Desempenho motor. Um estudo normativo e criterial em crianças da Região
Autónoma da Madeira, Portugal
INTRODUÇÃO
As crianças têm o potencial de aprender e desenvolver uma variedade de padrões
motores e habilidades motoras mais especializadas. Tais actividades são parte
integrante do seu repertório motor e fornecem um meio através do qual as
crianças vivenciam muitas dimensões do seu envolvimento, especialmente em idade
pré-escolar
(10)
.
A grande variabilidade nos níveis e padrões de desenvolvimento das habilidades
de locomoção e de manipulação em crianças de vários países é um facto, embora
nem sempre sejam claros a extensão e o significado dos preditores da variação
observada. Ulrich
(21)
aplicou o Test of Gross Motor Development' (TGMD2) a 1208 crianças de ambos
os sexos, dos 3 aos 10 anos, residentes em 4 áreas geográficas dos Estados
Unidos da América. A grande maioria das crianças apresentou um desempenho motor
médio e percentagens mais baixas foram encontradas nos extremos. No Brasil,
Andrade et al.
(2)
utilizaram o TGMD2 para analisar as habilidades de locomoção e de manipulação
de 33 crianças de 4 e 6 anos. Os valores médios dos equivalentes etários de
locomoção e de manipulação estavam abaixo da idade cronológica. Não foram
observadas diferenças com significado estatístico na idade de locomoção e idade
de manipulação.
Em Portugal Continental, Saraiva et al.
(16)
avaliaram 151 crianças, 81 rapazes e 70 raparigas, do 1º Ciclo do Ensino
Básico, com idades compreendidas entre os 6 e os 9 anos, residentes em Viana do
Castelo e Coimbra. A percentagem de crianças classificadas nas categorias do
desempenho motor foi a seguinte: muito superior' (0%), superior' (0.6%),
acima da média' (0.7%), média' (25.5%), abaixo da média' (16.6%), fraco'
(46.6%) e muito fraco' (9.9%). Em Braga, Lopes
(7)
procurou avaliar as habilidades motoras de 21 crianças, 8 rapazes e 13
raparigas, com 6 e 7 anos de idade. A classificação das crianças nas
habilidades de locomoção foi a seguinte: grupo 1 (22.8%), grupo 2 (42.9%) e
grupo 3 (33.3%). Nas habilidades de manipulação os valores foram inferiores:
grupo 1 (71.4%), grupo 2 (23.8%) e grupo 3 (4.8%).
Há evidência que as crianças têm vindo a apresentar um decréscimo no desempenho
das suas habilidades motoras
(23)
. Contudo, não é do nosso conhecimento a existência de qualquer informação
empírica sobre os diferentes aspectos de desenvolvimento motor nas crianças
madeirenses. Uma avaliação das habilidades de locomoção e de manipulação é
justificada pela monitorização das mudanças que ocorrem com o crescimento
físico humano e desenvolvimento motor, pela identificação das crianças com
atrasos motores e pela obtenção de esclarecimentos sobre estratégias de ensino
e aprendizagem. Daqui que os objectivos desta pesquisa sejam os seguintes: 1)
construir valores de referência nas habilidades de locomoção e de manipulação;
2) analisar a variação associada à idade e ao sexo em cada habilidade motora; e
3) comparar as crianças madeirenses com outras amostras.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra
Os elementos que integram a amostra participaram no projecto de investigação
Crescer com Saúde na Região Autónoma da Madeira' (CRES). A pesquisa apresenta
um delineamento transversal incluindo 853 crianças (426 rapazes e 427
raparigas), com idades compreendidas entre os 3 e os 10 anos. A selecção dos
participantes teve lugar nos 11 concelhos da RAM, ie, a totalidade dos
concelhos das ilhas da Madeira e Porto Santo. A ilha da Madeira está localizada
no Oceano Atlântico, a sudoeste do território de Portugal Continental entre os
meridianos 16º 39' 19'' W e 17º 15' 54'' W e os paralelos 32º 37' 52'' N e 32º
52' 08'' N. A ilha do Porto Santo situa-se nos meridianos 16º 15' 35'' W e 16º
24' 35'' W e os paralelos 32º 59' 40'' N e 33º 07' 35'' N.
Genericamente, os elementos foram estratificados em função do local de
residência, ano de escolaridade e características do edifício escolar (uma
análise detalhada dos procedimentos de amostragem é descrita por Freitas et al.
(5)
. A recolha dos dados foi efectuada por 6 licenciados em Educação Física e
Desporto e teve lugar em 2006. Uma visão geral sobre a constituição da amostra
é apresentada no Quadro 1.
Quadro 1. Número de crianças envolvidas no projecto Crescer com Saúde na RAM'.
O estudo foi aprovado pela Universidade da Madeira (UMa) e pela Comissão de
Ética do Hospital Central do Funchal. Todos os participantes e/ou Encarregados
de Educação foram informados acerca da natureza e propósitos do estudo.
Previamente, foi obtido consentimento informado para participação de todas as
crianças no projecto CRES.
Avaliação e classificação das crianças
O TGMD2(21) foi usado na avaliação das habilidades motoras. A bateria é
composta por 12 habilidades motoras divididas em dois subconjuntos: locomoção e
manipulação. O primeiro avalia as habilidades motoras envolvidas no
deslocamento do centro de gravidade e inclui: corrida, galope, salto a pé
coxinho, salto, salto em comprimento sem corrida preparatória e deslocamento
lateral. O segundo avalia as habilidades motoras associadas à projecção dos
objectos e integra: batimento de uma bola com um bastão, drible, agarrar,
pontapear, lançamento de uma bola por cima do ombro e lançamento de uma bola
por baixo.
Genericamente, o TGMD2 fornece quatro tipos de resultados: dados brutos,
percentis, valores estandardizados e equivalentes etários. Os dados brutos
constituem o total de pontos obtidos em cada teste/habilidade motora. Os
percentis indicam a posição de um indivíduo na distribuição. Por exemplo, se
uma criança se encontra no P5 significa que 95% dos indivíduos do seu grupo e
sexo apresentam valores mais elevados do que ele ou, por outro lado, apenas 5%
da amostra possui um valor igual ou inferior ao dele. Os valores
estandardizados fornecem a indicação mais clara de performance num dado
subconjunto (locomoção e/ou manipulação). O quociente motor (QM) é um outro
tipo de valor estandardizado, um compósito dos resultados dos dois
subconjuntos, representando a performance total da criança. Os equivalentes
etários relacionam o resultado obtido com a idade, i.e., uma medida do nível
de desenvolvimento' da criança.
A recolha e posterior quantificação dos dados obedecem a um trajecto
específico. Primeiro, a criança dispõe de duas tentativas para realizar cada
habilidade motora. Na avaliação das habilidades motoras há uma decomposição ou
segmentação das mesmas em três, quatro ou cinco componentes/critérios de êxito.
Se a criança executa correctamente a componente/critério é atribuído o valor 1;
se não, é atribuído o valor 0. A soma dos resultados das duas tentativas, nas
componentes e/ou critérios de êxito conduz a um valor bruto em cada habilidade
motora. A soma dos resultados das 6 habilidades motoras, em cada subconjunto,
dá origem a uma pontuação para as habilidades de locomoção e a uma pontuação
para as habilidades de manipulação. Segundo, os dois subconjuntos de valores
brutos são convertidos em valores estandardizados, a partir de uma distribuição
com média 10 e um desvio padrão de 3, usando tabelas construídas para o efeito.
Os valores estandardizados são combinados e convertidos num quociente motor
(QM) que permite classificar as crianças em 7 categorias: muito superior,
superior, acima da média, médio, abaixo da média, fraco e muito fraco.
Terceiro, a mestria das crianças, em cada habilidade motora ou componente/
critério de êxito, é calculada a partir do sucesso nas duas tentativas.
Preparação da equipa de campo e estudo piloto
Um dos coordenadores do CRES efectuou contactos com o Prof. Doutor Dale Ulrich,
autor do TGMD2, a propósito de aspectos particulares da bateria e procedimentos
de avaliação/materiais. Na fase seguinte, a bateria de testes foi apresentada
aos elementos da equipa de campo. Conhecidos os testes, realizaram-se várias
sessões de observação e treino no Laboratório de Crescimento e Desenvolvimento
da UMa.
Os elementos da equipa de campo e de investigação realizaram um estudo piloto
em 46 alunos do Ensino Pré-Escolar (3-5 anos) e do 1º Ciclo do Ensino Básico
(6-9 anos) da Escola Básica do 1º Ciclo, com Ensino Pré-Escolar, dos Ilhéus. O
procedimento teste-reteste foi utilizado para estimar a fiabilidade dos
resultados de avaliação. A primeira avaliação decorreu no dia 6 de Dezembro de
2005 e a segunda avaliação no dia 15 de Dezembro do mesmo ano. Cada membro da
equipa de campo administrou apenas dois testes, um de locomoção e outro de
manipulação. Os coeficientes de correlação intra-classe (R) para o estudo
piloto são apresentados no Quadro 2.
Quadro 2. Coeficiente de correlação intra-classe (R), intervalo de confiança
95% (IC 95%) e erro padrão de medição (EPM): estudo piloto.
Os valores de R são superiores a 0.70, na maioria das habilidades motoras, o
que mostra a elevada precisão dos registos de avaliação. Excepções foram
observadas no salto em comprimento sem corrida preparatória (0.65) e no
lançamento da bola por baixo (0.69). Contudo, os valores estão muito próximos
dos mínimos aceitáveis sugeridos por Ulrich(21) e Safrit
(15)
. Estes resultados conduziram a uma dupla orientação: (1) maior rigor na
avaliação do salto em comprimento sem corrida preparatória e do lançamento da
bola por baixo e (2) alargar o período de treino na avaliação destas
habilidades motoras.
Procedimentos estatísticos
A média e o desvio padrão foram utilizados na descrição das habilidades
motoras. A fiabilidade teste-reteste foi estimada na base do coeficiente de
correlação intraclasse. O teste t para duas amostras independentes foi usado
para aferir as diferenças entre sexos em cada habilidade motora.
O cálculo do valor bruto para cada habilidade motora; a soma dos valores brutos
no subconjunto de locomoção e de manipulação; a conversão dos valores brutos em
percentis e valores estandardizados; a combinação e conversão da soma dos
valores estandardizados em percentis e quocientes; a classificação das crianças
nas 7 categorias; a conversão dos valores brutos em equivalentes etários, bem
como a percentagem de mestria em cada habilidade motora e/ou componente/
critério foram efectuados num programa construído no Mathematica, versão 5.0
(23), de acordo com as indicações existentes no manual do TGMD2.
As restantes análises foram efectuadas a partir do recurso ao Statistical
Analysis System Program'
(
17
)
. O significado estatístico foi mantido em p< 0.05.
RESULTADOS
Valores descritivos para cada habilidade motora e dimorfismo sexual
Os valores médios nas habilidades de locomoção e de manipulação, por idade e
sexo, são representados graficamente nas Figuras 1 e 2. É evidente uma melhoria
dos resultados com a idade na quase totalidade das habilidades motoras e nos
dois sexos. Ao nível das habilidades de locomoção, ganhos mais elevados são
observados no galope e no salto a pé coxinho.
Figura 1. Representação gráfica das habilidades de locomoção: corrida, galope,
salto a pé coxinho (salto PC), salto, salto em comprimento sem corrida
preparatória (SCP) e deslocamento lateral (DesL).
Figura 2. Representação gráfica das habilidades de manipulação: batimento de
uma bola estática, drible, agarrar, pontapear, lançamento de uma bola por cima
do ombro (lançamento SB) e lançamento de uma bola por baixo (lançamento PB).
As diferenças com significado estatístico entre rapazes e raparigas estão
assinaladas com um asterisco sobre o intervalo etário correspondente. Os
valores médios dos rapazes são mais elevados do que os das raparigas e alcançam
significado estatístico na corrida (5 e 9 anos) e no salto (4 anos). As
raparigas apresentam melhores desempenhos no salto, aos 8 anos. No subconjunto
das habilidades de manipulação, ganhos mais pronunciados, ao longo da idade,
são observados no drible e no lançamento por baixo. Os rapazes apresentam
melhores desempenhos do que as raparigas, na quase totalidade das habilidades
motoras e intervalos etários. Diferenças com significado estatístico,
favorecendo os rapazes, são claramente observadas no pontapear e no lançamento
da bola por cima do ombro. Os rapazes são ainda mais proficientes no batimento
de uma bola estática (5 e 6 anos), drible (5 e 8 anos) e lançamento da bola por
baixo (8 e 10 anos).
Equivalentes etários nas habilidades de locomoção e de manipulação
Os equivalentes etários nas habilidades de locomoção e de manipulação são
apresentados no Quadro 3. Nas habilidades de locomoção há uma grande
percentagem de rapazes (84.9%) e raparigas (88.0%) que se encontra abaixo da
idade cronológica. O valor total é de 86.5%. As percentagens de crianças acima
da idade cronológica são 15.0% (rapazes), 12.0% (raparigas) e 13.5% (total).
Nas habilidades de manipulação, os resultados são similares aos anteriores:
88.5% dos rapazes, 86.8% das raparigas e 87.7% no total encontram-se abaixo da
idade cronológica. As percentagens correspondentes para a categoria acima da
idade cronológica são: 11.3% (rapazes), 13.2% (raparigas) e 12.2% (total). A
percentagem de crianças cuja idade cronológica é igual ao equivalente etário é
muito reduzida [0.2% (rapazes)] ou nula nas habilidades de locomoção e de
manipulação.
Quadro 3. Equivalentes etários: locomoção e manipulação.
Classificação das crianças nas habilidades de locomoção e de manipulação
A classificação dos elementos da amostra da RAM é apresentada no Quadro 4. O
maior aglomerado de crianças encontra-se na categoria média: locomoção (51.5%),
manipulação (37.7%) e quociente motor (28.4%). Logo de seguida, as crianças
madeirenses são maioritariamente classificadas nas categorias abaixo da média
e fraco'. A percentagem de crianças no limite inferior da escala muito fraco'
e à direita da distribuição acima da média, superior, superior e muito
superior' é baixa.
Quadro 4. Classificação das crianças: locomoção, manipulação e quociente motor.
Percentagem de crianças demonstrando mestria no TGMD2
A percentagem de crianças que alcançaram a mestria nas habilidades de locomoção
e de manipulação é apresentada no Quadro 5. Na corrida, galope e deslocamento
lateral é observada uma maior mestria com o avanço da idade, à excepção do
intervalo etário 8-10 anos. No salto a pé coxinho, salto e salto em comprimento
sem corrida preparatória, a percentagem de mestria é reduzida, mesmo nos
intervalos etários finais. No subconjunto das habilidades de manipulação,
melhorias expressivas com a idade são observadas no drible, agarrar e
lançamento por baixo. No batimento de uma bola estática, no pontapear e no
lançamento por cima não são observadas grandes alterações com a idade.
Quadro 5. Percentagem de crianças demonstrando mestria na bateria TGMD2.
Quanto à mestria, o Quadro 6 apresenta as percentagens alcançadas nas
componentes/critérios de êxito para cada habilidade motora. Ao nível da corrida
há um aumento da mestria ao longo da idade nas quatro componentes. Um padrão de
corrida menos desenvolvido é observado na componente/critério dois, até aos 5
anos (máximo de 28%) e na componente três, até aos 4 anos (máximo de 25%). A
mestria no galope aumenta linearmente com a idade na totalidade das
componentes/critérios, observando-se esporadicamente algumas inversões nos
valores alcançados.
Quadro_6. Percentagem de crianças demonstrando mestria nas habilidades de
locomoção (TGMD2): componentes/critério.
No salto a pé coxinho, o valor percentual da mestria aumenta, ao longo da
idade, nas cinco componentes/critérios. Contudo, os ganhos percentuais na
primeira componente são reduzidos e, aos 10 anos, apenas 53% dos madeirenses
apresentam mestria. No salto, a melhoria de mestria ao longo da idade é
observada apenas na primeira componente. As percentagens de mestria nas
restantes componentes/critérios são baixas.
Paralelamente, para o salto em comprimento sem corrida preparatória, a mestria
tende a aumentar com a idade na primeira, segunda e quarta componente. No
deslocamento lateral, o comportamento dos resultados ao longo da idade segue um
trajecto similar à maioria das habilidades motoras anteriores.
A percentagem de mestria alcançada pelas crianças madeirenses nas habilidades
de manipulação é apresentada no Quadro 7. Para o batimento numa bola estática
com um bastão, a melhoria na mestria com a idade é claramente observada na 2ª e
3ª componentes. Valores percentuais elevados são observados na primeira
componente. Ao nível da quarta componente, a percentagem de mestria observada
na nossa amostra é muito reduzida: 8% aos 3 anos e 23% aos 10 anos. Valores
percentuais muito idênticos são observados na quinta componente na totalidade
do intervalo etário. Para o drible, há um aumento dos valores percentuais ao
longo da idade nas quatro componentes.
Quadro_7. Percentagem de crianças demonstrando mestria nas habilidades de
manipulação (TGMD2): componentes/critério.
Melhorias expressivas com a idade são também observadas na mestria do agarrar.
Ao nível da segunda componente cerca de 96% das crianças madeirenses alcançam
êxito, nas duas tentativas, aos 7 anos. Valores percentuais muito baixos são
observados na terceira componente aos 3-5 anos (2%-8%). Para o pontapear, um
aumento linear na mestria é observado na primeira componente; enquanto na
quarta, os valores percentuais são já elevados aos 3 anos.
No lançamento da bola por cima do ombro, melhorias na mestria com a idade são
observadas na segunda, terceira e quarta componente. As crianças madeirenses
alcançam percentagens de mestria muito baixas na primeira componente.
Finalmente, para o lançamento da bola por baixo, os ganhos na mestria com a
idade são observados na totalidade das componentes/critérios. Um aumento mais
pronunciado é observado na primeira e terceira componente. Um padrão
ligeiramente irregular é observado na quarta componente/critério.
DISCUSSÃO
Interpretar os resultados é uma tarefa complexa devido ao número reduzido de
pesquisas que utilizaram o TGMD2, à inexistência de protocolos estandardizados
de recolha da informação, e à dupla aproximação às habilidades motoras ou seja,
o processo e o produto. Genericamente, o processo e o produto de uma
performance motora estão positivamente relacionados. Isto é, bons resultados em
termos de produto demonstram proficiência no processo de movimento, e vice-
versa. É nesta base que assenta a nossa discussão.
Os resultados da presente pesquisa são parcialmente suportados por alguns
clássicos' da literatura. Sinclair
(19)
estudou o desenvolvimento de várias habilidades motoras em crianças norte-
americanas, dos 2 aos 6 anos de idade. O desempenho aumentou, em média, com o
avanço da idade, na maioria das habilidades motoras (agarrar, correr,
deslocamento lateral, galope, lançamento, pontapear e salto em comprimento sem
corrida preparatória). Similarmente, Morris et al.
(11)
examinaram a relação entre a idade e o desempenho motor em crianças norte-
americanas dos 3 aos 6 anos. No total, uma melhoria de resultados com a idade
foi observada no agarrar, corrida, salto em comprimento sem corrida
preparatória e lançamento de uma bola de ténis. Nelson et al.
(13)
observaram uma melhoria na performance de lançamento em 26 crianças (5-8 anos)
seguidas ao longo de um período de 3 anos. Em Portugal, Saraiva et al.(16)
observaram desempenhos irregulares: aumento nas habilidades de locomoção dos 6
aos 7 anos, seguido de um decréscimo aos 8 e aos 9 anos, enquanto, nas
habilidades de manipulação, os desempenhos decresceram com a idade.
As diferenças entre sexos nas habilidades de locomoção e de manipulação
observadas nas crianças madeirenses são paralelas a outros trabalhos. Gabbard
(6)
refere que aos 3 anos as crianças do sexo masculino tendem a ser mais
proficientes do que as raparigas em tarefas como a corrida, lançamento e salto
em comprimento sem corrida preparatória. As crianças do sexo feminino, por
outro lado, tendem a ser mais proficientes no salto a pé coxinho e tarefas que
requerem controlo motor fino, equilíbrio e flexibilidade'. Ainda neste âmbito,
Morris et al.(11) investigaram a associação da idade e sexo à performance. Os
rapazes foram mais proficientes do que as raparigas no teste de lançamento.
Diferenças de menor grandeza entre sexos foram também encontradas na corrida e
no salto em comprimento sem corrida preparatória, onde a performance dos
rapazes foi superior à das raparigas. Similarmente, Nelson et al.
(12)
observaram que os rapazes lançavam mais longe do que as raparigas e exibiam
formas de lançamento mais maduras' aos 5 anos de idade. A performance de
lançamento das raparigas foi apenas de 57% relativamente à performance dos
rapazes, mas quando a performance foi ajustada por um compósito de variáveis
biológicas, a performance das raparigas aumentou para 60% comparativamente à
performance apresentada pelos rapazes.
As características de crescimento físico humano, o envolvimento e a sua
interacção são as fontes potenciais para explicar o dimorfismo sexual observado
nas habilidades de manipulação, na amostra madeirense. A este respeito, Thomas
e French
(20)
, num estudo de meta-análise observaram que os rapazes (3-7 anos) excederam as
raparigas nos desempenhos relativos á velocidade de lançamento em cerca de 1.5
unidades de desvio padrão e que a diferença aumentava para 3.5 unidades de
desvio padrão aos 12 anos. Tal facto conduziu os autores a sugerirem que as
diferenças entre sexos no lançamento por cima do ombro têm origem em diferenças
biológicas. Esta sugestão é reforçada por Malina et al.(10) e Malina
(8, 9)
, ao referirem que as diferenças biológicas entre sexos na infância são
reduzidas, mas os rapazes têm mais massa isenta de gordura e menos gordura
corporal do que as raparigas. Malina(9) refere ainda que os rapazes apresentam
um rácio diâmetro biacromial sobre o diâmetro bicristal' maior no final da
infância.
Concomitantemente, as características de envolvimento são determinantes nas
diferenças entre sexos observadas na performance motora. Regra geral, os pais
olham os filhos de forma diferente das filhas e esperam comportamentos
distintos(10). Paralelamente, os rapazes em idade pré-escolar são mais activos
do que as raparigas
(4)
.
A grande variabilidade observada no desempenho das habilidades de locomoção e
de manipulação das crianças madeirenses é comum na literatura. Malina et al.
(10) referem que a variação no desenvolvimento motor é considerável durante a
infância no mesmo indivíduo, entre indivíduos e ao longo da idade. As crianças
em idade pré-escolar mostram frequentemente uma tendência para um bom
desempenho num dado momento e um mau desempenho no momento seguinte. A variação
na performance entre períodos de avaliação distintos reflecte a variação na
maturação neuromuscular, mudanças no tamanho e proporções, oportunidade para a
prática e motivação. Para além disso, a avaliação de crianças exige cooperação,
a qual é um factor que afecta a performance. A alternância de padrões de
movimento maduros' numa dada idade e padrões imaturos' numa idade subsequente
ocorrem frequentemente sem uma causa conhecida e podem reflectir variabilidade
normal. De igual modo, podem estar relacionados com o desenvolvimento e
aprendizagem de novas habilidades motoras, pelo que quando um padrão maduro' é
alcançado numa tarefa, a criança pode tentar outros movimentos que minimizem o
padrão maduro' original
(3, 10)
.
Os equivalentes etários indicam o nível de desenvolvimento ou idade que
corresponde um valor bruto. Uma criança com um equivalente etário acima da
média, significa que o seu valor bruto é característico de uma idade
cronológica mais avançada. Por outras palavras, está avançado para a sua idade
cronológica. O oposto é verdadeiro para uma criança que está localizada abaixo
da média. As crianças madeirenses apresentaram-se maioritariamente abaixo da
média nas habilidades de locomoção e de manipulação. A única pesquisa que
encontramos na literatura com equivalentes etários foi desenvolvida na
Universidade Estadual de Londrina. Andrade et al.(2) referem valores médios nos
equivalentes etários de locomoção e de manipulação abaixo da idade cronológica.
Estes resultados são paralelos à amostra madeirense. Devido à interpolação,
extrapolação e ajustamento usados na criação dos equivalentes etários no método
original, Ulrich(21) sugere alguma prudência na interpretação dos resultados.
Uma grande fatia de crianças madeirenses é classificada nas categorias abaixo
da média', fraco' e muito fraco'. Esta partição difere da amostra norte-
americana(21). As crianças norte-americanas estão mais circunscritas às
categorias médio' e acima da média. Em oposição, desempenhos mais fracos do
que os que foram observados nos rapazes e raparigas madeirenses foram
encontrados no Brasil
(1)
. Em Portugal Continental, Saraiva et al.(16) observaram valores percentuais
muito próximos à amostra madeirense, à excepção da categoria fraco', na qual
os madeirenses quase duplicam a percentagem dos seus pares. Resultados
similares à amostra madeirense foram também observados em crianças bracarenses
(7).
Ao nível da mestria, as crianças madeirenses apresentam percentagens de mestria
mais baixas do que os seus pares norte-americanos(21) na corrida, salto a pé
coxinho, salto e salto em comprimento sem corrida preparatória. Percentagens
mais elevadas foram observadas no galope e no deslocamento lateral. Estes
resultados são algo estranhos', porque o galope e o deslocamento lateral
combinam vários movimentos básicos, nomeadamente, o andar e o salto
(6, 14)
. Ao nível das habilidades de manipulação, as crianças madeirenses apresentam
valores percentuais mais baixos na quase totalidade das habilidades motoras. A
única excepção foi observada no drible.
Um cenário idêntico de resultados é encontrado na percentagem de mestria para
cada componente/critério em cada habilidade de locomoção ou de manipulação. As
crianças portuguesas apresentam percentagens de mestria inferiores aos seus
pares norte-americanos(21) nas componentes/ critérios dois e três (corrida), um
e quatro (galope), um, dois e três (pé coxinho), dois e três (salto), um, dois
e quatro (salto em comprimento sem corrida preparatória). Valores percentuais
similares entre as duas amostras são encontrados nas componentes/critérios um e
quatro (corrida), três (galope), um (salto a pé coxinho) e dois, três e quatro
(deslocamento lateral). Resultados de mestria mais elevados nas crianças
portuguesas são observados nas componentes/critérios dois (galope), cinco
(salto a pé coxinho), três (salto em comprimento sem corrida preparatória) e um
(deslocamento lateral).
Para as habilidades de manipulação, a análise comparativa é a seguinte: valores
percentuais mais baixos dos portugueses nas componentes/critérios três, quatro
e cinco (batimento de uma bola estática), um (drible), um e três (agarrar), um,
dois e três (pontapear), um (lançamento por cima do ombro) e dois e quatro
(lançamento por baixo). Valores de mestria similares são observados nas
componentes/critérios um (batimento de uma bola estática), dois e quatro
(drible), dois (agarrar), quatro (pontapear), dois, três e quatro (lançamento
por cima do ombro) e um (lançamento por baixo). Percentagens mais elevadas dos
portugueses comparativamente aos norte-americanos são encontradas nas
componentes/critérios dois (batimento de uma bola estática), três (drible) e
três (lançamento por baixo).
As conclusões da presente pesquisa são várias: 1) as crianças madeirenses
apresentam uma melhoria de resultados com a idade, na quase totalidade das
habilidades motoras; 2) os rapazes são mais proficientes do que as raparigas
nas habilidades de manipulação; 3) o maior número de crianças madeirenses foi
classificado na categoria médio', nas habilidades de locomoção e nas
habilidades de manipulação; 4) as crianças madeirenses apresentam equivalentes
etários abaixo da média nas habilidades de locomoção e de manipulação; 5) um
aumento de mestria com a idade é observado na corrida, galope, deslocamento
lateral, drible, agarrar e lançamento por cima; 6) o dimorfismo sexual nas
habilidades de locomoção é paralelo a outras pesquisas; 7) as crianças
madeirenses são, na sua maioria, classificadas nas categorias média', abaixo
da média', fraco' e muito fraco', colocando-as a um nível inferior às norte-
americanas; 8) as crianças madeirenses apresentam percentagens de mestria mais
baixas dos que os seus pares norte-americanos na quase totalidade das
habilidades de locomoção e de manipulação; 9) valores percentuais de mestria
mais elevados das crianças madeirenses comparativamente às norte-americanas são
observados no galope e no deslocamento lateral; 10) as percentagens de mestria
por componente/critério da amostra madeirense são, na generalidade, mais baixas
nas crianças madeirenses comparativamente às norte-americanas.
A presente pesquisa fornece dados cruciais aos pais, professores, agentes
desportivos e políticos em geral, no sentido de melhor interpretarem o
significado associado à variação que ocorre no crescimento físico humano e no
desenvolvimento motor da criança madeirense. O espaço familiar, a escola e
outras instituições de utilidade pública são o palco privilegiado para
possíveis intervenções a este nível. Estratégicas sinérgicas para elevar o
nível das habilidades de locomoção e de manipulação devem estimular a prática
regular e sistemática de actividades de recreação, lazer e desportivas.