Identificação dos fatores determinantes no desenvolvimento das competências
sociais dos adolescentes
Introdução
As competências sociais são consequência de uma aprendizagem comportamental e
relacional positiva e um dos determinantes de trajetórias de vida. A
adolescência é uma fase em que o relacionamento interpessoal sofre grandes
modificações, em que se estabelecem novas relações e em que as relações com o
grupo de pares se intensificam tornando-se mais relevantes. É esperado que os
adolescentes, nesta fase do ciclo vital, adquiram as habilidades, atitudes e
comportamentos que lhes permitam crescer de forma saudável, a realizar-se
quando chegarem a adultos e a tornarem-se socialmente competentes. É consensual
hoje em dia a importância da intervenção precoce na área da saúde mental da
infância e adolescência através de estratégias de prevenção e promoção da
saúde. As diretrizes internacionais e nacionais convergem no sentido de uma
preocupação crescente acerca da promoção da saúde e de estilos de vida
saudáveis. Em Portugal, o Programa Nacional de Saúde Escolar (Portugal.
Ministério da Saúde. Direção Geral da Saúde, 2006, p.11) propõe, entre vários
objetivos, Promover a saúde mental nas escolas, através da implementação de
projetos que visem desenvolver competências pessoais e sociais nos alunos, o
que nos leva a perceber que existe uma necessidade do desenvolvimento de
competências sociais em crianças e adolescentes, derivada de uma preocupação
com a promoção da saúde mental das pessoas. Os dados mais atuais relativos aos
projetos que se desenvolvem nas escolas na área da Promoção e Educação para a
Saúde (Portugal. Ministério da Educação, 2011) revelam que a área da saúde
mental é a que continua a apresentar uma taxa de abordagem mais baixa
comparativamente com as outras. A vivência de dificuldades relacionadas com os
aspetos da comunicação e das relações interpessoais é uma questão que diz
respeito aos profissionais de saúde, pelas consequências negativas que daí
podem advir para a saúde e para a vida das pessoas. É da responsabilidade do
enfermeiro ajudar as pessoas a adaptarem-se aos diferentes processos de
transição no sentido de promover a sua autonomia. A melhoria das competências
sociais pode constituir um desafio relacionado com um processo de alteração na
forma como a pessoa se relaciona com os outros e consigo própria, passando de
uma vivência mais difícil e com repercussões negativas, para outra mais
saudável e positiva. Assim, a identificação dos constrangimentos e das
dificuldades relacionados com as competências sociais dos adolescentes
possibilita ampliar os seus recursos e o seu conhecimento, numa perspetiva de
empowerment pessoal, auxiliando a tomada de decisão no que respeita aos
comportamentos de saúde, e a uma participação e interação social mais
compensadora. A avaliação de competências sociais é considerada uma das etapas
fundamentais para a investigação, permitindo reconhecer variáveis relacionadas
com deficits e identificar a necessidade de intervenção (Del Prette e Del
Prette, 1999). Os programas de intervenção relacionados com o desenvolvimento e
aprendizagem de competências sociais inserem-se no âmbito do Treino de
Competências Sociais, abordagem cujo campo de ação se desenvolve numa dupla
vertente, quer terapêutica, quer preventiva e educacional, em variados
contextos (familiar, escolar, profissional e social) e nas várias etapas do
ciclo vital.
Quadro teórico
O Treino de Competências Sociais é um tipo de intervenção direcionada para o
desenvolvimento e/ou treino de determinadas habilidades sociais quando se
identificam dificuldades ao nível das relações interpessoais (Del Prette e Del
Prette, 1999). Do campo teórico-prático, salientamos os conceitos que lhe estão
subjacentes e que são os de habilidades sociais e competência social. As
habilidades sociais são consideradas um constructo descritivo e correspondem a
um conjunto de classes de resposta ou de comportamento (iniciar e manter
conversações, falar em público, defender os próprios direitos, pedir favores,
recusar pedidos, expressar opinião, lidar com críticas, ) que o indivíduo
utiliza para lidar de forma adequada quando se encontra em interação social
(Del Prette e Del Prette, 1999). Já a competência social é um termo
avaliativo, refletindo o julgamento de alguém, com base em algum critério, de
que o desempenho de uma pessoa numa tarefa é adequado (McFall, 1982 citado por
Del Prette e Del Prette, 1999, p.45). As competências sociais a que nos
reportamos neste artigo são o Autocontrolo e a Assertividade por terem sido as
competências que apresentaram resultados mais relevantes, embora o sistema de
categorias que estudámos se alargue a outras competências sociais. Tendo como
ponto de partida este referencial conceptual, passamos a descrever de forma
muito breve alguns dos modelos teóricos que procuram explicar o défice ou as
dificuldades no desenvolvimento das habilidades sociais e consequentemente as
dificuldades na avaliação da competência social (Loureiro, 2011). O Modelo da
Perceção Social de Argyle (1983) explica o desenvolvimento das habilidades
sociais através de processos cognitivos que tentam compreender o ambiente
social em que a pessoa se insere, através de uma descodificação correta do
mesmo, permitindo à pessoa responder de uma forma socialmente competente,
estando as dificuldades relacionadas com uma falha numa das etapas de leitura
e/ou descodificação da mensagem verbal/não verbal. Já o Modelo da Assertividade
de Wolpe e Lazarus (1966) postula que as dificuldades ou deficits no desempenho
social se relacionam com uma aprendizagem pessoal não assertiva, por um lado
pela presença de níveis elevados de ansiedade que inibem o comportamento
assertivo, por outro por uma incapacidade de, voluntariamente, controlar os
estímulos associados às respostas sociais. O Modelo da Aprendizagem Social de
Bandura (1977) considera que o principal fator para a aprendizagem é a
modelação (para as crianças e adolescentes os modelos de referência são,
respetivamente, os pais e os pares) com a possibilidade das respostas sociais
poderem ser punidas ou reforçadas. O autor também formulou a teoria da
autoeficácia que corresponde à crença sobre a capacidade de desempenhar
determinado comportamento com sucesso. Mais atual, o Modelo SOCIAL de Beauchamp
e Anderson (2010) propõe uma estrutura integradora no desenvolvimento das
competências sociais, partindo do princípio que o desenvolvimento das
habilidades sociais depende de uma normal maturação cerebral, cognitiva e do
comportamento com um suporte ambiental adequado. É uma tentativa para agregar
as relações dinâmicas e multifacetadas entre as dimensões cognitivas, sócio
emocionais, de comunicação, biológicas e ambientais e descrever como se
interrelacionam para determinar a competência social. Define o núcleo
dimensional das habilidades sociais (biológico, psicológico e social) e a sua
integração numa estrutura desenvolvimental. Neste enquadramento desenhámos o
estudo que a seguir se apresenta e cujos objetivos são identificar e
compreender os fatores que contribuem para as dificuldades/constrangimentos dos
estudantes do ensino secundário relacionados com as competências sociais
autocontrolo e assertividade.
Metodologia
Este estudo tem uma abordagem qualitativa e insere-se na pesquisa descritiva
uma vez que o seu propósito se centra na exploração do significado, do
subjetivo e pessoal, da vivência do entrevistado, expressa de uma forma
descritiva. Decorreu numa escola secundária de Coimbra, no ano letivo 2009/
2010. No sentido de conduzir com rigor todo o processo fornecendo um fio
condutor à análise a realizar elencámos as seguintes hipóteses: um dos fatores
que contribui para as dificuldades ao nível das competências sociais dos
estudantes é um défice no conhecimento sobre como ser socialmente competente;
um dos fatores que contribui para as dificuldades ao nível das competências
sociais dos estudantes é um défice no conhecimento sobre como fazer para ser
socialmente competente.
Amostra de conveniência, composta por 25 estudantes que apresentavam
dificuldades ao nível das competências sociais e que se voluntariaram para
participar (a identificação das dificuldades resultou de um estudo prévio
realizado a 210 estudantes do 12ºano, e dos quais 96 apresentaram
dificuldades). No que se refere à sua caraterização, as raparigas estão em
maioria (64,0%). A idade variou entre os 16 e 18 anos, com uma média de 17,0 um
desvio padrão de 0,408. Os estudantes São maioritariamente portugueses (apenas
um estudante tinha outra nacionalidade). Relativamente aos dados
socioprofissionais dos pais, o grau de escolaridade preponderante é o Ensino
Secundário ' 12ºano, tanto para o pai (36,0%) como para a mãe (32,0%). A
situação profissional que se destaca é ser Trabalhador por conta de outrem,
tanto para o pai (68,0%) como para a mãe (72,0%). No que se reporta à categoria
socioprofissional dos pais, a que apresenta um valor mais elevado é a categoria
3 no Índice de Graffar, que corresponde a Funcionários públicos, empregados de
escritório e operários com cursos referentes ao seu trabalho, sendo esse valor
de 56,0% para o pai e 44,0% para a mãe. A idade das mães varia entre os 39 e 54
anos, com uma média de 45,76± 3,42 anos e a dos pais entre 40 e 67 anos, com
uma média de 48,28± 5,02 anos.
O instrumento de recolha de dados é um guião de entrevista semiestruturada, por
nós elaborado, com o objetivo de identificar os fatores que contribuem para as
dificuldades das competências sociais dos estudantes e é constituído por duas
partes. Na primeira parte, existe uma listagem de habilidades sociais ou
classes de resposta que agregadas com determinado critério correspondem às
competências sociais em estudo, devendo os estudantes assinalar aquelas em que
sentem mais dificuldade: Das situações enumeradas, assinale aquelas em que
tenha mais dificuldade no seu dia-a-dia, sendo portanto uma questão fechada. A
segunda parte é constituída por uma questão aberta: Poderia referir em que
situações, com que pessoas e em que contextos essas dificuldades acontecem?
Questionou-se as fontes de dificuldade permitindo aos estudantes que se
expressassem livremente, ou seja, da listagem das habilidades sociais que
previamente assinalaram como dificultadoras escolheram falar das que sentiam
como mais constrangedoras no seu dia-a-dia.
Procedimentos éticos e deontológicos - o presente estudo contemplou as normas
éticas portuguesas e foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de
Investigação em Ciências da Saúde ' Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem
de Coimbra. Obtivemos autorização da direção da escola secundária onde se
realizou o estudo. Aos estudantes que foram convidados a participar na
investigação, foi-lhes dito que a participação era voluntária e foi entregue o
consentimento informado para ser assinado pelo encarregado de educação ou pelo
próprio. No que respeita aos dados, foram tratados considerando a
confidencialidade e o anonimato, bem como o sigilo profissional, protegendo
deste modo os indivíduos envolvidos na pesquisa tanto no seu domínio privado
como coletivo. Tivemos sempre presente os princípios que se encontram definidos
no Código Deontológico do Enfermeiro.
Procedimentos de recolha e análise dos dados - para a realização das
entrevistas foi escolhido um momento pós-aula, de acordo com a disponibilidade
dos estudantes, tendo sido efetuadas numa sala de reuniões da Escola, com uma
duração que variou entre 20 a 30 minutos e foram posteriormente transcritas
integralmente para subsequente análise. Procedeu-se à análise de conteúdo de
acordo com Bardin (2009). Designámos, a priori, as duas competências sociais
(assertividade e autocontrolo) definidas pelo referencial teórico, que por sua
vez englobam determinadas subcategorias e que correspondem ao conjunto de
classes de resposta inerentes a cada competência. Este é considerado um
procedimento fechado uma vez que partimos de um quadro teórico pré-estabelecido
a propósito do qual formulámos as hipóteses. Após uma leitura prévia do
material entendemos ser necessário estabelecer duas hipóteses iniciais pois
concordamos com Guerra (2006) quando afirma que, pela análise compreensiva não
se pretende apenas a verificação das hipóteses nem a mera descrição da
realidade mas conseguir realizar uma interpretação do sentido dos processos e
dinâmicas vivenciais expressas. No que respeita à regra de enumeração,
considerámos a frequência como medida de contagem para o número de vezes que o
tema (unidade de registo) aparece no texto isto é, estando a sua alusão
explícita ou implícita numa mensagem. Como unidade de contexto escolhemos o
parágrafo/excerto de parágrafo. No processo de análise e interpretação de
conteúdo, codificou-se cada entrevista com a letra E seguida da ordem de
participação (E1, E25). No que respeita à validade interna do sistema de
categorias, foram rigorosamente desenvolvidas todas as etapas previstas no
processo de categorização. Relativamente à fidelidade da análise de conteúdo,
após a explicação pormenorizada do sistema de categorias e dos critérios de
codificação utilizados, solicitámos a dois peritos externos que procedessem à
identificação dos temas numa amostra aleatória do corpus documental. Foi obtida
uma concordância a rondar os 80% o que se pode considerar satisfatório para
determinar a fidelidade dos resultados (Vala, 2009).
Resultados
Passamos a apresentar os resultados relativos à primeira questão: Das situações
enumeradas, assinale aquelas em que tenha mais dificuldade no seu dia-a-dia. As
situações que foram identificadas como mais dificultadoras na interação com os
outros foram as classes de resposta que integram a competência social
Autocontrolo e que são: falar em público' com 17 referências (10,4%) e
responder apropriadamente a provocações' com 11 referências (6,8%). A questão
aberta: Poderia referir em que contextos essas dificuldades acontecem?, serviu
de ponto de partida norteador para a entrevista no sentido de se identificarem
possíveis causas ou fatores que ajudem a compreender as dificuldades
referenciadas. Apresentamos os resultados referentes às unidades de registo
identificadas que emergiram das entrevistas analisadas. Na Tabela_1 estão os
dados correspondentes à categoria Autocontrolo da qual fazem parte três
subcategorias: Falar em Público, Responder Apropriadamente a Provocações e
Encerrar Relacionamento. Relativamente aos temas que emergiram da análise das
entrevistas, destacamos os que apresentam maior percentagem (igual ou superior
a 3,9% correspondente a cinco referências) e que são: "estado
emocional" (7,8%) e "resultado catastrófico" (4,7%), na
subcategoria Falar em Público; os temas "desconhecimento sobre como
agir" (5,4%) e "agressividade verbal" (3,9%), na subcategoria
Responder Apropriadamente a Provocações; o tema "sofrimento
emocional" (3,9%) na subcategoria Encerrar Relacionamento. Relativamente
ao "estado emocional", o receio, a vergonha e o nervosismo são os
aspetos mais referenciados pelos estudantes como dificultadores quando têm que
falar para um conjunto de pessoas. Ilustramos com as seguintes unidades de
contexto ( ) preparo-me mais nessas situações mas o receio acaba sempre por
estar presente, E11; ( ),só falar para turma já tenho vergonha, E1.
Relativamente ao tema "resultado catastrófico", entendemos que se
deve à incapacidade dos estudantes de lidarem com a situação (falar em público)
e como consequência o resultado é quase sempre muito constrangedor para o
próprio, como explicitado nas unidades de contexto que se seguem ( ) e tudo
corre mal, E10; ( ) não consigo dizer patavina, engasgo-me muitas vezes e não
consigo dizer o que pretendo apesar de saber o que dizer, E13; ( ) acabo por
não dizer nada, E19; Não me consigo controlar. ( ) nem consigo falar e o que
digo sai tudo ao contrário, E24. O tema "estratégias de resolução"
está patente nas situações em que, apesar das dificuldades, os estudantes
referiram formas de lidar com o desconforto sentido e que passa por exemplo
pelo ( ) humor é a estratégia que utilizo para pôr as pessoas à vontade e para
mim facilita o que vem a seguir. É preciso ganhar um certo à vontade, E12. O
treino de competências pode ser uma opção como no excerto que se segue ( )
nada que com um bocado de prática não se resolva, E23. Na subcategoria
Responder Apropriadamente a Provocações, identificámos dois temas, nomeadamente
"desconhecimento sobre como agir" e "agressividade
verbal". No que se refere ao primeiro, as referências situam-se ao nível
da incapacidade pessoal de saber como reagir de uma forma correta a
provocações, Não consigo me defender das outras pessoas quando me acusam de
algo ou outro caso parecido, acabo sempre por ficar calada, ( ). É sempre
difícil para mim ( ) pois nunca sei o que fazer para melhorar, logo acabo por
piorar ou então não fazer nada, E10. A agressividade verbal é referida como
uma forma disfuncional de reagir ( ) não me contenho e respondo torto, E1. E
é também referida como estando presente no emissor ( ) se me insultam direta
ou indiretamente, E8; Quando existem insultos por parte de pessoas que não
gosto, E22. Relativamente à subcategoria Encerrar Relacionamento,
identificámos os temas sofrimento emocional', em que a principal dificuldade é
mesmo a questão da dor pessoal ( ) acabo sempre por sofrer muito, sou muito
sensível, E10; ( ) a parte emocional está sempre em cima, E21. O tema
"primazia aos outros" em que o bem-estar dos outros aparece sempre
em primeiro lugar Penso primeiro nos outros, ( ) primeiro nos outros, E21.
Na Tabela_2, que corresponde à categoria Assertividade, realçamos o tema
"julgamento pelos outros" (6,2%) na subcategoria Manifestar
Opinião; os temas "expectativas negativas" (4,7%) e
"ponderação excessiva" (4,7%) na subcategoria Tomar Decisões; os
temas "não ficar mal perante os outros" (5,4%) e
"desconhecimento como agir" na subcategoria Dizer
"Não"; os temas "desconhecimento como agir" (7,1%) e
"dificuldade em admitir falhas" (5,4%) na subcategoria Lidar com as
Críticas; os temas "incapacidade pessoal" (4,7%) na subcategoria
Defender os seus Direitos, e por fim, "estado emocional" (5,4%) na
subcategoria Apresentar-se/Iniciar/Finalizar uma Conversa. De acordo com estes
dados, verificamos que uma das maiores dificuldades dos estudantes quando têm
que Manifestar a sua Opinião (subcategoria) passa pelo julgamento que acham que
será feito pelos outros no sentido de ajuizarem acerca da sua conduta. A título
de exemplo: Por vezes tenho dificuldade em exprimir o que realmente sinto e o
que realmente acho ( ) pelo receio do que poderão elas pensar ou achar ( ) o
que poderão pensar de mim, julgar o que estou a dizer sem me conhecerem bem,
E17; ( ) penso: porque é que estou sempre a pensar nos outros? É horrível!!
( ) vão pensar que sou má pessoa, vão-me criticar, E21. Também o facto de não
saberem manifestar a sua opinião de uma forma assertiva é indicador de
constrangimento pessoal: Para manifestar a nossa opinião nem sempre o fazemos
de forma correta, E9; ( ) porque fico sem saber o que dizer, E19; Não sou
capaz de dar a minha opinião ( ). Geralmente acho que tenho poucos argumentos
para defender as minhas opiniões, E21. A baixa autoestima e o estado emocional
são fatores que também estão implicados nas dificuldades sentidas pelos
estudantes, conforme espelham as seguintes frases: Inveja é um problema.
Quando não me sinto inferiorizada é fácil para mim comunicar. Quando há pessoas
com ar mais superior, isso é dificultador, E1; ( ) Como a autoestima está em
baixo, os outros são melhores do que eu, não faço nada de jeito. ( ) Fico
sempre a pensar que estou a pedir demais, ( ). Tenho que pensar em mim, E21.
Quando os estudantes têm que Tomar Decisões (subcategoria), os principais
constrangimentos situam-se ao nível das expectativas negativas em relação à
opção escolhida na tomada de decisão e ao nível de uma escolha exaustiva da
melhor opção conforme se pode verificar pelos excertos: Medo de não tomar a
melhor decisão, de ser rejeitada, E21; ( ) tenho sempre medo de optar pela
opção incorreta e de me arrepender, E10; Muito difícil, sou indecisa por
natureza, estou sempre a adiar e com receio acabo por adiar, E14; ( ) pondero
tudo, todos os aspetos, gosto de ter a certeza das coisas, pergunto, pondero
todas as possibilidades, E18. Para a subcategoria Saber Dizer
"Não", os principais constrangimentos que emergiram da análise dos
dados situam-se em "não ficar mal perante os outros" pela
possibilidade de existir uma avaliação do comportamento do estudante pelos
outros, que ilustramos com as frases que se seguem O que é que os outros ficam
a pensar quando digo não, E15; Muito complicado. O que é que os outros vão
achar, pensar( ), E21. Para um segundo plano. Esta forma de agir leva à
desvalorização ( ) não, quais as palavras a utilizar, como as dizer ( ) tenho
dificuldade em dizer não, E10; Quando discordo de algo, nunca sei bem como me
expressar sem ferir suscetibilidade, E22. A situação Lidar com Críticas
engloba a capacidade de fazer e reagir a críticas e para esta subcategoria as
dificuldades situam-se ao nível de não saber como fazer críticas: Não consigo
fazer críticas, quando as pessoas fazem ou dizem alguma coisa mal calo-me,
( ), E15; Aceito críticas de forma razoável mas não sei como fazer críticas
que sejam bem aceites. Quando faço algum tipo de crítica (construtiva) os
outros não aceitam bem ( ). Por exemplo, com os professores não faço porque o
professor pode levar a mal e ficar marcada, E16; ( ) E quando me criticam, em
vez de pensar em fazer melhor rebaixo-me sempre, E10. Também a dificuldade em
lidar com as falhas, mais propriamente em admitir falhas está patente no
discurso dos estudantes: Sou muito perfeccionista, sou atleta de alta
competição, ( ) sempre que há uma falha custa-me a aceitar, trabalho tanto nos
treinos que me custa aceitar. Por vezes sou agressivo, E13. Quando chega o
momento de Defender os seus Direitos (subcategoria), os estudantes referem uma
grande incapacidade pessoal para o fazerem associada a expectativas negativas
relacionadas com a opinião dos outros: Por exemplo, ao ser atendida numa loja
a comprar a minha prenda de anos, tive vergonha que a empregada levasse a
mal , E1; Passam à minha frente na fila e não digo nada. Por exemplo, uma
reclamação, nunca o faria. Adiar a situação é o melhor. Tenho medo de
represálias por parte do outro, E18. Relativamente à última subcategoria,
Apresentar-se/Iniciar/Finalizar uma conversa, a vergonha, a timidez e uma
grande dificuldade pessoal, foram os aspetos identificados como mais
dificultadores: Não é o meu forte as primeiras relações, conversas. Sou
envergonhado, sou tímido, E12; Não sei como acabar uma conversa. Custa dizer
que tenho que ir acabar a conversa, de forma a que, para o outro, fique claro o
discurso, E14; ( ) tenho dificuldade nas apresentações, normalmente por ter
vergonha, E19. Esta categoria, Assertividade, foi a que apresentou mais
indicadores de resultado no que se refere à identificação de dificuldades na
interação, porque é também aquela que abarca mais habilidades/classes de
resposta.
Discussão
Os resultados mostraram que as situações identificadas pelos estudantes como
mais dificultadoras na interação com os outros se relacionam com a competência
social Autocontrolo (nomeadamente falar em público e responder apropriadamente
a provocações). Estes dados são concordantes com outros estudos realizados com
estudantes universitários cujos resultados ao nível das dificuldades sociais
mais referidas foram especificamente falar em público' e lidar com o
tratamento negativo de outras pessoas (Bandeira e Quaglia, 2005). Nos fatores
identificados como intervenientes ao nível das dificuldades nas competências
sociais dos estudantes, salienta-se a incapacidade para lidar com as emoções
(medo, vergonha, inveja, ansiedade, insegurança, frustração, agressividade)
acompanhada de algum sofrimento emocional para o próprio. Estas emoções, com
uma conotação mais negativa (Lazarus, 1999 citado por Vaz-Serra, 2007)
despoletam uma sensação de ameaça que se repercute em todo o corpo, pela
ativação da resposta ao stresse, e que se manifesta de diversas formas: rubor
facial, tremores, taquicardia, sudorese, incapacidade para falar, chegando ao
ponto da pessoa não se lembrar do que dizer, particularmente em situação de
falar em público. A atenção, a concentração e a memória são também afetadas por
esta via. De acordo com Vaz-Serra (2007), a vivência destas situações de
interação social como situações stressantes impede as pessoas de cumprirem
eficazmente as atividades do dia-a-dia. Particularmente na situação da inibição
mediada pela ansiedade, Argyle (1983) é da opinião que, de entre as situações
que provocam mais desconforto, encontram-se o confronto de opiniões, falar com
uma figura de autoridade, falar em público, expressar sentimentos, lutar pelos
seus direitos e encetar relações com elementos do sexo oposto. No que respeita
à agressividade verbal, também Mendes (2010) realizou um estudo com
adolescentes e identificou o comportamento agressivo como um déficit na
competência social autocontrolo, mais concretamente, como uma reduzida
capacidade de autocontrolo. Somos de opinião que o autocontrolo emocional
representa a capacidade de reconhecer, aceitar e gerir as emoções vivenciadas
de uma forma adaptativa e construtiva. Reconhecer as emoções implica uma
atenção redobrada ao que se passa, quer no meio ambiente, quer no próprio
indivíduo. É importante que a pessoa tenha conhecimentos que lhe permitam
compreender que determinadas reações fisiológicas e determinados pensamentos em
contextos particulares de interação, correspondem a diferentes formas de
sentir, e por isso, a diferentes emoções. Esta identificação e reconhecimento
emocional serão tanto mais efetivos quanto melhor informados estiverem os
indivíduos (Wolpe e Lazarus, 1966). Estudos revelam que a capacidade do
reconhecimento das emoções em crianças está relacionada com a promoção do
sucesso académico e o estabelecimento de relações interpessoais positivas
(Machado et al., 2008) e, em adolescentes, está positivamente relacionada com o
suporte social (Ciarrochi, Heaven e Supavadeeprasit, 2008). Assim, podemos
afirmar que a existência de dificuldades ao nível do autocontrolo emocional é
um fator condicionante no desenvolvimento de competências sociais. Por outro
lado, é importante veicular informação acerca desta temática aos adolescentes,
no sentido de melhorar o seu autoconhecimento e transformar determinados
constrangimentos da vivência social em momentos de satisfação pessoal.
Identificámos também uma necessidade de aceitação social pelos outros com uma
grande preocupação em passar uma imagem positiva de si próprio, paradoxalmente
associada a uma baixa autoestima e desvalorização pessoal, colocando sempre os
outros em primeiro lugar. A perspetiva de Erikson (1976) acerca da construção
da identidade pessoal do adolescente é baseada numa dupla vertente, em quem
engloba por um lado as representações que o adolescente tem de si próprio e por
outro, a forma como é visto pelos outros. Nesta dinâmica, o desenvolvimento da
autoestima é influenciado pelo feedback dos outros e ao mesmo tempo pela forma
como o adolescente percebe esse feedback, assim como o desenvolvimento do
autoconceito se baseia na elaboração que faz da maneira como os outros o vêem.
Também, a avaliação pessoal se concretiza por comparação com os outros (grupos
de referência) que vão moldar a visão que cada um tem de si próprio. No que diz
respeito à necessidade de aceitação social, sabemos que o grupo de pares e os
amigos são uma base de suporte importante para o reconhecimento pessoal, ajudam
a desenvolver um sentido de pertença e de solidariedade e contribuem para um
sentimento de bem-estar pessoal. Verificamos pelos resultados do estudo que,
muitas vezes os adolescentes não agem de acordo com as suas crenças e
convicções para não se sentirem mal perante os pares e para terem a sua
aprovação e aceitação, remetendo-se a si próprios muitas vezes, para um segundo
plano. Esta forma de agir leva à desvalorização de algumas das dimensões do Eu,
entre elas a autoestima, o que, associado a alguma insegurança pessoal vai
impedir o desenvolvimento adequado das suas competências sociais. Vários
estudos relacionados com a autoestima e o desempenho social foram desenvolvidos
com estudantes universitários, onde se observaram correlações positivas fortes
entre o nível de autoestima e as competências sociais (Bandeira et al., 2005).
As expectativas negativas relativamente ao desfecho na interação, a falta de
conhecimento para lidar e saber como dar resposta a situações do dia-a-dia, de
uma forma socialmente competente, são também dificuldades referenciadas pelos
estudantes na interação com os outros. As dificuldades relacionadas com as
expectativas negativas e resultado catastrófico podem ser explicadas pela
Teoria da Autoeficácia de Bandura (1977), na qual as expectativas negativas
estão relacionadas com autoavaliações negativas, que por sua vez são
consequência de erros ao nível do processamento cognitivo da informação que vão
ter repercussões ao nível do desempenho social. Esses erros de processamento
podem ser autoavaliações distorcidas baseadas em crenças irracionais e em
pensamentos automáticos negativos. Para inverter este processo importa uma
reflexão pessoal para alterar o próprio pensamento e o comportamento
subsequente, o que nos remete para a reestruturação cognitiva como intervenção
de primeira linha.
Uma dificuldade que emergiu da análise dos dados foi a falta de conhecimento
para agir na situação (o não saber e o não saber como fazer) mais concretamente
nas situações de responder apropriadamente a provocações, manifestar opinião,
dizer não' e lidar com as críticas. Estas situações ou classes de resposta são
potencialmente geradoras de muita ansiedade e os participantes, de um modo
geral, referiram que muitas vezes não sabiam o que dizer ou o que fazer na
situação mas também expressaram que apesar de por vezes saberem o que deveriam
dizer ou fazer não eram capazes de o pôr em prática. Entendemos que esta
incapacidade de agir de forma socialmente competente pode estar relacionada com
uma aprendizagem pessoal não assertiva que, de acordo com Castanyer (2004),
pode ser devido a punição sistemática dos comportamentos assertivos,
insuficiência de reforço, recompensa pelo desempenho não assertivo,
desconhecimentos dos seus direitos e incapacidade para discriminar
adequadamente as situações em que deve emitir uma resposta assertiva. Gresham
(2009) considera a existência de dois tipos de deficits: os de aquisição de
habilidades sociais, que podem corresponder à falta de conhecimento sobre como
desempenhar uma determinada habilidade social e os deficits de desempenho, em
que a dificuldade está em transpor para a interação uma determinada habilidade
social, mais por motivação do que por aprendizagem. Estas dificuldades podem
também estar relacionadas com caraterísticas pessoais, inatas e de
personalidade como, por exemplo, serem envergonhados e introvertidos (McFall,
1982 citado por Del Prette e Del Prette, 1999). Por tudo isto, consideramos a
transmissão de conhecimentos na área da comunicação humana, a aprendizagem
através da observação de modelos, a aquisição de habilidades de observação (do
comportamento do outro e de si próprio), o desenvolvimento de processos
cognitivos e motivacionais e o Treino de Competências Sociais como processos de
intervenção prioritários (Del Prette e Del Prette, 1999). Esta última
constatação corrobora as duas hipóteses de partida, uma vez que a falta de
conhecimento para agir na situação (o não saber e o não saber como fazer) foi
uma das grandes dificuldades que emergiram da análise dos dados.
Conclusão
A partir dos dados relativos ao presente estudo foi possível identificar e
compreender alguns dos fatores que interferem de uma forma negativa no
desenvolvimento das competências sociais autocontrolo e assertividade dos
estudantes, o que nos leva a considerar que foram atingidos os objetivos
definidos. As duas hipóteses formuladas ( défice no conhecimento sobre como
ser socialmente competente e défice no conhecimento sobre como fazer para ser
socialmente competente) foram confirmadas tendo-se identificado um vasto leque
de fatores muito para além daqueles referidos nas mesmas. Concluímos que a
formulação destas hipóteses foi orientadora, uma vez que permitiu interpretar e
explicar o sentido da realidade vivida e expressa pelos estudantes de uma forma
mais compreensiva. Podemos, assim, afirmar que a identificação e a compreensão
destes fatores junto da população-alvo permite direcionar programas de treino
de competências para aspetos, que se espera, poderem ser realmente modificados
e melhorados pela intervenção, uma vez que se fundamenta nas dificuldades
empiricamente observadas no grupo em que se pretende intervir. Este
conhecimento pode ajudar os enfermeiros a melhor compreenderem os mecanismos
subjacentes que podem influenciar a saúde mental destes estudantes e a desenhar
intervenções específicas que envolvam temáticas e técnicas/procedimentos
suficientemente flexíveis e coerentes com o contexto do grupo a quem se
destinam. Tais intervenções deverão ser amplamente motivadores para o
envolvimento emocional e para a aprendizagem de conhecimentos a partir da
vivência e treino dos conteúdos abordados. A realização desta avaliação
diagnóstica permitiu obter um conhecimento específico quer relativamente à
caraterização do grupo quer relativamente ao problema sobre o qual se pretende
intervir. Esta etapa na investigação é fundamental para delinear e implementar
programas particularmente direcionados às dificuldades identificadas. A
conceção, implementação e avaliação do programa de treino de competências
sociais Melhorar Competências com os Outros correspondem às etapas seguintes
desta investigação.
O presente estudo está integrado na investigação de doutoramento em Ciências de
Enfermagem, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) cujo
projeto de investigação foi financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia (FCT) através do Programa de apoio à formação avançada de docentes
do Ensino Superior Politécnico (PROTEC) com a referência PEst-OE/SAU/UI0742/
2011.