Instrumentos eletrónicos para avaliar atividade física em crianças: Uma revisão
sistemática
A prática regular de atividade física (AF) promove benefícios à saúde das
crianças (Bailey, McKay, Mirwald, Crocker, & Faulkner, 1999; Boreham et
al., 2004; Freedman, Dietz, Srinivasan, & Berenson, 1999; Strong et al.,
2005). Além disso, crianças fisicamente ativas tendem a manter esse
comportamento na vida adulta, promovendo desfechos positivos à saúde
(Paffenbarger Jr et al., 1993; Pate et al., 1995; Strong et al., 2005; Twisk,
2001). A atividade física em crianças resulta de uma combinação complexa de
eventos estruturados ou não estruturados, planeados ou eventuais, que pode ser
realizada individualmente ou em grupos, na escola, em competições, em casa ou
no lazer (Dollman et al., 2009; Welk, Corbin, & Dale, 2000).
A avaliação da prática de atividade física, em crianças, pode ser realizada por
métodos diretos ou autorreportados (Ridley, Ainsworth, & Olds, 2008).
Atualmente, existem diversos métodos autorreportados disponíveis para avaliar
atividade física em adultos (Craig et al., 2003), adolescentes e crianças
(Barros et al., 2007; Guedes, Lopes, & Guedes, 2005; Kowalski, Crocker,
Donen, & Honours, 2004; Ridley et al., 2008; Sirard & Pate, 2001). As
maiores vantagens no uso destes métodos são o baixo custo, a fácil aplicação e
a agilidade na coleta de dados (Cale & Harris, 1994).
Na última década, a revolução tecnológica, proporcionou o avanço do uso de
métodos eletrónicos (via internet), para avaliar diversos desfechos
relacionados à saúde (Arab et al., 2010; Davis, 1999), inclusive à atividade
física (Maher & Olds, 2011; McLure, Reilly, Crooks, & Summerbell, 2009;
Olds, Ridley, Dollman, & Maher, 2010; Ridley, Olds, & Hill, 2006).
Assim, torna-se necessário analisar a qualidade das medidas obtidas por meio de
instrumentos eletrónicos (Apovian et al., 2010; Chen & Li, 2010; Vereecken,
Covents, Matthys, & Maes, 2005). A aplicação de um questionário eletrónico
apresenta vantagens como acesso imediato ao banco de dados, dispensa a fase de
digitação das informações, reduz o custo com a impressão dos formulários,
proporciona maior velocidade na coleta das informações e, ainda, pode despertar
maior atratividade às crianças no momento do preenchimento (Gwaltney, Shields,
& Shiffman, 2008; Kongsved, Basnov, Holm-Christensen, & Hjollund, 2007;
Omote, Prado, & Carrara, 2005). Apesar dessas vantagens, são escassas as
informações sobre a qualidade e a confiabilidade dos dados oriundos da
aplicação de questionários eletrónicos, principalmente, no campo da Educação
Física.
Nesse sentido, trata-se de um desafio agregar recursos tecnológicos, como a
informática e internet, na coleta de informações sobre a prática de atividade
física em crianças. Diante do exposto, esta revisão sistemática teve como
objetivos: i) identificar estudos que usaram instrumentos eletrónicos para
avaliar a prática de atividade física em crianças e ii) verificar as evidências
de validade e fidedignidade destes instrumentos.
MÉTODO
Critérios de seleção dos estudos
A presente revisão sistemática foi realizada observando os procedimentos
metodológicos da The Cochrane Collaboration (Cochrane, 2012). O processo de
busca foi realizado utilizando-se dos seguintes descritores: online
questionnaire; web questionnaire; physical activity; motor activity; children;
child. As buscas foram realizadas nos idiomas inglês e seus correlatos da
língua portuguesa, utilizando-se os operadores booleanos and e or.
Pesquisas adicionais foram realizadas nas referências dos artigos selecionados.
Para a revisão foram incluídos artigos que apresentaram os seguintes
requisitos: a) utilização de instrumento eletrónico para avaliar a atividade
física; b) envolveram amostras de crianças com idades entre 7 e 14 anos; c)
somente artigos originais; d) artigos publicados nos idiomas inglês e
português. Foram excluídos livros, capítulos de livros, monografias,
dissertações, teses, artigos de revisão, resumos, cartas ao editor e
editoriais. Além disso, estudos que utilizaram amostras de crianças com
necessidades especiais.
Bases de dados e estratégia de pesquisa
As buscas dos artigos foram conduzidas em três etapas nas principais bases de
dados eletrónicas disponíveis (Scopus, PsycINFO, SPORTDiscus, Web of Science,
ScienceDirect, Medline, Scielo e Lilacs) compreendendo um intervalo temporal
entre janeiro de 2000 e julho de 2011. Na primeira etapa foram selecionados
todos os artigos que continham em seu título algum dos descritores utilizados
nas buscas. Nessa etapa foram localizados 962 artigos nas seguintes bases de
dados (ver Figura_1): Scopus (n= 328), Psycinfo (n= 5), SportDiscus (n= 8), Web
of Science (n= 198), ScienceDirect (n= 375), Medline (n= 44), Scielo (n= 2),
Lilacs (n= 2).
Após a leitura dos títulos, os pesquisadores excluíram 923 artigos, por não
terem relação com o tema. A segunda etapa compreendeu a realização da leitura
dos resumos (n= 39, 4%), ao final dessa etapa foram eliminados 13 artigos,
sendo: 12 artigos de revisão da literatura e um estudo realizado com grupo de
crianças com necessidades especiais. Consequentemente, os pesquisadores
selecionaram 26 (2.7%) artigos que para serem lidos na íntegra. Após a leitura
desses manuscritos, foram selecionados oito artigos (0.8%) que atenderam aos
critérios de inclusão; além desses, foram incluídos mais três estudos, que
foram localizados a partir das referências dos artigos previamente
selecionados.
As buscas dos artigos foram realizadas por dois pesquisadores de maneira
independente. Ao final de cada etapa os pesquisadores realizaram uma reunião
para discutir a inclusão ou exclusão dos estudos. Nesse processo, os itens que
apresentaram concordância entre os dois pesquisadores foram considerados
adequados e incluídos na revisão; entretanto, quando houve divergência entre os
dois pesquisadores quanto à inclusão ou exclusão de algum estudo, consultou-se
a opinião de um terceiro pesquisador.
Avaliação da qualidade metodológica e extração dos dados
Para a coleta dos dados e avaliação da qualidade metodológica dos estudos, foi
elaborada uma tabela sinóptica, na qual foram inseridas informações detalhadas
sobre cada estudo incluído na revisão: a) ano de publicação; b) instrumento
eletrónico utilizado; c) faixa etária das crianças; d) método de seleção
amostral; e) cálculo amostral; f) período de referência da medida de AF; g)
método de referência adotado para comparação; h) número de sujeitos; i) tipo de
validade analisada; j) procedimentos estatísticos para testar a validade; e, l)
procedimentos estatísticos para testar a reprodutibilidade do instrumento.
RESULTADOS
Dos 11 artigos selecionados para esta revisão, oito utilizaram em suas amostras
crianças australianas (Maher & Olds, 2011; Olds et al., 2010; Ridley,
Dollman, & Olds, 2001; Ridley, et al., 2006) e canadenses (Lévesque, Cargo,
& Salsberg, 2004; Storey et al., 2009; Storey & McCargar, 2012;
Woodruff & Hanning, 2010). A idade média das crianças variou de 8.8 a 14
anos. Seis estudos realizaram procedimentos de seleção amostral probabilístico
(Maher & Olds, 2011; McLure et al., 2009; Olds et al., 2010; Pearce,
Williamson, Harrell, Wildemuth, & Solomon, 2007; Ridley et al., 2006;
Storey & McCargar, 2012), os demais utilizaram processo de amostragem por
conveniência ou intencional, apenas um estudo relatou ter realizado o cálculo
do tamanho da amostra (Pearce et al., 2007).
O período de referência da coleta das medidas de atividade física obtida por
meio dos acelerómetros variou de um dia (Ridley et al., 2001, 2006), 2 dias
(Moore et al., 2008) e 5 dias (McLure et al., 2009). Para a maioria dos estudos
que empregaram um questionário eletrónico, o período de referência para as
medidas de atividade física foi o recordatório do dia anterior (Moore et al.,
2008). O tempo despendido em atividade física moderada e vigorosa foi utilizado
como referência na maior parte dos estudos (McLure et al., 2009; Moore, et al.,
2008). O método de referência mais utilizado para comparar as medidas de
atividade física foi o acelerómetro seguido do pedómetro (Moore et al., 2008).
A Tabela_1 apresenta as principais características dos estudos que utilizaram
questionários eletrónicos para avaliarem a atividade física (AF) em crianças.
Dos 11 estudos analisados (ver Tabela_1), quatro realizaram a validação das
medidas de AF obtida por meio de questionários eletrónicos versus as medidas de
AF obtidas por acelerómetros (McLure et al., 2009; Moore et al., 2008; Ridley
et al., 2001, 2006), as correlações encontradas variaram de fraca (Pearce et
al., 2007) a moderada intensidade (Olds et al., 2010). Três estudos (Maher
& Olds, 2011; Olds et al., 2010; Storey & McCargar, 2012) utilizaram as
medidas de AF obtidas pelo pedómetro para validar as informações obtidas pelos
questionários eletrónicos. Dois estudos relataram apenas a validade de conteúdo
(Lévesque, et al., 2004; Pearce, et al., 2007). Medidas adicionais de AF,
aptidão aeróbia e frequência cardíaca, foram coletadas para realizar a validade
convergente dos instrumentos eletrónicos (Ridley et al., 2001; Storey &
McCargar, 2012).
Quanto aos procedimentos de reprodutibilidade, os coeficientes de correlações
intraclasse variaram de .75 a .98; destes, dois estudos adotaram estratégias
estatísticas diferentes para determinar a precisão das medidas de AF obtidas
pelo questionário eletrónico versus as medidas de AF obtidas pelo acelerómetro
(Moore et al., 2008a; Ridley et al., 2006). Nesse particular, os autores
relataram que os questionários eletrónicos subestimaram a AF de moderada
intensidade com um erro sistemático de menos 4 minutos nessas medidas (Moore et
al., 2008). A Tabela_2 apresenta um sumário sobre as evidências de validade e
reprodutibilidade dos estudos.
DISCUSSÃO
No processo de revisão sistemática foram encontrados 11 artigos que utilizaram
questionários eletrónicos para avaliar AF em crianças. Dentre eles, seis
estudos (54.5%) realizaram os procedimentos de validade com medidas diretas de
AF (acelerómetros ou pedómetros), os procedimentos de reprodutibilidade teste e
reteste, foram realizados em apenas quatro estudos (36.3%). Isso demonstra a
escassez de estudos dessa natureza, tanto na literatura nacional, quanto
internacional.
Embora os estudos selecionados para esta revisão apresentem diferenças nas suas
metodologias, nos critérios das medidas de AF e nas análises estatísticas, a
maioria concluiu que os questionários eletrónicos desenvolvidos são ferramentas
inovadoras, de fácil aceitação por parte das crianças e apresentam potencial
para avaliar o envolvimento das crianças na atividade física de forma ampla.
A identificação das propriedades psicométricas adequadas, validade e
reprodutibilidade, são requisitos indispensáveis, quando se pretende utilizar
esses instrumentos (Olds et al., 2010). A maioria dos estudos analisados nesta
revisão demonstrou que os questionários eletrónicos apresentaram baixas
correlações com as medidas diretas (acelerómetros e pedómetros).
Valores de correlação mais elevadas foram encontrados quando se comparou as
medidas de AF obtidas pelo questionário Multimedia Activity Recall for Children
and Adolescents (MARCA), com as medidas de AF obtidas por meio dos pedómetros e
acelerómetros (Olds et al., 2010; Storey & McCargar, 2012) e ainda quando
utilizaram o período recordatório de AF de um dia. Isso se explica pelo fato de
que em crianças, o monitoramento diário sobre o comportamento de AF pode
superar problemas de recordatório de memória (Cale & Harris, 1994), sendo
que essa informação pode ser corroborada pelos dados de Ridley et al. (2006),
em que afirmam que períodos entre um e três dias melhoram significativamente a
validade dos questionários que medem AF. Quando efetuados procedimentos de
validação convergente, as correlações observadas entre os métodos foram fracas
(r= .28) para ambos os estudos (Olds et al., 2010; Storey & McCargar,
2012).
Em geral, os questionários eletrónicos apesar de apresentarem baixa validade
para uso individual, no entanto, os mesmos podem coletar informações detalhadas
quanto ao tipo, frequência, duração e o contexto onde essas atividades são
realizadas pelas crianças, sobretudo, em estudos epidemiológicos, de
intervenção ou de acompanhamento (Maher & Olds, 2011; Olds et al., 2010;
Storey & McCargar, 2012). Igualmente, esses resultados são consistentes com
outros estudos que utilizaram instrumentos tradicionais, como papel e caneta
(Da Costa, 2011; Kowalski, Crocker, & Kowalski, 1997).
Dessa forma, dos 11 estudos analisados nesta revisão, cinco relataram o uso de
procedimentos estatísticos adequados de reprodutibilidade. Os valores de
correlação intraclasse relatados nos estudos foram elevados (Moore, et al.,
2008). Isso demonstra que os instrumentos eletrónicos possuem uma excelente
estabilidade temporal. Esses resultados são superiores aos encontrados em
outros estudos (Barros, Assis, Pires, Grossemann, Vasconcelos, Luna &
Barros, 2007; Costa, 2010).
Os questionários eletrónicos estão gradativamente sendo incorporadas nas
pesquisas epidemiológicas. De fato, isso deve contribuir para o avanço dessa
área do conhecimento, sobretudo, com crianças, pois, permite que escolas que
possuam uma sala equipada com computadores e com acesso a internet, possam
realizar diagnósticos, com economia de tempo e recursos financeiros. Embora
ainda tenhamos grandes desafios a enfrentar quando se trata de usar dados
autorreportados, o uso de instrumentos eletrónicos, pode proporcionar uma série
de vantagens, dentre as quais podemos destacar: a garantia de anonimato
oferecido pelas ferramentas baseadas na web, a atratividade, a flexibilidade, a
agilidade nas coletas e armazenamento dos dados. Tudo isso faz com que os
questionários eletrónicos sejam uma opção prática e eficiente para a coleta de
informações sobre os comportamentos de atividade física em crianças.
Apesar das estratégias de busca dos artigos terem sido realizadas nas
principais bases de dados indexadas, esse procedimento não descarta a
possibilidade de algum manuscrito ter ficado fora dessa revisão. Dentre as
limitações desse estudo podemos destacar o pequeno número de artigos incluídos
na revisão e a dificuldade em delimitar a faixa etária para as buscas, pois no
idioma inglês a definição de criança (children), pode englobar sujeitos de
idades de 5/6 anos até 14 anos. Esse detalhe dificultou a seleção dos estudos a
serem incluídos na revisão, impossibilitando a utilização de critérios de
inclusão mais rigorosos.
CONCLUSÕES
O baixo número de artigos encontrados sobre o tema evidencia a escassez de
estudos relacionados aos questionários eletrónicos para avaliar atividade
física em crianças. De um modo geral, a maioria dos estudos analisados nesta
revisão demonstrou que os questionários eletrónicos apresentaram correlações
fracas ou moderadas com medidas objetivas.
Dos 11 estudos analisados nesta revisão, cinco relataram o uso de procedimentos
estatísticos adequados de reprodutibilidade. Os valores de correlação
intraclasse relatados nos estudos foram elevados. Além disso, a maioria dos
autores destacou que os questionários eletrónicos oferecem algumas vantagens
sobre os instrumentos impressos, pois, são ferramentas inovadoras e úteis para
avaliar atividade física em crianças, o seu tempo de aplicação é reduzido,
sobretudo, porque podem ser mais atraentes para as crianças preencherem.
Portanto, os autores desse estudo sugerem que os questionários eletrónicos são
ferramentas úteis para avaliar a prática da AF em crianças.