Alterações ultra-estruturais musculares cardíacas induzidas pela idade no
modelo animal
INTRODUÇÃO
O envelhecimento é inerente a todos os seres vivos e expressa-se pela perda
progressiva de funcionalidade máxima e pela diminuição da capacidade adaptativa
orgânica, tornando os indivíduos mais susceptíveis à ocorrência de patologias e
doenças e aumentando o risco de morte
(30)
. Este, tornou-se um dos assuntos mais críticos para as sociedades
industrializadas
(1
,
26
,
27)
uma vez que, com o aumento da esperança média de vida, a idade média das
populações tem vindo a aumentar e, com ela, também a prevalência das doenças
associadas
(36
, 26). Estima-se que nos Estados Unidos, no ano 2050, existam cerca de 19
milhões de pessoas com idades superiores a 85 anos, o que representa o escalão
etário de maior crescimento da sociedade americana(27). Este crescimento
explosivo do número de idosos acima dos 85 anos de idade terá um impacto
dramático no futuro da prática da medicina
(19)
. A mesma situação repete-se nos países da Europa Ocidental onde 1/5 da
população tem mais de 60 anos e, por cada indivíduo com idade até aos 15 anos,
existem 9 com idade superior a 65 anos
(24)
.
Intimamente relacionadas com o envelhecimento estão as doenças
cardiovasculares, uma das principais preocupações da sociedade moderna. A
idade, por si só, representa o principal factor de risco para a doença
cardiovascular(26,
21)
, sendo o envelhecimento do coração acompanhado por mudanças progressivas,
persistentes, potencialmente negativas e, teoricamente, irreversíveis
(35)
. Não obstante os grandes avanços da medicina, a doença cardiovascular
permanece como a maior causa de mortalidade e morbilidade nas sociedades
industrializadas
(31
, 26). A World Health Organization e a International Society of Hypertension
referem que as doenças cardiovasculares são responsáveis por um terço das
mortes em todo o mundo
(16)
. Segundo Pugh e Wei(27), nos Estados Unidos, aproximadamente 1 milhão de
pessoas por ano morrem de causas cardiovasculares, com enormes custos directos
e indirectos de cuidados relacionados com doenças cardiovasculares nos idosos.
De referir ainda, e segundo os mesmos autores, que as estimativas mostram que
estes custos têm tendência para aumentar no decorrer das próximas décadas. No
que concerne à Europa, e de acordo com a European Society of Cardiology, 49%
das mortes ocorridas na Europa são consequência destas doenças(16), que
representam ainda a principal causa de morte em adultos de meia-idade e de
idosos na maior parte dos países europeus
(4)
.
Tendo em conta o exposto, as informações relativas às alterações funcionais e
estruturais do sistema cardiovascular na ausência de doença com a idade são,
desta forma, essenciais para a definição das características específicas do
processo de envelhecimento cardiovascular que, como referido, é um dos factores
de maior risco de doença cardiovascular(19
)
. Estudos realizados revelam que com a idade há decréscimo gradual de
elasticidade, da capacidade de estiramento e progressiva rigidez quer das
paredes dos vasos quer das paredes cardíacas, estando o desenvolvimento da
rigidez dos grandes vasos relacionado com o incremento de hipertensão sistólica
isolada
(19, 3, 26)
. Paralelamente, a perda de elementos contrácteis do coração leva à perda da
sua capacidade se adaptar a variações de pré e pós-carga, sobretudo se rápidas
(29)
. O coração torna-se ligeiramente aumentado de volume devido ao decréscimo de
número de cardiomiócitos com consequente hipertrofia dos que subsistem
(29, 27, 19, 10, 2)
, e mais receptivo a estímulos simpáticos (mas não parassimpáticos)(10).
No entanto, apesar de existirem, tal como se pode observar, bastantes estudos
que documentam os efeitos do envelhecimento no coração, poucos são os que
documentam as alterações histológicas do músculo cardíaco. Com efeito, grande
parte dos estudos existentes foca as alterações bioquímicas e funcionais do
sistema cardiovascular, em detrimento das alterações estruturais e ultra-
estruturais. Para além disso, importa também referir que, no concerne os
estudos realizados no âmbito do envelhecimento do sistema cardiovascular, estes
salientam principalmente as alterações que ocorrem a nível vascular
concentrando-se pouco no que ocorre a nível do coração. Contudo, é importante
frisar que os estudos de carácter histológico são também decisivos para um
melhor entendimento do envelhecimento a nível cardíaco, chamando,
paralelamente, a atenção dos investigadores na área para futuros esforços de
pesquisa. Neste sentido, o objectivo principal deste trabalho foi o de
caracterizar, no modelo animal, as principais alterações ultra-estruturais do
músculo cardíaco que ocorrem com o aumento da idade cronológica no modelo
animal.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra
Foram utilizados 31 ratinhos machos, da estirpe C57BL6, com 3 meses (n=13, peso
de 26,2 ± 2,08 gramas) e 7 meses de idade (n=18, peso de 29,7 ± 2,39 gramas),
provenientes do Biotério Central da Faculdade de Medicina da USP Brasil. Os
animais, alojados quatro em cada gaiola (Beira Mar SA, São Paulo, Brasil)
tiveram livre acesso à água e à alimentação (Nuvital nutrientes SA, Curitiba,
PR, Brasil), e foram mantidos à atmosfera normal, com uma temperatura de 21/24
graus centígrados e com uma variação cíclica de 12 horas luz /12 horas escuro.
Procedimentos
Todos os animais foram sacrificados por deslocamento cervical de acordo com os
princípios éticos de experimentação animal adotados pelo Colégio Brasileiro de
Experimentação Animal (COBEA, www.cobea.org.br). Após toracotomia, o coração
foi removido e a parede externa do ventrículo esquerdo preparada para
observação em microscopia electrónica de transmissão segundo as técnicas de
rotina tradicionais. As peças foram seccionados em cubos de 1mm de aresta e
fixadas, durante 4 horas, em gluteraldeído (2,5% em solução tampão de
cacodilato de sódio a 2 M, pH 7.2 ' 7.4). Foram posteriormente lavados em
solução tampão, durante uma hora, pós-fixados em tetróxido de ósmio a 2%,
durante 2 horas, e lavados novamente em solução tampão, durante trinta minutos.
Em seguida, as amostras sofreram desidratação progressiva, sob a acção de
concentrações crescentes de álcool etílico, durante 3 horas, e impregnação com
epon durante 4 horas. O óxido de propileno foi o composto utilizado na
transição desidratação/impregnação. O corte das amostras foi realizado após a
fase de inclusão que durou 2 dias. Todos os procedimentos foram realizados a
uma temperatura de 4º C, com a excepção da fase de inclusão, que foi executada
em estufa a uma temperatura de 60ºC. Dos blocos finais, foram realizados cortes
ultra-finos, com uma espessura de 500 Å, destinados à observação em microscopia
electrónica de transmissão. Estes cortes foram colocados em grelhas de cobre
(300 Mesh) e contrastados com uma solução aquosa saturada de acetato de uranilo
(durante 30 minutos) e com uma solução de citrato de chumbo (15 minutos),
tendo-se procedido a lavagens no início e no final de cada um destes
procedimentos.
Foi utilizado um microscópio electrónico de transmissão da marca Zeiss, modelo
EM 10A, a uma voltagem de 60 KV.
Foram efectuadas fotografias das várias grelhas (4 grelhas por animal), com
diferentes ampliações. As imagens foram digitalizadas com um scanner da marca
Epson, modelo Perfection 4990 Photo, e posteriormente armazenadas no
computador. Nas imagens digitalizadas, em função da ampliação usada, foi feita
a correspondência da área da fotografia para µm2, sendo contabilizados o número
de mitocôndrias e grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais por µm2.
Com a ajuda de um programa da morfometria (Image J. versão 1.36b, Wayne
Rasband, National Institute of Health, USA), foram quantificadas as áreas das
mitocondrias e dos grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais. Foi
ainda relativizada a área total das mitocôndrias com a área da célula
fotografada (densidade mitocondrial) tendo o mesmo procedimento sido realizado
para os grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais presentes em cada
fotografia. Para além desta análise quantitativa, foi ainda realizada uma
análise qualitativa da estrutura global do tecido.
Análise dos dados
Para a análise quantitativa dos dados foi utilizado o programa SPSS
(Statistical Package for the Social Sciences) ' versão 14.0 para Microsoft
Windows. Assim, e no caso dos dados referentes às áreas das mitocôndrias e
grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais, para testar a simetria da
curva efectuou-se a divisão do desvio-padrão da Skewness pelo seu valor
estatístico. Para testar a normalidade destas amostras foi utilizado o teste de
Kolmogrov-Smirnov. Foi ainda realizada uma distribuição percentílica das áreas
das mitocôndrias e uma distribuição quartílica das áreas dos grânulos de
lipofuscina e/ou corpúsculos residuais. Para a realização das análises
inferenciais recorreu-se ao teste de Mann-Whitney. Para a análise da simetria
das curvas das densidades e frequências mitocondriais e de grânulos de
lipofuscina e/ou corpúsculos residuais, foi efectuada a divisão do desvio-
padrão da Skewness pelo seu valor estatístico. Para testar a normalidade destas
amostras foi utilizado o teste de Shapiro-Wilke. Para a análise inferencial
destes dados recorreu-se, no caso dos dados relativos às mitocôndrias, ao t-
test para medidas independentes; no caso dos grânulos de lipofuscina foi
utilizado o teste não-paramétrico de Man-Whitney. Na aplicação destes testes
foi considerado um índice de significância de α=0,05.
RESULTADOS
Análise qualitativa
A análise ultra-estrutural do músculo cardíaco dos animais de 3 meses (Figuras
1A, 1B e 1C) evidenciou um padrão miofibrilar estriado aparentemente normal,
sendo evidentes, em algumas células, alterações focais do retículo
sarcoplasmático e também, de forma focal, depósitos de lípidos (lipid
droplets); foram ainda observados nestes animais, embora muito raramente,
grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais. As mitocôndrias
apresentavam dimensões heterogéneas, de estrutura homogénea, com cristas bem
definidas, tendo esporadicamente sido observadas mitocôndrias em fissão. A
interdigitação celular dos discos intercalares, foi também analisada,
apresentando uma estrutura e dimensões aparentemente normais.
Figura 1.Fotografias de microscopia electrónica de diferentes secções do
músculo cardíaco de animais de 3 (A, B, C) e 7 meses de idade (D, E, F). A
figura A mostra uma interdigitação celular dos discos intercalares, de
estrutura aparentemente normal. Em B pode ser observada uma mitocôndria em
fissão e em C são ilustradas diversas mitocôndrias de dimensões variadas e
estrutura homogénea, com cristas bem definidas; é ainda visível uma lipid
droplet no canto superior esquerdo. Em D são evidentes inclusões de lipofuscina
e mitocôndrias com grande heterogeneidade em tamanho, com cristas mal definidas
em algumas delas, sendo também visível a dilatação do retículo bem como a como
a existência de lipid droplets. Em E pode ser observada uma figura de mielina e
duas mitocôndrias com cristas menos definidas, em contraste com uma mitocôndria
com as cristas melhor evidenciadas. A figura F ilustra um disco intercalar com
uma reduzida interdigitação celular assim como duas mitocôndrias com cristas
melhor definidas comparativamente às restantes.
A análise ultra estrutural do músculo cardíaco dos animais com 7 meses (Figuras
1E, 1F e 1G) evidenciou cardiomiócitos com um padrão miofibrilar estriado
regular. À semelhança dos animais de 3 meses, foi também observada neste grupo
uma dilatação do retículo, embora de carácter mais difuso. Foram observados
numerosos grânulos de lipofuscina em grande parte das células observadas, assim
como corpúsculos residuais (figuras de mielina). Também neste grupo foi
observada uma grande heterogeneidade nas mitocôndrias, tanto em termos de
dimensão como na sua estrutura. De referir que o primeiro grupo (3 meses)
apresentava uma estrutura destes organelos mais homogénea. Foram observadas
mitocôndrias mais claras contrastando com outras mais electrodensas,
mitocôndrias com mais cristas e mitocôndrias com cristas mais indefinidas.
Também no espaço intersticial, à semelhança do encontrado nos ratos de 3 meses,
não foram encontradas alterações dignas de registo, tendo os capilares uma
estrutura aparentemente normal.
Análise quantitativa
A Tabela 1 apresenta os valores médios absolutos e respectivos desvios-padrão
das áreas das mitocôndrias e grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos
residuais, bem como as suas respectivas amplitudes de variação, medidos em µm2,
para ambos os grupos.
Tabela 1. Valores médios ± desvios-padrão e amplitude de variação das áreas (em
µm2)das mitocôndrias e dos grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais
(GL/CR) nos dois grupos de animais.
Pela análise da Tabela 2 constata-se que a distribuição realizada para as áreas
das mitocôndrias apresenta diferenças significativas entre grupos em todos os
percentis.
Tabela 2. Distribuição percentílica das áreas mitocondriais (µm2) nos dois
grupos de animais.
A Figura 2 ilustra a variação com a idade dos vários percentis de distribuição
das áreas mitocondriais. No referente às áreas dos grânulos de lipofuscina e/ou
corpúsculos residuais verificou-se que apenas o quartil 50 apresenta diferenças
significativas entre grupos (Tabela 3).
Figura 2.Variações com a idade dos vários percentis de distribuição das áreas
mitocondriais.
Tabela 3.Distribuição quartílica das áreas dos grânulos de lipofuscina e/ou
corpúsculos residuais (µm2) nos dois grupos de animais.
A Figura 3 ilustra a variação com a idade dos vários quartis de distribuição
das áreas dos grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais.
Figura 3.Variações com a idade dos vários quartis de distribuição das áreas dos
grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos residuais.
A tabela 4 apresenta os valores médios absolutos e respectivos desvios-padrão
das densidades e frequências das mitocôndrias e depósitos de lipofuscina e/ou
corpúsculos residuais, para ambos os escalões etários. Não existem diferenças
significativas entre as médias das densidades e frequências mitocondriais entre
grupos. A comparação entre grupos da frequência de depósitos de lipofuscina e/
ou corpúsculos residuais demonstra que estes apresentam diferenças
estatisticamente significativas. Não foram observadas diferenças
estatisticamente significativas entre grupos no caso da densidade de
lipofuscina e/ou corpúsculos residuais.
Tabela 4 ' Valores médios ± desvios-padrão das densidades e das frequências
celulares de mitocondrias e de grânulos de lipofuscina e/ou corpúsculos
residuais (GL/CR), para ambos os grupos.
DISCUSSÃO
Dos resultados encontrados foi possível observar que, talvez devido a uma baixa
capacidade regenerativa, existiam já nos animais jovens indicadores
característicos do processo degenerativo e que estes se agravavam nos animais
adultos. Estes dados estão de acordo com o conceito de que o envelhecimento de
organismos multicelulares é mais evidente em órgãos ou tecidos constituídos
maioritariamente por células pós-mitóticas, tais como os miócitos cardíacos
(32, 34)
. Devido à sua baixa capacidade regenerativa, é natural que as marcas deixadas
pelas agressões diárias a que as células se sujeitam durante a sua actividade
subsistam no tempo. Desta forma, não será de estranhar que animais
relativamente jovens apresentem já estas marcas da passagem do tempo, sendo as
alterações mitocondriais e a acumulação de lipofuscina as alterações que se
destacam com mais proeminência nestas células
(6, 34)
.
É também possível que as células pós-mitóticas possam ser mais susceptíveis aos
danos cumulativos das EROs devido à incapacidade de se auto-substituir. Com
efeito, o coração passa, aparentemente, por uma redução de número de células
nobres com o passar do tempo, podendo esta redução de número ser devida à
ocorrência de morte celular por apoptose como consequência de danos
irreversíveis nas células
(15)
. Esta incapacidade de substituição das células que contém DNA mitocondrial com
mutações, em tecidos pós-mitóticos, por células saudáveis, pode também explicar
a maior incidência de mutações no DNA mitocondrial em tecidos pós-mitotóticos
versus tecidos mitóticamente activos(15). Assim, esta baixa capacidade
regenerativa das células pós-mitóticas pode explicar a razão de existirem já
marcas de degenerescência celular ratos jovens e de estas aumentarem nos
animais com 7 meses de idade.
Olhando para os valores das áreas mitocondriais, em termos médios, podemos
constatar que a área média destes organelos foi maior aos 7 meses de idade e
que, tendo em conta o seu desvio-padrão, este grupo apresenta uma grande
amplitude de variação. No entanto, e pelo facto deste parâmetro não apresentar
uma distribuição normal, recorremos à análise da sua distribuição percentílica.
Foi possível observar que existe uma grande heterogeneidade em termos de
dimensões da população mitocondrial nos animais adultos, estando também
descrito, em tecidos com células pós-mitóticas de animais senescentes, uma
extrema variabilidade no tamanho e formas das mitocôndrias
(33, 36)
. Esta heterogeneidade pode ser devida às diferenças de idades entre
mitocôndrias. De facto, as mitocôndrias das células pós-mitóticas envelhecidas
tendem a apresentar um potencial electro-químico diminuído e a produzir menos
ATP do que as mitocôndrias de células mais jovens, devido a deficiências
causadas na cadeia respiratória, motivadas por mutações no DNA mitocondrial
pela provável acção das ERO
(12)
. Segundo Hood et al.
(14)
, é possível que este distúrbio metabólico esteja envolvido no despoletar do
aumento progressivo do conteúdo mitocondrial, de forma a compensar o decréscimo
no ATP. Desta forma, é natural encontrarmos nas células dos animais adultos
mitocôndrias jovens acabadas de formar. Julga-se ainda que esta heterogeneidade
de dimensões mitocondriais resulta de uma capacidade de fissão alterada das
mitocôndrias com dano oxidativo e de deficiências na autofagia das mitocôndrias
gigantes, observando-se que, enquanto estas persistem nas células, e perdem a
sua função respiratória, existe um aumento compensatório de mitocôndrias
pequenas, acabadas de ser geradas
(8, 32)
. As maiores dimensões mitocondriais nos vários percentis estudados encontradas
nos animais de 7 meses, apresentando as dimensões extremas neste grupo de
animais, podem também ser explicadas quer pela diminuição da sua capacidade de
divisão quer pela diminuição da capacidade de autofagocitose dos
cardiomiócitos, sugerindo que a morfologia mitocondrial está longe de ser
estática. De facto, as mitocôndrias das células pós-mitóticas envelhecidas são
geralmente aumentadas, muitas vezes ao ponto de serem chamadas gigantes, e
demonstram danos estruturais que variam desde o edema da matriz a uma quase
completa destruição dos componentes mitocondriais
(7)
. O edema da matriz mitocondrial está causalmente associado à perda do
potencial electroquímico membranar por perturbação da integridade da membrana
interna mitocondrial
(11)
. Considera-se que estas alterações possam derivar dos efeitos danosos do
stress oxidativo decorrentes da própria funcionalidade mitocondrial
(6, 13, 34, 7)
. De facto, para além destes organelos serem os responsáveis pela maior porção
de ERO produzido a nível intracelular(15), é importante frisar que o DNA
mitocondrial, não estando protegido por histonas e sendo reparado de forma
menos eficiente, é mais sujeito a mutações quando comparado ao DNA nuclear
(23)
. Não obstante estes factores, a reciclagem mitocondrial deveria permitir a
eliminação das mitocôndrias danificadas por autofagocitose e a sua substituição
através da replicação de mitocôndrias normais. Uma vez que existe, de facto,
uma acumulação de mitocôndrias danificadas nos miócitos cardíacos, subentende-
se que a reciclagem autofágica está longe de ser perfeita.
Uma das grandes teorias do envelhecimento assenta no pressuposto de que as
mutações no DNA mitocondrial e o dano oxidativo possam contribuir para o
processo de envelhecimento biológico. Danos no DNA mitocondrial podem
efectivamente transformar o simbionte num parasita
(17)
. Especula-se que as mutações que se acumulam com a idade possam levar a uma
produção de energia deficiente bem como ao acréscimo de produção de ERO,
resultando em dano celular
(12, 5)
. O stress oxidativo e o dano oxidativo podem, pois, desempenhar um papel
crítico no processo de envelhecimento. Na última década, evidências abundantes
sugerem que o ritmo de produção de ERO aumenta com a idade e que, por outro
lado, a eficácia da degradação das biomoléculas modificadas pelo dano oxidativo
diminui
(20)
. A teoria do envelhecimento mitocondrial considera a acumulação de
mitocôndrias deficientes como o mecanismo central responsável pelo processo de
envelhecimento
(18, 20, 17)
. Esta ideia encontra muitos apoiantes
(25, 28, 22, 33)
e coloca a acumulação de mitocôndrias danificadas com a idade nas células e
tecidos, como uma grande contribuição para um declínio funcional gradual com a
idade.
No referente à densidade mitocondrial, aparentemente esta não tende a aumentar
com a idade. No entanto, nos animais adultos encontrámos uma maior diversidade
deste parâmetro entre células, existindo células com grandes e outras com
baixas densidades mitocondriais. Podemos desta forma concluir que as células
não sejam todas iguais nem reajam de igual forma à passagem do tempo, sendo
provável que existam células mais capazes que outras. Os nossos resultados
revelam ainda que a frequência mitocondrial se mantém com a idade cronológica.
Desta forma, e uma vez que não se regista um aumento da densidade e frequência
mitocondrial com a idade, e que, no entanto, estas tendem a aumentar
significativamente de volume, podemos especular que ocorre, com o processo de
envelhecimento, um aumento das áreas celulares (hipertrofia dos
cardiomiócitos).
Relativamente às áreas dos grânulos de lipofuscina e/ ou corpúsculos residuais,
aparentemente não aumentam com a idade, registando-se até, pelo contrário, uma
diminuição no quartil 50. No entanto, a sua frequência celular aumenta com a
idade pois, à medida que o tempo passa, maior número destas degenerações se vão
acumulando nas células. Os nossos resultados sugerem que, embora haja formação
continuada de moléculas de lipofuscina em cada célula, estas não parecem ter
tendência a fundir-se às já existentes na célula. É ainda possível que, devido
a uma capacidade diminuída da eficácia de degradação das biomoléculas
modificadas pelo dano oxidativo nas células envelhecidas, estes grânulos
derivem de mitocôndrias danificadas que não conseguiram ser devidamente
autofagocitadas, explicando desta forma o aumento significativo da frequência
celular de grânulos de lipofucsina e/ou corpos residuais observado nos animais
adultos. Foi ainda observado que nos animais mais velhos existe uma grande
amplitude de variação entre células das densidades dos grânulos de lipofuscina
e/ ou corpúsculos residuais uma vez que os desvios padrão neste grupo são mais
elevados. Sendo a lipofuscina um produto residual da peroxidação de
lipoproteínas celulares, não degradável, os depósitos deste pigmento aumentam
em número com a idade, ocupando uma porção cada vez maior do espaço
intracelular(8, 27).
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos permitem concluir que os animais jovens evidenciam já
marcas características do processo de envelhecimento, tendendo estas a se
agravar nos animais adultos. Para além disso, parece existir uma grande
heterogeneidade em termos de dimensões da população mitocondrial, especialmente
nos animais adultos. Os valores das áreas mitocondriais, em termos médios,
foram maiores nos animais adultos, aumentando significativamente com a idade em
todos os percentis estudados, sendo as mitocôndrias mais heterogéneas e de
dimensões extremas nos animais adultos, sugerindo os nossos resultados que a
morfologia mitocondrial está longe de ser estática. No entanto, a densidade
mitocondrial, aparentemente, não parece tender a aumentar nos animais com 7
meses. No que respeita às áreas dos grânulos de lipofuscina e/ ou corpúsculos
residuais, estes não aumentam com o tempo em termos de dimensões mas a sua
frequência celular parece aumentar com a idade.