Turismo de prática desportiva: um segmento do mercado do turismo desportivo
INTRODUÇÃO
Nos últimos 30 anos a evolução tecnológica e social transformou de forma
fantástica o modo como a maioria das pessoas vêem o tempo e a vida. Se há
algumas décadas atrás era impensável para a generalidade da população viajar
pelo simples prazer de conhecer sítios novos, hoje isso é banal para muita
gente, de tal modo que a viagem turística já se transformou em algo mais do que
conhecer sítios novos.
Neste contexto o Turismo vive uma fase de profunda transformação. Mais do que
sítios diferentes ou oportunidades de descanso, as pessoas viajam cada vez mais
à procura de novas experiências, novas vivências associadas a diversas práticas
activas.
Como um dos pontos mais marcantes nesta transformação podemos destacar a
passagem de um turismo inactivo, em que o objectivo era desligar e isolarmo-
nos do mundo, para um turismo activo onde o objectivo é também viver nos
limites o contexto da viagem e retirar desta a maior quantidade e a melhor
qualidade de vivências e experiências marcantes.
O desporto, actividade onde o Homem experimenta os seus limites, está inserido
nas mesmas dinâmicas da sociedade contemporânea, experimentando também uma fase
de crescimento e de mutação. Assume novas formas, novos contextos e novos
valores, onde para além da competição com os outros, as pessoas procuram para
si evasão, saúde e novas vivências.
O desporto no seu todo representa actualmente um dos mais fascinantes e
relevantes fenómenos sociais; Manuel Sérgio refere mesmo que o Desporto é o
fenómeno cultural de maior magia no mundo contemporâneo
(14)
.
Para além de se desenvolverem de forma individualizada, o turismo e o desporto
foram-se desenvolvendo ao longo dos tempos de forma sistémica, com sinergias e
áreas de sobreposição. Este aspecto torna-se especialmente evidente nas últimas
décadas do século XX, dando origem ao que se passou a designar na literatura
por Turismo Desportivo.
Para além da prática desportiva assume também especial relevância o espectáculo
desportivo; por isso o Turismo Desportivo apresenta duas tipologias
especialmente relevantes, uma associada ao espectáculo desportivo (TED) e uma
segunda associada à prática desportiva (TPD).
É objectivo deste artigo contribuir para a compreensão desta relação e,
consequentemente, estabelecer com maior rigor um quadro conceptual que permita
potenciar o desenvolvimento sustentável no segmento de mercado do Turismo de
Prática Desportiva (TPD), seja enquanto motivação principal de viagem ou como
complemento de outras motivações turísticas.
Desporto e Turismo – Uma Evolução Paralela
Nas suas formas contemporâneas pode dizer-se que Desporto e Turismo tiveram
origem na revolução industrial e mantêm, desde essa época, uma evolução
individualizada mas com um paralelismo muito interessante.
Foram idênticos os factores, os tempos e os contextos sociais que representaram
pontos de mudança e de desenvolvimento, podendo destacar-se 4 factores que
tiveram um papel fundamental para a relevância que estes dois fenómenos
representam hoje na sociedade:
A concentração das populações em torno dos centros urbanos;
O aumento da duração do tempo de lazer;
O aumento do poder de compra; e
O desenvolvimento dos meios de transporte.
Com tantos pontos em comum este percurso acabaria por se cruzar como seria de
esperar. Como se ilustra na Figura 1, o Turismo e o Desporto passam a ter
actividades, contextos e práticas comuns aos dois sectores de actividade a
partir de determinada época.
Figura 1. Ilustração do percurso dos fenómenos desporto e turismo ao longo do
tempo
Estes campos comuns representam uma zona onde as duas actividades se sobrepõem;
a este espaço de sobreposição ou de intercepção como refere Pigeassou(9),
chama-se actualmente Turismo Desportivo. Kurtzman e Zauhar
(5)
afirmam mesmo que os pontos de contacto entre o desporto e o turismo tem
aumentado drasticamente.
Embora se possa considerar que as relações entre Turismo e Desporto se tenham
iniciado mais cedo, o turismo desportivo tal como o conhecemos hoje tem a sua
origem em meados do século XX, estando em grande medida associado ao
surgimento dos desportos de Inverno nos Alpes
(8)
. No entanto, a expressão turismo desportivo surge apenas na década de 70 em
França(8).
Partindo deste quadro, É nosso entender que, para se estudar o turismo
desportivo como instrumento potenciador do desenvolvimento sustentado, se torna
necessário clarificar os seus dois conceitos constituintes – o turismo e o
desporto.
Desporto
No âmbito da Carta Europeia do Desporto o Conselho da Europa define desporto
como:
Todas as formas de actividades físicas que, através de uma participação
organizada ou não, têm por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição
física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de
resultados na competição a todos os níveis
(13)
.
De acordo com esta definição e tendo como quadro de referência a Motricidade
Humana
[*]
, podem-se incluir no conceito de desporto todas as suas novas formas. Estas
são cada vez menos formalizadas, geradas em função de um contexto específico e
submetendo-se muitas vezes a uma lógica comercial de produto.
Esta posição está em concordância com autores como Standeven e De Knop que
defendem que uma definição larga de desporto permite aumentar o significado
das ligações entre turismo e desporto
(15)
.
Devemos realçar também que o desporto se assume à escala global como um
excelente espectáculo
[]
capaz de mobilizar multidões e de fidelizar uma imensa quantidade de
espectadores, por um lado através da presença ao vivo, mas especialmente
através do acompanhamento à distância e muitas vezes em simultâneo.
Com base nestes pressupostos considerar-se-á como desportistas, não só o
praticante desportivo mas também o espectador desportivo, sendo estes dois
grupos os principais clientes actuais do mercado Desporto.
Turismo
A Organização Mundial do Turismo (OMT), agência especializada das Nações Unidas
(ONU) dedicada ao turismo com sede em Madrid define Turismocomo:
O conjunto das actividades desenvolvidas por pessoas durante as viagens e
estadas em locais fora do seu ambiente habitual por um período consecutivo que
não ultrapasse um ano, por motivos de lazer, de negócios e outros
(6)
.
Como cliente do mercado turístico, a OMT considera o Visitante, que será
qualquer pessoa que viaja para qualquer lugar fora do seu ambiente habitual por
menos de 12 meses consecutivos e cujo motivo principal da visita não seja o de
exercer uma actividade remunerada no local visitado.
A OMT distingue ainda entre Turista que será o visitante que permanece pelo
menos uma noite no local visitado e Visitante do dia, a pessoa que não
permanece pelo menos uma noite.
Este tipo de definições são extremamente úteis do ponto de vista estatístico e
quantitativo, bem como para definir um quadro de referência objectivo.
O Turismo é no entanto um fenómeno extremamente complexo, lato e
interdisciplinar e ter-se-á que se considerar como parte integrante da
actividade turística os meios que permitem a viagem, as actividades e os
serviços turísticos numa lógica sistémica e de interacção com os outros
sectores de actividade.
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL: O TURISMO DESPORTIVO
A relevância das áreas de sobreposição que se referiram tem aumentado de tal
forma que na actualidade podemos falar da existência consolidada de Turismo
Desportivo quer do ponto de vista conceptual, quer pela sua relevância de
mercado. Pigeassou(9) considera que o contributo económico deste segmento de
mercado do turismo tem crescido fortemente nas últimas décadas.
O Turismo Desportivo representa assim o corpo de conhecimento e o conjunto de
práticas onde as áreas do turismo e do desporto se tornam interdependentes,
merecendo alguma especialização no seu estudo.
A Figura 2 ilustra esta relação.
Figura 2. Sobreposição do Turismo e do Desporto
Podemos dizer que existe um conjunto de actividades que são simultaneamente
turísticas e desportivas, carecendo portanto das abordagens pluridisciplinares
entre o turismo e desporto. Pigeassou, Bui-Xuan e Gleyse
(8)
referem que clarificar a noção não significa necessariamente que o fenómeno
definido como turismo desportivo não possa ser analisado através de
metodologias usadas no estudo do turismo e do desporto
É nossa opinião que o turismo desportivo não emerge de qualquer ruptura com o
desporto ou com o turismo, mas sim de uma abordagem metodológica
pluridisciplinar entre estes dois fenómenos. Não existe uma prática que tenha
deixado de ser desportiva, ou deixado de ser turística, para passar a ser
turístico-desportiva. O que se passa é que o fenómeno desporto cresceu num
sentido que fez com que o desporto tivesse necessidade de recorrer aos serviços
e aos conhecimentos do turismo. O inverso também acontece, o turismo cresceu
num sentido que torna útil a utilização dos serviços e dos conhecimentos do
desporto no âmbito da actividade turística. Pigeassou, Bui-Xuan e Gleyse(8)
consideram que o turismo desportivo enquanto disciplina se encontra ainda numa
fase pré-paradigmática. Existe assim, no actual contexto do desenvolvimento
do turismo desportivo, a necessidade de fomentar uma relação muito próxima
entre os técnicos de desporto e os técnicos de turismo, de modo a que a reunião
destes dois saber-fazer permita potenciar ao máximo o desenvolvimento tanto
do ponto de vista conceptual, como da compreensão das dinâmicas do segmento de
mercado do turismo desportivo.
Várias instituições e autores têm apresentado contributos relevantes para a
compreensão do conceito de turismo desportivo. De entre os vários contributos
destaca-se por exemplo a OMT e autores como Standeven e De Knop na sua obra
intitulada Sport Tourism(15), Cunha no seu trabalho Introdução ao Turismo
(2)
, onde o turismo desportivo é apresentado como um tipo de turismo[]. Também
apresentam especial relevo alguns artigos publicados no Journal of Sport
Tourism ou no Cahier Éspaces, dos quais se podem destacar Epistemológical
Issues on Sport Tourism: Challenge For a New Scientific Field de Pigeassou,
Bui-Xuan e Gleyse
(8, 11)
, Sport and Tourism: A Conceptual Framework de Gammon e Robinson
(4)
ou A Wave in Time – The Sports Tourism Phenomena de Kurtzman e Zauhar(5),
entre outros.
Apesar de os vários autores apresentarem diferentes perspectivas de análise, a
necessidade de associação entre turismo e desporto é consensual na análise do
conceito de turismo desportivo.
Assumindo esta óbvia sobreposição entre turismo e desporto torna-se necessário,
para que se considere um indivíduo como turista desportivo, considerar que esse
individuo tem que ser turista e simultaneamente participar numa actividade
desportiva ou desenvolvida em contexto desportivo.
Assim, é possível definir quatro premissas que é necessário verificar para se
considerar um qualquer indivíduo como turista desportivo; as primeiras três
decorrentes dos conceitos de turismo e de turista referido nos ponto 2.2 e a
última premissa implicando a participação em actividades ou contextos
associados ao desporto, cujo o âmbito foi definido no ponto 2.1.
Temos assim que considerar:
1- Que a pessoa realize uma viagem para fora do seu ambiente habitual e que
permaneça pelo menos uma noite no local visitado (menos de uma noite será o
Visitante Desportivo do dia[§]);
2- Que esta viagem não tenha carácter definitivo, considerando normalmente que
ela não deva exceder os 12 meses;
3- Que esta viagem não tenha como motivação principal exercer uma actividade
remunerada; e
4- Que o viajante participe durante a viagem ou a estada, numa actividade ou
contexto desportivo.
Se a associação entre turismo e desporto era consensual na bibliografia
consultada, no que se refere às diferentes actividades e contextos que se podem
considerar dentro do universo do turismo desportivo, as opiniões são um pouco
mais diversas. Ainda assim, dois pontos são quase consensuais: (i) a Inclusão
da prática desportiva e (ii) a assistência enquanto espectador.
De realçar uma quase unanimidade em considerar como turismo desportivo para
além das actividades desportivas praticadas pelos turistas, também as
actividades desportivas a que o turista assiste ou é espectador. Diversos
autores utilizam uma terminologia que considera a prática desportiva como
participação activa e a assistência a um espectáculo desportivo como
participação passiva.
Para além das actividades direccionadas para a prática e para a assistência
desportiva, existe um conjunto de outros aspectos que embora menos consensuais,
ou abordados de diferentes perspectivas, são referidos na literatura e podem
ser considerados como zonas de sobreposição entre o turismo e o desporto.
No entanto, é nossa opinião que o conjunto de actividades desportivas em que
participem turistas, seja enquanto praticantes ou espectadores, representam o
maior relevo no fenómeno Turismo Desportivo. As outras formas de turismo
desportivo que abordaremos resumidamente no ponto 3.3 deverão assim ter um peso
residual e pontual enquanto zonas de sobreposição entre as áreas do desporto e
do turismo. Este dado carece ainda assim de uma análise mais aprofundada de
indicadores como a quantidade de turistas envolvidos em cada um dos tipos de
turismo desportivo ou os volumes de negócios associados.
A participação de turistas em actividades ou contextos desportivos pode
agrupar-se na seguinte tipologia:
1- Turismo de prática desportiva (TPD);
2- Turismo de espectáculo desportivo (TED);
3- Outros contextos turístico-desportivos.
Em conclusão e como sistematização do fenómeno turismo desportivo, apresenta-se
a Figura 3 que ilustra os diferentes tipos de turismo desportivo.
Figura 3. Principais tipos de Turismo Desportivo
A importância desta clarificação é a de que a cada tipo definido podemos
associar também um tipo de cliente, o que tem diferentes implicações no
marketing e estratégia de desenvolvimento económico.
Assim definidos os conceitos, importa realçar ainda que o turismo desportivo e
cada um dos seus tipos, não se resumem aos seus clientes. Para além dos
clientes, é necessário considerar as dinâmicas entre todos os intervenientes no
fenómeno. Na Figura 4, que apresentaremos aquando da análise do mercado do
turismo de prática desportiva, podemos verificar como em qualquer outro
mercado, que para além dos clientes/consumidores é necessário considerar os
produtores, os distribuidores e os facilitadores. No entanto é nossa opinião
que a organização de todas as dinâmicas deve começar pela análise rigorosa dos
clientes-tipo que poderão viabilizar e potenciar um determinado mercado.
Figura_4. Organização actual da indústria do turismo
Turismo de prática desportiva
Relativamente ao turismo de prática desportiva este pode definir-se como o
Conjunto de actividades desportivas em que participem turistas enquanto
praticantes. Podemos considerar a pessoa com este tipo de participação no
desporto como o turista praticante desportivo que, por sua vez se poderá
definir como aquele Turista que, durante a sua viagem, pratica uma qualquer
actividade desportiva, independentemente da motivação principal da viagem.
Pigeassou(9) chama e esta família de relações entre o turismo e o desporto a
prática de actividades físicas e/ou desportivas ou Turismo desportivo de
acção onde a actividade física é um iniciador e um intermediário da
experiência que se vive.
Na estrutura de relações de sinergia entre turismo e desporto, Robinson e
Gammon
(12)
não distinguem a prática desportiva como segmento do turismo desportivo, mas
referem-se ao turismo desportivo como a análise dos indivíduos e/ou grupos de
pessoas que participam activamente ou passivamente em desporto competitivo ou
recreativo podendo considerar-se a participação activa como a prática
desportiva.
De uma forma menos atenta poder-se-ia ter a tentação de definir turismo de
prática desportiva como o turismo em que a principal motivação de viagem fosse
a participação numa qualquer actividade desportiva enquanto praticante. No
entanto uma análise mais aprofundada permite perceber que este tipo de turismo
representa apenas uma parte dos turistas praticantes desportivos. Com efeito,
também as pessoas que embora tenham outra motivação de viagem, como por exemplo
o turismo de sol e mar ou o turismo em espaço rural, podem vir a praticar uma
actividade desportiva. Independentemente da motivação da viagem, a prática
desportiva por parte dos turistas representa um campo de sobreposição entre o
turismo e o desporto. Este aspecto será desenvolvido na secção 4.
Turismo de espectáculo desportivo
Relativamente ao turismo de espectáculo desportivo, este poderá definir-se como
o conjunto de actividades desportivas de que usufruam os turistas enquanto
espectadores considerando-se a pessoa com este tipo de participação no turismo
desportivo como o turista espectador desportivo. Este poderá assim definir-se
como o turista que, durante a sua viagem, assiste a um qualquer espectáculo ou
evento desportivo, independentemente da motivação principal da viagem.
Pigeassou(9) chama e esta família de relações entre o turismo e o desporto a
participação em eventos ou exibições focadas no desporto ou Turismo
desportivo de eventos, em que uma proximidade sensorial e emocional com a
situação real é essencial.
Robinson e Gammon(12) na mesma análise referida no sub-capítulo 3.1 referem-se
à participação passiva podendo considerar-se esta como a assistência a
espectáculos desportivos.
Assim considerado, o espectáculo desportivo tem-se desenvolvido de forma
exponencial ao longo das últimas décadas, em parte devido ao desenvolvimento
mediatizado de competições a nível global, consequência do desenvolvimento dos
meios de transporte e comunicação de larga escala ocorrido a partir de meados
do século passado.
Os modelos competitivos bastante atractivos vieram fomentar a assistência ao
vivo às competições desportivas (exemplos disso: os Jogos Olímpicos, o
Campeonato do Mundo de Futebol, Campeonato do Mundo de Formula 1, Voltas
nacionais em ciclismo, ) tornando-os numa nova forma de actividade económica
de elevada relevância nas economias dos países.
Tem-se assim uma enorme quantidade de pessoas que se deslocam tendo como
objectivo principal assistir a espectáculos desportivos ou que, estando de
férias com qualquer outra motivação, acabam por assistir a espectáculos
desportivos que se realizam no mesmo destino turístico.
Este mercado assume assim um relevo muito significativo, não só pela capacidade
de atracção de turistas de forma directa, mas também como forma de promoção
dando visibilidade a um determinado destino ou contexto turístico. A título de
exemplo poderíamos referir o Euro 2004 realizado em Portugal e que para além
das receitas directas que proporcionou, também contribuiu de forma muito
interessante para a promoção de país no exterior.
O TED assume assim diversas características que permitem análises distintas e
muito úteis para a compreensão do fenómeno turismo desportivo, analises essas
que serão aprofundadas noutros artigos futuros.
Outras formas de turismo desportivo
Pigeassou(9) refere quatro tipos de práticas sociais que associam turismo e
desporto e que são, para além do turismo desportivo de acção e do turismo
desportivo de evento, o turismo desportivo de cultura e o turismo
desportivo de envolvimento.
O turismo desportivo de cultura refere-se a um carácter mais cognitivo da
cultura desportiva que pode estar associado a um sentido de história
desportiva, de curiosidade intelectual ou de veneração. O turismo desportivo de
envolvimento refere-se às situações inerentes ao mundo do desporto,
nomeadamente às inúmeras possibilidade de viagem turística associadas à
administração desportiva ou ao treino. Por exemplo o staff de uma competição
ou os workshops de formação desportiva complementares.
Para além de considerarem que a relação entre turismo e desporto pode ser
participativa ou não participativa, Kurtzman e Zauhar(5) utilizam uma
terminologia mais prática, identificando cinco categorias de turismo
desportivo: as atracções de turismo desportivo, os resorts de turismo
desportivo, os cruzeiros de turismo desportivo, as viagens de turismo
desportivo e os eventos de turismo desportivo.
Em nossa opinião existe um conjunto de relações entre turismo e desporto que
vão para além do TPD e do TED sendo estas tipologias muito variadas e
apresentando cada uma delas aspectos muito específicos e que importa analisar
caso a caso.
Sem nos alongarmos nesta discussão, deixamos alguns pontos que poderão servir
de ponto de partida para uma análise mais aprofundada:
· algumas destas relações podem não implicar clientes de turismo desportivo
(por exemplo: os estágios pré-competitivos das equipas de desporto profissional
têm normalmente um efeito muito superior ao nível da promoção turística do que
do desenvolvimento de serviços de turismo desportivo);
· algumas destas relações podem estar muito próximas de outros tipos de
turismo (por exemplo: do turismo cultural no caso dos museus ou exposições com
motivos desportivos);
· algumas destas relações representam nichos muito específicos e cujo a
interpretação dificilmente pode ser transposta para outros contextos.
O MERCADO DE TURISMO DE PRÁTICA DESPORTIVA
Na presente secção analisa-se o mercado do TPD, isto é, o conjunto de
actividades desportivas em que participem turistas enquanto praticantes,
abordando a forma como estas se organizam e atendendo ainda às dinâmicas que
geram para poderem ser exploradas numa lógica de mercado.
No trabalho Reinventando o Turismo em Portugal
(1)
publicado pela Confederação do Turismo Português/SaER é sugerido o modelo
apresentado na Figura_4 para sintetizar a Organização Actual da Indústria do
Turismo.
Neste modelo podem distinguir-se, como noutros mercados, quatro tipos de
agentes intervenientes na indústria do turismo: os Produtores, os
Distribuidores, os Facilitadores e os Consumidores. Este modelo não faz
referência a um tipo de agentes que parece muito relevante para o
desenvolvimento da Indústria do Turismo e que se poderiam designar de
"Planificadores", isto é, os agentes públicos e não públicos que
contribuem para o estudo do fenómeno e para a definição de estratégias globais
de um determinado sector ou tipo de agentes ou ainda para a construção de um
verdadeiro destino turístico. Será o caso por exemplo dos organismos públicos
de promoção turística quer a nível nacional, regional ou local; das associações
empresariais representantes de uma determinada região ou sector; das escolas e
institutos responsáveis pelo estudo do turismo, etc. Na perspectiva económica e
de marketing são as necessidades e motivações dos consumidores que definem
quais os melhores produtos e quais os melhores canais que os Produtores, os
Distribuidores e os Facilitadores devem utilizar para chegar aos Consumidores/
Clientes.
Cabe a quem planifica uma actividade tornar coerente a adequação entre estas
necessidades e os objectivos de mais largo prazo como exige qualquer actividade
económica moderna (preocupações com o ambiente e a sustentabilidade de uma
região, país ou mesmo do Planeta).
Vamos de seguida caracterizar os turistas praticantes desportivos e distinguir
os principais tipos que se podem considerar.
Turismo de prática desportiva – os consumidores
Os Turistas Praticantes Desportivos, isto é, os consumidores de TPD, podem ser
analisados sob duas perspectivas: (i) a da viagem turística e toda a logística
que a torna possível e(ii) a da prática desportiva e tudo o que exige a sua
organização e realização.
Relativamente à viagem turística, o modelo de indústria do turismo apresentado
distingue dois tipos de turistas, os Turistas Independentes e os “Tour
Travellers”, exigindo a consideração de dois tipos de atitudes determinantes da
procura de viagem turística. No TPD podem encontrar-se estes dois tipos de
turistas, dependendo muito do tipo de destino turístico, do tipo de actividade
desportiva escolhida e até da personalidade e das preferências do próprio
turista pelo que é importante realçar outros aspectos para além da forma de
planeamento da viagem.
Pigeassou, Bui-Xuan e Gleyse(8) afirmam que “o meio desportivo é a primeira
característica e o mais importante elemento no turismo desportivo” No mesmo
raciocínio também os aspectos associados à prática desportiva constituem o
principal elemento diferenciador relativamente aos outros tipos de turismo
desportivo ou outro.
Dois tipos de turistas praticantes desportivos
A prática desportiva pelos turistas pode constituir-se como uma motivação de
viagem ou como um complemento dessa viagem. Robinson e Gammon(12) num artigo
dedicado à questão dos motivos primários e secundários na estrutura do turismo
desportivo e referindo-se genericamente ao turismo desportivo
[**]
salientam que este pode dividir-se entre os que “viajam em primeiro lugar pelo
desporto” e os que consideram o desporto numa perspectiva secundária.
Aquilo que consideramos novo em relação ao trabalho de Pigeassou(9) na nossa
abordagem é que, na realidade, uma viagem turística tem normalmente uma
motivação comportamental principal associada; no que diz respeito ao TPD esta
motivação principal da viagem permite distinguir dois tipos de consumidores ou
dois tipos de turista praticante desportivo aos quais vamos chamar de
Entusiasta e Esporádico, sendo que:
- Entusiasta será o turista que se desloca para um qualquer destino tendo como
motivação principal a prática de uma actividade desportiva específica e
- Esporádico será o turista que pratica uma qualquer actividade desportiva
durante a sua viagem, mas em que a prática desportiva não é a motivação
principal da viagem.
E é esta diferença que permite clarificar o papel da oferta turística na
captação de novos clientes do segundo grupo.
Por exemplo, um turista que se desloca com a motivação de fazer termas e acaba
por realizar um percurso pedestre que lhe é proposto pela equipa de animação
das termas é também um TPD Esporádico. Consideremos por exemplo um turista que
se desloca à Serra tendo como objectivo a realização de uma travessia a pé
entre dois abrigos de montanha. Ele será um TPD Entusiasta, neste caso
entusiasta do pedestrianismo.
Parecendo pouco relevante esta distinção, ela evidencia contudo a existência de
dois tipos de turistas que, podendo utilizar a mesma actividade como meio de
ocupação de uma parte do seu tempo dedicado ao turismo, confere à prática
desportiva características claramente distintas do ponto de vista do marketing
e, como tal, necessitam de ser abordados de forma diferenciada nos produtos/
serviços que se lhes proponham.
Os produtores, distribuidores e facilitadores, bem como "os
planificadores", que intervêm mercado das actividades de TPD podem ter a
consciência da existência dos dois públicos completamente distintos a que se
dirigem, o que implica que se saibam direccionar-se a cada um deles de forma
eficiente, nomeadamente no que diz respeito às:
- Modalidades/actividades desportivas a propor; e
- Estratégia a definir para cada destino turístico.
Nesse sentido, a clarificação de conceitos aqui proposta tem um alcance
importante no desenho de uma estratégia de desenvolvimento turístico com base
em actividades desportivas.
Vários autores têm realçado estes dois tipos de comportamento dos turistas face
à prática desportiva, embora usem terminologias distintas.
Robinson e Gammon(12) usam uma terminologia que considera “turismo desportivo”
quando o desporto é a “principal motivação de viagem” e “desporto turístico”
quando o “desporto é uma actividade secundária”. Por sua vez, Pereira
(7)
distingue entre uma “vertente eminentemente desportiva” e uma “vertente
eminentemente turística” considerando que no primeiro “as pessoas se deslocam
tendo como principal objectivo o desporto” e que no segundo “o sistema
turístico é o motor do binómio”, onde “a procura de práticas desportivas, por
parte dos turistas, se centra essencialmente na óptica do lazer”. Devemos ainda
assim referir que embora estes dois autores considerem a prática desportiva,
não a distinguem do espectáculo desportivo como segmentos significativamente
distintos, considerando-os fenómenos integrados. No entanto eles reflectem
diferentes atitudes comportamentais dos turistas face à prática desportiva.
A nossa concepção diferencia-se da apresentada na literatura uma vez que encara
a actividade desportiva como um potencial instrumento de acréscimo de valor e
não apenas como uma mera actividade turística residual. Considerando que o
turismo de prática desportiva representa um segmento do turismo desportivo com
características suficientemente autónomas para justificar uma análise autónoma
e considerando ainda que existem dois perfis de cliente claramente distintos,
importa definir ferramentas que permitam aos técnicos que actuam no terreno
intervir de forma eficiente.
Para o efeito sistematizam-se na Tabela 1 algumas semelhanças e diferenças
entre o TPD Esporádico e o TPD Entusiasta, quanto às características/-
actividades/decisões que nos parecem mais marcantes para caracterizar estes
consumidores.
Tabela 1. Comparação entre turistas praticantes desportivos Esporádicos e
Entusiastas
Para além da comparação decidiu-se agrupar os pontos que permitem distinguir
entre os dois tipos em:
1- Aspectos relacionados com o turismo e planeamento da viagem e
2- Aspectos relacionados com a prática desportiva.
O trabalho experimental que se fizer com base em indicadores objectivos para
cada uma das dimensões definidas deverá permitir avaliar se esta hipótese de
categorização proposta é a mais ajustada.
Principais impactos do TPD no destino turístico
Também podemos pensar o turismo de prática desportiva como elemento gerador de
dinâmicas de sustentabilidade dos destinos turísticos. Não sendo ainda possível
uma verificação experimental deste tema, sugerimos alguns efeitos que, em nossa
opinião, se constituem como os mais relevantes e que devem ser alvo de análise.
Relativamente aos praticantes Entusiastas poderá considerar-se um efeito de
"evento de prática desportiva" em que os turistas se deslocam a um
destino com a motivação de participar num evento específico e um efeito de
"visita regular" em que o que motiva a visita são as condições de
referência aparentadas pelo destino turístico para a prática de uma actividade
específica.
Relativamente aos praticantes Esporádicos terá especial relevo um efeito de
"animação turística", isto é, de complemento e valorização de uma
outra actividade turística principal.
Dado o diferente impacto económico que cada uma delas pode ter esta análise
torna-se particularmente importante na definição de políticas municipais e de
entidades diversas, uma vez que as autarquias, clubes e outras entidades têm
uma enorme propensão para se empenharem e subsidiarem fortemente alguns eventos
e actividades na crença de que ela são determinantes para a promoção
territorial dos seus territórios. Ora pode não ser sempre esse o caso.
SÍNTESE
Muitos têm sido os autores que ao longo das últimas décadas têm procurado
conceptualizar acerca do fenómeno Turismo Desportivo e da sua relevância
económica e social, bem como, acerca do corpo de conhecimentos e do conjunto de
práticas onde as áreas do Turismo e do desporto se tornam interdependentes.
Embora dentro da mesma relação de sobreposição entre turismo e desporto, o TPD
apresenta, em termos de procura e consequentemente em termos de oferta,
características bem distintas dos outros tipos de turismo desportivo. Pelo que
importa analisar este segmento de forma substancialmente autónoma.
Considerando o segmento do TPD, torna-se importante desenvolver ferramentas e
perspectivas de análise do fenómeno que permitam tanto aos técnicos de desporto
como aos de turismo intervir nesta área de forma mais eficiente.
Para afinar a operacionalização desta proposta definiram-se dois tipos de
turistas praticantes desportivos, os entusiastas e os esporádicos, cuja
principal distinção tem a ver com o comportamento e a motivação principal da
viagem; característica esta que revela uma atitude completamente distinta dos
potenciais clientes face à prática desportiva realizada no contexto turístico.
Dentro de uma lógica global do destino turístico, as actividades/modalidades
desportivas a propor, as suas formas de organização e de promoção devem
considerar estas diferenças de atitudes, potenciando ao máximo o impacto da
prática desportiva como instrumento de política adequado para a
sustentabilidade de um destino turístico.
Por último, importa referir que é necessário completar a presente análise com a
verificação de indicadores cada vez mais objectivos que permitam avaliar de
forma mais rigorosa a proposta teórica aqui apresentada.
No âmbito das Ciências do Desporto, teremos por exemplo os parâmetros
fisiológicos, bem como da habilidades motoras necessárias para cada actividade
específica para cada tipo de prática turístico desportiva.
Na perspectiva do TED é importante reunir a informação existente segundo a
hipótese apresentada, nomeadamente no que diz respeito às diferentes tipologias
de procura deste segmento.
Pela nossa parte, já foi desenhada uma experiência aplicada à actividade
“Percursos Pedestres nas Termas de Monfortinho”, cujos resultados estão
descritos noutro artigo dos mesmos autores
[††]
Uma outra linha de investigação que importa de desenvolver tem a ver com a
própria medição de impactos TPD como elemento potenciador da sustentabilidade
dos destinos turísticos.