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EuPTCVHe1646-21222012000400003

EuPTCVHe1646-21222012000400003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-2122
ano2012
Issue0004
Article number00003

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Tratamento artroscópico da luxação acromioclavicular aguda: Revisão dos 13 primeiros casos

INTRODUÇÃO Desde a Grécia Antiga que as luxações acromioclaviculares despertam interesse no que diz respeito à abordagem terapêutica, tendo Hipócrates (400 A.C.) proposto o tratamento com ligaduras compressivas[1] Galen, em 129 D.C., documentou e tratou a sua própria luxação acromioclavicular após a prática de luta greco-romana[1] e atualmente esta lesão também ocorre primordialmente em doentes jovens após trauma relacionado com a prática desportiva.

A luxação acromioclavicular compreende 12% de todas as luxações da cintura escapular e 8% de todas as luxações em geral[2]. As suas sequelas são variáveis, podendo ir desde uma articulação completamente assintomática e funcional até um ombro doloroso com perda de força e função devido a instabilidade recorrente ou artrose pós-traumática. Apesar da sua grande incidência, ainda existe grande controvérsia em relação ao melhor tratamento.

Ao longo dos anos, foram descritos mais de 60 tipos diferentes de técnicas cirúrgicas[3], talvez refletindo a ausência de um tratamento ideal.

Neste artigo, os autores descrevem a sua experiência preliminar com uma técnica totalmente artroscópica que reduz o intervalo coracoclavicular através do uso de dois botões metálicos interligados por uma sutura de alta resistência não absorvível.

O objetivo do estudo foi analisar o resultado funcional da técnica artroscópica com sistema TightRope® (Arthrex: Naples, Florida) no tratamento das luxações acromioclaviculares agudas.

MATERIAL E MÉTODOS Entre Abril de 2009 e Dezembro de 2010 foram selecionados os doentes com luxação acromioclavicular aguda tipo III, IV ou V de Rockwood[4] operados segundo a técnica artroscópica com sistema TightRope®. Os doentes com luxações grau I e II e os doentes com luxações grau III que tivessem baixo grau de exigência funcional foram tratados conservadoramente. Foram excluídas também as luxações acromioclaviculares com mais de 3 semanas de evolução.

Foi feita uma avaliação funcional pelo mesmo examinador através do Score de Constant[5] e Subjective Shoulder Value (SSV)[6] e foram avaliadas as mobilidades do ombro.

 Foi realizado um estudo radiográfico bilateral da articulação acromioclavicular através de uma incidência ântero-posterior e de uma incidência axilar. Foi registada a posição do implante, a presença de subluxação residual ou recidiva de luxação. Foram registadas as complicações.

Foi documentado o tempo de regresso ao trabalho e à atividade desportiva ou nível de atividade física habitual. Foi avaliado o grau de satisfação com a cirurgia e a presença de dor na articulação acromioclavicular em repouso, à palpação e durante o cross arm test. Foi observado o resultado cosmético da cirurgia.

Foram operados 13 doentes com uma luxação acromioclavicular aguda segundo a técnica descrita, 5 deles recusaram participar no estudo e um mudou-se para fora do país, perfazendo um total de 7 doentes avaliados retrospetivamente.

Os 7 doentes eram do sexo masculino, com idade média de 49 anos (mínimo: 40 anos; máximo: 60 anos). Em 6 casos a luxação ocorreu no ombro direito. Em 3 doentes a luxação ocorreu no lado dominante. Em 3 casos o trauma deveu-se a acidente desportivo, em 3 casos a queda e num caso a acidente de viação. Cinco doentes sofreram uma luxação grau III e 2 doentes uma luxação grau V. O tempo de espera médio para a cirurgia foi de 5 dias e o recuo médio foi de 21 meses (mínimo: 6 meses; máximo: 31 meses). Foi usado um único TightRope em 5 doentes e dois TightRope em 2 doentes.

TÉCNICA CIRURGICA Os doentes foram operados após assinatura de consentimento informado.

Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião segundo uma técnica estandardizada.

Sob anestesia geral e após profilaxia antibiótica, o doente é colocado na posição de semi-sentado com o membro superior e ombro isolados através de campos cirúrgicos esterilizados.

É utilizada uma porta artroscópica posterior standard, uma lateral e uma ântero-inferior. É feita uma incisão clavicular sagital de 1 cm para a introdução do implante a 3,5 cm da articulação acromioclavicular.

Este implante consiste em dois botões metálicos de titânio interligados por um fio não absorvível Fiberwire 5 (Arthrex; Naples,Florida)  (Figura_1). O botão clavicular é circular medindo 6.5 mm de diâmetro e o botão da apófise coracóide é oblongo medindo 10x3.5 mm (Figura_2).

Após inspeção intra-articular na procura de lesões concomitantes, procede-se à abertura do intervalo dos rotadores e, através dele, à limpeza do espaço subcoracoideu.

A base e região inferior da apófise coracóide são libertadas de tecidos moles e é determinada a posição ideal do implante que deverá ser no centro e na base da coracóide. É colocado um sistema guia com uma das extremidades por baixo da apófise coracóide e a outra no ponto de entrada na clavícula através da incisão previamente feita.

Após furagem com broca de 4mm, o sistema guia é retirado e o implante é introduzido de cima para baixo sob controlo artroscópico (Figura_3).

Após a redução da articulação acromioclavicular por manobras externas, o fio é atado sobre a clavícula e a redução controlada por amplificador de imagem (Figura_4).

Figura_4

No pós-operatório os doentes foram imobilizados com um suporte de braço em rotação interna durante 4 semanas para assegurar a cicatrização dos ligamentos coracoclaviculares. A auto-mobilização passiva foi permitida às 4 semanas seguida de um período de reabilitação de cerca de 3 meses.

RESULTADOS Ocorreu uma recidiva completa da luxação acromioclavicular e foi registado um caso de subluxação superior assintomática com migração inferior parcial do botão clavicular. Em ambos os casos foi usada a técnica com dois TightRope. O primeiro caso tratou-se de um doente com uma prótese total do ombro anatómica colocada no mesmo ombro devido a uma omartrose centrada 20 meses antes do episódio de luxação. Sofreu uma recidiva após movimento brusco em elevação anterior contra resistência; este novo trauma indirecto provocou uma fractura da coracóide e falência da construção. No caso da subluxação não ocorreu novo trauma que explicasse a perda de redução e este doente apresentou bons resultados funcionais com mobilidade completa, um score de Constant de 91 pontos e um SSV de 90%.

Não foi registado nenhum caso de subluxação no plano horizontal durante a avaliação da radiografia axilar. Os restantes 5 casos apresentavam uma redução completa da luxação na altura da avaliação clínica.

O Score de Constant médio foi de 94 (mínimo: 87; máximo: 100). O valor de Subjective Shoulder Value médio foi de 91 % (mínimo: 90; máximo: 95).

O valor médio de mobilidades comparando o ombro afectado com o contralateral foi o seguinte: elevação anterior (em graus): 169/174, rotação externa (em graus): 49/54, rotação interna (nível vertebral): D8/D7.

Ocorreram dois casos de capsulite retrátil transitória, ambos com resolução completa com tratamento conservador aos 6 meses após a cirurgia. Não houve nenhum caso de infeção pós-operatória ou de lesão neurológica.

Apenas um doente mantinha dor acromioclavicular ligeira em repouso. Quatro doentes referiram dor ligeira à palpação acromioclavicular e um doente referiu dor moderada durante o cross arm test.

O resultado cosmético foi bom em 5 doentes (Figura_5). Dois doentes apresentavam alterações estéticas bem toleradas: no doente que sofreu a recidiva, a deformidade era notória e o doente que sofreu a subluxação apresentava uma deformidade superior ligeira da clavícula. Neste doente e num outro registou-se uma protusão subcutânea do fio de sutura clavicular e houve necessidade de fazer extracção de material no primeiro. Dos 5 doentes em idade ativa, o tempo de espera médio até ao regresso ao trabalho foi de 5 meses. De notar que todos eles detinham actividades profissionais com um elevado componente físico. Desses, apenas 3 praticavam desporto e o tempo médio de retorno à actividade desportiva foi de 6 meses. Dois doentes eram reformados e não praticavam desporto previamente à lesão; retomaram o seu nível de actividade habitual aos 7 meses.

Quatro doentes ficaram muito satisfeitos com a cirurgia e três satisfeitos.

Quando questionados se repetiriam a cirurgia atualmente, todos os doentes responderam afirmativamente.

DISCUSSÃO A classificação de luxação acromioclavicular em grau I, II e III proposta por Tossy [7] e Allmann[8], com a sua extensão em grau IV e V proposta por Rockwood [1]e em grau VI por Rockwood e Gerber[9] é a mais usada na prática clínica.

Atualmente, é consensual que o tratamento conservador é a melhor opção no tratamento da luxação acromioclavicular grau I e II e que as luxações grau IV, V e VI têm indicação cirúrgica[10,11].

O tratamento do grau III permanece controverso, com inúmeros estudos a favorecerem o tratamento conservador e outros o tratamento cirúrgico não havendo no entanto evidência científica da superioridade de um tratamento em relação ao outro[10,12]. Neste estudo, considerámos como critério para tratamento cirúrgico as luxações grau III em doentes jovens ou com elevada exigência funcional.

várias técnicas cirúrgicas descritas na literatura para o tratamento das luxações acromioclaviculares agudas. As técnicas de reparação da articulação propriamente dita envolvem a utilização de fios de kirschner, parafusos ou placas em gancho para a estabilização da articulação com alta taxa de complicações como migração dos implantes, falência de material, artrose, infeção e consequente perda de redução articular [13].

Outras técnicas apoiam-se no uso de transferências musculares com pouca estabilidade e risco de lesão neurológica[14].

 Outra alternativa terapêutica reside na redução do intervalo coracoclavicular.

Atualmente, inúmeros artigos favorecem a estabilização coracoclavicular como método ideal para o tratamento das luxações acromioclaviculares agudas[15,16].

Esta opção de tratamento foi inicialmente descrita por Bosworth em 1941, através do uso de um parafuso fixando a clavícula à coracóide em compressão [17]. Os resultados desta técnica são satisfatórios mas a taxa de complicações é alta, estando descrita a falência do material, o cut-out do parafuso na coracóide e a perda de redução após extração de material de osteossíntese[18].

Estas complicações poderão ser explicadas devido à fixação exageradamente rígida do intervalo coracoclavicular que interfere com os movimentos rotacionais fisiológicos da clavícula[13]. Existem outras técnicas descritas para este efeito como a reparação direta dos ligamentos coracoclaviculares, o uso de cerclage com fio de aço, âncoras, suturas eloop de tecidos moles ou de bandas sintéticas à volta da apófise coracóide[19]. Estas técnicas necessitam de uma dissecção mais invasiva da base da coracóide com as complicações que daí podem suceder.

O nosso tratamento de eleição para as luxações acromioclaviculares agudas é, neste momento, e após esta série preliminar com um recuo a médio prazo, a estabilização coracoclavicular com sistema TightRope® por via artroscópica.

Motamedi et al [20] demonstraram que não existe diferença significativa no que diz respeito à rigidez e força entre os ligamentos coracoclaviculares intactos e as suturas de polietileno entrançado como é o caso do Fiberwire®. Para além disso, a via artroscópica evita a dissecção do deltóide e do ligamento coracoacromial necessárias com outro tipo de procedimentos e permite uma melhor visualização da base da coracóide do que com qualquer técnica aberta, o que diminui o risco de lesão de estruturas nervosas. De facto, o nervo axilar cursa em média 29.3 mm medialmente à margem anteromedial da coracóide[21].

Outra das vantagens do sistema TightRope é o facto de as suturas passarem através da coracóide e não à sua volta o que reduz o risco de translação anterior da clavícula e de colapso da coracóide por fricção das suturas[22].

Assim, é criada uma fixação fisiológica de moderada rigidez do intervalo coracoclavicular, que confere uma vantagem biomecânica ao implante e poderá explicar o facto de os resultados desta técnica serem favoráveis apesar de não se intervir sobre os ligamentos acromioclaviculares, os principais estabilizadores verticais estáticos da articulação. De facto, o princípio da técnica TightRope passa por reduzir a luxação e permitir que os ligamentos coracoclaviculares nativos e a cápsula acromioclavicular cicatrizem quando mantidos numa posição anatómica. Para cumprir este objectivo, é mandatório que a articulação seja imobilizada por um período de 4 semanas e que a luxação tenha idealmente menos de 2 semanas de evolução.

Acreditamos que outro benefício do uso desta técnica é a possibilidade de tratamento no mesmo tempo cirúrgico de lesões concomitantes por via artroscópica. Estas lesões, se não tratadas, poderão ser responsáveis por dor persistente depois da recuperação da luxação acromioclavicular. Dos doentes avaliados neste estudo, num caso foi reparada uma ruptura parcial do subescapular e na série inicial de 13 doentes foi também reparada.uma lesão labral encontrada durante a artroscopia.

Este sistema foi originalmente criado para a redução de lesões sindesmóticas do tornozelo, no entanto o seu uso foi recentemente adaptado para a cirurgia do ombro, tendo mostrado resultados promissores.

O tratamento cirúrgico da luxação acromioclavicular com sistema TightRope® foi inicialmente descrito na literatura em 2006 por Hernegger e Kadletz, os quais descreveram o uso deste sistema por cirurgia aberta para a redução de uma luxação grau III, tendo obtido um bom resultado[23]. Em 2007, Lim publicou a primeira série de 4 luxações acromioclaviculares e de 4 fracturas do terço lateral da clavícula tratadas por este método através de cirurgia aberta[24]. A primeira série artroscópica foi publicada por Richards e Tennent em 2008, na qual avaliaram os resultados do TightRope® como tratamento de 10 luxações acromioclaviculares agudas[25].

A nossa taxa de recidiva foi de 14% e a de subluxação foi também de 14%, valores semelhantes aos encontrados na literatura[25-27] De notar que na nossa série inicial de 13 doentes, a um follow-up de 14 meses, correspondeu uma taxa de recidiva de 15% e uma taxa de subluxação de 7,5%. Curiosamente, no nosso estudo actual, nos dois casos de recidiva e subluxação foi usada a técnica TightRope com dois implantes. O resultado menos favorável provavelmente deveu-se mais ao início da curva de aprendizagem do que ao número de TightRope utilizados. Rios et al [28] demonstraram no seu estudo em cadáver, que embora existam diferenças absolutas no que diz respeito à distância entre a origem dos ligamentos coracoclaviculares e o bordo lateral da clavícula entre o sexo masculino e feminino, este valor é proporcional ao tamanho total da clavícula, obedecendo a uma taxa constante independente do sexo. Verificaram que a distância média entre o bordo lateral da clavícula e a origem do ligamento conóide era de 4.63 cm e entre o ligamento trapezóide de 2.49 cm. Com base nestes dados, inicialmente usámos a técnica de duplo tight-rope em dois doentes com um implante a 2.5 cm e outro a 4.5 cm do bordo lateral da clavícula, simulando a posição anatómica dos ligamentos.

No entanto, atualmente existem estudos que demonstram que a taxa de recidiva entre a utilização de duplo TightRope e o uso de um único implante são semelhantes[15,24].  Beitzel et al [29] avaliaram no seu estudo em cadáver a biomecânica do uso artroscópico de botões metálicos para redução de luxações acromioclaviculares. Compararam a redução articular feita através de um túnel clavicular com um túnel coracóide através de um botão metálico e de dois túneis claviculares com um túnel coracóide através de dois botões. Não encontraram diferenças no que diz respeito à translação anterior, posterior e superior da articulação acromioclavicular entre os dois métodos. Devido a estas evidências recentes, começámos a utilizar a técnica com apenas um implante, ficando este a 3.5 cm do bordo lateral da clavícula, um valor intermédio entre os propostos por Rios e colaboradores[28].

No artigo pioneiro de Richards e Tennent[25], os autores descreveram 30% de subluxações superiores com bom resultado funcional e 0% de recidivas aos 15 meses de follow-up médio. Defoort[26] e colaboradores, na sua série de 9 doentes tratados por via artroscópica com um follow-up médio de 17 meses, reportaram 4 subluxações superiores assintomáticas e uma recidiva por novo trauma. Motta et al[27], na avaliação de 20 doentes, reportaram 25% de subluxações superiores, a maioria delas bem toleradas, e 20% de recidivas não traumáticas por falência da sutura do implante. Esta complicação particular, apenas descrita na literatura no estudo de Motta, não foi verificada na nossa série. De notar que a maioria das subluxações descritas nos vários artigos se deveu à osteólise clavicular causada pelo botão superior, sendo esta a complicação mais frequente dos botões metálicos[30]. Este facto é encarado como um potencial problema devido à fragilidade óssea que promove e ao risco subsequente de fraturas de stress após novo trauma. O problema poderá ser evitado com o uso de um TightRope de geração, recentemente criado pelo fabricante, que aumentou em 3.5 mm o diâmetro do botão clavicular e em 3 mm o diâmetro do botão da coracóide, havendo assim uma melhor distribuição da carga na cortical superior da clavícula.

As limitações deste estudo são o número pequeno de casos, a falta de avaliação funcional pré-operatória e o facto de em dois casos a técnica cirúrgica ter sido realizada com o recurso a dois implantes o que poderá influenciar os resultados. Apesar de não terem sido observados sinais radiológicos de artrose acromioclavicular pós-traumática na nossa série, é necessária uma avaliação clínica com maior recuo para avaliar este problema a longo prazo.

O tratamento da luxação acromioclavicular com sistema TightRope® é um procedimento totalmente artroscópico, com baixa taxa de complicações, de fácil execução, sem necessidade de remoção a curto prazo do implante e que obtém bons resultados funcionais e cosméticos.


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