Caraterização da transição defesa-ataque de uma equipa de Futebol
INTRODUÇÃO
O Futebol é um jogo desportivo coletivo no qual a sua dinâmica resulta da
competição entre duas equipas pela conquista da posse da bola, com o de
objetivo introduzir a bola o maior número de vezes possível na baliza
adversária e evitar que esta entre na sua própria baliza (Castelo, 2009). Face
aos constantes ajustes no comportamento dos 22 jogadores para potenciar a ação
de uma equipa em relação ao adversário, o jogo de Futebol encerra uma grande
complexidade de relações que lhe permitem ter uma dinâmica própria mas de
resultado sempre imprevisível. Ao longo dos anos tem existido uma tentativa de
tornar a fronteira do desconhecido cada vez menor, já que uma decisão errada
pode significar a derrota (Oliveira, 1993). Neste sentido, o esforço para
entender os fatores que permitem aos atletas e às equipas alcançar melhores
níveis de performance, tem sido um dos focos da investigação da análise de
jogo, Psicologia do Desporto, Fisiologia e Biomecânica (Glazier, 2010).
No Futebol, a análise de jogo é uma tarefa que ganha cada vez mais
preponderância no planeamento e preparação das equipas. Os treinadores têm
aumentado a informação sobre o desempenho individual, ou coletivo, através de
vários métodos, que vão desde a análise notacional utilizando lápis e papel
(Hughes & Franks, 2004) até à tecnologia de vídeo-computorização, ou à
captura em tempo real de variáveis posicionais (Carling, Bloomfield, Nelsen,
& Reilly, 2008). A análise de jogo é atualmente considerada pelos
especialistas, um momento imprescindível e fundamental do processo de
preparação nos jogos desportivos coletivos (Moutinho, 1991), bem como um
processo de vital importância para o fornecimento de feedback no decorrer do
treino e também do jogo/competição (Franks, 1997). Desta forma, tanto a
observação e análise de jogo da própria equipa como do adversário, constituem-
se como momentos de grande relevância na preparação das equipas e dos
jogadores.
A exploração de informação sobre os adversários, normalmente designada por
Scouting, tem sido usada pelos treinadores para identificar tendências de jogo
do próximo adversário e deste modo preparar a sua equipa para o confronto
(Franks, 1997; McGarry & Franks, 2003). O Scouting é um processo de análise
da performance individual e coletiva, que visa dotar o treinador de informações
sobre o adversário, capacitando-o para o desenvolvimento estratégico-tático de
um jogo (Hughes & Franks, 2008). No entanto, a variabilidade de
comportamentos que jogadores e equipas demonstram, quando jogam contra
diferentes adversários em diferentes jogos, dificulta a tarefa de identificar
assinaturas de desempenho, ou seja, traços comuns de comportamento que se
manifestam ao longo de vários jogos (McGarry, Anderson, Wallace, Hughes, &
Franks, 2002). McGarry et al. (2002) sugere que para uma válida descrição do
comportamento de uma equipa enquanto sistema, há que identificar padrões de
coordenação espácio-temporais inter e intra-equipa, que caracterizem os
desportos de equipa como sendo sistemas dinâmicos auto-organizados.
Em termos metodológicos identificar e interpretar as relações existentes entre
jogadores, foi na última década, um desafio para a análise de performance em
desportos coletivos. Vários estudos foram desenvolvidos, com o objetivo comum
de perceber relações interpessoais intra-equipa (i.e., entre jogadores da mesma
equipa) e inter-equipa (i.e., entre jogadores de diferentes equipas) (e.g.
Travassos, Araújo, Vilar, & McGarry, 2011; Vilar, Araújo, Davids, &
Travassos, 2012), bem como relações entre equipas, em relação ao contexto
competitivo (e.g. Duarte et al., 2012; Sampaio & Maçãs, 2012; Travassos,
Araújo, Duarte, & McGarry, 2012). Apesar das diferenças entre níveis de
análise, o objetivo dos diferentes estudos foi comum: identificar padrões de
coordenação espácio-temporais que expressassem dinâmica relacional entre
jogadores e equipas num momento específico de jogo. Por exemplo, em termos de
coordenação interpessoal, Travassos et al. (2011) mostraram que numa situação
de superioridade numérica do ataque, os defensores apresentam maior coordenação
entre si e com a bola do que em relação aos adversários, fundamentalmente em
termos de deslocamentos laterais. Vilar et al. (2012) mostraram ainda que a
forte coordenação observada entre defensores se deve à necessidade de manter o
ângulo entre a posição da bola e a baliza fechado no sentido de não permitir
remates ou progressões para a baliza. Por outro lado, em termos de uma análise
coletiva, verificou-se que os padrões de coordenação dos jogadores em relação
ao comportamento da equipa variavam em função do processo de aprendizagem
(Sampaio & Maçãs, 2012). As equipas mais experientes revelaram
comportamentos individuais mais regulares que contribuíram para uma maior
coordenação da equipa.
Ainda no que diz respeito à análise das ligações interpessoais, foi proposta
recentemente a utilização do método de análise de redes para a identificação de
regularidades do comportamento coletivo das equipas, tendo por base as
interações geradas pela circulação da bola entre jogadores (Passos et al.,
2011). Ao analisar duas equipas de Polo Aquático, no que diz respeito às
ligações existentes na circulação da bola durante um determinado momento do
jogo, os autores concluíram que um maior número de ligações entre os vários
elementos da equipa correspondeu a uma maior probabilidade de sucesso. A equipa
que registava maior número de ligações apresentava uma percentagem de sucesso
superior, quando comparada com a equipa com menor número de ligações registadas
(Passos et al., 2011). Do mesmo modo, aplicada ao futebol, a análise de redes
permitiu também a avaliação dos desempenhos individuais dos jogadores e sua
influência no desempenho coletivo da equipa no campeonato da Europa de 2008
(Duch, Waitzman, & Amaral, 2010). Para o efeito, os autores realizaram uma
análise de fluxos onde identificaram os padrões de circulação da bola que
resultaram em finalização. Por intermédio da análise da centralidade,
conseguiram identificar o jogador que maior influência registava em cada equipa
analisada. Partindo de uma lista de 20 jogadores identificados pelos
espectadores e analistas, como sendo os mais influentes de cada equipa, estes
autores pretenderam verificar a relação entre a análise qualitativa de
espectadores e analistas, e a análise quantitativa resultante do estudo. Dos 20
jogadores identificados, verificou-se correspondência entre resultados
qualitativos e quantitativos em 8 jogadores (Duch et al., 2010).
No entanto, apesar dos resultados já alcançados contribuírem para uma melhor
caracterização da forma de jogar de uma equipa, bem como para a identificação
de padrões associados ao sucesso e insucesso, pensamos que a informação
proveniente dessa análise, poderá conter ainda maior relevância para o
treinador quando contextualizada em relação ao momento do jogo e à relação
estabelecida com os jogadores da equipa adversária. Desta forma, consideramos
que para um melhor entendimento do jogo é necessário avaliar as relações
interpessoais entre jogadores, tendo em consideração os diferentes momentos do
jogo, o espaço onde se desenvolvem, bem como ao tipo de relações que exigem.
Vários autores têm desenvolvido estudos centrados nos processos ofensivo e
defensivo (Garganta & Pinto, 1998; Lago & Martín, 2007; Maçãs, 1997;
Seabra & Dantas, 2006; Tenga, Holme, Ronglan, & Bahr, 2010). No entanto
e no que diz respeito ao estudo das transições, o número de trabalhos
desenvolvidos nesta área é escasso, representando uma lacuna, dada a sua
importância no Futebol atual. Castelo (2009) considera a velocidade de
transição, um dos pressupostos essenciais de qualquer método ofensivo,
realçando assim a pertinência de uma equipa conseguir rapidamente chegar a
zonas de finalização, logo após a recuperação da posse de bola. Segundo Silva
(1998), na transição de um momento defensivo para um momento ofensivo, o
objetivo fundamental é progredir em direção à baliza adversária, de uma forma
rápida e eficaz, aproveitando a desorganização posicional do adversário. De
acordo com Castelo (2009), saber quem, onde e como a equipa o faz é um aspeto a
ter em consideração para potenciar a análise de jogo da equipa adversária e na
nossa opinião pouco explorado em contextos de intervenção e de investigação.
Face ao exposto anteriormente, foi objetivo deste estudo caracterizar a
transição defesa-ataque de uma equipa de futebol com recurso ao método de
análise de redes (Passos et al., 2011). Para o efeito, foram analisadas as
ligações interpessoais existentes entres jogadores após a recuperação de posse
de bola, na sua zona defensiva e sobre os corredores laterais (de acordo com
Taylor e Williams (2002) o espaço privilegiado para recuperação da posse de
bola), como forma de verificar se existem tendências de jogo no momento de
transição ofensiva (defesa-ataque). Para isso foram identificados quais os
jogadores e as zonas do terreno de jogo mais solicitadas, através da análise do
primeiro passe, após a recuperação da posse de bola. Como forma de definir o
estilo de jogo utilizado preferencialmente, o primeiro passe realizado após
recuperação de posse de bola foi analisado quanto ao tipo (i.e., curto, longo)
(Silva, 1998), assim como o número de passes realizados entre jogadores até à
chegada da bola à zona de finalização (Castelo, 1996; Garganta, Arda, &
Lago, 2002; Lago-Ballesteros & Lago-Peñas, 2010; Lago & Martín, 2007).
Considerando que o estilo de jogo da equipa pode ser fortemente condicionado
pelo posicionamento e número de jogadores adversários, avaliámos ainda o número
de jogadores adversários na zona de recuperação de bola. Pretendemos com este
trabalho verificar: i) quais os jogadores que se apresentam como opções
preferenciais após recuperação da posse de bola; ii) as zonas do terreno de
jogo preferenciais para passe após recuperação e posse de bola; iii) a
identificação do estilo de jogo da equipa, i.e., direto ou indireto, em função
do número de adversários presentes próximo da bola; e iv) a relação entre
estilo de jogo e o número de passes até à finalização.
MÉTODO
Amostra
A amostra foi constituída por 4 jogos de uma equipa da 1ª Liga Portuguesa (Liga
Zon Sagres), referentes à época de 2011/12, de onde foram retiradas 52
sequências de transições ofensivas para posterior análise. Foram recolhidas 4
gravações de jogos televisionados, num período compreendido entre janeiro e
março de 2012. Os jogos em análise tiveram em conta o contexto visitante (jogos
na casa do adversário) e dizem respeito a uma fase intermédia do campeonato.
Foi escolhido o contexto visitante, como forma de observar maior número de
transições ofensivas.
Instrumentos
Cada jogo foi fragmentado com recurso ao software de análise de vídeo Ulead
Video Studio 10, de acordo com os seguintes critérios:
1. Todas as bolas recuperadas na zona defensiva, num dos corredores laterais.
2. Após recuperação da posse de bola, chegada da mesma a zona de finalização
(representa o último terço do campo ofensivo, também denominada por fase de
finalização (Quina, 1999)).
Dos 4 vídeos analisados, foram retiradas 52 sequências de transições ofensivas,
tendo em conta os critérios definidos. Em cada situação, foi apenas analisado o
primeiro passe efetuado, após recuperação de posse de bola.
Procedimentos
Para o tratamento das 52 sequências de transição, foi identificado o sistema
tático utilizado pela equipa tendo como objetivo identificar o posicionamento
de cada jogador em campo. Os jogadores foram codificados quanto à sua posição
em: GR ' Guarda Redes, LD ' Lateral Direito, DC1 ' Defesa Central Direito, DC2
' Defesa Central Esquerdo, LE ' Lateral Esquerdo, MD1 ' Médio Defensivo
Direito, MD2 - Médio Defensivo Esquerdo, AD ' Ala Direito, AE ' Ala Esquerdo,
MO ' Médio Ofensivo e PL ' Ponta de Lança. Com o objetivo de identificar os
locais do campo em que era realizada a recuperação defensiva, bem como o local
para onde era realizado o primeiro passe, o campo foi dividido em 18 zonas (ver
Figura_1) (Carling, Williams, & Reilly, 2005).
De acordo com a proposta de Silva (1998), para a avaliação do tipo de passe,
considerámos como passe curto, todos aqueles que foram executados para uma zona
adjacente ao local onde a bola foi recuperada e como passe longo todos os
passes em que a bola foi colocada num espaço que tivesse no mínimo uma zona de
intervalo, entre o local onde esta foi recuperada e a zona de destino final.
Para a análise de cada unidade de transição foi elaborada uma matriz de
adjacência (Figura_2), com todos os jogadores da equipa representados pelas
suas posições de campo, num sistema de n × n. Nessa tabela foi registada a
ocorrência segundo um critério de códigos, onde o 1 correspondeu a um passe
do jogador n1 para o jogador n2, e o código de 0 correspondeu a todos os
jogadores que não tiveram interferência na ação. Foi elaborada uma matriz de
adjacência para cada unidade de transição, num total de cinquenta e duas. Do
somatório de todos os resultados parciais registados nas cinquenta e duas
unidades de transição, resultou uma tabela total definitiva. O mesmo
procedimento foi realizado para a análise das zonas de ligação num sistema de
n × n espaços.
Análise Estatística
O tratamento estatístico dos dados foi realizado através do software de livre
utilização Social Network Visualizer (SocNetV 0.81). Através deste software
foi possível obter a visualização gráfica das ligações entre jogadores e da sua
força, bem como da ligação entre espaços do campo (as linhas mais carregadas
significam que existiu maior número de ligações entre os jogadores ou os
espaços ligados). Para uma melhor compreensão da influência dos jogadores
intervenientes, ou espaços em que existiu maior ligação no processo de
transição ofensiva, foi também calculado: i) o valor de centralidade de
intermediação (betweenness centrality) que permitiu identificar o jogador/
espaço com maior número de ligações com os restantes agentes da rede; ii)
centralidade de entrada (In-degree centrality) que permitiu identificar qual o
jogador/espaço para onde são efetuados mais passes; e iii) centralidade de
saída (Out-degree centrality) que permitiu identificar qual o jogador/espaço de
onde foram efetuados mais passes. Para análise estatística, os pressupostos de
normalidade e homocedasticidade dos dados, foram analisados pelo teste Shapiro-
Wilk e de Levene, respetivamente. Para verificar a influência do número de
jogadores no tipo de passe realizado, bem como o número de passes realizados em
cada tipo de passe, foi utilizado o método de análise de variância ANOVA one-
way utilizando o software SPSS v.19.0. (SPSS Inc., Chicago, IL). O nível de
significância foi fixado em p< 0.05.
RESULTADOS
Relações interpessoais
Como podemos verificar visualmente na Figura_3, o jogador MD2 apresentou os
valores mais elevados de centralidade de intermediação, com um valor de 75.39%.
Podemos ainda destacar o facto do jogador MO apresentar valores de 15.87%,
seguidos do jogador MD1 com 6.34%. No que diz respeito à centralidade de
entrada por jogador, podemos referir o jogador MD2 com maior número de passes
recebidos (35.29%), o jogador PL (21.57%) e os jogadores MD1 e AD (13.72%). Em
relação à centralidade de saída, o jogador que realiza mais passes é o LD
(31.37%) e destacamos ainda o jogador MD2 com 13.72% (Tabela_1).
Relações espaciais
Como podemos verificar visualmente na Figura_4, a zona 14 revelou o maior valor
de centralidade de intermediação, com 40.63% seguida das zonas 8 e 9 com
valores de 21.87%, assim como a zona 16 com 12.5%. No que diz respeito à
centralidade de entrada por espaço de jogo, verificamos que o corredor central
(CC) é o mais solicitado. Em destaque a zona 8 com 34.62%, seguida pelas zonas
9 e 10 com 15.38%. É de destacar também a zona 16, com 9.61% dos passes
recebidos. Em relação à centralidade de saída por zona, podemos destacar a zona
14 com 26.92%, a zona 13 com 17.30% e a zona 1 com 13.46% dos passes (Tabela
2).
Estilo de jogo
No que diz respeito ao estilo de jogo da equipa em análise, verificamos que em
60% das situações ocorreu passe curto (i.e., jogo apoiado) e em 40% passe longo
(i.e., jogo direto). Quando a equipa utilizou passe curto, utilizou em média
menor número de jogadores em torno da bola do que quando foi realizado um passe
longo (F(1,51)= 5.87, p= 0.019; M= 2.00 ± 0.73 e M= 2.52 ± 0.81 jogadores,
respetivamente). Analisando o número de passes efetuados desde o momento da
recuperação, até à chegada da bola em zona de finalização, verificamos que com
a utilização de passe curto foram realizados em média maior número de passes do
que quando utilizado passe longo (F(1,51)= 12.99, p< 0.001; M= 3.16 ± 0.97 e M=
2.14 ± 0.85 passes, respetivamente).
DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo analisar as ligações interpessoais existentes
entre jogadores após a recuperação de posse de bola, como forma de verificar se
é possível identificar tendências de jogo no momento de transição ofensiva
(defesa-ataque), tal como sugerido em trabalhos anteriores (Duch et al., 2010;
Passos et al., 2011). Os resultados obtidos, permitem-nos graficamente e com
evidência estatística perceber em função do contexto de jogo, quais os
jogadores mais influentes da equipa, em que zonas esses jogadores recebem a
bola, qual o jogador que executa o primeiro passe e de que zona é realizado, o
tipo de passe mais frequente, o número de passes efetuados até à fase de
finalização. Esta informação recolhida pode ser de elevada importância para o
treinador, no processo de treino e preparação de uma competição, pois permite
um conhecimento profundo da forma de jogar do opositor (Moutinho, 1991).
Identificando os pontos fortes e fracos do adversário, será possível ao
treinador potenciar a sua equipa estratégica e taticamente para explorar os
pontos fracos e anular os pontos fortes do adversário (Franks, 1997).
No que diz respeito à análise das ligações interpessoais, verificamos que o
jogador com maior influência no momento de transição é o MD2 (Médio Defensivo
2). Este é o jogador com maior centralidade no que diz respeito às ligações
interpessoais (Duch et al., 2010; Passos et al., 2011). É nele que a bola tende
a ser colocada com mais frequência neste momento do jogo, pelo que deve existir
uma especial atenção por parte da equipa que perde a posse de bola. Se este é o
jogador mais influente da equipa, limitando a sua ação, a equipa adversária
pode sentir dificuldades em ligar a sua transição ofensiva. Estaremos desta
forma mais perto de anular um ponto forte do opositor.
Os dados referentes às ligações recebidas por jogador, para além da confirmação
da importância do MD2 (35.29%), identificaram o PL (Ponta de Lança) como
segunda opção de passe (21.56%). Assim sendo, de acordo com a proposta de
Castelo (1996) podemos referir que a equipa em análise apresenta duas possíveis
ligações para transitar, dentro do mesmo momento do jogo: I) um estilo de
jogo indireto através de passe lateral, com a solicitação do MD2, e II) um
estilo de jogo direto com passe com solicitação do PL. No entanto, e tendo em
conta os valores das ligações recebidas, o MD2 regista maior percentagem de
solicitação, quando comparado com o PL, o que sugere uma maior utilização do
apoio mais próximo/lateral. Se analisarmos os resultados das ligações por zona,
comprovamos que a equipa procura utilizar em maior percentagem a zona 8
(34.61%), sobre o corredor central (CC), quando em comparação com zonas mais
ofensivas como a zona 10 (15.38%), ou zona 16 (9.61%). O facto de a zona 16
estar incluída no grupo das mais utilizadas e sendo esta no meio campo ofensivo
e sobre o corredor lateral direito (CLD), permite identificar a tendência que o
PL apresenta em descair sobre o referido corredor. A anulação dos jogadores MD2
e o PL, procurando reduzir espaço sobre a zona 8 e tendo em consideração o
espaço nas costas do bloco defensivo, principalmente sobre o corredor lateral
para onde o PL apresenta maior tendência para receber o passe, são informações
quantificáveis referentes a um padrão de comportamento da equipa em análise,
que podem ser uteis para o processo de treino/competição do treinador (dessa
mesma equipa, ou para um treinador de uma equipa adversária) (Passos et al.,
2011).
Analisando agora as ligações efetuadas pelos jogadores, verificamos que o LD
(Lateral Direito) apresenta maior valor de percentagem (31.37%), quando
comparado com o LE (11.76%). Se a estes valores juntarmos o indicador das
ligações efetuadas por zona, podemos afirmar que esta equipa recupera maior
quantidade de bolas no seu meio campo defensivo e sobre o corredor lateral
direito (CLD), principalmente nas zonas 13 (17.30%) e 14 (26.92%). Esta ideia
fica ainda mais sustentada quando observamos um valor de 40.62% de centralidade
para a zona 14. Sabendo que o LD é o jogador que tem maior percentagem de
passes executados, podemos ainda deduzir que este é responsável pela maioria
das ligações estabelecidas com o MD2 e o PL, a partir das zonas 13 e 14. Ainda
relativamente às ligações efetuadas pelos jogadores, 13.72% dos passes são
efetuados pelo MD2 e 9.80% pelo MD1 (Médio Defensivo1). Estes valores permitem-
nos deduzir que estes jogadores recuperaram também a bola sobre os corredores
laterais, ajudando na pressão sobre os mesmos. Podemos, de certa forma,
interpretar este facto como uma tentativa de criar superioridade numérica sobre
os corredores laterais, para uma maior pressão e rápida recuperação da posse de
bola, i.e., um bloco defensivo agressivo sobre os corredores laterais.
Após a recuperação da posse de bola, saber quem, onde e como a equipa se
organiza para receber o primeiro passe é um aspeto preponderante para a
compreensão da dinâmica da equipa adversária (Castelo, 2009). No que diz
respeito ao tipo de passe utilizado, segundo os resultados obtidos, a equipa
apresenta uma maior tendência para utilizar o passe curto como principal opção
(60%) e o passe longo como segunda opção (40%). Estes valores indicam que, no
momento imediato à recuperação da posse de bola, o passe curto é a primeira
opção sendo o jogador MD2 a principal referência sobre o corredor central
(Zonas 8 e 9). Podemos ainda referir, que uma segunda hipótese de ligação
para transição ofensiva é a utilização do passe longo para a solicitação do
jogador PL, tendo em conta os valores das suas ligações recebidas.
No entanto, os resultados previamente descritos não ocorrem de forma mecânica e
são condicionados grandemente pelo posicionamento dos adversários em torno da
bola (Travassos, Araújo, Davids, Esteves, & Fernandes, 2012). Os resultados
mostram que após a recuperação da posse de bola a equipa procura utilizar passe
longo, sempre que em média tem a oposição de 3 jogadores na zona de
recuperação. Por outro lado, a equipa procura sair tendencialmente com passe
curto, quando em média se encontram 2 jogadores adversários próximos da bola.
Assim, podemos concluir que existe uma dependência contextual (McGarry, 2009;
Travassos, Davids, Araujo, & Esteves, 2013) na forma como esta equipa
potencia a sua transição defesa-ataque. Quanto maior for a pressão adversária
sobre a bola, maior é a tendência para que a equipa utilize passe longo, i.e.,
estilo de jogo direto. Pelo contrário, quando a pressão adversária é menor, a
equipa utiliza preferencialmente o passe curto (estilo de jogo indireto).
Verificámos ainda que em média, a equipa realiza 3 passes quando utiliza passe
curto (jogo indireto), e 2 passes quando utiliza passes longos (jogo direto).
Os resultados obtidos relativamente ao número de passes vão ao encontro do
referido em estudos anteriores, onde se refere que 99% das situações de
transição são realizadas com um número de passes compreendido entre 1 e 4
(Garganta et al., 2002). Os nossos resultados vêm acrescentar que em função do
tipo de jogo adotado neste momento existe uma ligeira oscilação no número de
passes realizados, tal como seria de esperar face aos diferentes objetivos de
cada um dos estilos de jogo (Lago & Martín, 2007).
Sugerimos ainda que, de modo a melhorar os resultados obtidos por este tipo de
análise em futuros estudos se analise: i) a percentagem de sucesso/insucesso
das transições ofensivas, tendo em consideração o posicionamento da equipa
adversária, como forma de estabelecer uma relação entre o comportamento
observado, a equipa adversária e o sucesso do mesmo; ii) um maior número de
passes, como forma de perceber a dinâmica de circulação de bola no campo de
jogo desde a 1ª fase de construção até ao momento de finalização; iii) o
comportamento de transição ofensivo em jogos em casa e fora; e iv) se considere
o resultado do jogo como uma variável situacional que pode descriminar
diferentes comportamentos de transição ofensiva da equipa em análise. Apenas
tendo por base a conjugação de todas estas variáveis será possível caracterizar
objetivamente a forma de jogar da equipa em análise, com consequências ao nível
do processo de treino.
CONCLUSÕES
Em suma, consideramos que o conhecimento do comportamento do adversário tal
como foi descrito anteriormente é de elevada importância na preparação de uma
competição. Saber como, onde e por quem o adversário vai procurar jogar em
determinado momento, permite uma adaptação adequada da nossa equipa, no sentido
de anular um eventual ponto forte, ou explorar um ponto fraco do opositor.
Consideramos que este estudo permite avançar conhecimento às metodologias de
Scouting, ao apresentar dados quantitativos e gráficos que exprimem uma
tendência de atuação, ao invés das metodologias tradicionalmente utilizadas,
que têm por base observações qualitativas do jogo onde a subjetividade é
enorme, pois dependem muito do observador que as realiza (Travassos, Araújo,
Correia, & Esteves, 2010).
Por fim, tratando-se o futebol de um jogo que coloca em oposição duas equipas
distintas em momentos distintos (ter, ou não ter a posse de bola), o facto de o
nosso estudo ter em conta a influência que o opositor tem no comportamento de
uma equipa é sem dúvida um ponto de inovação relativamente aos estudos
anteriormente desenvolvidos. Este conhecimento permite ao treinador direcionar
os jogadores para os constrangimentos informacionais do jogo, i.e., as
assinaturas de desempenho dos adversários para uma adaptação mais funcional
das suas ações individuais e coletivas (McGarry et al., 2002).