Abordagem da displasia de desenvolvimento da anca irredutível: Resultados
provisórios dos doentes tratados cirurgicamente nos últimos 5 anos
INTRODUÇÃO
A displasia de desenvolvimento da anca (DDA) é uma entidade definida por
displasia ou malformação do acetábulo com um espectro variável de incapacidade
de contenção da cabeça do fémur[1]. Apresenta um quadro clínico e semiologia
variáveis, consoante a gravidade e idade do diagnóstico[2]. A doença do recém-
nascido consiste na instabilidade da anca de modo a que a cabeça femoral possa
ser deslocada para fora do acetábulo (com sinal de Barlow positivo) ou então se
encontre luxada com a possibilidade de ser reintegrada no acetábulo, conforme
descrito por Ortolani[3]. É por isso fundamental distinguir dois grupos de
doentes, o primeiro em que a cabeça femoral se encontra dentro da cavidade
acetabular (embora luxável) e o segundo em que a cabeça femoral se encontra
fora da cavidade acetabular (luxada).
Com o tempo a cabeça femoral pode tornar-se irredutível e o exame objetivo
incaracterístico[4]. Na maioria dos casos desenvolve-se uma limitação da
abdução da anca lesada, sendo por isso essencial a avaliação imagiológica
(radiográfica e ecográfica)[5].
A antiga denominação de luxação congénita da anca foi substituída pela
designação de displasia de desenvolvimento da anca, atestando os factos de que
nem todas as displasias se acompanham de luxação e de que é uma patologia
passível de agravamento e correção durante o desenvolvimento da criança[1].
Relembra ainda que deve haver um elevado limiar de suspeição para esta
patologia na fase neonatal, quando o tratamento é mais simples e potencialmente
de menor morbilidade[6]. A presença de achados clínicos ou de fatores de risco
relevantes deve ser avaliada por ecografia das ancas ao mês de vida.
O objetivo do tratamento da DDA é obter uma redução concêntrica e mantê-la de
forma estável, proporcionando um "ambiente" que permita á anca crescer de forma
anatómica, dado que uma congruênciaestável é essencial para normal
desenvolvimento desta articulação. O acetábulo, bem como a cabeça femoral, têm
um grande potencial de remodelação por vários anos após a redução desde que a
reduçãose mantenha[15].
A DDA não tratada evolui para o défice funcional e artrose, o que deve ser
considerado inaceitável num contexto de globalização dos cuidados de saúde
primários com acesso a exames auxiliares de diagnóstico[7].
O tratamento deve ser feito de forma simples e protocolado. As manobras
forçadas ou tratamentos prolongados podem levar a complicações como a necrose
asséptica da cabeça femoral.
Sabemos hoje em dia que uma redução insuficiente tem como consequência o
aparecimento de uma artrose precoce em função do grau de instabilidade, pelo
que o ortopedista deve ser extraordinariamente exigente nos resultados do
tratamento efetuado nesta patologia e na sua vigilância durante o período de
crescimento[16].
PROTOCOLO DO SERVIÇO
O nosso Serviço é um dos centros de referência desta patologia, a nível
nacional. A estratégia terapêutica é definida consoante a etiologia, a idade da
criança e a redutibilidade da cabeça femoral.
Em casos não teratológicos a abordagem faz-se de acordo com a faixa etária,
sendo diferente consoante a criança se encontre no primeiro semestre de vida,
altura em que consideramos ser possível o tratamento com um aparelho de
abdução, ou tenha mais de 6 meses. Depende também do grau de instabilidade
[1,10].
Protocolo inicial
No primeiro grupo, dos 0 aos 6 meses, há uma elevada probabilidade de controlar
a incongruência fémuro-acetabular com métodos não invasivos. O objetivo é obter
a concentricidade da anca, geralmente através da redução em flexão e ligeira
abdução, e a estabilização com dispositivos de abdução. Usamos
preferencialmente o arnês de Pavlik. As crianças devem ser submetidas a uma
vigilância semanal de modo a garantir a correta colaboração dos pais ao
tratamento[8] e a ausência de manobras forçadas.
Nas crianças de idade superior a 6 meses há uma dificuldade progressiva na
redução por métodos não invasivos. A luxação leva a uma hipertrofia do
ligamento redondo e acumulação de tecido fibroadiposo (pulvinar) no fundo
acetabular. Um labrum persistentemente evertido (pela migração superior da
cabeça do fémur) pode causar um aumento da pressão intra-articular e,
consequentemente, um maior risco de necrose avascular com a redução fechada. A
fibrose entre o labrum e a cápsula dificultam a normal orientação labral. A
própria cápsula contrai e é comprimida pelo tendão do psoas-ilíaco. Mantém-se,
exceto em luxações altas, a indicação para a aplicação de dispositivo de
abdução, com vigilância rigorosa do conforto da criança. Em caso de falência
aplica-se o protocolo referido adiante[1]
Entendemos como falência do tratamento conservador a impossibilidade de
redução ao fim de 2 semanas (confirmada imagiologicamente), a intolerância ao
aparelho (normalmente traduzida por um choro fácil), ou a colaboração
insuficiente dos pais por dificuldades na aplicação do aparelho[8,12].
As crianças que apresentam falência no tratamento com o arnês de Pavlik têm
indicação para iniciar a 2ª fase do nosso protocolo de tratamento, que inclui a
tração, artrografia e manipulação suave sob anestesia geral para redução
fechada.
Tração
Em caso de falência ao tratamento conservador a atitude é definida consoante a
limitação da mobilidade. Na presença de limitação da abdução optamos por uma
tração cutânea no leito (durante 2 semanas) previamente à redução sob anestesia
geral, o que é defendido também por Salter em 1969. O benefício da tração é
duplo, se bem que controverso. Por um lado, a diminuição da taxa de necrose
avascular (NA), em possível relação com o relaxamento muscular e maior
suavidade das manobras necessárias na redução fechada[22]. Por outro, pode
estar relacionada com uma menor necessidade de redução aberta pela descida da
cabeça abaixo da linha de Hilgenreiner antes da sua recolocação por abdução
[23].
Artrografia
Atribuímos à artrografia um papel fundamental na abordagem nos diferentes
aspetos do tratamento da DDA. A sua utilização pré-redução permite uma melhor
avaliação dos obstáculos major intra e extra articulares à redução da cabeça
femoral, confirmar a concentricidade da redução e avaliar a estabilidade da
mesma. Permite avaliar o tendão do psoas, a hipertrofia dos ligamentos
transverso e redondo, o pulvinar, a inversão do labrum (Figura_1) e a
lateralização da epífise femoral relativamente ao acetábulo. Estes dois últimos
fatores estão associados a um menor risco de NA[24].
Figura_1
A artrografia é utilizada por rotina no nosso Serviço em qualquer situação em
que a incongruência não possa ser rapidamente corrigida com métodos
conservadores. Não fazemos por rotina artrografia de controlo, mas temos um
baixo limiar para repetir este procedimento quando há dúvidas não esclarecidas
pelos exames imagiológicos (ecografia e TAC).
Nos casos em que se obtêm uma redução, esta é mantida por uma imobilização
gessada pelvi-podálica bilateral em posição humana durante cerca de 3 meses
[1,10], com controlo clínico e radiológico.
Em caso de falência da redução fechada está indicada a redução cirúrgica. Em
crianças com menos de 12 meses a abordagem proposta por Ludloff é a mais
popular. Esta via permite bom acesso se tivermos em conta que a distância
entre a incisão e a cápsula inferior diminui para metade aquando da flexão e
abdução máximas da anca. Permite uma libertação adequada, a remoção dos
obstáculos mais comuns à redução e tem uma menor morbilidade que a abordagem
clássica anterior[25]. Depois dos 12 meses a redução pela via anterior (Smith-
Peterson) permite também a capsulorrafia e procedimentos ósseos acetabulares
[26]. A via anterior limitada na linha inguinal tem ainda vantagens
estéticas.
Acima dos 18 meses há geralmente necessidade de cirurgia óssea associada pelo
que preconizamos a redução aberta pela via de Smith-Peterson com osteotomia
femoral e/ ou pélvica quando indicado. A osteotomia de encurtamento / varização
femoral associada a osteotomia pélvica de Salter está popularizada como
procedimento de Klisic[9,10].
Osteotomia femoral
A utilização da osteotomia de encurtamento femoral demonstrou diminuir a taxa
de complicações associadas à redução aberta, nomeadamente a reluxação e a NA.
Permite, além do encurtamento, a desrotação (corrigindo a anteversão excessiva
do colo) e varização. Há, associada ao encurtamento, uma diminuição da tensão
articular o que é, segundo Sankar, mandatório nas luxações "altas" ou em
crianças mais velhas[27].
Osteotomia pélvica
Está indicada na displasia com instabilidade persistente. Estão descritos 2
grandes tipos de osteotomias: de reconstrução e de salvação.
As osteotomias reconstrutivas apenas têm indicação quando é possível a redução
concêntrica. Redirecionam o teto acetabular para uma posição mais favorável ao
vetor de forças durante a marcha. As mais frequentemente referidas são a de
Salter, Steel, Ganz, Pemberton e Dega.
As osteotomias de salvação estão indicadas em casos de displasia grave.
Procuram diminuir a transmissão das cargas para o rebordo acetabular às custas
da metaplasia do tecido fibrocartilaginoso interposto. A osteotomia de Chiari é
a mais frequentemente utilizada.
Nesta amostra foi utilizada a osteotomia de Salter em todos os casos até aos 4
anos. Nos casos acima desta idade foram utilizadas as osteotomias de Dega
(reconstrutiva) ou de Chiari.
Acima dos quatro anos o final da remodelação acetabular obriga a gestos
progressivamente mais agressivos, decididos caso-a-caso dadas as
comorbilidades, défice funcional pré-existente e bilateralidade[11].
Objetivos
O objetivo deste trabalho é descrever sumariamente a experiência do Serviço na
abordagem e tratamento da DDA. Procedemos, para isso, à revisão da casuística
das crianças tratadas consecutivamente no nosso serviço por métodos invasivos
(inclusive artrografia) nos últimos 5 anos, e à apresentação dos resultados
provisórios.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra
Entre janeiro de 2005 e dezembro de 2009 foram avaliadas na nossa instituição
825 crianças (média de 165 crianças / ano) com o diagnóstico de DDA,
totalizando 1072 ancas. Nesta amostra estão incluídos não só os novos casos mas
também as crianças com diagnóstico prévio a 2005, seguidas com observação,
tratamento conservador ou cirúrgico. Estes valores correspondem a 6% de todas
as nossas primeiras consultas nesse período. A idade média de início de
tratamento destas crianças na nossa instituição é 4,2 meses, mas esta amostra
inclui várias crianças inicialmente avaliadas já com sequelas de DDA.
Destas 825 crianças, 12% (n=99) foram observadas sem qualquer gesto
terapêutico, caindo na designação de ancas imaturas e que serão objeto de uma
publicação posterior. Das restantes 726 crianças, cerca de 70% (n=576) foram
tratadas exclusivamente com aparelho de abdução (Quadro_I).
Quadro_I
Cento e cinquenta crianças foram submetidas a artrografia ou outro procedimento
invasivo. Este teve indicação não só nos casos de falência do tratamento
conservador mas também naqueles casos em que a gravidade da DDA, ou idade da
criança, foram contraindicação para a colocação de dispositivo de abdução.
Procedemos à avaliação dos 80 casos com mais de 2 anos de seguimento, e que,
como tal, possam dar alguma informação relacionada com complicações do
tratamento instituído. A nossa amostra compreende, assim, 80 crianças (84
ancas) submetidas a artrografia ou outros procedimentos invasivos em função do
padrão etário, grau de doença, referência à aplicação de protocolo do Serviço
(que inclui tração prévia à redução fechada), evolução do índice acetabular,
descrição sumária das complicações e discriminação acerca da ocorrência de NA.
Métodos
Procedemos à revisão da base de dados hospitalar para apuramento das crianças
avaliadas e/ou tratadas por DDA entre janeiro de 2005 e dezembro de 2009.
Procedemos igualmente à revisão dos registos cirúrgicos do Serviço no mesmo
período para levantamento dos dados das crianças em que ocorreu falência do
tratamento conservador e/ou sujeitos a procedimentos invasivos (artrografia ou
terapêutica cirúrgica, doravante designados como "operados").
Foi feito o levantamento e a revisão do processo clínico e radiológico dos
doentes "operados" com mais de 2 anos de seguimento. Identificámos os casos em
que o protocolo do Serviço (acima descrito) foi ou não aplicado, nomeadamente
em relação à colocação de tração pré-operatória
Nos registos clínicos procurámos dados relativos à presença de dor,
claudicação e dismetria.
Analisámos a primeira e última radiografia disponíveis em cada processo. A
primeira radiografi a de cada criança foi classificada de acordo com a
classificação de Tonnis (elaborada para a CSHD, Commission for the Study of Hip
Dysplasia) 13. Foram avaliados e registados os índice acetabular (IA) e ângulo
lateral-center-edge de Wiberg (LCE).
A classificação de Tonnis avalia o grau de sub/ luxação de acordo com a posição
da cabeça femoral relativamente às linhas de Hilgenreiner e Perkins.
(Figura_2). Classifica como grau I as ancas em que há migração lateral da
cabeça femoral mas em que o centro de ossificação (CO) está medial à linha de
Perkins (Figura_3); como grau II as ancas em que o CO está lateral a esta linha
mas inferior à linha horizontal que passa no rebordo acetabular (Figura_4);
como grau III as ancas em que o CO está ao nível do rebordo acetabular (Figura
5); e como grau IV quando o CO está acima do rebordo acetabular (Figura_6).
O IA e o LCE foram medidos com goniómetro nas radiografias em película. Nas
radiografias em suporte digital este ângulo foi medido por intermédio do
goniómetro disponível nos diversos sistemas de software utilizados (Figura_7 e
Figura_8).
Nas radiografias mais recentes foram também medidos os mesmos ângulos para
avaliação da sua evolução (Figura_9).
Ao longo da revisão do arquivo radiológico de cada processo clínico estivemos
ainda atentos à presença de alterações compatíveis com NA da cabeça femoral,
descrevendo-as segundo a escala de Kalamchi.
Descriminaram-se os procedimentos efetuados e as eventuais complicações, caso a
caso.
Os dados serão apresentados em tabelas esquemáticas com descrição pormenorizada
da idade das crianças, dos procedimentos efetuados, complicações (incluindo
falência do tratamento) e reintervenções.
Não se efetuou um trabalho de correlação estatística mas apenas a sua
apresentação como estatística descritiva, dada a diversidade dos procedimentos
realizados. Os valores de IA e LCE indicados são a média dos valores avaliados
nos subgrupos de doentes respetivos. Por se tratar de uma avaliação
retrospetiva de coorte não foi necessária a avaliação por uma comissão de
ética.
RESULTADOS
A descrição dos dados das crianças "operadas" (artrografia ou
cirurgia) será feita por faixa etária conforme Quadro_II: menores do que 6
meses (inclusivé), entre os 7 e os 18 meses, dos 19 meses aos 4 anos, maiores
do que 4 anos.
Crianças "operadas" até aos 6 meses de idade (Quadro_III):
Quadro_III
No grupo com idade até aos 6 meses tivemos 8 casos de ancas (Grau I) que se
apresentavam apenas instáveis (deslocáveis) mas que apresentaram uma
intolerância ao aparelho de abdução, obrigando a uma mudança de atitude
terapêutica. Em 5 destes casos foi aplicado o protocolo do Serviço com tração
cutânea durante duas semanas, em 3 não foi aplicada tração. Todos foram
submetidos, sob anestesia geral, a artrografia para avaliação da
concentricidade da redução seguida de imobilização gessada e seguimento segundo
o protocolo do Serviço (Figura_10). Um dos casos (intervencionado aos 2 meses)
foi submetido a nova artrografi a e gesso pelvi-podalico aos 5 meses por
suspeita de instabilidade residual que não se confirmou. Todos evoluíram de
forma favorável em termos da displasia, mas num dos casos (intervencionado aos
3 meses, não tendo sido aplicada tração prévia) apresentou na altura da revisão
uma NA de grupo I.
Figura_10
Encontrámos ainda neste grupo etário 24 ancas deslocadas correspondentes a 23
crianças (uma bilateral) em que o tratamento conservador foi ineficaz. (Figura
11).
Nas ancas com DDA Grau II (19 ancas em 18 crianças) obteve-se uma redução
concêntrica sob anestesia geral na fase inicial em 84,3% das ancas luxadas (16
ancas). Destas, 2 ancas não tiveram uma evolução favorável, obrigando a um
tratamento posterior com redução cruenta e osteotomia de Salter aos 15 meses de
idade numa criança, e, na outra, a operação de Klisic aos 19 meses, tendo ambas
evoluído de forma favorável com boa concentricidade e sem complicações. As 14
ancas submetidas a redução incruenta e imobilização gessada e que evoluíram
favoravelmente (em termos de estabilidade) apresentaram uma boa remodelação
acetabular na altura da revisão, complicada por uma necrose asséptica de grupo
I em 2 casos e uma necrose asséptica de grupo II numa criança que não foi
submetida a tração prévia.
Em 3 casos apurou-se logo na artrografia inicial a impossibilidade de obter uma
redução incruenta. Num caso, tratado aos 5 meses, foi feita artrografia,
redução cruenta e gesso pelvi-podálico. Apresenta uma displasia acetabular
residual (IA de 33º) e encontra-se em vigilância. Outros dois casos, com
artrografia aos 3 e 5 meses, apresentavam irredutibilidade. Foram operados aos
12 e 17 meses (respetivamente). Foi feita artrografi a, redução aberta,
osteotomia femoral e pélvica (Klisic), seguidas de gesso pelvi-podálico. Foi
feita extração do material de OTS aos 3 anos. Encontram-se bem aos 5 e 7 anos
de idade, sem evidência de NA.
No subgrupo de crianças com menos de 6 meses e com DDA Grau III encontrámos 5
casos (em 5 crianças). Em 4 casos foi aplicado o protocolo com tração prévia,
artrografi a, redução incruenta e gesso pelvi-podálico. Apenas em um caso,
intervencionado aos 4 meses, não houve necessidade de outros procedimentos e
encontra-se bem. Os outros 3 casos recidivaram o que obrigou a uma redução
cruenta aos 8 e 12 meses. Numa criança os pais recusaram o tratamento
cirúrgico. No caso não submetido a tração, foi tentada a redução incruenta aos
5 meses tendo a artrografia inicial demonstrado irredutibilidade. Foi operado
aos 17 meses, submetido a redução cruenta, osteotomia femoral e pélvica
(procedimento de Klisic) tendo evoluído sem complicações.
Crianças "operadas" aos 7-18 meses de idade (Quadro_IV):
Quadro_IV
Do grupo das crianças inicialmente tratadas entre os 7 e os 18 meses,
contabilizamos 6 ancas em 6 crianças de DDA Grau I. Todas elas foram tratados
segundo a metodologia do serviço aos 7 (2), 11 e 18 meses (3) tendo evoluído de
forma favorável com melhoria signifi cativa (média de 10,5º) do IA e sem
qualquer complicação.
Nesta faixa etária, com DDA Grau II, foram referenciadas 19 ancas em 18
crianças (1 bilateral).
Três crianças (14, 15 e 18 meses) foram submetidas a artrografia, redução
incruenta e aplicação de dispositivo de abdução. As duas crianças mais jovens
não necessitaram de outros procedimentos, nem apresentam evidência de NA. A
criança operada aos 18 meses foi reoperada aos 20 meses por recidiva da
luxação, tendo sido submetida a artrografia, redução cruenta, osteotomia
pélvica e femoral (procedimento de Klisic).
Doze ancas (em 11 crianças) foram submetidas tração pré-redução (exceto uma),
artrografia, redução incruenta e aplicação de gesso pelvi-podálico. Em 9 casos
não foi necessário qualquer outro procedimento invasivo e não houve evidência
de NA, incluindo a criança em que não foi feita tração. Uma criança apresenta
displasia residual e encontra-se em vigilância. Uma criança, tratada
inicialmente aos 7 meses, foi submetida a redução cruenta e osteotomia femoral
aos 14 meses por apresentar uma recidiva da luxação. Esta osteotomia foi
revista 3 meses depois por rerrecidiva. Aos 12 anos, foi submetido a artrodese
da anca.
Em dois casos a artrografia inicial demonstrou irredutibilidade. Ambas as
crianças tinham sido seguidas inicialmente noutras instituições onde foram
submetidas a aparelhos de abdução e tração com recidiva da luxação. Um destes
foi seguido desde os 12 meses na nossa instituição. Fez artrografia aos 15
meses e foi aos 16 meses submetido a nova artrografia, redução cruenta e
imobilização gessada. Aos 2 anos apresenta NAV grau II/III. O outro caso,
seguido desde os 8 meses na nossa instituição, foi submetido a artrografia aos
8 meses. Foi reoperado aos 12 meses, tendo sido feita artrografia, redução
cruenta, osteotomia pélvica e femoral (procedimento Klisic). Apresenta, à
altura da revisão, uma NA grau I.
Uma destas crianças foi operada aos 15 meses, submetida a artrografia, redução
cruenta e osteotomia femoral de varização. Por apresentar uma displasia
residual foi reoperada aos 4 anos, com osteotomia pélvica de Salter. A outra
criança foi operada aos 18 meses, submetida a artrografia, redução cruenta e
osteotomia pélvica (Salter). Apresenta NA grau I.
No grupo das crianças que apresentavam uma DDA Grau III (3 ancas) constatamos
que em todos os casos foi impossível obter uma redução concêntrica inicial pelo
que foram todos submetidos a uma redução cruenta. Foram operadas respetivamente
aos 11, 13 e 15 meses apresentando uma hipermetria de 1 cm em duas crianças.
No grupo com DDA Grau IV foram identificadas 4 crianças. Em todas elas foi
necessário procedera uma redução cruenta. Constatou-se uma grande instabilidade
em todas elas, obrigando a reintervenções.
Uma criança foi submetida aos 18 meses a artrografia, redução incruenta e
imobilização gessada. Reoperado aos 20 meses, submetido a artrografia, redução
cruenta, osteotomia femoral e acetabular (Klisic) (Figura_12).
Outra criança foi operada aos 8 meses, tendo sido feita artrografi a, redução
cruenta e imobilização gessada. Foi reoperada aos 16 meses (Klisic) e aos 24
meses (revisão da redução e da osteotomia femoral).
Dois casos foram submetidos (aos 17 e 24 meses) a artrografia, redução cruenta,
osteotomia femoral e acetabular (Klisic), ambos revistos. O primeiro destes não
teve aplicação de protocolo pré-operatório, teve necessidade de nova redução
cruenta aos 18 meses. No segundo caso foram revistas as duas osteotomias.
Crianças "operadas" dos 19 meses aos 4 anos de idade (Quadro_V):
Quadro_V
No grupo (19 meses aos 4 anos) com DDA Grau II identificámos 5 casos (em 5
crianças).
Duas crianças foram submetidas (aos 21 e 23 meses) a artrografi a, redução
incruenta e imobilização gessada. Ambas foram reintervencionados com
procedimento semelhante cerca de 2 meses depois. Foram ainda sujeitas a uma 3ª
reintervenção, num dos casos para nova artrografi a e redução incruenta, no
outro caso para Klisic.
Um outro caso foi operado aos 3 anos, submetido a redução cruenta e osteotomia
femoral. Foi reoperado com osteotomia femoral e pélvica (de Tonnis). Apresenta
como sequelas pseudartrose de ramo ísquiopúbica, e coxa magna (e encurtada) mas
com uma boa congruência articular. Dois casos foram operados aos 2 anos,
submetidos a procedimento de Klisic, tendo um deles necessitado de uma
tenotomia dos adutores aos 7 anos, e apresentando NA grupo III.
Nos 6 casos (5 crianças) com DDA Grau III, uma criança foi submetida (aos 23
meses) a tração prévia, artrografia, redução incruenta e imobilização gessada.
Reoperada aos 4 anos, submetida a procedimento de Klisic.
Em 5 casos (três casos com 2 anos, um com 3 e um com 4 anos) foi realizado
procedimento de Klisic. Uma das crianças (operada com 2 anos, caso bilateral)
teve necessidade de apofi siodese do grande trocanter aos 8 anos, apresenta NA
grau IV à esquerda. Uma das outras crianças de 2 anos apresenta NA grau I.
Nos 5 casos (4 crianças) com DDA Grau IV, todos as ancas (dois casos com 21
meses, um com 22 meses, um com 3 e um com 4 anos) foi realizado procedimento de
Klisic. Um dos casos (22 meses) foi reoperada aos 2 anos, nova artrografia,
redução incruenta e imobilização gessada. Sem evidência de NAV neste grupo.
Crianças operadas com mais de 4 anos:
No período referido foram operadas 4 crianças / adolescentes, com 6, 7, 12 e 15
anos, por sequelas de DDA.
Duas delas, com 6 e 7 anos, foram submetidas a redução cruenta, osteotomia
femoral e pélvica (Chiarie Dega).
Uma criança (12 anos) apresentava sequelas de DDA diagnosticada aos 12 anos de
idade. Foi feita osteotomia femoral de varização, osteotomia pélvica (Chiari) e
alongamento da tíbia com fixador externo circular.
A adolescente (15 anos) foi submetida a osteotomia acetabular tripla.
Necrose Avascular (Quadro_VI)
Quadro_VI
Nas ancas "operadas" até aos 6 meses de idade observámos 4 ancas
com NA. Isto corresponde a 12,5% de incidência neste grupo etário.
Nas oito ancas grau I de Tonnis tivemos um caso de NA do grupo II de Kalamchi,
previamente submetida a artrografia e redução incruenta imobilizada com gesso,
sem tração prévia. Corresponde a 12,5% de incidência de NA neste grupo. Em 19
ancas com DDA grau II (Tonnis), observamos dois casos com NA do grupo I de
Kalamchi que foram submetidas ao mesmo procedimento mas com tração prévia e uma
anca com NA do grupo II submetida aos mesmos procedimentos mas sem tração
prévia, que corresponde a um total de 16% de incidência.
Nas ancas tratadas entre os 7 e os 18 meses observamos uma incidência global de
NA de 9%.
Todas as crianças que desenvolveram NA estavam incluídas no grau II de Tonnis,
com duas ancas com NA do grupo I e uma do grupo II de Kalamchi, para um total
de 19 ancas tratadas, correspondendo a 16% de incidência nesta idade e grau de
DDA. Todas as crianças foram submetidas a artrografia e redução incruenta com
gesso e tração prévia.
Entre os 19 meses e os 4 anos observamos 3 casos de NA em 16 ancas que
corresponde a 19% de incidência. A única criança com NA de grau II apresentava-
se no grupo III de Kalamchi que corresponde a uma incidência de 20% neste
subgrupo. Outras duas crianças com um Tonnis grau III apresentavam evidência de
NA do grupo I e IV respetivamente, o que corresponde a 33% de incidência. Todas
as crianças que desenvolveram NA neste grupo etário foram submetidas entre os
24 e os 30 meses de idade a um procedimento de Klisic, sem tração prévia.
DISCUSSÃO
Protocolo
Quando se aborda a DDA o principal fator de prognóstico é o grau de
instabilidade. Se a cabeça do fémur se encontra dentro da cavidade acetabular e
é apenas luxável (sinal de Barlow positivo) o prognóstico é francamente
favorável, conforme se demonstra nesta revisão e preconizado por John R Davids
[15]. O sucesso do dispositivo de abdução em DDA não teratológica encontra-se
bem fundamentado. O dispositivo mais popular é o idealizado por Pavlik
(designado como tala, ou arnês, consoante os autores) [35]. Mantém a anca
reduzida em cerca de 100° de flexão e abdução. A Sociedade Europeia de
Ortopedia Infantil aponta-lhe uma taxa de falência de 14%[18].
Outros autores abordam em exaustão a dificuldades dos pais em recolocar o
aparelho. Relatam que 23% dos casais têm muita dificuldade na primeira semana
19 com domínio progressivo a partir dessa data.
As complicações surgem quando a cabeça do fémur se encontra deslocada (Ortolani
positivo) em que a taxa de insucesso de uma redução varia entre os 7% e os 37%
[20,21]. Na nossa série tivemos uma taxa de insucesso na redução de 21%.
O mais importante é analisar o porquê desta taxa de insucesso elevada. Um fator
importante pode ser o facto de termos um número elevado de doentes com um
diagnóstico tardio (28 crianças com diagnóstico depois dos 6 meses). Sabemos
que à medida que o tempo avança a e as deformidades anatómicas vão aumentando
há dificuldade da redução por aparelhos de abdução.
Por outro lado deparámo-nos com o facto de algumas crianças serem referenciadas
depois de várias semanas ou mesmo meses de uso de um aparelho de abdução sem
sucesso. Estas são as crianças mais problemáticas pois puseram questões não
sóem termos de redução mas também em termos da manutenção da congruência. Hoje
em dia tornámonos extraordinariamente rigorosos e, se ao fim de duas semanas
não conseguimos uma redução concêntrica com um aparelho de abdução, passamos
para a tração e redução sob anestesia geral seguida de imobilização gessada.
Desta forma evitamos manobras forçadas diminuindo o risco de lesões
iatrogénicas.
Necrose Avascular
A classificação de Kalamchi[29] baseia-se na tradução radiográfica que a lesão
isquémica produzao nível da extremidade proximal do fémur. Trata-se de uma
classificação precisa na predição da história natural da NA, em que as
alterações funcionais futuras, no esqueleto maduro, coincidem com o tipo de
alterações previamente observadas. Este autor mostroua relação entre a presença
de NA na criança e o aumento das taxas de doença degenerativa precoce no
adulto, principalmente nos doentes que permanecem com subluxação ou displasia.
Definem-se 4 grupos: no grupo I as alterações afetam apenas o núcleo de
ossificação, com bons resultados a longo prazo; o grupo dois II apresenta lesão
da porção lateral da fise, sendo este o grupo com o prognóstico mais
imprevisível; no grupo III a lesão da fise é central, cursando com perturbações
graves no desenvolvimento da extremidade proximal do fémur por paragem de
crescimento deste segmento; o grupo IV apresenta lesão de toda a cabeça e da
fise, resultando muitas vezes em desenvolvimento retardado do acetábulo por
destruição da cabeça femoral, com displasia persistente e alterações
degenerativas precoces. Tanto no grupo III como no IV a dismetria dos membros
inferiores é uma complicação habitual e obriga ao seguimento apertado destas
crianças até à maturação óssea. Infere-se, assim, que as alterações que ocorrem
a nível da fise vão produzir sequelas mais graves no esqueleto maduro.
A necrose avascular da cabeça do fémur é considerada a complicação mais grave
do tratamento desta patologia[23]. As taxas de NA relatadas na literatura
variam entre 0% e 28%[14,17]. Na nossa série a taxa global de NA após
tratamento de DDA foi de 12,5%. Estratifi cando os resultados parece-nos
existir uma tendência para taxas de NA mais elevadas emcrianças cujo primeiro
tratamento é mais tardio.
No nosso estudo o grau de luxação parece estar também relacionado com a
gravidade da DDA.
Todas as necroses dos grupos II, III e IV aparecem em DDA dos graus II, III,
IV. Sendo que em todas as DDA grau I apenas observamos uma anca com NA do grupo
I de Kalamchi.
O uso de tração prévia e de anestesia geral tem vindo a ser discutido[29] como
fator protetor para o aparecimento de NA (pelo menos dos graus mais avançados).
No nosso trabalho observamos uma tendência estatística para a ocorrência do
mesmo, com taxas de NA mais favoráveis nos doentes que realizaram tração prévia
à redução. Não nos foi possível apurar uma relação entre o tipo de anestesia e
a NA, pois todos os procedimentos foram realizados sob anestesia geral. Também
não encontramos relação entre a ocorrência de NA e o tipo de redução, fechada
ou aberta.
Observamos, nesta revisão, uma tendência para a ocorrência de NA mais graves em
crianças mais velhas, com as únicas NA III e IV presentes no estudo a
incluírem-se neste grupo. Pelo contrário Kalamchi e Scott[29, 30] mostram que
as formas mais severas de NA tem tendência a ser mais prevalentes em crianças
cujo tratamento começou entre o nascimento e os 6M. No entanto Scott mostrou
existir uma elevada associação entre o atraso/protelamento da primeira cirurgia
para a anca luxada e a necessidade de uma futura cirurgia, defendendo este
autor que a intervenção deve ser precoce, e que a eventualidade de aumentar o
risco de NA não deve alterar a nossa conduta de tratamento da DDA.
Resultados clínicos
A natureza retrospetiva desta revisão, a dimensão da amostra e a paucidade de
dados clínicos registados impedem uma análise profunda dos dados clínicos
registados. Por esse motivo limitámos a priori a nossa expectativa e atentámos
na referência de dados subjetivos como a claudicação, dismetria e a presença de
dor. A DDA não cursa, geralmente, com dor e a dismetria é muitas vezes bem
tolerada. A claudicação resultante de própria dismetria e duma anomalia /
assimetria da anca patológica acaba, assim, por ser o principal dado clínico
referido.
Mesmo assim, em vários casos com nítida dismetria ou com múltiplos
procedimentos não há registos clínicos coerentes, pelo que optámos por não
incidir em avaliações de ordem clínica e concentrámos a nossa atenção na
evolução radiológica dos casos. Como se vê pelos exemplos ilustrados ao
longo do trabalho, eles parecem refletir fidedignamente a evolução da doença
com o tratamento instituído.
Rastreio
Os objetivos de um programa de rastreio deverão ser o diagnóstico precoce, um
número aceitável de falsos negativos e falsos positivos, evitar tratamentos
desnecessários bem como as sequelas do tratamento tardio, nomeadamente NA da
cabeça femoral.
Todos os RN devem ter uma avaliação clínica da instabilidade da anca. Não há
consenso relativamente ao rastreio imagiológico, com opiniões estatisticamente
fundamentadas a defender quer a avaliação ecográfica universal, quer a
utilização seletiva da ecografia das ancas[28].
Para além de achados clínicos suspeitos, consideramos que se deverá realizar a
ecografia neonatal na presença de história familiar positiva, de fatores de
risco obstétrico (oligoamnios e apresentação pélvica), deformidades congénitas
ou "packaging disorders" (metatarsus adutos e torticollis). Cabe a qualquer
especialista em Ortopedia, e não apenas a quem se dedica especialmente à
Ortopedia Infantil, o reconhecimento e orientação inicial dos casos de DDA.
Neste âmbito, a interpretação do exame ecográfico da anca constitui um elemento
de particular importância e ao alcance de todos. Como se vê pelos exemplos
ilustrados ao longo do trabalho, eles parecem refletir fidedignamente a
evolução da doença com o tratamento instituído.
CONCLUSÕES
Num trabalho retrospetivo desta natureza é difícil obter conclusões
categóricas.
Ao longo dos últimos anos, e numa perspetiva de melhorar cada vez mais a nossa
atuação, temos vindo a introduzir um protocolo de tratamento da DDA no Serviço
de Ortopedia do HDE e com esta revisão retrospetiva pretendemos validar a sua
aplicação.
Não procurámos analisar o sucesso de uma determinada técnica cirúrgica, ao
contrário da maioria das publicações recentes. Pretendemos, pelo contrário,
avaliar todo um protocolo e atitude perante as indicações cirúrgicas deste tipo
de patologia.
A reflexão sobre os resultados apresentados pode ser útil a todos aqueles que
lidem com este tipo de patologia, dentro ou fora duma instituição
subespecializada.