Comparação entre dois sistemas de treino de força no desenvolvimento da força
muscular máxima
O treino de força tem sido apontado em inúmeros estudos (Aagaard, Simonsen,
Andersen, Magnusson, & Dyhre-Poulsen, 2002; Ades et al., 2005; Kraemer
& Ratamess, 2004) como método efetivo para o aumento de força e hipertrofia
muscular, além de proporcionar aumento da densidade óssea (Brentano et al.,
2008), poder reduzir os fatores de risco associados à doença arterial
coronariana (Ades et al., 2005), diabetes Mellitus tipo II (Shaibi et al.,
2006), cancro de cólon (Schmitz, Ahmed, & Yee, 2002), controle da obesidade
(Leick et al., 2007) e no envelhecimento (Costa & Fernandes, 2007).
É comumente estabelecido que a prescrição de exercício em treino de força
através da relação entre o percentual de 1RM e o número de repetições (Moore et
al., 2004). Os benefícios e adaptações decorrentes deste tipo de exercício são
decorrentes de uma série de variáveis, tais como número de séries (Galvão &
Taaffe, 2004), número de repetições (Shimano et al., 2006), frequência semanal
(Burt, Wilson, & Willardson, 2007), tempo de intervalo entre as séries e
sessões de treino (Willardson & Burkett, 2008), intensidade e volume de
treino (Prestes, De Lima, Frollini, Donatto, & Conte, 2009), tipo de acções
musculares (Blazevich, Cannavan, Coleman, & Horne, 2007), ordem dos
exercícios (Gentil, Oliveira, De Araújo, Do Carmo, & Bottaro, 2007) e
velocidade de movimento (Wickwire, McLester, Green, & Crews, 2009). Com
isso, o treinador ou preparador físico, conhecendo os diferentes tipos de
treino, pode otimizar o condicionamento físico de seus atletas para determinada
modalidade desportiva (Carpinelli, Otto, & Winett, 2004; Peterson, Rhea,
& Alvar, 2005).
Fleck e Kraemer (1999) afirmam que os sistemas de treino de força foram
originalmente planejados por levantadores olímpicos de peso ou fisiculturistas,
entre os quais temos o sistema de tradicional (ST) e o sistema piramidal (SP).
Estes são realizados de forma empírica para melhoria de resultado em força,
potência ou hipertrofia muscular, portanto, são necessários mais estudos sobre
os sistemas de treino de força muscular, pois está diretamente relacionado ao
quotidiano de diversos profissionais de Educação Física em academias ou
ginásios, e principalmente, porque os praticantes concluem de facto que um
sistema funcione melhor do que outro. Actualmente, até o nosso conhecimento,
nenhum estudo comparou o aumento da força muscular entre os sistemas
tradicional e o piramidal durante treino de força muscular. Sendo assim, o
objectivo do presente estudo foi avaliar o efeito dos sistemas de treino
tradicional e o sistema piramidal ao longo de oito semanas de treino sobre o
desenvol-vimento da força muscular máxima.
MÉTODO
Amostra
Participaram deste estudo 18 voluntários do sexo masculino, selecionados
aleatoriamente em uma academia de ginástica do município do Rio de Janeiro.
Consideraram-se como critérios de elegibilidade: que os voluntários tivessem,
no mínimo, seis meses de experiência em treino de força muscular, que não
utilizassem qualquer recurso ergorgênico e que não apresentassem lesões
osteomioarticulares prévias. Estes foram classificados como indivíduos de baixo
risco, por apresentarem até um fator de risco para doença arterial coronariana
e não apresentarem qualquer sinal ou sintoma sugestivo de doença cardio-
pulmonar ou metabólica.
Todos foram previamente instruídos a não realizar exercício físico nas 24h
precedentes, não consumir bebida alcoólica e a manterem-se hidratados ao longo
dos testes. Os procedimentos experimentais tiveram início somente após o
consentimento verbal e a assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido, conforme aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Instituição
e todos os procedimentos utilizados respeitaram a Declaração de Helsinque de
1975. Os voluntários foram inicialmente submetidos a uma avaliação
antropométrica, seguida de um teste de 1RM de familarização (Ploutz-Snyder
& Giamis, 2001), e obedecendo a um intervalo mínimo de 48h, realizaram um
re-teste de 1RM. Todos os testes de 1RM foram realizados entre 17:00 e 19:00
horas. Nos intervalos entre as sessões de testes não foi permitida a realização
de exercícios, para não interferir nos resultados obtidos.
Instrumentos
Avaliação antropométrica
Esta constou da medida de massa corporal e estatura, realizada numa balança
mecânica com estadiômetro (Filizola, Brasil) e para tomada das medidas das sete
dobras cutâneas seguiram as técnicas descritas por Lohman (1992) através de um
compasso científico (Cescorf, Brasil). A partir destas medidas, calculou-se o
percentual de gordura e a massa livre de gordura usando as equações de Jackson
e Pollock (1978) para a estimativa da densidade corporal em homens,
respectivamente, combinada com a equação de Siri (1961).
Protocolo do teste de 1RM
Os testes de 1RM foram conduzidos conforme o protocolo proposto por Brown e
Weir (2001). Realizaram-se três a cinco minutos de atividades leves envolvendo
o grupamento muscular testado, e após um minuto de alongamento leve,
aquecimento de oito repetições a 50% de 1RM estimada pelo avaliador e seguido
de três repetições a 70% de 1RM estimada pelo avaliador. Após cinco minutos de
intervalo, realizou-se o teste de 1RM, acrescentando-se, quando necessário, .5
a 5.0 kg, totalizando três a cinco tentativas. Registrou-se como carga máxima
aquela levantada em único movimento. Todos os testes de 1RM foram conduzidos em
um equipamento Smith machine (Buick Industries, Brazil). Selecionaram-se os
exercícios de supino reto e agachamento pelo facto de se tratar de um movimento
pluriarticular, além de oferecerem um baixo risco de lesão.
Procedimentos
Teste Supino Reto
O teste partiu da posição inicial em decúbito dorsal no banco, joelhos
flexionados, com os pés sobre banco, cotovelos estendidos, ombros aduzidos
horizontalmente e a pegada na barra para cada avaliado foi padronizado a partir
do afastamento das mãos na largura dos ombros. A execução teve início com a
fase excêntrica limitado com os braços paralelos ao solo, na fase concêntrica
realizou-se a adução horizontal de ombros e extensão de cotovelos
simultaneamente retornando à posição inicial.
Teste Agachamento
O teste partiu da posição inicial em pé com a barra apoiada nas costas, com os
pés paralelos e as articulações do joelho e do quadril em extensão total. A
execução teve início com a fase excêntrica limitado com as coxas paralelas ao
solo, na fase concêntrica realizou-se a extensão de quadril e extensão de
joelho simultaneamente retornando à posição inicial.
Protocolo de Treino
Após a obtenção das cargas em 1RM, a inclusão dos indivíduos nos grupos foi
definida, alternadamente, pela técnica da aleatoriedade em dois grupos de nove
voluntários denominados: (1) grupo tradicional (GT) com a execução de 3 sets de
8 repetições a 75% de 1RM; e (2) grupo piramidal (GP) com a execução de 3 sets
de 10, 8 e 6 repetições a 70, 75 e 80% de 1RM, respectivamente. Cada grupo
realizou a sequência de exercícios estipulada em duas formas (tabela 1),
treinando quatro vezes por semana (segunda, terça, quinta e sexta), sendo
segunda e quinta, a sequência A, na qual eram trabalhados exercícios para
peitoral, tríceps braquial e abdômen; e, terça e sexta, a sequência B, que
consistia em exercícios para a região dorsal, bíceps braquial e membros
inferiores. Foram realizadas oito semanas de treino com quatro sessões
semanais. O intervalo entre as séries foi de 2 minutos e 48 horas de intervalo
entre as sequências e não foi acrescentada sobrecarga, como progressão do
treino. Antes de realizar o primeiro exercício na sequência adotada, foram
realizadas 12 repetições com 40% de 1RM como forma de aquecimento. Após oito
semanas de treino, realizaram novamente os testes de 1RM no exercício supino
reto e agachamento para comparar o desenvolvimento da força muscular máxima
(1RM) entre os métodos de treino e no instante pré e pós-treino.
Tabela 1
Sequências de exercícios durante oito semanas de treino
Análise Estatística
Para determinar a normalidade da distribuição, utilizou-se o teste Kolmogorov-
Smirnov, verificando-se que a amostra não seguiu uma distribuição gaussiana. A
análise estatística dividiu-se em descritiva e inferencial. A primeira buscou a
definição do perfil dos grupos, sendo expressa como média e desvio padrão,
enquanto a segunda buscou compará-los (inter e intragrupos). Com isso,
utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney para analisar a
significância intergrupo dos resultados comparativos dos sistemas de treino e
utilizou-se também o teste não paramétrico de pares ordenados de Wilcoxon para
comparar intragrupo a diferença entre os períodos pré e pós-treino. Adotou-se
em todos os testes empregados um valor de p < .05. Todos os procedimentos
estatísticos foram realizados em Statistica v.8 (Statsoft, EUA).
RESULTADOS
A tabela 2 apresenta as características físicas e antropométricas, cuja baixa
dispersão dos dados aponta para um grupo de voluntário bastante homogêneo,
apesar da distribuição não apresentar normalidade.
Tabela 2
Características físicas e antropométricas dos voluntários
Não se registrou nenhum problema osteomioarticular durante ou imediatamente
após qualquer teste, de forma que todos os voluntários chegaram à carga máxima
nos testes de 1RM em ambos os exercícios.
Portanto, tal qual exposto na tabela 3, demonstra-se a análise de significância
do teste de Mann-Whitney do resultado comparativo nos sistemas de treino
apresentando em média 125 ± 19 kg (GP) e 120 ± 17 kg (GT), constatando-se que a
diferença não foi significativa para o teste de 1RM no exercício supino reto.
Similarmente, o exercício agachamento resultou em 124 ± 18 kg (GP) e 120 ± 17
kg (GT). Apesar da tendência do aumento da carga de 1RM do GP em relação ao GT,
não apresentaram diferenças significativas para ambos exercícios (p > .05).
Tabela 3
Resultados comparativos entre os sistemas de treino na força muscular máxima
(1RM)
Finalmente, a análise dos dados do teste de Wilcoxon para amostras pares, que
permitiu comparar a diferença entre os períodos pré e pós-treino (tabela 4),
demonstrou que os sistemas de treino GP e GT não resultaram em diferenças
significativas para os testes de 1RM no exercício supino reto e agachamento. No
supino reto apresentou uma diferença média de 8 kg ou equivalente a 6.4% do
teste de 1RM para o GP e uma diferença média de 7 kg ou equivalente a 5% do
teste de 1RM para o GT, tal como, o exercício agachamento apresentou uma
diferença média de 5 kg ou equivalente a 4% do teste de 1RM para o GP e uma
diferença média de 7 kg ou equivalente a 6% do teste de 1RM para o GT.
Tabela 4
Resultados entre os períodos pré e pós-treino na força muscular máxima (1RM)
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou o efeito dos sistemas de treino tradicional e o
sistema piramidal ao longo de oito semanas de treino sobre o desenvolvimento da
força muscular máxima, na qual, não se registrou diferença significativa entre
os sistemas de treino tradicional e piramidal ao longo de oito semanas de
treino de força e nem entre os períodos pré e pós-treino, em relação à força
máxima dinâmica em ambos os exercícios, apesar da média do incremento de carga
no sistema de treino piramidal ter sido maior, o aumento da carga em ambos os
sistemas entre o período pré e pós-teste foram similares nos exercícios
investigados. Além disso, até o nosso conhecimento nenhum estudo comparou o
aumento da força muscular entre os sistemas tradicional e o piramidal durante o
treino de força muscular.
Apesar da falta de estudo sobre os diferentes tipos de sistemas de treino, um
estudo recente (Salles, Silva, Oliveira, Ribeiro, & Simão, 2008) comparou o
sistema piramidal crescente e decrescente sobre o número total de repetições
máximas em uma sessão de treino de força em catorze indivíduos experientes em
treino de força muscular. Todavia, não foi encontrada diferença entre as
repetições máximas totais realizadas nos dois sistemas de treino. Este
resultado corrobora com os do presente estudo, apesar dos sistemas de treino
serem diferentes.
O treino de força dinâmico de alta intensidade está relacionado a uma elevada
exigência do sistema nervoso em solicitar uma maior solicitação e frequência de
disparo das unidades motoras, consequentemente, aumento na força muscular
(Nosaka & Newton, 2002). O tempo exato para que ocorra um aumento da força
máxima, assim como, hipertrofia muscular significativa é divergente na
literatura, mas parece que oito semanas de treino de força muscular numa
frequência de três vezes na semana já é suficiente para aumento da carga de 1RM
para membros inferiores (Ibánez et al., 2008) e membros superiores (Moore et
al., 2004), bem como para a potência do salto vertical (Winchester et al.,
2008).
Kravitz, Akalan, Nowicki e Kinzey (2003) estudaram jovens atletas de
levantamento de peso, o tempo de experiência foi mais bem correlacionado (r =
.70) à 1RM que qualquer outra variável antropométrica, isto demonstra como esta
variável tem grande influência no desenvolvimento da força muscular. Em estudos
recentes, demonstraram que o tempo de experiência no mínimo de seis meses em
treino de força influenciou na predição na carga de 1RM (Materko, Neves, &
Santos, 2007; Materko & Santos, 2009) e um estudo clássico na literatura
(Moritani & De Vries, 1979), observou que o aumento agudo na força muscular
é ocasionado pela aprendizagem motora, isto devido à maior frequência de
descarga e pelo aumento no recrutamento das unidades motoras. Portanto, a
experiência em treino de força pode ser uma variável interveniente no resultado
do presente estudo, pois ambos os resultados não apresentaram diferenças
significativas entre os sistemas de treino tradicional e piramidal e entre os
períodos pré e pós-treino para os testes de 1RM em ambos os exercícios.
Além disso, estudos anteriores têm mostrado que inúmeros fatores ' como o nível
de condicionamento físico (Hoeger, Hopkins, Barette, & Hale, 1990), o
grupamento muscular (Hoeger, Barette, Hale, & Hopkins, 1987), sono (Blumert
et al., 2007), alimentação (Degoutte et al., 2006), ritmo cronobiológico
(Atkison & Reilly, 1996), motivação (Fry & Fry, 1999), recurso
ergogênico (Materko, Novaes, & Santos, 2008) e a fadiga muscular
(Willardson, 2007) ' interferem efetivamente na relação do ganho da força
muscular, resultando em distintas intensidades para dado número de repetições,
talvez, essas variáveis intervenientes influenciaram negativamente no resultado
do presente estudo.
Estudos anteriores (Aagaard et al., 2002; Petrofsky & Laymon, 2004), em
períodos a partir de oito semanas de treino de força são suficientes para
provocar ganho na força muscular, porém, em indivíduos experientes em treino de
força o ganho de força máxima dinâmica parece exigir um tempo maior de treino
devido à adaptação neural do treino (Brill, Macera, Davis, Blair, & Gordon,
2000), por isso, podemos observar que períodos até oito semanas de treino são
insuficientes para provocar um aumento na força muscular em indivíduos
treinados.
Buford, Rossi, Smith e Warren (2007) e Rhea et al (2003) observaram que dois
diferentes métodos de treino de força muscular, um com periodização linear e
outro com periodização ondulatória entre nove e quinze semanas com igual volume
e intensidade, respectivamente, não apresen-taram diferenças significativas na
força muscular entre os métodos estudados. De acordo com o presente estudo, o
não incremento de carga adicional durante o período estudado, pôde ter sido
fundamental para os resultados não serem significativos, apesar de estes não
avaliaram a força muscular máxima tal verificando no presente estudo.
Chilibeck, Calder, Sale e Webber (1998) estudaram o efeito do treino de força
muscular durante vinte semanas em dezanove mulheres com experiência em TCR, com
objectivo de comparar o ganho de força nos exercícios supino reto, leg press e
rosca bíceps, com isso, observou-se uma maior adaptação neural para os
exercícios de maior complexidade como o supino reto e leg press e,
consequentemente, um maior ganho na força muscular para o exercício rosca
bíceps, pois a adaptação neural foi mais rápida. Portanto, hipoteticamente, se
o presente estudo testasse exercícios de menor complexidade, talvez poderia ter
um resultado diferente.
Cabe apontar que o presente restringe-se a homens experientes em treino de
força, em exercícios pluriarticulares para avaliação dos sistemas de treino, um
período determinado de oito semanas e sem progressão da sobrecarga de treino.
Talvez, o incremento de carga nos exercícios em ambos os sistemas durante o
período de oito semanas poderia trazer resultados significativos.
Portanto, recomendam-se outras pesquisas relacionando sistemas de treino de
força, principalmente, em indivíduos com e sem experiência em treino de força
muscular, ambos os sexos, diferentes períodos de treino e progressão da
sobrecarga de treino.