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EuPTCVHe1645-05232010000100012

EuPTCVHe1645-05232010000100012

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1645-0523
ano2010
Issue0001
Article number00012

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Desenvolvimento da assimetria manual

Considerações preliminares A escolha de uma mão em detrimento da outra é o reflexo mais evidente da assimetria no comportamento motor humano. As mãos expressam também diferentes funções na realização de tarefas manuais ' uma mão assegura funções de suporte ou estabilização e a outra assume papel mais activo.

A tendência para a destralidade e, em contraposição, à reduzida tendência para a sinistralidade, na maioria da população, têm sido vastamente estudadas e documentadas em diversas culturas, em grupos com patologias identificadas e em diferentes faixas etárias. Pela importância da funcionalidade manual torna-se pertinente compreender o desenvolvimento do comportamento assimétrico, quer ao nível da preferência quer da proficiência e funcionalidade. O objectivo do presente ensaio consubstancia-se na descrição do desenvolvimento da preferência e proficiência manual relacionadas com a idade e com o género, e sua caracterização em condições patológicas.

Assimetrias manuais: da concepção aos primeiros 3 anos de vida A tendência para a preferência manual direita, típica da população adulta, parece estar presente no início da vida. Apesar da preferência manual não ser uma característica óbvia de crianças pequenas, tornando-se mais evidente com o início da escolaridade, podem observar-se algumas tendências de preferência mesmo antes do nascimento. As assimetrias posturais espontâneas de fetos e bebés recém-nascidos têm sido estudadas na perspectiva de explicação de tendências posteriores de desenvolvimento. Os resultados mostram que entre as 10 e as 12 semanas de vida é possível observar movimentos lateralizados dos membros e cabeça e que a tendência para a direita é predominante (13) . Alguns aspectos e tendências verificados durante o período pré-natal têm sido relacionados com características comportamentais pós-parto. Por exemplo, existe alguma indicação de que os fetos que sugaram o seu polegar direito durante a gestação, quando examinados entre o segundo e quarto dias após o seu nascimento, viravam a cabeça para o lado direito (1) . A preferência para o lado direito na sucção do polegar às 15 semanas de gestação também foi recentemente relacionada com a preferência manual direita aos 10-12 anos de idade (4) . Porém, esta preferência estável para a direita não foi sempre evidente. De Vries et al.

(5) observaram os contactos da mão com a face efectuados por fetos com idade gestacional entre 12 e 38 semanas relacionando-os com a posição preferencial da cabeça após o nascimento. Contudo, não foi possível suportar a associação entre contactos da mão e posição da cabeça na formação de uma sinergia ipsilateral estável e preferencial. Por outro lado, a posição da cabeça durante o período fetal e o virar da cabeça espontâneo logo após o nascimento foram relacionados com actividades manuais (manipulação e preferência) na infância (6) .

A observação de recém-nascidos demonstra, do mesmo modo, uma variedade de tendências motoras laterais, nos contactos da mão com a face, na orientação da cabeça (7, 8) , no reflexo de preensão (9, 10) , no reflexo do caminhar (8, 11) , ou no reflexo tónico assimétrico e contralateral do pescoço(11). Porém, a maioria dos estudos observa as tendências laterais após o nascimento ao nível do tronco e membros superiores por serem um potencial indicativo da preferência manual adoptada posteriormente. Os estudos que focam as assimetrias laterais no reflexo do caminhar como indicativo da preferência lateral dos membros inferiores são muito menos frequentes e não revelam tendências assimétricas.

À medida que vão crescendo, os bebés mostram preferência manual em acções como apontar, agarrar e manipular objectos, traduzida pela frequência do uso de cada mão. A idade dos 3 anos parece constituir um marco no uso preferencial por uma das mãos, normalmente a direita (12) . Alguns factores podem influenciar estas flutuações, tais como as mudanças no desenvolvimento da organização e controlo dos movimentos do braço e mão, controlo postural, associação a comportamentos locomotores, ou a constrangimentos da tarefa. Não obstante, à medida que a idade avança torna-se notória a preferência consistente por um dos lados, com uma grande variabilidade no que diz respeito ao processo de desenvolvimento da preferência manual durante o primeiro ano de vida (13, 16) . Esta variabilidade pode ser real ou apresentar alguma contaminação metodológica, pela dificuldade de avaliação típica destas idades. Após os 12 meses, os autores são unânimes em considerar uma certa estabilidade ao nível dos comportamentos de preferência manual, sobretudo quando se trata da preferência sobre a mão direita, como acontece em cerca de 90% dos casos. As mudanças no desenvolvimento da preferência manual durante os primeiros anos de vida parecem estar associadas a reorganizações sucessivas do sistema motor, que ocorrem à medida que a criança aprende a sentar, gatinhar e andar, assim como às novas possibilidades de acção sobre o envolvimento. Como tal, o desenvolvimento da preferência manual afigura-se como altamente maleável e sensível a uma diversidade de novas experiências sensorio-motoras (17, 18) , pelo que os primeiros movimentos assimétricos são muito flexíveis e sujeitos a uma oscilação e instabilidade antes de se estabelecerem numa determinada direcção. A determinação destas tendências é ainda insatisfatória, pela escassez de estudos longitudinais.

Existe alguma controvérsia sobre a idade de estabilização da preferência manual. Alguns autores defendem a idade dos 3 anos (19) , outros dos 4 anos (20) e outros ainda sugerem que, apesar da preferência manual estar estabelecida por volta dos 5 ou 6 anos, esta pode sofrer alterações até cerca dos 13 anos, fruto das pressões sociais (21) . A consistência da preferência, difícil de medir com objectividade, parece aumentar com a idade, ao mesmo tempo que se fixa uma preferência definida.

Apesar de muitos estudos procurarem referenciar idades, com evidente efeito normativo, o próprio conceito de estabilidade é pouco preciso, o que pode reflectir-se no sentido das conclusões dos estudos.

Algumas investigações descrevem uma tendência para a direita mais elevada no sexo masculino comparativamente ao sexo feminino no que diz respeito à rotação da cabeça (7, 22) e à força de preensão palmar (23) , enquanto outras apresentam resultados contrários (24, 25) . A tendência para uma preferência manual direita parece ser mais precoce no sexo feminino do que no masculino no que diz respeito ao comportamento de agarrar objectos (26) o que sugere um desenvolvimento da lateralização cerebral mais precoce nas meninas do que nos meninos, hipotetizando a possibilidade deste resultado ser um precursor da assimetria mais acentuada nas mulheres adultas comparativamente aos homens.

Uma porção significativa de bebés recém-nascidos demonstra reflexos e movimentos espontâneos mais fortes e mais coordenados para o lado direito do corpo do que para o lado esquerdo. Porém, uma preferência para a esquerda superior ao normal tem sido observada consistentemente em prematuros (14, 27-30) , em especial nos rapazes (27, 29) . Outros factores relacionados com o bebé ou com o momento do parto têm sido ligados a uma percentagem elevada de preferência manual esquerda ou mista.

Entre eles encontram-se, o baixo peso, ordem elevada de fratria, dificuldades respiratórias, trabalho de parto prolongado, tipo de parto (cesariana, uso de fórceps, apresentação pélvica), e incompatibilidade Rh (31, 32) . Para além disso, alguns factores relacionados com a mãe, como idade precoce ou elevada da mãe no momento do nascimento do bebé, sintomas de depressão, ansiedade, consumo de drogas, tabaco ou álcool por parte da mãe durante a gravidez, podem influenciar a trajectória típica das assimetrias funcionais dos seus filhos, traduzindo-se numa maior prevalência de preferência manual mista ou para a esquerda (32-34) . Estes resultados sugerem que as origens neuro-desenvolvimentais da preferência manual podem estar parcialmente ligadas ao ambiente químico a que o feto está exposto no útero, fomentado pelos vários factores de stress pré-natal mencionados anteriormente.

Assimetrias manuais: período pré-escolar e escolar Os avanços no controle motor durante o período pré-escolar, os quais dependem tanto da maturação cerebral e física como do refinamento das competências através da experiência, permitem o estudo da preferência manual em acções como desenhar, cortar com uma tesoura, apanhar um objecto do chão, ou lançar um objecto a um alvo. Muitos estudos investigaram a preferência manual de crianças dos 3 aos 12 anos de idade na execução de várias acções como as descritas anteriormente (e.g. 19, 35) bem como, a assimetria manual em vários testes de performance (e.g. 36, 37) . Merece ser realçado que, apesar das medidas de performance permitirem distinções precisas numa escala quantitativa, elas não são, em parte, acessíveis a crianças até à idade pré-escolar nem a crianças com perturbações do desenvolvimento ou limitações sensoriais, físicas e cognitivas. Os resultados dos estudos apontam para uma tendência das populações pré-escolar e escolar para uma preferência manual direita (38, 39) , com uma percentagem de sinistrómanos semelhante à da população adulta (aproximadamente 10%). Porém, tal como na população adulta, essa tendência parece variar com a cultura onde está inserida a criança. Por exemplo, Fagard e Dahmen (40) verificaram que, entre os 5 e os 9 anos, 16.7% das crianças Francesas usam a mão esquerda na escrita, por comparação com 3.3% das crianças Tunisinas, e o estudo de Holder e Kateeba (41) registou, no Uganda, 4.8% de crianças sinistrómanas entre os 4 e os 19 anos.

Pode existir um forte efeito da cultura, tradições, tolerância e estereótipos comportamentais na tendência biológica para uma preferência determinada.

Viviani (42) verificou, em crianças italianas entre os 5 e os 11 anos, que as do meio rural apresentavam percentagens significativamente inferiores de preferência manual esquerda (6.2%) relativamente às do meio urbano (20.1%).

No que diz respeito ao desenvolvimento da preferência manual neste período, os investigadores concordam que não é a direcção que muda com a idade (43, 44) mas sim a consistência (intensidade) da preferência manual (45, 46) . Por exemplo, Bryden, Roy e Spence(45) verificaram que as crianças mais jovens (entre os 3 e 5 anos) eram menos consistentes do que as mais velhas (a partir dos 7 anos) e do que os adultos. Também Greenwood et al.

(47) observaram, em 5000 crianças Irlandesas dos 3 aos 18 anos, que as mais novas e os rapazes demonstraram uma frequência e intensidade menos elevadas na tendência para a direita. Porém, Ounsted et al.

(48) , num estudo longitudinal em que avaliaram 199 crianças aos 2, aos 4 e aos anos, verificaram que a preferência manual foi constante ao longo deste período. Das crianças destrímanas aos anos, mais de 70% demonstraram a mesma preferência manual manifestada aos 2 anos e 89% manteve a mesma preferência revelada aos 4 anos. Para as crianças sinistrómanas, os valores foram idênticos aos das destrímanas, ou seja 76% aos 2 anos e 86% aos 4 anos. No sentido de avaliar a consistência da preferência manual, McManus et al.

(49) verificaram, numa amostra de 314 crianças com idades de 3, 4, 5 e 7 anos, que a direcção da preferência parece estar determinada aos 3 anos, e que a consistência no uso da mão preferida aumentou ao longo do tempo, mais rapidamente nas crianças sinistrómanas. Estas parecem demonstrar uma preferência manual mais fraca do que as destrímanas aos 3 anos, mas de similar consistência aos 7 anos. Resultado semelhante com crianças sinistrómanas foi observado por Bryden e Mayer (50) .

O aumento da consistência na preferência manual direita com a idade não tem ainda uma explicação clara. Presumivelmente poderá ser o resultado das interacções sociais e da adaptação a um mundo orientado à direita, mas poderá ser admitida uma regulação ao nível maturacional, que decorrerá mesmo na ausência de quaisquer influências do meio. Recentemente Dubois et al.

(51) observaram em bebés entre o primeiro e o quarto mês de vida marcadores estruturais de assimetrias hemisféricas, ou seja, diferenças inter-hemisféricas na proporção de neurónios no tracto cortico-espinal, sendo esta assimetria mais evidenciada para o lado esquerdo. Apesar de este estudo não clarificar se estas assimetrias estruturais são a causa ou consequência do desenvolvimento das assimetrias funcionais, os autores sugerem que esta organização neural está relacionada com o desenvolvimento posterior da lateralização funcional.

Provavelmente será a interacção destes e de outros factores alguns dos aspectos que actuam sinergeticamente no sentido de intensificar o uso da mesma mão ao longo da vida.

O conhecimento sobre a assimetria manual, muito dependente das tarefas utilizadas, não reúne consensos fáceis. Enquanto em alguns estudos (e.g. 52, 53) não se observaram diferenças estatisticamente significativas ao longo da idade, em outros (e.g. 45, 54) verificou-se uma maior assimetria manual nos grupos mais jovens. Mas Bryden et al.

(55) , por exemplo, verificaram, na tarefa motora WatHand Cabinet Test, que os sinistrómanos apresentavam maior variação do que os destrímanos nas assimetrias manuais ao longo da idade, e que as crianças mais jovens demonstravam um grau de lateralização mais fraco do que as crianças mais velhas e do que os adultos.

Para além disso, tem sido observada uma assimetria funcional menos acentuada nos sinistrómanos (56) , facto que tem sido explicado pelo não uso da sua mão dominante em muitas tarefas da vida diária traduzido pela vivência num mundo destro.

Para além da idade, a lateralidade manual parece também estar de algum modo associada ao sexo. Enquanto alguns autores não documentam diferenças significativas entre raparigas e rapazes (e.g. 19, 57) , outros observam uma percentagem superior de sinistrómanos no sexo masculino (e.g. 41, 58) .

Em relação à consistência (intensidade) da preferência manual, existe uma incidência superior de ambidestralidade no sexo masculino (59) enquanto o sexo feminino revela maior tendência para intensificar o uso da mão preferida, no caso de esta ser a direita. De acordo com alguns autores (e.g. 60, 61) , a intensificação superior no sexo feminino, relativamente ao masculino, deve- se à maior pressão cultural a que as mulheres estão sujeitas desde muito novas.

A confirmar este facto, Porac e Coren (62) observaram uma taxa superior de sucesso no sexo feminino relativamente à mudança para uma preferência manual direita.

No que respeita à performance, alguns estudos reportam diferenças entre os sexos no grau de assimetria manual, sendo o sexo feminino mais fortemente lateralizado do que o masculino no desempenho de algumas tarefas motoras (63, 64) . Pedersen et al.(64), por exemplo, avaliaram 112 crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 9 anos, utilizando duas tarefas do Movement Assessement Battery for Children (atirar pequenas bolas e fazer um jogo de encaixe simples). O estudo pretendeu avaliar as diferenças entre os sexos nas habilidades manuais. Os resultados revelaram que, na tarefa das bolas, o sexo feminino mostrou ser mais assimétrico, enquanto na tarefa de encaixe, não se verificaram diferenças entre os sexos. Os autores sugeriram que as diferenças entre os sexos, a existirem, parecem ser específicas de algumas tarefas, o que reforça o papel de eventuais condicionamentos sociais na expressão de preferências laterais. A especificidade da tarefa no que diz respeito à assimetria manual e sua relação com as diferenças entre os sexos foram também corroboradas por outros autores (65, 66) .

Algumas condições atípicas, como o autismo (e.g. 67) , a esquizofrenia (e.g. 68) , as doenças do sistema imunitário (e.g. 69) ou desordens desenvolvimentais (e.g. 70, 71) têm sido associadas a padrões atípicos de lateralização. O modelo patológico, sugerido por Satz et al.

(72) , postula que a preferência manual esquerda é determinada tanto geneticamente, resultando numa preferência manual esquerda natural, como patologicamente. Do ponto de vista dos autores, o segundo caso é consequência de danos cerebrais prematuros, tendo-se baseado, para esta sugestão, na observação de um elevado número de sinistrómanos em sujeitos com danos cerebrais ou com suspeita da existência desses danos. Porém, parece que é a ausência de uma tendência lateral ou uma assimetria menos acentuada para a direita que caracteriza estas populações patológicas, ao invés de uma percentagem mais elevada de sinistrómanos bem lateralizados (e.g. 73, 74) . Recentemente este assunto tem suscitado interesse, talvez pela exuberância de estudos associados às desordens coordenativas na criança (para uma revisão exaustiva sobre este assunto ver 75) .

Assimetrias manuais: adultos e idosos As tendências manuais em adultos são, tal como em crianças em idade escolar, analisadas em relação à preferência (a auto-definição, os questionários e as tarefas motoras unilaterais) e à proficiência (testes de performance). No entanto, Peters (76) recomenda que, em idades superiores a 40 anos, os sujeitos não devam ser inquiridos sobre a sua preferência manual com base apenas na mão usada na escrita. Esta recomendação baseia-se na pressão social a que possam ter estado sujeitos no caso de uma preferência inicial pelo uso da mão esquerda, sendo vários os estudos que justificam o cuidado desta advertência (e.g. 77, 78).

É importante referir que, apesar da diminuição da pressão social sobre o uso da mão esquerda, assiste-se ainda a alguma estigmatização quando esta é a preferida em detrimento da direita para as várias tarefas da vida diária, entre as quais se destaca claramente a escrita(42, 47).

Os estudos que analisam a preferência manual ao longo da vida demonstram que a percentagem de sinistrómanos diminui com o avançar da idade, sendo drasticamente sub-representada nos idosos (79-82) . Por exemplo, Bryden, Bulman-Fleming e MacDonald (80) descreveram, numa amostra de três gerações, uma percentagem de sinistrómanos de 1.9% nos indivíduos com idade superior a 64 anos, de 8.6% com idades compreendidas entre os 35 e os 54 anos, e de 19.8% com idades entre os 20 e os 29 anos. O aumento da percentagem de sinistrómanos nas gerações mais jovens tem sido atribuído a várias causas, entre as quais um relaxamento das atitudes sociais e uma maior permissão face ao uso da mão esquerda como mão preferida (83, 84) . Também as hipóteses de acumulação de pressões num mundo construído para destrímanos(60), ou uma expectativa de vida mais reduzida nos sinistrómanos, devido a uma incidência mais elevada de morte não natural (85, 86) , têm merecido alguma atenção.

Coren e Halpern(85) agregaram as várias explicações para o declínio da preferência manual esquerda com a idade em duas grandes hipóteses: a hipótese da eliminação e a hipótese da modificação. A primeira sugere que os sinistrómanos encontram mais dificuldades ao nível físico por viverem num mundo destro, estando, por conseguinte, mais sujeitos a sofrerem acidentes e, para além disso, mais propensos a riscos relacionados com a saúde tendo, portanto, um tempo de vida mais curto. A segunda hipótese, a da modificação, expressa que as pressões para modificar os comportamentos da preferência manual diferem entre gerações, sendo mais flexíveis actualmente. Ou seja, a hipótese da eliminação remete para factores mais biológicos, enquanto a da modificação sugere factores mais sociais e históricos.

A hipótese da eliminação tem demonstrado resultados contraditórios. Enquanto alguns estudos não a confirmam (87, 88) , apresentando até resultados contrários, indicando uma vantagem não significativa de sobrevivência mais elevada nos sinistrómanos(e.g. 87), outros relatam uma frequência mais elevada nos sinistrómanos de acidentes (89) , de ferimentos acidentais (90, 91) , de quedas (92, 93) e, mais recentemente, de doenças cardíacas (94) , aumentando a vulnerabilidade à morte acidental.

Por outro lado, investigações que utilizaram um critério de classificação da preferência manual mais abrangente (não considerando apenas a classificação dicotómica, em sinistrómanos e destrímanos mas um critério com base na consistência, isto é, na intensidade da preferência, para além da direcção) observaram serem os sinistrómanos não consistentes (menos lateralizados), relativamente aos outros grupos, os mais propícios a um risco mais acentuado de morte prematura (95) e de acidentes(93).

A hipótese da modificação sustenta que a maior ou menor pressão exercida pelas sociedades e culturas sobre os sinistrómanos resulta numa modificação dos seus comportamentos constrangendo-os a agir como destrímanos, facto confirmado por alguns estudos (77, 96) e contestado por outros (97) . Porém, esta hipótese não explica completamente a reduzida incidência de sinistrómanos em indivíduos idosos, uma vez que as tentativas para mudar o uso da mão são muito específicas a determinadas tarefas, tais como comer e escrever e, mesmo quando efectivas, essas mudanças não tendem a produzir um efeito generalizado (61, 98) .

Dos diversos estudos apresentados conclui-se as duas hipóteses não são mutuamente exclusivas. Contudo, o debate está longe de terminar, permanecendo ainda por desvendar a verdadeira razão da reduzida prevalência de sinistrómanos na população mais idosa.

A intensidade da preferência manual ao longo da idade também tem sido objecto de investigação (99, 100).

Teixeira(100), por exemplo, analisou este aspecto em destrímanos divididos em três grupos (20, 40 e 60 anos), tendo detectado um efeito significativo através dos grupos de idade, nomeadamente no que respeita à comparação entre o grupo com 60 anos e o grupo com 20 anos. De igual forma, num trabalho não publicado, Rodrigues, Lamboglia, Cabral, Barreiros e Vasconcelos (101) analisaram a intensidade da preferência manual em 1977 destrímanos e sinistrómanos, de ambos os sexos, distribuídos por cinco grupos de idade (6-11 anos, 12-18 anos, 19-33 anos e 56-95 anos). Os resultados demonstraram diferenças significativas entre os grupos, porém, o efeito da idade não foi similar em sinistrómanos e destrímanos. Nestes últimos, verificou-se que as crianças exibiram um grau de preferência mais fraco do que os outros grupos de idade, sendo o grupo dos idosos o mais fortemente lateralizado. Este padrão não foi evidente nos sinistrómanos, onde apenas o grupo de adolescentes diferiu significativamente dos outros grupos, demonstrando uma fraca lateralização. É de salientar, contudo, que apesar dos outros grupos não diferirem entre si significativamente, os adultos demonstraram uma lateralização mais acentuada, seguida das crianças e dos idosos. Os resultados obtidos no grupo dos destrímanos parecem corroborar os efeitos da prática e da experiência, relacionados com um ambiente que favorece o uso da mão direita. Estes factores têm sido apontados como determinantes no aumento da intensidade da preferência manual ao longo da idade. Esta justificação não se aplica, no entanto, aos resultados observados nos grupos de sinistrómanos, os quais não revelaram uma tendência clara com a idade.

No que respeita ao efeito da idade na proficiência manual, não consenso entre os estudos. Assim, enquanto algumas investigações reportam uma diminuição da assimetria manual com o avançar da idade (e.g. 102, 103) , outros mencionam que a assimetria permanece inalterada com a idade (e.g. 37, 104) e, outros ainda, que a assimetria manual ao longo da idade depende do tipo de tarefas usadas bem como da sua complexidade (e.g. 100, 105) . As alterações na assimetria manual com a idade têm sido frequentemente apontadas como uma adaptação compensatória às mudanças do processamento neural relacionadas com a idade. Duas hipóteses têm sido propostas para explicar este aspecto: a hipótese diferencial da idade (106) e a hipótese da redução da assimetria hemisférica em idosos (107) . De acordo com a primeira hipótese, com o avançar da idade assiste-se a um declínio mais acentuado das funções do hemisfério direito relativamente ao hemisfério esquerdo. A segunda hipótese propõe que o envelhecimento conduz a um padrão simétrico bilateral das funções hemisféricas. Estas duas hipóteses foram testadas por Hausmann, Gunturkun e Corballis (108) em tarefas que exigiam processamento específico de cada hemisfério. Os resultados demonstraram que as mudanças nas assimetrias hemisféricas relativas à idade são diferentes para tarefas com processamento específico do hemisfério direito e do esquerdo, não suportando nenhuma das hipóteses. Por conseguinte, a inconsistência dos resultados dos estudos atrás mencionados pode estar relacionada com o tipo de tarefa.

No que diz respeito ao efeito do sexo na preferência manual em adultos e idosos, os resultados, tal como nos outros momentos descritos, também se apresentam inconclusivos. Enquanto alguns estudos documentam a ausência de diferenças significativas entre sexos (109, 110), outros observaram uma percentagem de homens sinistrómanos superior à de mulheres (82, 111) . Um estudo recente de meta-análise sobre esta questão, efectuado por Sommer et al.

(112) , confirmou esta tendência. A explicação que admite mais consenso, nesta linha de pesquisa que sugere uma maior percentagem de homens sinistrómanos relativamente às mulheres sinistrómanas, é a de que os homens são, por um lado, menos sujeitos às pressões culturais e, por outro, mais resistentes a essas pressões no sentido da mudança para uma preferência manual direita (47, 113) . Contudo, outras explicações têm sido apresentadas, nomeadamente as relacionadas com a contribuição genética (114, 115) , as quais postulam que a expressão do gene que contribui para a preferência manual para a direita é mais acentuada no sexo feminino do que no sexo masculino. Esta relação parece ser corroborada por estudos cujos resultados revelaram uma associação entre os cromossomas sexuais e a preferência manual, ou seja, o gene associado com a preferência manual parece estar localizado no cromossoma X (116, 117) . Como os genes recessivos no cromossoma X são expressos mais frequentemente no sexo masculino do que no sexo feminino, esta explicação pode considerar-se plausível no que diz respeito à maior frequência de indivíduos do sexo masculino com preferência manual esquerda.

Por fim, temos as interpretações relativas à contribuição hormonal (118) , sugerindo que os níveis de testosterona, mais elevados no sexo masculino comparativamente ao feminino, contribuem para o desenvolvimento da lateralização cerebral, podendo induzir um atraso no desenvolvimento do hemisfério esquerdo e, consequentemente, resultar numa expressão manual direita menos pronunciada nos homens. Contudo, embora alguns estudos efectuados sobre a relação entre a exposição no útero a hormonas esteróides e a prevalência de uma preferência manual não destra pareçam corroborar esta teoria (119, 120) , uma meta-análise realizada recentemente aponta para resultados contrários (121) .

No que respeita às medidas de performance, têm sido documentadas por vários autores diferenças significativas entre os sexos, com os homens menos lateralizados do que as mulheres na assimetria motora funcional (37, 122) . Contudo, relatos de outros estudos onde não se observaram diferenças significativas entre os sexos nesta variável (123-125) . Não obstante, apesar das diferenças não se revelarem significativas em relação à assimetria manual, Lissek et al.(123) observaram diferenças na activação cerebral durante a realização da tarefa motora, sendo que o sexo feminino demonstrou uma activação cortical mais bilateral do que o sexo masculino. A natureza da tarefa bem como a organização cerebral distinta em ambos os sexos têm sido apontadas como os principais factores que contribuem para esta discrepância de resultados (112, 124) .

Na população adulta também se tem estudado a relação da preferência manual esquerda ou mista com patologias. Existem estudos associando a preferência manual esquerda a condições físicas e mentais, tais como, apneia do sono (126) , asma (127) , doença de Alzheimer (128) , síndrome de Williams-Beuren (129) , psicose (130) , esquizofrenia (131) . Os danos no hemisfério esquerdo relacionados com as patologias são apontados pelos autores como possível causa da frequência mais elevada de sinistrómanos nestes grupos.

Conclusão As evidências provenientes de vários estudos mostram que as assimetrias laterais variam ao longo do desenvolvimento, com um faseamento algo previsível, mas com algumas incoerências ainda por explicar. O sexo, o estado neurológico do sujeito e o tipo de sociedade em que este está inserido são factores que parecem interferir no desenvolvimento da preferência manual e na consequente assimetria manual. Pode-se assim dizer que a assimetria resulta de factores biológicos, sociais e culturais característicos de um determinado espaço geográfico e de uma contextualização histórica e cultural. Para além disso, deve referir-se que existe grande variabilidade de metodologias e procedimentos (no que respeita ao número e tipo de instrumentos aplicados para a classificação da preferência manual, ao próprio critério de classificação dos grupos de preferência manual e ao tipo de testes de avaliação da proficiência manual que permitem ajuizar a consequente assimetria funcional). Existem ainda as diferenças amostrais entre estudos, nomeadamente ao nível sócio-cultural, como foi referido. Todas estas questões dificultam a comparação dos resultados.

Consequentemente, a posição teórica de cada autor e a sua predilecção por um método ou por outro, resultam numa diversidade de nuances sobre a conclusão mais geral mas inquestionável de que a preferência manual, a proficiência manual e a consequente assimetria manual variam e sofrem oscilações ao longo do desenvolvimento do sujeito.


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