilador.

Para além disso, extrai-se deste estudo que os enfermeiros devem dar grande importância aos significados e crenças que os doentes e os cuidadores familiares atribuem à doença e aos tratamentos, quando têm como foco a aceitação do regime terapêutico, e devem considerar as negociações/ renegociações terapêuticas e a reestruturação familiar para a implementação e a manutenção da VNI no domicílio.


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