Espondilolistese do desenvolvimento
INTRODUÇÃO
Espondilolistese é definida como um deslizamento ou deslocamento anterior ou
posterior de uma vértebra sobre outra. A existência de uma lesão uni- ou
bilateral do istmo sem deslizamento da vértebra é denominada por espondilólise
[1].
Foi descrita pela primeira vez em 1782 pelo obstetra belga Herbiniaux como uma
proeminência anterior do sacro que provocava o estreitamento do canal de parto,
sendo esta obstrução causada pela subluxação de L5 sobre S1. Em 1854 Killian
propõe o termo spondylolisthesis (a partir das palavras gregas spondylo que
significa vértebra e olisthesis que significa deslizamento). A sua etiologia
continua de certa maneira obscura sendo que se considera ser uma doença com
origem multifactorial, nomeadamente factores mecânicos, hormonais e
hereditários [2].É uma doença paradoxal, que se pode apresentar tanto com
deslizamento vertebral mínimo que produz sintomatologia exuberante como com
deslizamento vertebral exuberante mas com sintomatologia mínima ou inexistente
sendo a condição descoberta acidentalmente em exames imagiológicos feitos com
outro objetivo. É relativamente comum na população geral com uma incidência de
4-8% [3], sendo a incidência duas vezes superior em homens [4]. Os sintomas
mais frequentes são lombalgias e em casos mais severos a sintomatologia pode
ser de origem radicular, por compressão/estiramento das raízes.
Vários sistemas de classificação foram propostos, sendo o de Wiltse, Newman e
MacNab aquele que foi universalmente aceite. Este divide a doença em 5
subtipos: ístmica, displásica, traumática, degenerativa e patológica. Em 1997
Marchetti e Bartolozzi propuseram um novo sistema de classificação que é mais
prático no que diz respeito ao prognóstico e ao tratamento, incluindo a
descrição de espondilolistese do desenvolvimento de alto e baixo grau de
displasia.
Este artigo pretende fazer uma revisão sobre a espondilolistese e seu
tratamento, nomeadamente no âmbito da espondilolistese de desenvolvimento.
CLASSIFICAÇÃO
Classificação de Wiltse, Newman e MacNab[1, 5]
Esta classificação possui 5 categorias:
Espondilolistese displásica: resulta de displasia congénita da extremidade
superior do sacro ou do arco neural de L5. Como resultado desta displasia não
há resistência suficiente à força exercida pelo peso do corpo e como tal a
última vértebra lombar desliza anteriormente.
Espondilolistese ístmica: caracterizada por um defeito bilateral do istmo e
pelo deslocamento anterior da vértebra. Alterações na morfologia da extremidade
superior do sacro e de L5 não estão presentes neste tipo podendo no entanto
existir alterações secundárias (e.g. alteração da forma do corpo de L5).
Existem 3 subtipos:
O subtipo lítico que resulta da separação do istmo devido a uma fratura de
stress.
O subtipo com istmo intacto mas alongado.
O subtipo traumático resulta sempre de um trauma severo.
Espondilolistese degenerativa: resulta de instabilidade intersegmentar de longa
duração, com remodelação das apófises articulares ao nível da lesão.
Espondilolistese traumática: é consequência de uma fratura num local da
vértebra que não seja o istmo e que permite que ocorra o deslizamento da mesma.
Espondilolistese patológica: resulta de uma doença óssea local ou geral em que
o mecanismo de gancho ósseo (que consiste no pedículo, istmo, apófises
articulares superior e inferior) se torna incapaz de suportar o peso e ocorre o
deslocamento anterior da vértebra. É extremamente rara.
Classificação de Marchetti e Bartolozzi[6]
Esta classificação foi proposta com o intuito de facilitar a escolha de
tratamento e definição de prognóstico da doença. É um sistema de classificação
baseado na etiologia que diferencia os vários processos patológicos que
conduzem à espondilolistese. Nesta classificação existem duas categorias
principais: a espondilolistese adquirida e a espondilolistese do
desenvolvimento.
Espondilolistese Adquirida
Como resultado de processos:
Traumáticos: fratura aguda, devido a uma lesão única de alta energia sendo
provavelmente melhor considerada como fratura-luxação. Fratura de stress, ao
nível do istmo, normalmente aparece em adultos jovens e de meia-idade com
queixas de dores lombares.
Pós-cirúrgica: direta, por descompressão posterior ou cirurgia do disco no
nível do deslizamento. Indireta, podendo ocorrer a um nível superior a uma
cirurgia prévia como fusão lombossagrada curta, ou então distal a uma fusão
toracolombar por escoliose.
Patológica: local, secundária a um processo focal ao nível da lesão. Sistémico,
como resultado de uma doença generalizada óssea ou do tecido conjuntivo tal
como osteogénese imperfeita, a doença de Ehler-Danlos ou a síndrome de Marfan.
Degenerativa: primária, protótipo típico observado na mulher de meia-idade.
Secundária, encontrado em pacientes com factores que predispõem a alterações
degenerativas tais como a fusão congénita acima do nível afetado.
Espondilolistese do desenvolvimento
Identificada por deficiências primárias do desenvolvimento na região
lombossagrada que resultam em vários graus de displasia. O termo
espondilolistese ístmica (proposto na classificação de Wiltse, Newman e MacNab)
deve ser evitado pois é uma referência anatómica inespecífica e não diferencia
entre as formas de espondilolistese do desenvolvimento e espondilolistese
adquirida. Ambos os tipos podem ter defeitos no istmo, mas estes resultam de
processos patológicos diferentes.
A espondilolistese do desenvolvimento pode ser de alto grau ou de baixo grau de
displasia, dependendo esta distribuição da presença das alterações displásicas
de L5 e S1 que significam risco de maior deslizamento (cifose lombossagrada
significativa, vértebra L5 trapezoide, elementos posteriores de L5 e S1
displásicos e plataforma superior de S1 em cúpula).
Esta classificação ganhou popularidade chegando a ser recomendada pela
Scoliosis Research Society (SRS), no entanto não inclui critérios precisos
sobre a diferenciação entre espondilolistese do desenvolvimento de alto e de
baixo grau[7].
Classificação de Jean-Marc Mac-Thiong e Hubert Labelle (Classificação Spinal
Deformity Study Group - SDSG)
A classificação original não foi estabelecida como guia para o tratamento
cirúrgico e não era baseada no equilíbrio sagital espinhopélvico que é
considerado por diversos autores como um parâmetro importante na patogénese e
tratamento da espondilolistese do desenvolvimento [8, 9, 10, 11]. Por outro
lado mesmo a variante de Herman e Pizzutillo[12] que combinava elementos das
classificações anteriormente referidas, foi proposta com foco na escolha de
tratamento conservador, sendo que não incluía pacientes com alongamento ou
defeitos do istmo, não tinha em conta o grau de displasia, clarificando apenas
as diferenças entre espondilolistese traumática e espondilolistese do
desenvolvimento ístmica. Em virtude disto Jean-Marc Mac-Thiong e Hubert Labelle
[7, 13] propuseram um novo sistema de classificação com intuito de fornecer um
algoritmo para o tratamento cirúrgico da espondilolistese do desenvolvimento de
L5-S1 em crianças e adolescentes.
Tendo em conta os factores de risco para progressão da espondilolistese
descritos na literatura (sexo feminino, apresentação da doença em idade jovem,
grau de severidade do deslizamento na apresentação, tipo não ístmico, ângulo de
deslizamento aumentado e um alto grau de displasia óssea), os autores definem 6
subtipos de espondilolistese de desenvolvimento que são apresentados por ordem
crescente de severidade, em relação com o risco de progressão e o resultado
cirúrgico esperado.
Os subtipos são definidos de acordo com:
Grau de deslizamento (<50% e >50%) (Figura_1).
Equilíbrio Sacropélvico: na espondilolistese com baixo grau de deslizamento
(<50%), os autores basearam-se nas sugestões de Roussouly et al[14] em que
indivíduos com uma Incidência Pélvica (Figuras_2 e 3) elevada (PI>60°)
associada a um Declive Sagrado (Figuras_2 e 3) elevado (SS>40°) possuem forças
de cisalhamento sobre o disco de L5-S1 e de tensão sobre o istmo de L5 maiores,
enquanto em indivíduos com uma Incidência Pélvica e um Declive Sagrado menores
(PI<60°e SS<40°) o seu defeito ao nível do istmo poderá resultar de conflito
repetitivo das facetas posteriores de L4 e S1 em L5 durante movimento de
extensão, chamado mecanismo quebra-nozes (nutcracker). Identificou-se ainda num
estudo mais recente, um terceiro subgrupo com PI e SS com valores normais (PI
54 ± 4° e SS 45 ± 4°) [15]. Existem assim três populações de pacientes
distintas e como tal existem três tipos distintos de pacientes com baixo grau
de severidade: o tipo 1 (nutcracker type) com PI reduzido (PI<45º) o tipo 2 com
PI a rondar valores normais (PI >45º e <60º) e o tipo 3(shear type) com PI
elevado (PI>60º)[13].
Na espondilolistese de alto grau de deslizamento (>50%) definiram duas
populações distintas, um grupo com um equilíbrio relativo do sacro/pelve (alto
SS/baixa Versão Pélvica (PT) (Figuras_2 e 3) e outro grupo com cifose
lombossagrada e desequilíbrio lombossagrado, indicados por uma pelve
retrovertida/verticalização do sacro (baixo SS/alto PT)[7], tendo estes dois
grupos sido confirmados posteriormente por Hresko et al [16].Equilíbrio
espinhopélvico: é incluído na classificação pois a sua preservação e restauro
tem importância primordial no tratamento da deformidade da coluna. Foi
demonstrado que este está associado a melhor qualidade de vida relacionada com
a saúde em pacientes com deformidade da coluna[17]. É determinado utilizando a
linha de prumo de C7 (linha vertical que passa pelo centro do corpo de C7), se
esta passar sobre ou atrás das cabeças femorais, a coluna está equilibrada, se
ficar à frente das cabeças femorais a coluna está desequilibrada [18]. Como
segundo a experiência dos autores a coluna está quase sempre equilibrada na
espondilolistese de baixo grau e na de alto grau com equilíbrio sacropélvico,
só se considera então necessário medir o equilíbrio global sagital
espinhopélvico em situações de espondilolistese de alto grau com desequilíbrio
sacropélvico. Na espondilolistese de alto grau existem assim novamente 3
subdivisões, o tipo 4 com pelve equilibrada (alto SS/baixo PT), o tipo 5
(Coluna Equilibrada) com pelve retrovertida (baixo SS/alto PT) e manutenção do
equilíbrio espinhopélvico e o tipo 6 (coluna desequilibrada) com pelve
retrovertida (baixo SS/alto PT) em que o equilíbrio espinhopélvico foi perdido.
A divisão com base nestes padrões de equilíbrio sagital baseia-se no facto de
as forças biomecânicas serem diferentes de paciente para paciente e como tal
cada padrão específico de equilíbrio sagital tem influência no risco de
progressão e resultado do tratamento.
Originalmente também incluíam na sua classificação a avaliação do grau de
displasia, no entanto verificaram que a concordância inter-individual na
realização da mesma era moderada, havendo alguma dificuldade em distinguir
entre alto e baixo grau de displasia, pelo que optaram por excluir este
parâmetro e incluíram a avaliação do equilíbrio global sagital[17].
Foi realizado um estudo para confirmar a concordância inter- e intra-observador
na aplicação desta classificação através de um software de computador e os
resultados demonstraram que esta era substancial. No entanto os autores
consideram que será necessário melhorar o software para aumentar ainda mais a
eficácia com que os pacientes são classificados, facilitando o uso clínico da
classificação[ 19].
MORFOLOGIA E BIOMECÂNICA
Qualquer que seja a etiologia, o aspeto radiográfico será sempre o mesmo, uma
vez que a morfologia e as forças biomecânicas aplicadas na junção lombossagrada
são comuns às diferentes condições patológicas [21].
A estabilidade da coluna é conferida pelo equilíbrio geral coronal e sagital da
coluna (isto é, a relação espacial entre os seus diversos componentes,
nomeadamente as vértebras) e pela integridade do complexo osteo-disco-
ligamentar.
Ao nível lombossagrado a estabilidade é dependente da orientação espacial de L5
em relação ao sacro, ângulo lombossagrado, declive sagrado e incidência
pélvica, assim como um complexo osteo-disco-ligamentar intacto. A orientação do
sacro está interdependente da rotação pélvica, extensão da coxa e lordose
geral [22], estando a inclinação sagrada normal (Figura_4) entre 40-60°[21].
A configuração da anatomia lombossagrada na espondilolistese é variável sendo
que as mesmas forças que causam a espondilolistese também provocam deformação
do sacro nas crianças em crescimento. As relações entre o declive sagrado,
versão pélvica e lordose lombar são dependentes da incidência pélvica. Esta
aumenta com a idade estabilizando após a puberdade, sendo normalmente cerca de
53º. Apesar da ocorrência de espondilolistese e um grau de deslizamento maior
estarem associados a um valor de incidência pélvica mais elevado (resulta em
elevadas forças de cisalhamento na junção lombossagrada), segundo os últimos
estudos
realizados esta não tem qualquer valor prognóstico para a progressão da
espondilolistese, supondo-se que poderá apenas predispor a ocorrência da
patologia[8, 13, 21, 23].Em virtude deste impasse no que toca à incidência
pélvica como fator de prognóstico, alguns autores estudaram a anatomia sagital
do sacro, que também é independente da posição e única para cada indivíduo. Zhi
Wang et al[24] concluíram que indivíduos com espondilolistese possuíam uma
plataforma superior do sacro alargada (maior índex de plataforma sagrada
(Figura_5), um valor de cifose sagrada maior (ângulo entre uma linha que passa
pelos pontos médios das faces superior e inferior de S1 e outra linha que passa
pelo ponto médio das faces inferiores de S2 e S4, o que apoiado pela análise de
S1 e S2, suporta a tese de que estas alterações ósseas sagitais são primárias e
não secundárias pois se o fossem limitar-se-iam a L5 e à plataforma superior do
sacro) e que o ângulo da plataforma sagrada (Figura_6) diminuía de acordo com o
grau de severidade da espondilolistese.
Isto apoia a teoria de que o ângulo da plataforma sagrada estará relacionado
com a etiologia e progressão da espondilolistese, uma vez que ao contrário da
incidência pélvica, esta propriedade anatómica do sacro é estável e é pouco
afetada pelas alterações adaptativas do osso no processo de crescimento. Do
ponto de vista biomecânico um valor menor do ângulo da plataforma sagrada
traduz-se num aumento das forças de cisalhamento na junção lombossagrada [24].
Num paciente esqueleticamente imaturo o ângulo de cifose/lordose lombossograda
determina a probabilidade de progressão do deslizamento. Valores de ângulo de
deslizamento (formado pelo prato inferior de L5 e uma linha perpendicular à
face posterior de S1, é negativo (-) quando em lordose e positivo quando em
cifose (+)) maiores que 55º (normal: -10º a 0º) relacionam-se com maior
probabilidade de progressão[7]. Da mesma forma, Dubousset[25] (Figura_7) define
que um ângulo lombossagrado menor que 100º (normal de 90º a 110º)
invariavelmente leva à progressão da espondilolistese.
Marchetti e Bartolozzi definem que na espondilolistese de alto grau o risco de
progressão é maior, podendo também influenciar o resultado da cirurgia[6].
Alterações displásicas afetam a direção e a magnitude das forças de stress, a
eficácia das estruturas da coluna posterior e anterior assim como o processo de
crescimento ao nível da junção lombossagrada, pelo que um indivíduo
diagnosticado aos 5 anos com espondilolistese do desenvolvimento de baixo grau
poderá progredir para alto grau secundariamente ao crescimento e alterações
adaptativas e de remodelação. De facto o crescimento anormal é tido como a
maior influência na progressão do deslizamento[21].
O Spine Deformity Study Group (SDSG) recomenda a avaliação da Incidência
Pélvica, Declive Sagrado e Versão Pélvica para caracterizar a morfologia e
orientação pélvica. Diversos estudos[8, 9, 10, 26] demonstram que existem
diferenças na morfologia sacropélvica entre uma população normal e uma
população com espondilolistese, de facto a Incidência Pélvica aumenta
linearmente em relação à severidade da espondilolistese[8, 9, 26]. Defeitos
regionais na charneira L5-S1 assim como na orientação sacropélvica e sua
morfologia podem influenciar o equilíbrio sagital global e a marcha, uma vez
que a geometria sacropélvica, a coluna lombar e a coluna torácica estão
relacionadas[18, 27]. Com a progressão da espondilolistese, pode ocorrer uma
modificação da geometria da coluna de forma a compensar o desequilíbrio em L5/
sacropélvico. Normalmente há um aumento da lordose lombar de forma a manter o
centro de gravidade em cima/atrás das ancas e para a manutenção de uma postura
equilibrada. Como primeiro mecanismo de compensação, a lordose pode ser
aumentada através de um aumento intervertebral segmentar ou pela inclusão de
mais vértebras no segmento lordótico. Quando o limite máximo de lordose é
alcançado, o paciente tenta manter o equilíbrio através da retroversão pélvica.
A retroversão pélvica por flexão das ancas e retração dos músculos
isquiotibiais também pode ser um mecanismo compensatório neurológico para
aliviar a compressão de raízes nervosas ou da cauda equina secundária à
espondilolistese. Este segundo mecanismo de compensação corresponde ao grupo
com retroversão pélvica/sacro vertical (baixo SS/alto PT). Uma vez que o
paciente tem uma PI fixa pois é um parâmetro anatómico, o SS diminui e o PT
aumenta à medida que ocorre retroversão pélvica e o sacro se torna vertical.
Quando o limite destes dois mecanismos de compensação é alcançado o paciente
desenvolve um desequilíbrio sagital, caracterizado por uma inclinação para a
frente do tronco.
IMAGIOLOGIA
As radiografias simples são a melhor forma de diagnosticar a doença[1]. Estas
devem ser feitas com o paciente de pé pois caso esteja deitado poderá ser
observada uma "falsa" espondilolise em casos com menor grau de
deslizamento. O ideal para avaliar o equilíbrio sagital global será uma
radiografia lateral em que se observe a coluna vertebral completa, isto é,
desde o crânio até às cabeças femorais. Defeitos no istmo são melhor
identificados em radiografias oblíquas. Radiografias laterais em flexão e
extensão permitem identificar a presença de instabilidade, esta será melhor
identificada com o paciente em decúbito e não em posição ereta, sendo que o
grau de dor lombar se relaciona com o grau de instabilidade e não com a
quantidade de deslocamento estático na espondilolistese.
Cintigrafias ósseas são úteis na identificação de fraturas agudas e
pseudartroses em áreas de fusão antigas.
Tomografia computorizada (CT) é útil graças aos cortes e reconstruções que se
poderão fazer nos 3 planos. A visualização coronal e sagital permite a
identificação de compressão de raízes nervosas por tecidos moles e a
identificação de osso dentro e fora do canal vertebral. Para melhor observação
da lise, os cortes deverão ser realizados no eixo do istmo, isto é, deverão
fazer 60º com os cortes discais clássicos. Este exame é particularmente
interessante para analisar anomalias do arco posterior das formas displásicas
[28].
A ressonância magnética permite a avaliação da degeneração do disco, que
poderá ser útil para a determinação dos limites superiores extremos de fusão.
TRATAMENTO
Existem diversas opções de tratamento na espondilolistese: atitude expectante
com vigilância periódica do paciente, limitação das atividades, exercícios
(fundamentalmente exercícios de flexão), imobilização (ortóteses e gesso),
reparação do defeito ístmico, fusão, descompressão com/sem fusão e, por último,
redução parcial/total e fusão.
A maioria dos pacientes que se apresentam com espondilolistese são
assintomáticos, no entanto é preciso ter em conta que a espondilolistese é a
causa predominante de dor lombar e ciática na infância e adolescência. Mesmo
assim o tratamento conservador deve ser sempre a primeira opção estando a
cirurgia reservada para aqueles cujos sintomas são refratários ao tratamento
conservador. Este tipo de tratamento engloba medidas como anti-inflamatórios
não esteróides, bloqueio seletivo, terapia com ortóteses, restrição das
atividades atléticas e descanso na cama. À medida que o paciente melhora a sua
sintomatologia a rigidez com que estas restrições são aplicadas poderá ser
reduzida.
Os critérios gerais de indicação para tratamento cirúrgico incluem a
persistência de dor ou de sintomas neurológicos apesar de um curso adequado de
tratamento conservador[29], a progressão do deslizamento maior que 30%, grau de
deslizamento na apresentação ser igual ou maior que grau 3 de Meyerding e a
existência de uma deformidade cosmética associada a dificuldades posturais e da
marcha[ 30]. É preciso ter em atenção que apesar das medidas conservadoras
terem bons resultados em crianças e adolescentes, é nessas idades que há mais
apresentações de espondilolistese do desenvolvimento com alto grau de
deslizamento ou com progressão da lesão sendo portanto necessária uma
intervenção cirúrgica[1, 29]. Os factores de risco associados com a progressão
na população mais jovem são a idade inferior a 15 anos, presença de
deslizamento superior a 30%, laxidez ligamentar, sexo feminino e
hipermobilidade lombossagrada (presença de arredondamento da plataforma
superior de S1 (Figura_8) e concavidade da superfície inferior de L5)[1, 31].
Tem-se assim sempre em conta que quanto mais jovem é o paciente maior será a
probabilidade de indicação para tratamento cirúrgico sendo que o sucesso deste
também será maior quanto mais novo for o paciente. No geral, apenas 20% dos
pacientes com espondilolistese sintomática necessitam de tratamento cirúrgico
[1].
A seleção dos pacientes é extremamente importante na utilização de técnicas
cirúrgicas de descompressão ou de fusão em adultos. Os resultados são menos
favoráveis em pacientes com sintomas radiculares e em fumadores[1].
As opções cirúrgicas incluem a descompressão, fusão com/sem fixação e redução.
A descompressão, realizada através do procedimento de Gill, é utilizada
fundamentalmente em adultos em que sintomas radiculares estão presentes. Tem
como principal desvantagem o risco de deslizamento adicional pós-operatório[1,
29].
Nas crianças a descompressão raramente é indicada, estando comprovado que a
fusão in situ é suficiente para resolver os sintomas neurológicos. A remoção
dos elementos posteriores sem fusão acarreta um risco inaceitável de induzir
instabilidade da coluna vertebral e como tal não deverá ser efetuada nas
crianças[1].
Em pacientes com dor lombar persistente ou com progressão da espondilolistese a
fusão dos segmentos envolvidos será útil. Existem diversos métodos de fusão,
nomeadamente a fusão intersomática por via anterior, posterior (PLIF ou TLIF) e
posterolateral. A via posterior é preferida em relação à anterior pois é uma
técnica mais flexível, que permite a exploração dos defeitos, das raízes
nervosas e dos discos intervertebrais, por exemplo em pacientes com sintomas de
compressão das raízes nervosas, permite a inspeção das raízes nervosas locais
(normalmente de L5 e S1) e excisão do tecido fibrocartilaginoso/disco
intervertebral que tenha protrusão antes de ser realizada a fusão, prevenindo
assim a persistência de dor com irradia após a fusão.
A massa de fusão deve estender-se tão proximal e distalmente quanto for
necessário para estabilizar as vértebras e espaços intervertebrais afetados. Na
ausência de ciática e com um disco e articulação de L4 absolutamente normais, a
fusão entre L5 e S1 poderá ser suficiente. No entanto quando os elementos
posteriores de L5 forem removidos ou ambos quarto e quinto interespaços forem
explorados para aliviar a ciática, a fusão deve-se estender de L4 até S1 e para
alguns autores na maioria das situações esta deverá ser a área utilizada para a
fusão[1, 29].
A fusão tem como complicação a ocorrência de pseudartrose[1, 29, 32, 33]. A
taxa de ocorrência de pseudartroses
aumenta com a realização de descompressão posterior (área disponível para fusão
pode ser insuficiente) e à medida que aumenta o número de níveis a serem
fundidos. Além disto como esta técnica não corrige a anatomia local, forças
anormais exercidas em virtude de um equilíbrio sagital global patológico podem
causar a progressão da deformidade apesar de existirem massas de fusão
posterolaterais consolidadas. Compromisso neurológico foi também descrito como
uma sequela tardia da fusão in situ [32, 34].
Existem numerosos métodos de fixação interna que são utilizados com intuito de
aumentar a taxa de fusão, reparar diretamente o defeito do istmo na
espondilolise ou espondilolistese de grau I, ou então para reduzir o
deslocamento da vértebra na espondilolistese de alto grau. A instrumentação
transpedicular foi demonstrada como mecanicamente superior a outros sistemas de
estabilização da coluna lombar, e comparada com outras formas de fixação
permite a aplicação segmentar seletiva de força à coluna vertebral sem a
necessidade de extensão aos níveis adjacentes.
Na população pediátrica a instrumentação da coluna é apenas utilizada para
reparação direta do defeito do istmo ou redução de um deslizamento de alto
grau. Para uma lesão com grau I ou 0 de Meyerding a reparação direta pode ser
feita através da utilização de um arame à volta das apófises transversas e
espinhosa do segmento afetado ou pela colocação de um parafuso no pedículo
através da lâmina e do defeito do istmo. Enxertos ósseos são utilizados em
conjunção com a reparação.
O benefício de um procedimento de reparação direta é que ele preserva a
mobilidade do segmento envolvido, diminuindo o stress aplicado nos níveis
adjacentes. Este procedimento deve no entanto ser apenas aplicado em grau 1 ou
0 de Meyerding e o defeito deverá ser menor que 4 mm. Os pacientes mais
indicados serão aqueles com menos de 30 anos, lombalgia incapacitante apesar de
tratamento conservador e um disco intervertebral com aparência normal em
ressonância magnética[7].A redução da espondilolistese poderá diminuir a
incidência de pseudartrose e também a taxa de progressão da deformidade e
resolve os problemas neurológicos pré-operatórios pela restauração do
equilíbrio sagital através da redução da cifose lombossagrada que permite a
descompressão neuronal direta, colocando a massa de fusão sobre maior
compressão. Ao melhorar o equilíbrio sagital global, melhora também a aparência
cosmética por correção espontânea da hipocifose torácica e hiperlordose lombar,
e permite aos pacientes que se posicionem corretamente de pé[3, 35]. A redução
continua a ser uma alternativa polémica uma vez que está associada à ocorrência
de lesão neurológica em até 31% dos doentes[3].
Existem diversas técnicas para redução do deslizamento. No passado a redução
por tração e por gessos sucessivos eram as técnicas mais populares, no entanto
relacionavam-se com insucesso na redução, défices motores e tratamento
prolongado. Técnicas de redução por distração posterior foram também populares
mas envolvem cirurgia mais extensa com fusão da coluna lombar superior, causam
hipolordose assim como têm maior risco de complicações neuronais. A
instrumentação da coluna com parafusos pediculares renovou o interesse na
redução pois permite a realização da cirurgia com uma reduzida taxa de
complicações, permitindo exercer forças de distração mais elevadas com menor
incidência de compromiss o neurológico do que com distração via ganchos
laminares [11, 32, 35].
Claudio Lamartina et al propõem uma nova técnica de rotação/translação que
permite a correção da deformidade nos planos coronal e sagital com o apoio da
coluna anterior e altas taxas de fusão mas sem a necessidade de retração
excessiva do saco dural ou de pôr em risco as estruturas neurológicas.
Propuseram também que o cirurgião identificasse um indivíduo com
espondilolistese de desenvolvimento de alto grau através de um índice de
severidade (Figura_9) superior a 20% (indivíduos com baixo grau e normais têm
este índice inferior a 20%), sendo que nos indivíduos com alto grau de
displasia o tratamento será sempre cirúrgico. Devido à falta de consenso em que
circunstâncias se deveria incluir L4 na fusão, sugeriram que se definisse uma
zona de instabilidade (Figura_10), que consiste num quadrado cuja base assenta
na linha horizontal que passa pelo centro de S2 e os limites são definidos
pelos pontos em que esta é cruzada pela linha vertical de gravidade (que passa
pelo ponto médio da plataforma inferior de L5) e pela linha vertical de reação
do solo (que passa pelo centro das cabeças femorais), sendo que todas as
vértebras que estejam dentro desta zona de instabilidade deverão ser incluídas
no procedimento de instrumentação e fusão aquando da redução da
espondilolistese de L5 [35].
Apesar de usarem técnicas diferentes e de não darem as mesmas indicações para a
cirurgia de redução, os diversos autores concordam que o importante não é
reduzir o grau de deslizamento mas sim a cifose lombossagrada de forma a
restaurar o equilíbrio sagital global e assim restaurar a qualidade de vida
relacionada com a saúde do paciente, sendo que a correção da cifose é
recomendada sempre que ângulo lombossagrado de Dubousset for <100º ou o ângulo
de deslizamento >10º[7, 32]. Assim, no atual estado da arte todos os pacientes
que se apresentem com espondilolistese de alto grau com retroversão pélvica
beneficiam, e como tal têm indicação para a realização de cirurgia de redução
(parcial) com fusão do segmento[7, 11, 13, 32, 35].Novas técnicas têm sido
propostas, todas com o intuito de permitir a realização de uma redução do
defeito com o mínimo de risco de lesão neuronal. A realização de um
procedimento faseado de redução parcial com recurso a instrumentação e fusão
por aloenxerto de perónio (sem diferença na taxa de remodelação em relação ao
autoenxerto)[29, 33] foi defendida por diversos autores, sendo que estes
referem que deverá ser realizada uma colocação de enxerto ósseo estrutural
anterior em oposição à posterior, uma vez que esta permite uma maior taxa de
fusão sólida do enxerto pois este está sob a ação de forças compressivas e não
sobre tensão, tendo por isso o benefício de fornecer uma interface óssea sólida
para fusão e de dar estabilidade estrutural imediata à coluna[3, 33]. Em
alternativa à redução parcial, a realização de fusão circunferencial com
enxerto peronial e instrumentação dos segmentos envolvidos na espondilolistese
de alto grau de deslizamento permite obter resultados comparáveis à redução
parcial, com menor risco de ocorrência de lesão neurológica [33].
Nos doentes com espondiloptose a melhor solução segundo Robert W. Gaines será a
realização de vertebrectomia de L5 com redução e fusão de L4 com S1, sendo esta
cirurgia conhecida como procedimento de Gaines. Ao longo de 25 anos Gaines
reportou trinta casos em que recorreu a este procedimento, referindo que
ocorreu neuropraxia de L5 em 21 dos 30 pacientes, sendo que só 2 dos 30 é que
ficaram com défices motores e sensitivos permanentes, e só 1 destes 2 precisa
de utilizar uma ortótese tornozelo/pé para ter função. Não ocorreu disfunção
vesical, sexual e intestinal em virtude de este ser um procedimento que não
implica o alongamento da coluna. Todos os pacientes tiveram resolução da
lombociatalgia e reabilitação funcional, em particular no que toca à postura e
marcha inclinadas. Defende assim este procedimento como a melhor alternativa de
tratamento em doentes cuja deformidade se encontre fixa no plano sagital.
Quando a deformidade ainda tem alguma mobilidade, esta poderá ser tratada com
redução parcial com fusão circunferencial [30].
CONCLUSÃO
Apesar de ainda não haver consenso em relação a diversos parâmetros da
espondilolistese, como a sua classificação ou qual o tratamento cirúrgico mais
adequado, novos dados vieram alterar a forma como a doença é encarada. Existe
um consenso que é mais importante corrigir o desequilíbrio sagital global do
que o defeito local, pois enquanto este equilíbrio não for restabelecido,
forças anormais continuarão a exercer a sua influência sobre os diversos
segmentos da coluna dando origem às diversas alterações associadas à
espondilolistese e progressão da mesma.
Em virtude desta nova perspetiva em que a morfologia sagital espinhopélvica e
as diversas forças resultantes da mesma têm interesse para prognóstico e
tratamento da doença Jean-Marc Mac-Thiong e Hubert Labelle (SDSG) propuseram um
novo sistema de classificação da espondilolistese do desenvolvimento de L5-S1
em crianças e adolescentes, baseado na classificação de Marchetti e Bartolozzi,
com o intuito de desenvolver um algoritmo para o tratamento cirúrgico.
Com o desenvolvimento da técnica de instrumentação transpedicular, foram
abertas novas perspectivas quanto à redução da espondilolistese e restauro do
equilíbrio sagital global com menor risco de lesão neuronal, no entanto os
resultados estarão mais relacionados com a familiaridade que o cirurgião tem
com o procedimento do que com a técnica utilizada.
O futuro da abordagem a esta patologia passará então pela realização de estudos
que validem um algoritmo de tratamento da espondilolistese do desenvolvimento
com base numa classificação da doença que seja prática de utilizar na rotina
diária e globalmente aceite.