Aferição das cargas a aplicar a nadadores no teste Wingate em cicloergómetro
No alto rendimento desportivo, o controlo do treino é uma tarefa de relevância
maior para os treinadores. Sem compreender o estado de forma dos desportistas
não é possível elaborar ou reorganizar o treino de forma direcionada (Bampouras
& Marrin, 2009). O controlo do treino incide em determinantes várias da
performance, das quais são exemplos a técnica e a tática, as determinantes
psicológicas, as biomecânicas e as fisiológicas. No âmbito das últimas, a
resistência cardiorrespiratória congrega atenção particular, quer na sua
componente aeróbia, quer na anaeróbia. Considerando o volume de pesquizas
realizadas, tem sido devotada maior atenção ao desenvolvimento da primeira, mas
tal não se deve à menor importância da segunda, nomeadamente porque quando o
esforço é exaustivo e de muito curta duração, o sistema anaeróbio suprime 100%
das necessidades energéticas, participação que vai reduzindo com o aumento do
tempo. Segundo Malina, Bouchard, e Bar-Or (2004), aos 90s, apenas 50% das
necessidades energéticas são supridas pelo sistema anaeróbio e dos 75 aos 90s
de esforço exaustivo, a contribuição energética anaeróbia decai para aumentar a
comparticipação aeróbia (Gastin, 2001). A aparente menor atenção dada à
componente anaeróbia reside, essencialmente, na grande dificuldade em a medir.
Para a avaliação da componente anaeróbia a literatura sugere vários testes, os
quais têm como objetivo principal estimar, ainda que de uma forma simplificada,
a capacidade muscular de suportar um esforço exaustivo. A duração desses testes
situa-se entre os 15 e 120s, pretendendo-se, com as durações de teste mais
curtas, avaliar a potência do sistema anaeróbio e, com as mais longas, a
capacidade do mesmo sistema. Dos testes mais frequentemente aplicados
salientam-se os testes de impulsão vertical (e.g., Sands et al., 2004), o teste
de degraus de Margaria (Margaria, Aghemo, & Rovelli, 1966) o teste yo-yo de
recuperação intermitente (e.g., Atkins, 2006), e o teste Wingate (e. g. Bar-Or,
1987).
A avaliação da performance anaeróbia é uma necessidade evidente na natação pura
desportiva. Nesta modalidade todas as provas que se situam entre os 50 e os
200m e que constituem a maioria dos eventos dos calendários mundial e olímpico
traduzem esforços de aparente domínio anaeróbio (Bar-Or, Unnithan, &
Illescas, 1994; Troup, 1999), pelo menos em adultos treinados. Neste sentido, a
avaliação do desempenho anaeróbio de nadadores assume particular importância,
quer no âmbito do controlo do treino, quer para um melhor entendimento do
rendimento desportivo. Contrariamente ao que seria desejável, o teste de
referência para avaliar o desempenho anaeróbio é o teste Wingate (Armstrong,
2001; Bar-Or, 1996a). Este teste carece de especificidade para nadadores,
particularmente na sua versão original (em cicloergómetro), mas o seu uso na
natação é recorrente, o que se deve à sua facilidade de aplicação e ao facto de
ainda nenhum teste alternativo, mais específico e realizado em água, ter
reunido reconhecimento suficiente para ser tomado como nova referência.
O teste Wingate implica o uso de cargas de resistência que têm como referência
o valor padrão de 7.5% do peso corporal (e.g., Zupan et al., 2009) ou outros
valores já utilizados em populações de não nadadores e tendencialmente mais
elevados do que aquele (Inbar, Bar-Or, & Skinner, 1996). A escolha da carga
de resistência correta é um detalhe ao qual se deve dar uma enfase particular,
dado que se o valor de resistência for superior ou inferior ao valor ótimo a
aplicar, os valores de output da potência serão inferiores ao valor real
(subestimados), uma vez que a potência varia em U invertido com a resistência,
tal como acontece com a força e a velocidade (Sargeant, 1989). Mesmo sendo o
teste Wingate vastamente utilizado no contexto da natação, não foi possível
encontrar na literatura valores de referência relativos à carga de resistência
a aplicar a nadadores, nem tão pouco protocolos para a sua determinação. Tal
acresce um novo problema ao uso deste teste, que é o da possibilidade de
subestimar o desempenho anaeróbio dos nadadores por incorreta aferição da carga
de resistência.
O objetivo do presente estudo foi o de determinar a carga de resistência ótima
indutora dos valores máximos de potência máxima e média, expressa em
percentagem do peso corporal, a aplicar a nadadores no teste Wingate realizado
em cicloergómetro. O estudo partiu da hipótese de que o valor da carga de
resistência ótima para nadadores é superior ao valor padrão de 7.5% do peso
corporal, quer para o sexo masculino, quer para o sexo feminino.
MÉTODO
Participantes
Catorze nadadores, sete do sexo masculino (Idade: 16.57 ± 0.53 anos; altura:
171.57 ± 2.99 cm; peso: 65.71 ± 2.81 kg) e sete do sexo feminino (idade: 16.29
± 0.49 anos; altura: 162.43 ± 1.72 cm; peso: 48.29 ± 3.20 kg), participaram
voluntariamente no estudo. O grupo incluía nadadores de provas de velocidade
(n= 10), de fundo (n= 3) e de ambas as distâncias (n= 1), especialistas em crol
(n= 4), mariposa (n= 4), costas (n= 2), bruços (n= 1) e estilos (3). O melhor
tempo de nado registado em competição aos 100m livres foi de 59.03 ± 1.72 s
para os nadadores e de 69.14 ± 1.72 s para as nadadoras.
Instrumentos e Procedimentos
O protocolo de avaliação foi constituído por duas partes, ambas realizadas numa
bicicleta ergométrica (MonarkTM, Sports Medicine Industries, Minnesota, USA) de
frenagem mecânica. Na primeira parte do protocolo os nadadores realizaram n
repetições de 10s de pedalagem no cicloergómetro à máxima velocidade. A
primeira repetição foi realizada com uma carga de resistência de 7.5% do peso
corporal e as restantes aumentadas e diminuídas aleatoriamente em frações de
0.5% do peso corporal. O intervalo entre cada repetição foi de 15 min e o teste
terminou assim que foi determinada a carga de resistência correspondente ao
valor mais elevado de potência máxima (Pmax), considerada como a carga de
resistência ótima (Ropt) a aplicar ao nadador no teste Wingate. Na segunda
parte do protocolo os nadadores realizaram três repetições do teste Wingate
(Bar-Or, 1996b). O teste Wingate consistiu em 5s de pedalagem, à velocidade
máxima e sem resistência, seguidos de 30s de pedalagem à velocidade máxima,
contra a resistência aplicada pelo grupo de investigadores: (i) com a Ropt
determinada no pré-teste; (ii) com a Ropt+0.5% do peso corporal; (iii)
Ropt−0.5% do peso corporal. A aplicação dos três níveis de resistência foi
aleatória entre os sujeitos da amostra. O intervalo entre cada teste foi de 30
min. Os sujeitos foram encorajados verbalmente durante o teste.
Análise Estatística
O tratamento estatístico dos dados foi realizado no programa SPSS 18. A
normalidade das amostras foi garantida previamente à realização de todas as
comparações. A comparação dos valores médios de Ropt que induziram os valores
máximos de Pmax e de potência média (Pmed) foi realizada através de um t teste
de medidas repetidas. As diferenças entre sexos foram testadas usando um t
teste de medidas independentes. A comparação dos valores médios de Pmax e de
Pmed obtidos nos três testes Wingate foi realizada utilizando um teste ANOVA
univariado, tendo sido a homogeneidade das amostras previamente garantida pela
estatística de Levene. Em todos os testes comparativos efetuados, o nível de
significância foi estabelecido em 5%.
RESULTADOS
Os valores individuais da carga de resistência aplicados no teste de nx10s e os
valores correspondentes de Pmax e Pmed podem ser observados na Figura_1. O
valor de Ropt individual determinado correspondeu ao valor mais elevado, quer
de Pmax, quer de Pmed.
Os valores médios de Ropt e respetivas Pmax e Pmed podem ser observados na
Tabela_1. Não se verificaram diferenças entre os valores médios de Ropt que
despoletaram os valores mais elevados de Pmax e de Pmed. As diferenças também
não foram significativas entre sexos, em todas as variáveis. A Ropt necessária
para despoletar os valores máximos de Pmax (nadadores: 9.50 ± 0.65%; nadadoras:
9.86 ± 1.18%) e de Pmed (nadadores: 9.43 ± 0.61; nadadoras: 9.86 ± 1.18) foi
superior ao valor padrão de 7.5%.
Na Figura_2 é possível observar os valores individuais de Pmax e Pmed obtidos
no teste Wingate quando foi aplicada a Ropt e a Ropt aumentada e diminuída em
0.5% do peso corporal. Observa-se que a expressão da variação da resistência
com a Pmax segue a forma de U invertido para todos os sujeitos testados
(excetuando um nadador), tendo o valor da carga de resistência ótima
correspondido ao valor central e mais elevado de Pmax. Na análise da variação
da resistência com a Pmed foi encontrada a mesma expressão gráfica (U
invertido), exceto em duas nadadoras e quatro nadadores.
Os valores médios de Pmax e Pmed, obtidos nos três testes Wingate, quando foi
aplicada a carga de Ropt pré-determinada no teste de nx10s e a carga ótima
aumentada e diminuída em 0.5% do peso corporal, podem ser observados na Tabela
2.
Os valores médios da Pmax obtidos com a Ropt foram significativamente mais
elevados que os obtidos com a Ropt subtraída em 5% do peso corporal, quer para
os nadadores (p= .011), quer para as nadadoras (p=.01). O mesmo não se
verificou, contudo, em relação à Ropt aumentada em 5% do peso corporal. Não se
observaram diferenças (p> .05) nos valores da Pmed obtidos com as três cargas
de resistência nos nadadores de ambos os sexos.
DISCUSSÃO
Com o presente estudo pretendeu-se determinar a carga de resistência, expressa
em percentagem do peso corporal, a aplicar a nadadores no teste Wingate
realizado em cicloergómetro. Determinou-se que a referida carga é superior a
7.5%, o valor de referência para o teste.
Desconhecendo-se qualquer valor de carga de resistência aferida para nadadores,
bem como a forma de a determinar, reuniu-se uma amostra de nadadores de ambos
os sexos, antevendo eventuais diferenças entre rapazes e raparigas, e utilizou-
se um teste prévio de nx10s para determinar a carga ótima de resistência a
aplicar no teste Wingate. A escolha do tempo de duração de 10s para o pré-teste
baseou-se no facto de ser neste intervalo de tempo que, no teste Wingate, se
manifesta o valor máximo de potência. Neste teste, a partir dos 10s a potência
tende a decair. O teste de nx30s foi escolhido enquanto teste confirmatório do
valor determinado em pré-teste. Sabendo que a potência varia com a carga de
resistência segundo uma distribuição em U invertido (Sargeant, 1989), um valor
de pré-teste aferido, quando acrescido e diminuído de carga, deverá produzir
valores inferiores de potência. A potência muscular resultante de um esforço de
curta duração, como é o utilizado no teste Wingate é resultante de fatores como
o contributo das vias energéticas, a eficiência da transformação energética, a
arquitetura e tamanho dos músculos envolvidos no esforço e os padrões e
coordenação de recrutamento muscular. A potência máxima está predominantemente
dependente do fornecimento energético muscular intrínseco e da velocidade da
contração muscular (Sargeant, 1989). A relação entre a força e velocidade de
contração é curvilínea e inversa. A potência, que é o produto das outras duas,
tem uma relação similar (mais hiperbólica que curvilínea) com a velocidade, o
que significa que contrair a maior ou menor velocidade do que a velocidade de
contração ótima reduz a potência (Sargeant, 1989). Uma vez que a carga de
resistência condiciona a velocidade de contração, se se pretende medir a
verdadeira potência máxima, é importante usar a carga externa mais ajustada, ou
o valor de potência máxima resultante estará subestimado em relação ao máximo
real (Sargeant, 1989).
O teste Wingate é, desde há muito tempo, o teste mais popular (Williams, 1997)
e o mais utilizado na avaliação do desempenho anaeróbio (Armstrong, 2001; Bar-
Or, 1996a), mesmo em modalidade com expressão mecânica completamente distinta
do ato de pedalagem. A carga de resistência padrão utilizada no teste original
(Inbar et al., 1996) e ainda usualmente aplicada é de 7.5% do peso corporal.
Contudo, há muito que alguns estudos, nomeadamente o de Dotan e Bar-Or (1983),
deixaram antever que este valor pode não ser o mais indicado para populações
distintas de desportistas. Estes autores referiram que os valores de
resistência ótima são menores para crianças, comparativamente com os adultos, e
menores para as raparigas, comparativamente com os rapazes. Num artigo de
revisão sobre a avaliação da performance anaeróbia por meio de cicloergómetro,
Williams (1997) referiu que a predição do valor de resistência ótima, para
sujeitos com massas, volumes e crescimento diferentes é difícil, mas, na lógica
da tendência observada para o desporto em geral, também não foi possível
encontrar na literatura valores de referência relativos à carga de resistência
a aplicar a nadadores no teste Wingate, nem tão pouco protocolos para a sua
determinação. Os resultados do presente estudo mostraram que o valor padrão de
carga de resistência de 7.5% não é o mais indicado para nadadores, mas as
diferenças entre sexos não se verificaram. Possivelmente, as diferenças de
performance, na presente amostra, não foram suficientes para distinguir a Ropt
a utilizar com nadadores e com nadadores, ou, na presente modalidade, esta
distinção entre sexos não é tão evidente quanto seria de esperar. Estudos
futuros são necessários para confirmar as hipóteses levantadas.
O teste de nx10s mostrou-se adequado para a determinação da carga ótima de
resistência a aplicar a nadadores quando foi avaliada a Pmax produzida pelas
cargas pré-determinadas. Todos os sujeitos avaliados, exceto um, atingiram os
valores mais elevados de Pmax com o valor de carga de resistência anteriormente
determinado no teste de nx10s (Ropt). A mesma afirmação já não pode ser
proferida, contudo, para a Pmed, porque a variação da potência com a
resistência em forma de U invertido não foi observada em duas nadadoras e
quatro nadadores, o que constitui aproximadamente 50% da amostra, uma
percentagem francamente não negligenciável e que leva a considerar a
possibilidade de o teste ter que ser aferido se a pretensão for determinar, não
a Pmax, mas a Pmed. Refira-se, no entanto, que, na generalidade, é o valor da
Pmax que se pretende obter quando se realiza o teste Wingate, dado ser este o
tomado como indicador de capacidade anaeróbia.
A análise comparativa dos valores médios de Pmax e Pmed obtidos com a carga de
Ropt pré-determinada no teste nx10s e a carga ótima aumentada e diminuída em
0.5% do peso corporal evidenciou, apenas para a Pmax, diferenças significativas
entre a Ropt e a Ropt diminuída em 5% do peso corporal. Este resultado parece
evidenciar que, em termos médios, pequenos desvios no cálculo da Ropt parecem
não afetar significativamente os resultados máximos da Pmax e da Pmed, isto
apesar de a inspeção dos resultados individuais ter produzido, pelo menos na
Pmax, a esperada variação da potência com a resistência em forma de U
invertido. A quase ausência de diferenças significativas entre os valores de
Pmax e de Pmed produzidas pelas três cargas de resistência tem, contudo, de ser
lida com particular atenção, nomeadamente porque os valores individuais de
potência dos sujeitos foram muito distintos, o que originou valores de desvio
padrão muito elevados. Uma amostra de tamanho superior à do presente estudo
seria necessária para atenuar o efeito da variação entre sujeitos. Em
acréscimo, este resultado permite ainda evidenciar a importância de, em
contexto de treino, os valores médios de potência terem uma capacidade
interpretativa moderada. Os valores médios são interessantes para caracterizar
grupos de sujeitos, comportamentos, respostas ou tendências. Um valor médio é
um valor de referência. No âmbito do planeamento e do controlo do treino,
espera-se que o nadador apresente valores de potência máxima no teste Wingate
(indicador de capacidade anaeróbia) que se conhecem como sendo de referência
para a população em que ele se insere. No caso presente, espera-se que um
nadador com características similares aos da presente amostra necessite de
cargas de resistência de cerca de 10% do seu peso corporal, para que a sua
potência máxima, obtida através do teste Wingate, não seja subestimada. O valor
médio permite ainda ao treinador classificar o seu nadador no seio da sua
população, percebendo se a potência máxima por ele produzida (i.e., a sua
capacidade anaeróbia) está mais aquém ou mais além do esperado (ex: é dotado de
maior ou menor capacidade anaeróbia do que a média dos nadadores que são seus
adversários). Contudo, para o planeamento específico de cargas de treino e para
o controlo das melhorias da potência, o treinador tem que analisar os valores
individuais e planear em função do nível de desenvolvimento da capacidade
anaeróbia esperado para cada nadador. Se utilizar valores médios corre o risco
de induzir uma estimulação que pode estar aquém ou além do estado de
performance do seu nadador.
CONCLUSÕES
Em conclusão, o presente estudo veio mostrar que o valor de carga de
resistência de 7.5% não deve ser utilizado quando o teste Wingate é realizado
com nadadores. O valor da carga para os nadadores da presente amostra
aproximou-se dos 10%, mas a realização da aferição a nível individual,
realizando um teste de nx10s, parece ser um procedimento razoável.
Os resultados do presente estudo têm implicações práticas positivas no âmbito
da otimização do controlo de treino de nadadores. A realização do teste Wingate
com cargas de resistência inferiores à carga de resistência ótima, nomeadamente
utilizando o valor padrão de 7.5%, induz a subestimação dos valores das
potência máxima e média, podendo levar o treinador a concluir que os seus
nadadores necessitam de um estímulo de treino superior para desenvolver o seu
potencial anaeróbio. Neste sentido, quanto melhor for aferida a carga de
resistência no teste, mais aferido será também o resultado em termos de
expressão da potência do nadador e melhor serão ajustadas as séries de treino
para desenvolvimento da potência e capacidade anaeróbias. Futuramente seria
importante realizar o pré-teste de nx10s tendo como referencial a determinação
da Pmed, no sentido de validar a sua aparente utilidade na determinação da
expressão máxima desta variável. Seria igualmente importante perceber se o
mesmo teste poderá ser utilizado em nadadores de outros escalões competitivos,
utilizando amostras maiores do que a do presente estudo, no sentido de atenuar
a amplitude da variação entre os sujeitos.