Percepção subjetiva de esforço como marcadora da duração tolerável de exercício
INTRODUÇÃO
A escala de percepção subjetiva de esforço (PSE) criada por Gunnar Borg (Borg,
1982) foi sugerida como um instrumento para quantificar a sensação de esforço
gerada numa determinada tarefa física. Embora as escalas mais tradicionais
tenham sido criadas para quantificar a PSE durante a realização do exercício,
atualmente elas são uma ferramenta importante também para prescrição e
monitorização das cargas de treino em diferentes modalidades desportivas, tais
como o Rugby (Elloumi et al. 2012; Eston, 2012; Lodo, et al. 2012).
Na interpretação mais tradicional a PSE responderia à intensidade do exercício,
ou mais especificamente ao estresse que ocorre sobre os sistemas fisiológicos
periféricos, tais como o sistema cardiopulmonar e o sistema muscular. As
evidências da validade das escalas de PSE foram obtidas durante exercícios de
potência mecânica incremental a partir de medidas de frequência cardíaca (FC) e
concentrações de lactato sanguíneo (Lac) (Borg, 1982; Borg, Ljunggren, &
Ceci, 1985). Nesses estudos, Borg (1982) e Borg et al. (1985) verificaram que a
PSE respondia em função da intensidade do exercício, e que as alterações na FC
e Lac conseguiam explicar grande parte da variância no aumento da PSE em testes
incrementais. Tais resultados foram corroborados em estudos posteriores (Green
et al., 2006; Robertson, 1982) e serviram de suporte para sugerir que a PSE
responde, essencialmente, ao estresse fisiológico gerado pela intensidade do
exercício. Deve ser ressaltado que nenhuma menção clara, sobre um provável
envolvimento da atividade do sistema nervoso central (SNC) na geração da PSE,
foi oferecida.
Contudo, há um ponto de divergência nesta interpretação. Teoricamente, se a PSE
responde ao estresse fisiológico periférico gerado pela intensidade do
exercício físico, não apenas o seu comportamento durante exercícios de
intensidade incremental, mas também durante exercícios de intensidade
constante, deveria acompanhar as respostas de variáveis fisiológicas como a FC
e o Lac. No caso de exercícios de intensidade constante, um aumento progressivo
na PSE deveria ocorrer apenas quando a intensidade fosse elevada o suficiente
para proporcionar um desequilíbrio nestas variáveis fisiológicas, ou seja, um
aumento progressivo em variáveis como a FC e o Lac. Desta forma, seria
observado aumento na PSE apenas em exercícios constantes realizados em
intensidade severa, acima do 2º limiar de Lac, uma vez que variáveis
fisiológicas apresentam elevação progressiva em função da duração do exercício
apenas em intensidades acima do 2º limiar de Lac, frequentemente acima de 70%
da potência mecânica máxima (WMAX) obtida em teste incremental (Poole et al.,
1988; Wasserman et al., 1967).
Entretanto, a PSE parece apresentar um aumento progressivo em função da duração
do exercício constante, independentemente da sua intensidade. Tal comportamento
é observado em exercícios de intensidades moderadas e pesadas, inferiores à
intensidade do 2º limiar de Lac (< 70% da WMAX), assim como em intensidades
severas (Pires et al., 2011). Resultados de diferentes grupos demonstram que a
PSE aumenta progressivamente durante exercícios constantes até a exaustão, em
intensidades compreendidas entre 53% e 94% WMAX (Green et al., 2005; Lima-Silva
et al., 2011; Pires et al., 2011). Tais achados poderiam ser interpretados como
um indicativo de que a PSE demarca, sobretudo, a duração tolerável do
exercício, mais do que apenas a intensidade.
Considerando que a PSE é utilizada para diferentes propósitos, tais como para a
avaliação física e prescrição de exercício físico em indivíduos de diferentes
idades e sexo, faz-se necessária uma abordagem para uma melhor compreensão
desse ponto de divergência. Neste caso, é possível que um melhor entendimento
dos mecanismos geradores da PSE possa auxiliar na compreensão da resposta desta
variável durante o exercício. Portanto, este artigo revisou, sistematicamente,
os possíveis mecanismos da geração da PSE durante o exercício e suas relações
com a intensidade e duração do exercício.
O estado da arte e a sistematização da revisão
Os estudos utilizados para levantar o estado da arte do tema proposto nessa
revisão sistemática foram selecionados intencionalmente, uma vez que a busca
truncada por palavras-chave não acrescentaria estudos importantes para a
discussão do tema, os quais foram desenhados para responder diferentes
perguntas (Christensen et al., 2007; Craig, 2002). Desta forma, uma revisão dos
estudos originais que propuseram as escalas de PSE (Borg, 1982; Borg et al.,
1985) foi realizada inicialmente. Em seguida foi conduzida uma análise crítica
dos principais estudos utilizados para embasar os diferentes pontos de vista a
respeito dos mecanismos geradores da PSE, publicados em edição especial do The
Journal of Applied Physiology (108: 452-468, 2010). A presente revisão
analisou, sistematicamente, 30 estudos limitados à base de dados MEDLINE.
Após análise crítica dos estudos selecionados nessa revisão, entendemos que a
comunidade científica aponta, com razoável consenso, para uma interpretação a
qual considera que a PSE seja proveniente da ação de seus mecanismos geradores,
localizados no SNC, integrada à ação moduladora exercida pelas respostas
fisiológicas na periferia do corpo. Nesta interpretação, o esforço percebido
durante o exercício poderia ser entendido como um marcador da duração tolerável
do exercício para uma determinada intensidade. A seguir, apresentamos
argumentos para esse provável mecanismo integrado entre SNC e sistemas
fisiológicos periféricos, assim como algumas evidências de que a PSE possa
indicar o limite tolerável da duração do exercício.
Integração entre sistema nervoso central e sistemas fisiológicos periféricos na
geração da PSE
Na perspetiva de um modelo psicofisiológico (Lambert, St Clair Gibson, &
Noakes, 2005; Noakes, St Clair Gibson, & Lambert, 2004), o qual defende que
o exercício seja regulado pelo SNC, a PSE é interpretada num contexto diferente
do originalmente sugerido (Borg, 1982; Borg et al., 1985), pois o esforço
percebido no exercício seria gerado em estruturas cerebrais, e modulado por
alterações fisiológicas na periferia do corpo. Nesta interpretação, o esforço
percebido num determinado exercício seria o resultado das cópias do comando
motor (cópia eferente sensorial) executado pelo córtex pré-motor e motor
primário, as quais seriam enviadas às regiões do córtex somatosensorial, córtex
cingulado anterior e o córtex insular anterior (Craig, 2003, 2009; Marcora,
2009). Esta hipótese ganhou força a partir de estudos como o de Christensen et
al. (2007), o qual demonstrou, durante exercícios de flexão de tornozelo, uma
preservação da atividade do córtex somatosensorial primário associada a um
aumento da ativação do córtex pré-motor, mesmo quando vias aferentes, com
informações periféricas, foram bloqueadas por oclusão vascular. Estes
resultados poderiam fortalecer a sugestão de que a PSE é formada pela cópia do
comando motor eferente, e parcialmente independente das alterações ocorridas na
periferia do corpo (de Morree, Klein & Marcora, 2012; Marcora, 2009;).
Contudo, também tem sido sugerido que a PSE seja influenciada por alterações
ocorridas na periferia do corpo. Utilizando informações aferentes providas pelo
sistema nervoso periférico (Abbiss & Peiffer, 2010; Bishop, de Vrijer,
& Mendez-Vilanueva, 2010; Gandevia, 2001; Marcora, 2011), regiões
subcorticais e corticais do SNC seriam capazes de monitorar as alterações
cardiopulmonares (VO2 e FC), musculares (lactato, pH, potássio, etc.), além de
alterações na temperatura corporal, durante o exercício (Amann & Secher,
2010). Tais informações periféricas, incorporadas em regiões como o córtex
cingulado anterior e o córtex insular anterior (Craig, 2003, 2009), seriam
contrastadas com a cópia eferente sensorial, modulando a PSE momento a momento
ao longo do exercício (Eston, 2012; Tucker & Noakes, 2009). Um ponto
relevante é que essa modulação seria dependente da experiência prévia e
conhecimento das características do exercício realizado (Tucker & Noakes,
2009).
Admitindo um mecanismo integrado na geração da PSE, formado pela interação
entre a cópia do comando motor eferente no SNC, e a modulação por meio da
sinalização periférica aferente, ganha força a sugestão de que a PSE possa
indicar o limite tolerável da duração do exercício numa dada intensidade. Neste
caso, enquanto o mecanismo central da geração da PSE seria influenciado pela
magnitude do comando motor efetor necessário para a execução da tarefa
(Marcora, 2008, 2009), o sistema aferente proveria informações sobre as
alterações periféricas causadas pela magnitude do comando efetor, tais como as
alterações na taxa de elevação na temperatura corporal, na quantidade de
reservas de substrato disponível, e a concentração muscular de metabólitos
(Tucker & Noakes, 2009). Alguns resultados de estudos abordados a seguir
podem servir de suporte para esta sugestão.
Evidências de que a PSE demarca a duração tolerável de exercício
Assumindo que ambas as respostas centrais e periféricas sejam integradas para a
geração da PSE no exercício, poderíamos propor que as informações periféricas
aferentes sejam importantes moduladoras do limite tolerável de esforço para uma
determinada cópia de comando motor efetor. Nesta sugestão, regiões do SNC
integrariam informações sobre as alterações ocorridas na periferia (Craig,
2002, 2009), modulando, constantemente, o esforço percebido no exercício
(Tucker & Noakes, 2009).
Um argumento chave para essa sugestão é o fato de que a PSE apresenta aumento
progressivo durante exercícios constantes de diferentes intensidades, mesmo
aqueles entre 50% e 80% WMAX (Pires et al., 2011), sob diferentes condições
experimentais (Baldwin et al., 2003; Crewe, Tucker & Noakes 2008). Este
fato poderia indicar que a PSE demarca o tempo tolerável de exercício para um
dado comando motor efetor determinado pela intensidade do exercício. A PSE de
um determinado momento do exercício demarcaria o tempo remanescente de
exercício até o alcance do limite tolerável de trabalho físico, levando em
consideração o estado metabólico e as reservas energéticas momentâneas,
disponíveis para a realização do trabalho físico (Lambert et al., 2005; Noakes
et al., 2004; Noakes & Marino, 2008).
A natureza linear da PSE durante exercício constante tem sido descrita em
diferentes condições, tais como em exercícios realizados em diferentes
temperaturas ambientes. Por exemplo, Crewe et al. (2008) submeteram 7 ciclistas
a exercícios constantes em temperatura ambiente baixa (15º C) e elevada (35º
C). Duas intensidades, 65% (C65) e 70% (C70) da WMAX, foram utilizadas na
temperatura mais baixa, enquanto intensidades de 55% (H55), 60% (H60) e 65%
(H65) da WMAX foram usadas na temperatura mais elevada. Em ambas as
temperaturas o teste de ciclismo foi realizado até a exaustão. Os autores
observaram que na condição H65 o tempo de exercício foi significativamente
menor, quando comparado à condição C65. O menor tempo de exercício foi
acompanhado por maiores valores de temperatura corporal, e maiores taxas de
elevação na PSE. Contudo, quando expressa em percentual da duração total de
exercício, o aumento na PSE apresentou taxa de aumento similar nas diferentes
condições. O aumento linear da PSE em diferentes taxas foi interpretado como
sendo um marcador da duração tolerável de exercício nas diferentes temperaturas
ambientes, uma vez que as maiores taxas de elevação na PSE na condição H65
foram acompanhadas por menor tolerância (tempo de exaustão) ao exercício.
Outros estudos reforçam esta sugestão. Noakes (2004), analisando dados de
Baldwin et al. (2003), verificou que a taxa de incremento na PSE em função da
duração absoluta do exercício era maior quando as reservas musculares de
glicogénio estavam previamente depletadas. Contudo, quando essa duração foi
expressa pela percentagem da duração total de exercício, a taxa de elevação na
PSE era similar em ambas condições experimentais, com reservas musculares
depletadas ou repletadas. De maneira similar, Eston, Faulkner, St Clair Gibson,
Noakes, e Parfitt (2007) propuseram que a PSE poderia ser alterada quando o
exercício fosse precedido por um exercício fatigante. Avaliando dez ciclistas,
os autores verificaram que a taxa de elevação da PSE durante exercício a 75%
VO2pico foi alterada após a execução de um teste incremental máximo.
Entretanto, quando a PSE foi analisada pela percentagem da duração total de
exercício, a taxa de incremento na PSE foi similar entre as condições. A
explicação para estes achados foi que a execução prévia de um teste incremental
máximo induziu um estado de fadiga geral nos sujeitos, diminuindo a tolerância
destes ao exercício seguinte.
A elevação linear da PSE com diferentes taxas de incremento, em intensidades
idênticas, poderia reforçar a suposição de que informações periféricas
aferentes como a alteração na temperatura corporal, reservas de substrato
energético e concentração muscular de metabólitos, sejam utilizadas pelo SNC
para modular a PSE do exercício (Lambert et al., 2005; Noakes et al., 2004).
Neste caso, assumiríamos que mecanismos centrais envolvendo a cópia do comando
motor eferente, a qual é determinada pela intensidade do exercício (Marcora,
2008, 2009), seriam os geradores iniciais da PSE. Em complemento, a PSE inicial
seria modulada por alterações nas condições de sistemas fisiológicos
periféricos, indicando a duração tolerável do exercício para aquela determinada
intensidade de comando motor efetor.
Essa característica integrada na geração e modulação da PSE seria um importante
mecanismo para garantir que o exercício seja executado dentro de limites
seguros, sem a ocorrência de danos à integridade celular (Noakes et al., 2004).
Por exemplo, o aumento linear da PSE em exercício constante, mesmo na presença
de equilíbrio em diversas variáveis fisiológicas (Pires et al., 2011),
indicaria a duração tolerável de exercício antes da ocorrência de uma completa
depleção de substrato energético ou excessiva elevação na temperatura corporal,
entre outros (Tucker & Noakes, 2009). O aumento progressivo da PSE nesse
tipo de exercício seria o resultado do esforço para manter a potência mecânica
fixa em função do tempo tolerável de exercício, sem ultrapassar limites
toleráveis à integridade celular (Lambert et al., 2005; Noakes et al., 2004;
Noakes & Marino, 2008).
Diferentemente da interpretação tradicional sugerindo que a PSE responda apenas
à intensidade de exercício, nesta interpretação a PSE responderia à duração
tolerável de exercício para uma dada intensidade (Noakes & Marino, 2008).
Essa interpretação ainda necessita de estudos adicionais, com medidas
experimentais mais diretas, tais como aqueles que envolvem medidas diretas do
estado metabólico e de ativação cerebral durante o exercício. Porém, tal
interpretação poderia justificar como atletas utilizam a PSE para regular e
ajustar o ritmo adotado em provas de corrida ou ciclismo (Tucker & Noakes,
2009), e como a PSE tem-se tornado um importante instrumento para a
determinação do desempenho físico em diferentes condições de exercício (Eston,
2012).
CONCLUSÕES
A interpretação mais tradicional afirma que a PSE responde à intensidade de
exercício, pois seria resultado das alterações ocorridas na periferia do corpo,
principalmente as cardiopulmonares e as metabólicas. Contudo, esta
interpretação não se alinha às respostas fisiológicas observadas durante o
exercício realizado em intensidade constante, durante o qual as respostas
(aumento ou estabilização) de variáveis fisiológicas dependem da intensidade do
exercício. Ao contrário, a PSE aumenta progressivamente, e independentemente da
intensidade adotada. Nesse artigo de revisão, sugerimos que este desalinhamento
entre teoria e resultados experimentais possa estar ligado aos mecanismos de
geração e modulação da PSE. Enquanto o mecanismo central de cópia do comando
motor efetor poderia ser influenciado pela intensidade do exercício,
informações aferentes da periferia contribuiriam para a modulação da PSE ao
longo do exercício, assegurando que o exercício seja executado dentro de
limites toleráveis. Contudo, é importante ressaltar que alguns estudos sugerem
que a formação da PSE durante o exercício independe da incorporação de
informações periféricas aferentes (Marcora, 2010), e a PSE resultaria apenas do
comando motor efetor.