Percepções dos professores do desporto escolar sobre a relação entre o sector
escolar e o sector federado da Região Autónoma da Madeira
INTRODUÇÃO
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto
(9)
, bem como assim, a Lei de Bases do Sistema Educativo
(10)
define, no âmbito dos objectivos, que o desporto escolar deve ser entendido
como um factor de cultura. E, só poderá sê-lo, se considerarmos o desporto como
um fenómeno social e total, onde a vertente educativa e formativa está em
primeiro lugar. Assim, e de acordo com uma análise sistémica e de
desenvolvimento do fenómeno desportivo, as actividades que se desenvolvem no
âmbito educativo não devem estar dissociadas das actividades que se realizam no
âmbito do contexto sociocultural e desportivo, seja na vertente federada-
competitiva, seja na vertente de lazer e recreação. O desporto escolar deve,
assim, ser entendido como um sector autónomo do sistema educativo, mas também
deve manter estreitas e dinâmicas interacções com as actividades que se
realizam nos restantes sectores, entre os quais o sector federado
(1, 3)
.
No caso específico da Região Autónoma da Madeira, e seguindo as oportunidades
consagradas no seu Estatuto Político-Administrativo
(11)
, o Governo Regional levou à Assembleia Legislativa, a proposta de Lei Quadro
do Sistema Desportivo da Madeira(5),que viria a ser aprovada por maioria. Neste
diploma constata-se que existe uma intenção do Governo Regional no sentido do
desporto escolar vir a assumir uma estreita ligação ao desporto que se
desenvolve nos clubes federados. Por exemplo, no artigo 19º - actividades
conjuntas, defende que os clubes e associações federadas articulam as suas
intervenções de modo a favorecer o contacto entre as áreas do desporto escolar
e as do desporto federado, através da implementação de actividades conjuntas,
dotadas de regulamentação técnico-pedagógica apropriada, sem prejuízo da
concretização das actividades específicas de cada um dos sectores. De certa
forma, esta visão integrada, reconhece à escola, um papel relevante na formação
desportiva dos mais jovens e na sua articulação com o desporto que se faz na
sociedade. Nesta abordagem integrada do desporto destacamos
(6)
, quando defende uma forte ligação da escola ao desporto na sociedade e o
desporto escolar como um viveiro de formação de praticantes para o desporto
federado.
O desporto escolar e as orientações que estão subjacentes à sua organização,
dinâmica e qualidade do serviço, envolvem necessariamente uma dimensão política
(6). Defende, por um lado, que as questões da qualidade do serviço público
precisam de ser analisadas e compreendidas na perspectiva da decisão política
para o serviço público, e por outro na diferença entre o serviço prestado e a
qualidade do serviço percepcionado pelos clientes e intervenientes. Igualmente,
mas no âmbito da avaliação dos serviços profissionais do sector privado
(12)
, defende uma relação continuada e consistente na avaliação das expectativas e
dos resultados da satisfação dos clientes.
Neste contexto, as expectativas e percepções dos principais actores envolvidos
na organização desportiva são determinantes para se percepcionar a qualidade do
serviço e melhorar os seus atributos
(8,14)
.
Dentro da organização do desporto escolar, os professores que desempenham
cargos específicos: coordenador ou gestor desportivo, orientador de equipa e
coordenador de actividade interna, constituem os actores mais privilegiados
para avaliarem a qualidade do serviço.
Segundo
(2)
, a qualidade do serviço das actividades físicas e desportivas passa por
determinar o grau de satisfação e de percepção dos intervenientes. Ademais,
sabendo-se que há uma década atrás, mais de metade dos professores envolvidos
no desporto escolar também estavam envolvidos no desporto federado na qualidade
de treinadores
(15)
, importa conhecer até que ponto esta acumulação continua.
Assim, o estudo seguiu dois objectivos: detectar se os professores envolvidos
em cargos no desporto escolar na Madeira também estavam envolvidos no sector
federado e conhecer as percepções dos mesmos sobre a relação que deve existir
entre ambos os sectores.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi constituída uma equipa de sete investigadores, aproveitando-se as mais-
valias proporcionadas pelos recursos humanos do Gabinete Coordenador do
Desporto Escolar e pelos alunos do Curso de Mestrado em Educação Física e
Desporto (edições 2005/2006 e 2006/2007).
Esta dupla colaboração permitiu alcançar um total de 255 professores de
Educação Física que exerciam funções específicas no desporto escolar,
correspondente a 98% do universo (260). Se tivermos em conta o total dos
professores de Educação Física a leccionar em todas as escolas públicas e
privadas dos 2º e 3º ciclos e ensino secundário na Região Autónoma da Madeira
(476), a amostra corresponde a 53,6%.
Foi elaborado um questionário de avaliação da qualidade do serviço com base no
instrumento desenvolvido no estudo realizado em Portugal Continental(4),
posteriormente adaptado e validado à orgânica e regulamentação do desporto
escolar da Madeira(7). Para apurar a fiabilidade do questionário utilizou-se a
técnica de Alpha de Cronbach tendo-se verificado a existência de fiabilidade
interna adequada para cada uma das variáveis em análise.
A aplicação do questionário foi feita através de uma reunião de carácter
obrigatório tendo sido orientada pelos respectivos elementos da equipa de
investigação que prestaram os esclarecimentos e asseguraram a recolha e
imediata do instrumento.
No que diz respeito aos procedimentos estatísticos recorremos ao software SPSS
(Statistical Package for the Social Sciences) versão 15.0 for Windows e ao
programa Microsoft Office Excel versão 11.0. Dada a natureza da maioria das
variáveis - do tipo nominal e ordinal, recorremos à utilização de técnicas não
paramétricas, nomeadamente, o teste do Qui-Quadrado, e o teste Mann-Whitney,
para uma probabilidade de erro de 0,05.
RESULTADOS
Envolvimento dos professores do desporto escolar no sector federado
A participação e acumulação de funções dos professores do desporto escolar no
sector federado pode ser um factor relevante para o conhecimento e
desenvolvimento da relação entre os dois sectores. Nessa medida procuramos
conhecer até que ponto os professores do desporto escolar estavam ligados
também ao sector federado, e verificámos que, 117 (45,9%) dos professores,
durante o ano lectivo 2006-2007, estiveram ligados a um clube fora da escola,
contra 129 (50,6%).
Constatou-se que o cargo desempenhado no sector federado que maior resultado
colheu foi o de treinador/monitor com um valor de 73,5%, seguido do de atleta
com 10,26% e do de Dirigente/Coordenador com 9,4% (Figura 1).
Figura 1. Cargos ocupados no sector federado pelos professores do desporto
escolar
A análise da participação dos professores no sector federado, de acordo com as
modalidades desportivas, permitiu-nos destacar a de futebol como aquela que
colheu maior preferência dos professores (30,7%), seguido do voleibol (11,4%) e
da natação (8,7%), resultados muito similares aos das modalidades desportivas
no sector escolar.
Figura 2. Modalidades desportivas do sector federado onde estão envolvidos os
professores
Articulação do desporto escolar com o desporto federado
Confrontados com a questão “Considera que o desporto escolar na sua escola
deveria ter uma relação mais próxima (articulada/interligada cooperante) com o
DF?”, 132 (51,8%) dos professores responderam afirmativamente, contra 63
(24,7%) que disseram que não. Os resultados indicam-nos ainda mais um resultado
interessante e preocupante: 54 (21,2%) preferiam não emitir qualquer resposta.
No sentido de se procurar uma justificação plausível para a percentagem de
51,8% a concordar com uma maior proximidade entre ambos os sectores, avançou-se
com o Chi-Square Test a fim de verificar se os professores que estavam
envolvidos no sector federado eram os que mais defendiam a relação de
proximidade. Os resultados do Quadro 1 confirmam que existem diferenças
significativas (p=0,003) entre os dois grupos de professores, sendo os que
estão ligados ao sector federado aqueles que defendem uma articulação mais
próxima.
Quadro 1. Relação entre a percepção que os professores têm da articulação
desporto escolar-desporto federado e o envolvimento/não envolvimento dos mesmos
nos clubes federados
Todavia, o Quadro 1 também nos mostra que, do grupo dos professores que não
estão envolvidos no sector federado, 54 deles (43,5%) consideram que deveriam
haver uma relação mais próxima.
Dinamismo na conquista de parceiros externos
Uma maior articulação e interacção entre os dois sectores desportivos pode ser
explicada a partir da identificação da dinâmica das escolas na conquista de
parceiros externos. Os resultados obtidos sobre esta questão revelaram que
quase metades dos docentes (45,5%) não evidenciaram opinião, o que pode
significar desconhecimento da existência de parceiros externos ou displicência
em relação à questão. Por outro lado, daqueles que se pronunciaram, 29,4% dizem
haver dinamismo e 22,4% considera a sua escola pouco activa na conquista de
parceiros externos (Quadro 2).
Quadro 2. Escola como dinâmica ou não na conquista de parceiros externos
Dos 75 que acharam que a escola é dinâmica na conquista de parceiros externos a
maior percentagem (33,3%) apontou os clubes e associações desportivas como
organizações parceiras.
DISCUSSÃO
Os resultados apurados sugerem claramente uma maior articulação e cooperação
entre o sector desportivo escolar e o sector federado e estão em concordância
com as novas orientações definidas na Lei Quadro do Sistema Desportivo da
Região Autónoma da Madeira(5) quando advoga uma maior dinâmica de interacção e
articulação do trabalho da escola com as actividades dos clubes e associações
desportivas.
Os resultados também confirmam um envolvimento elevado, com mais de 50% dos
professores do desporto escolar a exercer funções específicas no desporto
federado. Os mesmos resultados já tinham sido apurados no ano lectivo de 1994/
1995 quando
(15)
constatou que 54% dos docentes do desporto escolar também estavam ligados ao
sector federado, especialmente na função de treinador.
No entanto, é o grupo dos professores que está envolvido em funções mo desporto
federado, quem mais defende uma relação de aproximação entre ambos os sectores,
comparativamente com o grupo de docentes que não estava envolvido no sector
federado. O conhecimento que os professores detêm pelo facto de estarem
envolvidos em ambos os sectores, e as potencialidades de interacção, podem ser
duas possíveis explicações para esta convicção dos docentes. Tal como sugerem
autores que têm reflectido e escrito a interacção entre o sector escolar e o
sector federado
(1, 3, 13, 16)
, as dinâmicas e as sinergias que se criam entre ambos os sectores, devem
superar claramente os conflitos e adversidades, e acrescentar mais valias para
a qualidade da formação e competição desportivas dos mais jovens.
O estudo também evidencia um resultado muito interessante: do grupo dos
professores que não estava envolvido no sector federado, constatou-se que uma
percentagem elevada (43,5%) foi no sentido de concordar com a relação de
aproximação e de interacção entre ambos os sectores.
Uma das interpretações plausíveis para estes resultados é o de que a escola
pode e deve ter um papel relevante na formação desportiva inicial e na sua
relação de intercomplementaridade com o papel dos clubes federados(3, 6).
Supostamente, os professores que estão envolvidos nos clubes esperam e anseiam
que haja uma maior dinâmica de cooperação e articulação entre ambos os
sectores. Conforme modelo organizacional proposto por(13), o desporto na escola
constituiu uma zona de interface e de projecção do atleta para a vida e para a
competição, e neste sentido o trabalho do desporto escolar não pode ficar
indiferente ao que se faz no desporto federado.
Dos 117 professores que também estão ligados ao desporto federado, 73,5%
desempenham o papel de treinador ou monitor desportivo. É de realçar que há
cerca de dez anos atrás(15), também já tinha constatado que uma percentagem
elevada (69%) dos professores envolvidos no sistema desportivo, desempenhava o
cargo de treinador desportivo.
Havendo esta duplicidade de funções é pertinente questionar o aproveitamento ou
não desta oportunidade, seja numa perspectiva de continuidade da prática
desportiva dos jovens quando transitam do escolar para o federado, seja ao
nível da optimização dos recursos humanos e das sinergias que resultam da
participação conjunta dos praticantes nas respectivas competições. Contudo, é
necessário considerar os princípios de interacção e clarificar o papel de ambos
os sectores, para que haja uma relação de cooperação, de complementaridade, e
não de crispação ou de conflito.
Os resultados também colocam em evidência a necessidade das escolas
conquistarem parcerias externas e optimizarem os recursos com os clubes e
associações desportivas federadas. O incremento dos clubes desportivos
escolares poderá ser uma estratégia de desenvolvimento da organização interna
das escolas no sentido de uma melhoria substancial da qualidade do serviço(16).
Para tal, é necessário que se criem sinergias e autonomia suficiente para que
os actores organizacionais possam desenvolver as suas competências e interagir
com as actividades desenvolvidas pelas associações e clubes, num contexto mais
amplo da organização das actividades desportivas para jovens.
CONCLUSÃO
Os resultados do estudo leva-nos a concluir que os professores envolvidos em
funções específicas no desporto escolar defendem uma relação mais próxima e uma
interacção de cooperação entre o sector do desporto escolar e o sector do
desporto federado.
Esta relação não só é defendida por aqueles professores que estão também
envolvidos em funções específicas no desporto federado, como também pelos que
apenas exercem funções no sector escolar.
Os resultados do estudo indiciam uma fraca e preocupante relação da escola na
conquista de parceiros externos para o desporto escolar.