Por uma teoria da comunicação no desporto de alto rendimento
Por uma teoria da comunicação no desporto de alto rendimento 1
Vítor Serpa
Jornal A Bola (Director)
É com especial regozijo e orgulho que aceitei o convite do meu bom amigo
Professor Jorge Olímpio Bento para vos falar neste dia tão especial para a
Faculdade de Desporto do Porto.
Se há momentos em que as palavras de saudação e de reconhecimento vão muito
além do simples cumprimento do dever formal, gostaria que acreditassem que este
é um deles.
O Professor Olímpio Bento, além de um amigo que muito prezo, tem realizado, em
conjunto com uma equipa competente e solidária, uma obra notável, que,
infelizmente, os poderes públicos, mais preocupados com a pequena política
deste nosso mal cuidado Páteo das Cantigas, não reparam e muito menos
enaltecem.
No âmbito das relações com os países de língua portuguesa, na defesa das nossas
seculares raízes culturais, em Goa e em Macau, na promoção e divulgação
internacional das competências dos nossos técnicos, na luta contra velhos
preconceitos da sociedade portuguesa em relação ao lugar que o desporto ocupa,
de pleno direito, nas sociedades modernas, a Faculdade de Desporto do Porto tem
vindo a desenvolver um trabalho admirável que deve orgulhar a sua Universidade,
a cidade do Porto e o país.
Digo, o que digo, neste dia solene para esta escola, não por me terem
lisonjeado com o convite que me fizeram, mas porque há muitos anos que sigo o
percurso coerente e persistente desta Faculdade e tenho o dever cívico de
manifestar público reconhecimento por uma obra de valor inestimável e que se
acrescenta à obra igualmente maior de uma escola que se orienta por princípios
de rigor e de qualidade de ensino.
Que me desculpem a introdução um pouco mais longa, mas julgo que dificilmente
teria melhor oportunidade para fazer este público e justo reconhecimento.
Parto, pois, para o desenvolvimento do tema que vos trago e que vos proponho
como assunto de reflexão, eventualmente imprevisto, para muitos, talvez novo,
mas sobre o qual tenho vindo a dedicar atenção e estudo.
Pois bem,
Há uma frase que tem vindo a ser adoptada por alguns dos técnicos desportivos
de conhecimento empírico e que lhes justifica o conforto de uma confrangedora
ausência de vontade de saber: "o futebol não é, nem nunca haverá de ser
uma ciência". E, de facto, não é. O futebol pode ser, apenas, uma
manifestação lúdica num tempo de intervalo de obrigações e saturações da vida.
Porém, o futebol, como qualquer outra modalidade desportiva, quando colocado ao
nível do alto rendimento e do mundo global da competição, não sendo uma
ciência, não resiste sem conhecimento, nem poderá sobreviver sem a intervenção
decisiva das ciências na sua natureza pluridisciplinar.
Para todos os que aqui estão, homens de fé na ciência e nos saberes, este
conceito, com que abrimos esta minha tão pouco natural quanto surpreendente
intromissão numa casa de grandes e reconhecidos méritos universitários, não
deverá causar contestação. Para todos vós será pacífico o entendimento de que o
desporto e a sua prática, sobretudo se entendida ao nível das elites, só
conhecerá evolução e desenvolvimento num quadro plural das mais diversas áreas
científicas, todas elas específicas, mas igualmente importantes. Poder-se-á,
pois, dizer, um pouco à semelhança do que sucede na área médica, ou na área a
que pertenço, a da comunicação, que o técnico desportivo começa por ser, no
final da sua licenciatura, um generalista do desporto. Mas se, antes, os
licenciados portugueses, que o país pacóvio e mentalmente provinciano de que
nos falava Pessoa logo elevava à condição de doutores, se sentiam confortáveis
no que admitiam ser um ponto de chegada, hoje, com o avanço tecnológico, a
investigação científica, a urgência de novas respostas para novos planos de
desenvolvimento, as necessidades de conhecimento especializado tornam-se
evidentes, tal como a inevitabilidade de aprofundarmos o nosso conhecimento nas
áreas em que decidimos ou podemos intervir.
O licenciado em desporto, mesmo que se tenha empenhado no razoável domínio da
complexa área do treino, deverá entender que, independentemente do patamar que
vier a atingir, por competência, oportunidade ou simples sorte na vida, não
poderá perder a consciência de que a área técnica do treino é de tal forma
pluridisciplinar que, mesmo no topo de uma hierarquia, não mais terá, como
acontecia há uns anos, uma função individual, isolada.
O treinador é, hoje em dia, um elemento que tem de saber trabalhar em equipa.
Não podendo abarcar todas as competências necessárias à exigência cada vez
maior do treino e da própria natureza complexa do atleta, deve investir, o mais
possível, no conhecimento da sua área específica de intervenção e preparar- se
para uma cooperação tão aberta e alargada quanto possível.
Na diversidade de matérias e disciplinas que a área de desporto abrange no
percurso de formação universitária começa, aliás, o entendimento da visão
plural do ensino e do treino desportivo. Do saber e da importância de cada uma
delas entenderão vós bem mais do que eu. Por isso, se me atrevo a pisar terras
que me são mais estranhas a mim do que a vós, é porque tenho vindo a reflectir,
por observação de experiência acumulada de muitos anos de jornalismo e de
relação directa com a área do desporto de alto rendimento, numa urgência que me
parece óbvia, por dever de função, mas que não está, ainda, na ordem de
prioridades do conhecimento e do saber do técnico de desporto.
Para facilidade de entendimento, pegue-se num exemplo comum de uma equipa de
futebol do mais alto nível internacional. Toda a estrutura que envolve os
atletas, que os acompanha, os prepara, os orienta, os estimula, os desenvolve,
os conduz, tem-se tornado cada vez mais complexa e plural. Além da intervenção
directa no treino, que admite a natureza específica da própria função
individual do atleta, (guarda redes, defesa lateral, central, médio defensivo,
médio de ataque, médio ala, ponta de lança, etc.) há a juntar a intervenção de
muitas ciências diversas, da medicina à psicologia, da fisiologia à bioquímica,
da estatística à biologia.
Quanto mais ricos são os clubes, mais se distinguem na qualidade e diversidade
dos técnicos colocados à disposição da equipa e de cada um dos seus elementos.
Daí que o chefe de uma equipa tão diversa e tão numerosa deva possuir
competências muito especiais, que o capacitem para uma coordenação mais do que
simplesmente intuitiva, assente numa inteligência dinâmica e interactiva.
Ora, a questão que coloco e que proponho com alguma novidade, é, precisamente,
a da estranha e inexplicável incoerência de não se entender que ao mais alto
nível do treino de alto rendimento, quer seja na sua vertente individual, quer
seja na colectiva, se torne absolutamente essencial ao desenvolvimento inteiro
do atleta e à melhoria global do seu rendimento desportivo a intervenção
regular e estruturante das ciências da comunicação.
Não deixa de ser curioso que todos nós, colocados nos mais diversos sectores de
actividade, aceitamos viver num mundo que fez da comunicação a sua relação
essencial com a vida. Nada faz hoje verdadeiramente sentido, que não seja
comunicável. Para ser mais drástico, a verdade é que, no mundo da comunicação,
nada verdadeiramente existe quando ninguém sabe que existe.
É esta natureza, eventualmente excessiva, injusta e até cruel, mas
incontornável, de um mundo que apenas se preocupa com o que sabe existir,
porque ouve, ou porque vê, que não pode, ou não deve continuar a ficar de fora
e, pura e simplesmente a inexistir na formação do técnico desportivo e, muito
especialmente, do atleta de alto rendimento.
O desporto, ao mais alto nível, tem um mediatismo apaixonado e febril. Por
isso, demasiado perigoso. É impossível, até num simples quadro de consciência
das realidades, continuar a consentir que as ciências da comunicação continuem
a ficar à porta do mundo do desporto. Quer seja o mundo restrito do clube, quer
seja o mundo da universidade. E assim sendo, será bom que seja, então, a escola
a introduzir, no âmbito de formação dos técnicos desportivos, o reconhecimento
da necessidade da intervenção das ciências da comunicação aplicadas ao
desporto.
Recentemente, num encontro de directores de alguns dos mais importantes jornais
desportivos da Europa, o presidente do Real Madrid, que promoveu a reunião,
dava-me conta de que o clube iria passar a celebrar contratos com os seus
atletas profissionais de futebol, que incluiria uma cláusula de obrigações na
relação com os media, procurando assim defender o clube do enorme assédio que
as grandes empresas fazem aos melhores jogadores, tentando tirar partido da sua
imagem e da sua capacidade de fazer chegar qualquer mensagem a um universo
muito alargado de pessoas, em qualquer parte do mundo.
Muitos dos melhores atletas do Real Madrid, pagos, com muito dinheiro, para
passar mensagens que favoreçam a imagem de marcas tão diversas como de roupa,
relógios, perfumes, bancos, telefónicas, etc, começavam a mostrar grande
relutância em falar aos jornalistas, sem compensações financeiras, passando
apenas a imagem de si próprios e do seu clube. "E no entanto, essa
relutância não se entende, até porque somos nós, clubes, que pagamos os seus
milionários contratos" - dizia-nos, Ramón Calderón.
Percebendo que o Real Madrid necessitaria de olhar para este problema,
relativamente novo, com uma visão moderna e de futuro, Calderón anunciava-nos
que iria contratar técnicos de comunicação obrigando os seus atletas a
frequentar aulas privadas, aproveitando tempos mortos de estágio e preparando-
os para enfrentarem as câmaras de televisão, os microfones das rádios e os
jornalistas da imprensa escrita, ganhando novos conhecimentos de técnicas de
expressão, que os levaria a saber como passar as mensagens essenciais à sua
própria imagem e à imagem do clube que contratara os seus direitos desportivos.
E, mais do que isso. O estudo feito pelo Real Madrid dava conta de que ao
melhorar a qualidade e a capacidade de comunicação dos seus técnicos e,
especialmente, dos seus atletas, seria previsível que melhorasse o rendimento
desportivo da equipa.
"O estudo aponta para esta realidade: quanto mais à vontade estiverem os
atletas e os técnicos para enfrentar a pressão mediática a que um clube como o
nosso naturalmente está sujeito, mais condições tem a equipa de resolver bem a
pressão que o adversário e o público a submete no jogo" - garantia-nos o
presidente do Real Madrid.
No entanto, as grandes estrelas da equipa não se sentiam sensibilizadas para
participarem numa formação de técnicas de comunicação. A maioria considerava
que na fase de projecção internacional em que se encontravam, os órgãos de
comunicação beneficiavam mais do que eles próprios de uma entrevista, que
certamente iria ter fortes repercussões na venda de jornais, ou nas audiências
de televisão, sem que eles usufruíssem suficientes contrapartidas.
Nenhum deles, com excepção de Van Nistelrooy, considerava, sequer, a ideia de
poder tirar dessa exposição mediática, vantagens estratégicas para a equipa ou
vantagens patrimoniais para o clube. Há uma visão individualista de interesses.
Pensar no interesse da equipa, só mesmo dentro do campo. Calderón admitia que
perante esta realidade e não querendo afrontar as principais estrelas da
equipa, decidiu apresentar os novos contratos, com cláusulas de exigência de
hábitos regulares de comunicação com os media, apenas aos novos atletas do
clube. Curiosamente, ou talvez não, num encontro de carácter profissional que
tive com José Mourinho, em Londres, o técnico português com maior prestígio no
mundo do futebol dizia-nos que afastar os jogadores da pressão dos media, como
acontece em Portugal, constituía um erro grave, porque impedia, ou, pelo menos,
atrasava, uma melhor formação do carácter profissional do atleta. "A
decisão correcta – dizia-me Mourinho – é preparar o jogador para saber como
enfrentar essa pressão, tornando-o capaz de impor o discurso conveniente e de
saber passar a mensagem útil, a ele próprio e ao grupo".
A novidade que o grande clube de Espanha procurava impor, apesar das
dificuldades, era, apesar de tudo, uma novidade relativa, porque apenas
inovadora na Europa. Há muito que, nos Estados Unidos, algumas empresas
especificamente vocacionadas para técnicas de comunicação desportiva se
instalaram na vida e nos hábitos dos melhores e mais mediáticos atletas
americanos. A NBA tem, ela própria, uma central organizada de comunicação, que
não apenas ajuda os seus membros, mas ainda tem uma acção decisiva na
influência directa sobre os media que acompanham regularmente a grande prova do
basquetebol norte-americano.
Os principais campeões olímpicos, especialmente na natação, no atletismo e na
ginástica, também contam com formadores especializados na área da comunicação e
da imagem, que lhes permite garantir vantagens decisivas, enquanto atletas,
sobretudo no acesso à sponsorização, e, mais tarde, depois de terminadas as
suas carreiras, como comunicadores em universidades e convenções, o que lhes
permite continuar a ter reconhecimento nacional e uma mais valia financeira,
que está longe de ser subestimável.
Entre as técnicas de comunicação mais usuais, estão os comportamentos na
relação directa com os jornalistas e com as câmaras, quando se trata de
televisão. Os atletas aprendem a não se deixarem dominar nas entrevistas,
impondo os caminhos que melhor servem os seus interesses de comunicação, passam
a saber como passar ao público as mensagens essenciais, como driblar as
questões difíceis ou até indesejáveis, ganham desenvoltura na comunicação,
tornam- se experientes na expressão e nos olhares, aprendem a dar, de si
próprios, uma imagem de segurança e de estabilidade psicológica, dominando as
situações.
Em face disto, percebe-se que, em Portugal, se assiste, ainda, a um tempo
primitivo do homem desportivo, aliás, ainda um tanto troglodita, sobretudo nas
áreas em que a pressão mediática é maior, como é o caso do futebol. A relação
entre os principais clubes profissionais e os media, em especial, a imprensa
desportiva, é dramaticamente amadora. Em cada dia, assiste-se, da parte dos
intervenientes directos, especialmente atletas, a uma comunicação primária,
desinteressante e, não raras vezes, desmobilizadora de público. Num sector da
vida desportiva, onde se tomam naturais cuidados de rigor e de
profissionalismo, a área da comunicação, talvez uma das áreas mais importantes
no mundo mágico do espectáculo desportivo, é votada ao mais surreal amadorismo.
Quem fala, ainda julga que fala para jornais, no sentido literal do termo, e
não percebe que fala para o mundo. A partir deste equívoco, quem ainda se dá a
tão desinteressante trabalho de comunicar, raramente tem uma ideia sobre o que
deve comunicar, que imagem deve fazer passar para o exterior, que mensagem se
tornará útil a si próprio e à sua equipa. Em nome do falso interesse do grupo,
os futebolistas profissionais portugueses são transportados para um mundo
irreal, fechados num género de castelos doirados numa desastrada tentativa de
os defender contra os perigos do mundo exterior.
Em resultado disso, o futebolista-tipo português perde autonomia, não gera um
carácter forte no relacionamento com os outros, consolida uma personalidade
imatura que, não raras vezes, se reflecte nas atitudes e nas pobres declarações
públicas que presta à comunicação social. Não é mentalmente sólido e apenas se
sente seguro quando se julga protegido por dirigentes paternalistas, ou no
interior do seu grupo. Não se sentindo capazes de se relacionarem com a pressão
que a sociedade inevitavelmente lhes impõe, a sua identidade desvanece-se na
conclusão errada de que, fora do seu grupo, apenas existe um mundo agressor que
o ameaça e o prejudica.
Percebe-se, assim, porque técnicos e jogadores tanto se sustentam de lugares
comuns. Sucedem-se conferências de imprensa em que é difícil ir além do
"temos de salir a ganar" de Camacho, que também trouxe de Espanha a
maior invenção do século: "se marcarmos mais golos, que o adversário,
ganhamos". Com tais exemplos, os atletas também se desmobilizam e não
sentem como é insensato perder a oportunidade de aproveitamento do tempo e do
espaço de comunicação com o exterior. Por isso, repetem-se frases feitas de há
muitos e muitos anos, que os jornalistas acabam por reinventar numa esforçada
missão de vender o que já há muito tempo foi mal comprado. Nesse mundo pouco
consequente do futebol, ninguém, ou quase ninguém, tem suficiente sensibilidade
para entender a verdadeira dimensão da importância de comunicar, sabendo o que
se comunica, como se comunica e a quem se comunica.
Como é óbvio, a culpa não pode ser assacada a quem faz da comunicação essa
rotina desinteressante, vulgarzinha e até mesmo penalizadora. Há que ganhar,
primeiro, a consciência dessa importância a um nível superior de conhecimento e
não vejo melhor do que a oportunidade das universidades estudarem e
investigarem no sentido de unir a omnipresente realidade da comunicação nas
sociedades modernas, com o reconhecimento da importância de intervenção das
ciências da comunicação aplicadas à área do desenvolvimento do desporto de alto
rendimento.
E tanto ou mais importante do que preparar um atleta a saber expressar-se, será
ensiná-lo a saber usar e trabalhar a sua imagem. Tal como nos diz Doris
Graeber, um americano universalmente respeitado nas ciências da comunicação e
que também passou pelas ciências políticas e da economia, a "mensagem
verbal é muito importante, mas a imagem é determinante". A razão é
explicada por ciências como a neurobiologia, que nos dá conta de que a
linguagem verbal e a linguagem visual são processadas em diferentes zonas do
cérebro, sendo que esta última é mais directa e representa, por isso, a nossa
forma principal de aprendizagem.
Damos facilmente conta da importância da imagem na comunicação nos noticiários
televisivos, onde a sensação de segurança, credibilidade e respeitabilidade do
pivot se torna bem mais importante e decisiva para as audiências, do que a
notícia. Se um leitor de jornais se fideliza pela afectividade ao seu jornal,
que não quer ver demasiado mudado, um espectador de informação na televisão,
fideliza-se pelo seu pivot preferido.
Recorrendo ainda a Doris Graeber, e agora que entrámos numa fase decisiva do
período eleitoral para a presidência dos Estados Unidos, talvez o maior e mais
expressivo palco de comunicação universal de que há conhecimento, lembremos o
que ele nos disse: "Não sei se, hoje, Abraham Lincoln teria sido eleito
ou, mesmo, Franklin Roosvelt, que foi tão popular, mas tinha o corpo deformado
devido à poliomielite".
A tese que perante vós, convicta e apaixonadamente defendo é, pois, a de que as
ciências da comunicação devem passar a fazer parte do mundo pluridisciplinar do
treino desportivo, entendendo o treino numa perspectiva global de preparação e
desenvolvimento de capacidades para o exercício da função do mais elevado
rendimento desportivo.
E, nesta escola, que tantas vezes tem sido pioneira na interacção entre o saber
e a sua prática, fará todo o sentido que, em tempo útil, se entenda relevante
criar um departamento da comunicação, capaz de garantir ensinamentos
específicos para melhor preparação dos técnicos desportivos, mas também apta a
dar apoio directo a clubes e atletas de elite, como já acontece, por exemplo,
em áreas como a da psicologia, garantindo meios essenciais de apoio a uma área
do desporto que permanece totalmente desprotegida e estranhamente
desqualificada.
Não se trata, sequer, conforme procurei demonstrar, de uma visão meramente
futurista de um desporto que apenas se supõe poder vir a existir. O que se vê e
facilmente se entende é que a maioria dos atletas de alto rendimento, quer na
expressão individual, quer colectiva, a par de técnicos, mesmo aqueles que têm
uma correcta noção pluridisciplinar da sua função, lidam mal com a pressão
mediática, aproveitam mal o espaço e o tempo que se lhes oferece para
comunicarem com o mundo, não conseguem fazer passar uma imagem positiva de si
próprios e das entidades desportivas que servem. E, mesmo quando atingem
grandes títulos e marcas internacionais, raramente têm consciência de como
poderão vir a aproveitar o reconhecimento dos seus feitos e a consagração das
suas carreiras numa acção que se prolongue no tempo, continue a garantir
naturais benefícios financeiros e contribua, de forma sustentada, para a
promoção e desenvolvimento do desporto. Não gostaria muito de dar exemplos
individuais comparados que poderão ser mal entendidos por alguns dos nossos
maiores atletas olímpicos, mas não será excessivo considerar que a capacidade
de comunicação de Nuno Delgado não apenas o ajudou, pessoalmente, a
notabilizar-se, depois da medalha de Sidney, como ajudou ao desenvolvimento
mais rápido do judo. Exemplo não menos notável é o de Rosa Mota, que sempre
manteve um nível superior de comunicabilidade com o mundo exterior que faz
dela, ainda hoje, um dos maiores ídolos populares do desporto português.
Talvez ainda valha a pena recorrer ao exemplo eventualmente excessivo, mas, até
por isso, significativo, do râguebi. Nunca, como no último mundial de França,
se terá mascarado tão bem uma derrota (para mais tão volumosa) como a que a
selecção portuguesa de râguebi sofreu no encontro com a Nova Zelândia. Apesar
de ter sofrido mais de cem pontos, os seleccionados foram elevados à condição
de heróis, pelo vigor com que jogaram, sim, mas, acima de tudo, pelo vigor com
que cantaram o hino. A verdade é que as televisões pegaram na história,
percebendo que era facilmente vendável, e o râguebi, que teve apenas derrotas
desportivas, chegou a Portugal em cenário de glória nacional e, nos meses
seguintes, o aumento jovens raguebistas aumentou de tal forma que a maioria dos
clubes não tinha condições estruturais para os receber.
Acredito, sinceramente, que esta proposta de inclusão das ciências de
comunicação, adaptada ao ensino dos técnicos de desporto e às exigências do
desporto de alto rendimento, deverá ser suficientemente avaliada e admitida
como projecto realizável e útil. E deve ser incluída, tão depressa, quanto
possível, nas áreas de investigação e estudo da universidade. Meus generosos e
pacientes ouvintes, agradeço-lhes a atenção que me dispensaram, mais do que a
mim, a esta tese em que me revejo. O mundo da comunicação é importante de mais
para apenas fazer parte do universo dos media, ou para servir de simples arte
de manipulação de massas, por parte de políticos mal formados. As ciências da
comunicação, aplicadas ao desporto, poderão trazer-nos, estou convicto disso,
técnicos mais competentes e atletas de personalidade mais sólida e, por isso,
melhor preparados para enfrentarem as difíceis exigências da competição ao mais
alto nível e a forte pressão que as sociedades modernas exercem sobre os seus
heróis. As técnicas de comunicação podem eleger presidentes, podem tornar
justas guerras cruéis, podem manter ditadores eternamente no poder, podem, até,
mudar a verdade da História. É, por isso, uma arma perigosa e não raras vezes
decisiva nos tempos que correm. O que vos proponho, aqui, nesta sessão solene
de uma escola que sempre soube abraçar o futuro como um desafio estimulante, é
que as aproveitemos para fins bem mais benignos, respondendo melhor e com mais
conhecimento às sempre novas exigências que as sociedades modernas impõem ao
desporto e aos atletas de alto rendimento.
1 Comunicação proferida na sessão solene de atribuição de prémios e diplomas
aos melhores estudantes da Faculdade de Desporto da Universidade Porto (Março
de 2008)
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
Rua Dr. Plácido Costa, 91
4200-450 Porto
Portugal
rpcd@fade.up.pt