Citocinas e Moléculas de Adesão na Avaliação de Politraumatizados Graves:
Efeito do Damage Control Orthopedics No Outcome
INTRODUÇÃO
Nos países mais desenvolvidos, a mortalidade resultante do Trauma continua a
ser a principal causa de morte em indivíduos jovens. Apesar da evolução
favorável verificada nos últimos anos, a baixa sensibilidade para as campanhas
de prevenção da sinistralidade rodoviária e laboral, faz de Portugal um dos
países da União Europeia com piores índices de morbilidade e mortalidade neste
setor da saúde. A repercussão na economia, pelos custos no diagnóstico e
tratamento mas também pelo absentismo laboral e incapacidade resultantes nos
sobreviventes, é significativa[1].
O elevado número de vítimas de acidentes de viação e de trabalho observado nos
nossos dias transformou os hospitais centrais em importantes centros de
atendimento de Politraumatizados (PTZ). A reorganização dos sistemas de Trauma
na assistência pré-hospitalar, com o incremento das VMER (Viatura Médica de
Emergência e Reanimação) e da utilização dos princípios do ATLS® (Advanced
Trauma Life Suport), assim como do atendimento pós-admissão com a
subespecialização das equipas de trauma e das unidades de cuidados intensivos,
teve uma enorme repercussão na diminuição da mortalidade primária associada ao
TCE (traumatismo crâneo-encefálico) grave, ao choque hemorrágico e a
complicações precoces como a hipotermia, a acidose e a coagulopatia (conhecidas
por tríade maligna)[2,3].
O aumento da eficácia das equipas de resgate permitiu aumentar a sobrevivência
de um número crescente de indivíduos que são admitidos nos hospitais centrais,
em estado muito grave, após um primeiro acontecimento, o trauma grave (first
hit) importante para o desenvolvimento de SIRS (Systemic Inflammatory Response
Syndrome). Destes, um número significativo apresenta lesões de órgãos e
sistemas, incluindo do aparelho músculo-esquelético, com necessidade de
tratamento cirúrgico (com caráter urgente e/ou emergente). Nas situações life-
saving após a estabilização primária do doente pelas equipas de emergência
médica, o ingresso no bloco operatório é inevitável. Num segundo grande grupo,
que apresenta lesões que exigem tratamento cirúrgico com caráter urgente, a
estabilidade hemodinâmica aparentemente não será agravada pelo mesmo, pelo que
são tratados de forma definitiva, sem risco acrescido de problemas relacionados
com o aumento da resposta inflamatória. Contudo, num grupo substancial de
doentes, designados por borderline, com lesões que beneficiam claramente de
tratamento cirúrgico com caráter urgente, um segundo acontecimento (second hit)
pode ser determinante para o agravamento do SIRS e aparecimento de complicações
importantes como o ARDS (Acute Respiratory Distress Syndrome), MODS (Multiple
Organ Dysfunction Syndrome) e ainda admissão e internamento prolongado em UCI
(Unidade de Cuidados Intensivos), com aumento do risco de complicações,
nomeadamente sépticas, e repercussão negativa na chamada mortalidade secundária
[4]. Neste grupo de doentes incluem-se a maioria das lesões músculo-
esqueléticas que, com exceção das fraturas graves do anel pélvico e das lesões
neurológicas com caráter evolutivo, podem ser tratadas de forma definitiva em
segundo tempo.
A obtenção de consenso quanto à nomenclatura e os estudos com mediadores
inflamatórios e moléculas de adesão para melhor compreensão do seu papel na
modulação do SIRS e na sua evolução para MODS, assim como da respetiva resposta
compensatória conhecida por CARS (Compensatory Anti-inflammatory Response
Syndrome), como respostas fisiológicas a diversos tipos de noxas (infeção,
queimadura, trauma, cirurgia entre outras), permitiram uma melhor compreensão
do aparecimento das complicações graves. Neste capítulo, o modelo proposto por
Bone RC, com referência a duas fases distintas (uma proinflamatória e outra
anti-inflamatória) teve grande aceitação[5]. Contudo, do ponto de vista
fisiopatológico, quanto ao papel do sistema imunitário e dos diferentes
mediadores, a existência de várias teorias para a evolução SIRS-MODS (teoria
macrofágica ou da tempestade citocinica; teoria do microambiente ou da lesão
tecidular mediada pelos neutrófilos; teoria do one hit and two hit process) é
esclarecedora das dúvidas ainda existentes no que concerne aos elementos
celulares e de mediação mais importantes para cada modelo de SIRS,
particularmente no trauma[6].
O papel dos mediadores e moléculas de adesão é reconhecidamente determinante
neste processo. No modelo de trauma, algumas destas proteínas parecem ser mais
importantes na avaliação da gravidade e na capacidade de prever complicações:
IL-6 (Interleucina-6), IL-10 (Interleucina-10), TNFa (Tumor Necrosis Fator),
ICAM-1 (Intercellular Adhesion Molecule) e HMGB-1 (High - Molecule Group
Box)[7,8]. O conhecimento do perfil com que surgem em circulação após os vários
acontecimentos poderá ser importante na avaliação da evolução para outcomes
negativos, mas também na determinação do momento ideal para o tratamento
definitivo dos doentes definidos como borderline.
Nesta expectativa, vários autores importaram e apresentaram resultados
favoráveis à implementação de estratégias de Damage Control Surgery (DCS) no
tratamento ortopédico. Este conceito, já seguido pela Cirurgia Geral há várias
décadas, implica o recurso a atitudes cirúrgicas pouco agressivas, com o
objetivo principal de controlar a hemorragia ativa (responsável pelo choque
hipovolémico), deixando para segundo tempo o tratamento definitivo das lesões.
Isto contribui para a estabilização hemodinâmica, evitando a exacerbação da
resposta inflamatória, diminuindo assim o risco de inflamação endotelial
sistémica (principal responsável pela lesão parenquimatosa, implicada no
aparecimento de MODS). Segundo esses autores, determinado tipo de doe ntes
beneficia de uma estratégia de tratamento cirúrgico que passa por uma
estabilização primária das fraturas com recurso à osteotaxia e posterior
Osteossíntese Definitiva (OSD) em segundo tempo (após otimização do estado
geral do doente), sendo designado por Damage Control Orthopedics (DCO)
[9,10,11].
Apesar da generalização deste conceito na maioria dos centros de trauma alguns
autores começam a questionar o seu interesse. A exclusão de doentes com
traumatismo craniano e torácico graves e de algumas complicações precoces já
referidas (particularmente a tríade maligna), na busca de critérios objetivos
de indicação para DCO, são observáveis em vários trabalhos, o que pode retirar
interesse prático na vivência clinica diária, pela frequência com que ocorrem
estas alterações metabólicas e hemodinâmicas[12].
Desta forma, os autores propõem-se a determinar e avaliar o impacto no outcome
de diversas variáveis importantes, num grupo de politraumatizados graves: 1)
gravidade das lesões iniciais por cálculo do ISS (Injury Severity Score), RTS
(Revised Trauma Score), TRISS (Trauma Score-Injury Severity Score), e
existência de traumatismos craniano e torácico graves; 2) complicações precoces
relacionadas com perturbações hemodinâmicas e metabólicas importantes
(hipotermia, acidose, coagulopatia, tríade maligna SIRS, SIRS grave e choque);
3) contribuição dos mediadores inflamatórios e moléculas de adesão (TNFa, IL-6,
IL-10, ICAM-1 e HMGB-1) nas primeiras 72h, na avaliação e capacidade
discriminadora de complicações graves; 4) efeito do tratamento cirúrgico
(duração da cirurgia e tipo de cirurgia - DCS vs tratamento cirúrgico
definitivo); 5) papel do damage control orthopedics no prognóstico destes
doentes.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do estudo
Após obtenção da aprovação pela comissão de ética do Centro Hospitalar São
João, os autores implementaram um protocolo de estudo prospetivo de cohort
durante 12 meses, com inclusão de 99 doentes politraumatizados graves (ISS>15),
adultos (18-65 anos), que ingressaram na Sala de Trauma (ST) desse hospital.
Os critérios de exclusão foram: morte na ST, período entre o acidente e a
admissão superior a 360', não cumprimento do protocolo de estudo e
transferência para outro estabelecimento hospitalar.
Variáveis independentes na admissão Parâmetros clínicos e definições
Foi realizado o registo de dados para caracterização da amostra (idade, sexo,
tipo de acidente), identificação e caracterização na admissão (baseline) das
variáveis independentes que, através da colheita de parâmetros clínicos,
imagiológicos e analíticos, permitiram a classificação das lesões pelos scores
mais comuns (utilizaram a Abbreviated Injury Scale para cálculo do ISS e as
fórmulas do site Trauma.org para cálculo do RTS e TRISS) e a identificação de
alterações metabólicas e hemodinâmicas importantes para diagnóstico de: SIRS,
SIRS grave (SIRS com aumento de lactato ou existência de pelo menos uma
disfunção orgânica decorrente do trauma), choque (SIRS associado a hipotensão
refratária a fluidos exigindo suporte de aminas), coagulopatia (aumento de 1,5
vezes o valor de APTT- Activated Partial Thromboplastin Time - ou de PT-
Prothrombin Time -), acidose (lactato>2 mmol/L) e hipotermia (temperatura
corporal < 35°C). Neste âmbito, consideraram como variáveis independentes a
existência de TCE grave (ais>3) e traumatismo torácico grave (ais>3). Também
foi efetuado registo dos indivíduos com fraturas graves (ais=3) da bacia, fémur
e ossos da perna.
Variáveis dependentes
Os autores procederam ao registo das seguintes variáveis dependentes: 1) tipo
de cirurgia, considerando dois grupos: damage control surgery (DCS) vs
tratamento cirúrgico definitivo (Tr.Cir.Def); 2) tipo de cirurgia ortopédica
major no grupo de doentes com fraturas graves, sendo randomizados dois grupos
de 13 doentes cada: grupo DCO e grupo OSD; 3) duração da cirurgia
(complexidade) com dois grupos: <240' e >240'.
Doseamento de citocinas
Foram efetuadas colheitas de sangue, em tubos de bioquímica, na admissão (dia
0), 24 horas (dia 1), 48 horas (dia 2) e 72 horas (dia 3), para determinação
dos níveis plasmáticos de: TNFa, IL-6, IL-10, ICAM-1 e HMGB-1. No laboratório
foi efetuada centrifugação e separação do soro para 2 tubos devidamente
identificados, conservados a -70°C. Os doseamentos foram efetuados pela técnica
de Elisa, segundo as recomendações técnicas: da BIOSOURCE® para o TNFa, a IL-
6 e a IL-10; da RD SYSTEMS® para o ICAM-1; e da SHINO-TEST CORPORATION® para a
HMGB-1.
Variáveis alvo (outcomes)
Consideraram como variáveis alvo e, consequentemente marcadores de mau
prognóstico, os seguintes outcomes negativos: Internamento em UCI, ARDS, MODS e
Morte. De salientar que estes outcomes são os mais utilizados na metodologia da
maioria dos trabalhos no âmbito do trauma.
Os critérios de SIRS, ARDS e MODS são os propostos pela conferência de consenso
entre o American College of Chest Physicians e a Society of Critical Care
Medicine em 1992 [13].
Estudo estatístico
Os autores estudaram a correlação entre variáveis independentes e dependentes,
com a ocorrência de outcomes negativos. Analisaram também o comportamento dos
valores de IL-6, IL-10, TNFa, ICAM-1 e HMGB-1 ao longo do estudo, na perspetiva
de avaliação da gravidade e capacidade preditiva do prognóstico. Comparam ainda
a eficácia da abordagem DCO na prevenção das complicações.
A análise estatística foi efetuada utilizando o programa de análise estatística
de dados SPSS® v.20.0 (Statistical Package for the Social Sciences). As
variáveis categóricas são descritas através de frequências absolutas e
relativas, as variáveis contínuas são descritas através da média e do desvio
padrão, mediana e percentis, mínimos e máximos. Para testar hipóteses sobre a
independência de variáveis categóricas foram aplicados o teste de Qui-quadrado
de independência ou o teste exato de Fisher, conforme apropriado. Para testar
hipóteses sobre variáveis contínuas foi utilizado o teste de Mann Whitney
devido à assimetria das variáveis. Para avaliar a sensibilidade dos mediadores
em relação aos outcomes procedeu-se à elaboração de curvas "ROC".
Em todos os testes de hipótese foi considerado um nível de significância de
p<0,05.
RESULTADOS
A mediana da idade foi de 31 (18-60) anos, sendo 83% dos indivíduos do sexo
masculino. O mecanismo de lesão (tipo de acidente) foi: 81% viação, 6% trabalho
e 13% pessoal. O ISS mediano foi de 29 (17-52), 31% apresentavam fraturas
graves, 67% foram submetidos a cirurgia nas primeiras 24 horas, sendo 40%
intervenções por Ortopedia (isolada ou em associação com outras
especialidades).
Nas Tabelas_1 e 2 apresentam-se as variáveis independentes verificadas na
admissão e que permitiram caracterizar a amostra quanto à gravidade (ISS, RTS,
TRISS, TCE.ais>3 e Trauma.Torax.ais>3) e quanto às alterações hemodinâmicas e
metabólicas na ST. Este grupo de doentes apresentou um ISS elevado. Também a
incidência de TCE grave foi significativa (62%), assim como a de fraturas
graves foram significativas (31%). Como esperado, a incidência de SIRS na
admissão foi elevada (74%). Todas as outras variáveis independentes na admissão
e que estão relacionadas com as alterações metabólicas e hemodinâmicas não
foram desprezíveis, destacando-se pela gravidade: a hipotermia (13%), a
coagulopatia (26%), o choque (17%) e a tríade maligna (7%).
Quanto às variáveis dependentes, ou seja, as que se encontram relacionadas com
o tipo e complexidade dos procedimentos cirúrgicos nas primeiras 24 horas,
verificou-se que a estratégia de damage control tem uma implementação
relativamente baixa (21% dos operados) e que um número considerável de
cirurgias teve uma duração superior a 240' (24%) (Tabela_3).
De forma a ser possível comparar objetivamente as diferenças entre os grupos
OSD e DCO, foi efetuado registo e análise das características na baseline,
quanto às variáveis independentes. Verificou-se que quanto a idade, ISS, TCE,
traumatismo do tórax e alterações hemodinâmicas e metabólicas são semelhantes
nos dois grupos (Tabela_4).
Como variáveis alvo, os autores consideraram os outcomes negativos que são
estudados com maior frequência na literatura, e que permitem aferir a
incidência de complicações graves e comparar a relação com as variáveis
consideradas na admissão, assim como com o valor preditivo dos mediadores
inflamatórios e moléculas de adesão. Foi obtida a seguinte distribuição (Tabela
5).
O doseamento dos mediadores inflamatórios e moléculas de adesão considerados
(pelo interesse demonstrado na literatura) para avaliação da gravidade e
capacidade preditiva de complicações nos quatro momentos do estudo (admissão,
24, 48 e 72 horas), foi efetuado segundo o protocolo descrito.
Como se pode verificar na Tabela_6, os valores da mediana de TNFa foram de 16,2
pg/ml na admissão, com uma tendência para a descida significativa às 24 horas e
nova elevação a partir das 48, que se mantém até às 72 horas. Quanto à IL-
6 verificou-se existir, na admissão, valores altos (459,5 pg/ml), com descida
ligeira e progressiva até às 72 horas. Também a mediana da IL-10 apresentou o
registo mais elevado na admissão (74,45 pg/ml), descendo abruptamente às 24
horas. O ICAM-1 surgiu na admissão com uma mediana de 198 pg/ml e sofreu uma
elevação progressiva e discreta até aos 252 pg/ml às 72 horas. A HMGB-1 surgiu
com uma mediana de 10,3 pg/ml na admissão, descendo para cerca de 1/3 deste
valor às 24 horas, mantendo-se estável até às 72 horas.
Para melhor compreensão da evolução da mediana e medida de dispersão dos
referidos mediadores apresenta-se, sob a forma de box-plot, a evolução dos
parâmetros analíticos já referidos ao longo do estudo, nas Figuras_1_a_5.
Na Figura_1 apresenta-se a representação gráfica da tendência central e
dispersão para o TNFa na admissão, 24, 48 e 72 horas.
Na figura_2 apresenta-se a representação gráfica da tendência central e
dispersão para o IL-6 na admissão, 24, 48 e 72 horas.
Na figura_3 apresenta-se a representação gráfica da tendência central e
dispersão para o IL-10 na admissão, 24, 48 e 72 horas.
Na figura_4 apresenta-se a representação gráfica da tendência central e
dispersão para o ICAM-1 na admissão, 24, 48 e 72 horas.
Na figura_5 apresenta-se a representação gráfica da tendência central e
dispersão para o HMGB-1 na admissão, 24, 48 e 72 horas.
A análise estatística para estudo do impacto das variáveis independentes
(idade, scores de gravidade, alterações hemodinâmicas e metabólicas) no
prognóstico destes doentes revelou que a Idade está correlacionada com UCI e
ARDS e que todos os scores de avaliação de gravidade (ISS, RTS e TRISS) estão
correlacionados com todos os outcomes (Tabela_7).
Tabela_7
Quanto ao estudo dai influência da gravidade do TCE e do traumatismo torácico
verificou-se que apenas o primeiro se correlaciona com os outcomes UCI, MODS e
Morte (Tabela_8).
Tabela_8
A correlação entre variáveis independentes e outcomes permitiu observar que o
ingresso em UCI surgiu associado ao SIRS grave, choque, hipotermia e acidose; o
desenvolvimento de ARDS não dependeu de nenhuma das variáveis consideradas; a
evolução para MODS teve relação com hipotermia, coagulopatia e tríade maligna;
a morte teve correlação com SIRS grave, choque, hipotermia, acidose e tríade
maligna (Tabela_9).
Tabela_9
Nos doentes que beneficiaram de tratamento cirúrgico, procedeu-se à comparação
da duração da cirurgia entre os doentes submetidos a tratamento cirúrgico
definitivo (incluindo todas as especialidades) e os submetidos a DCS e
verificou-se não existirem diferenças significativas. Contudo, quando se
estudou o mesmo parâmetro nos doentes com fraturas graves, verificou-se que a
mediana de duração de cirurgia, quando incluiu uma estratégia de DCO por
ortopedia, foi francamente inferior quando comparada com a do grupo de doentes
que, por ortopedia, foram submetidos a OSD (Tabela_10).
Tabela_10
No que diz respeito à análise do impacto das variáveis dependentes no
prognóstico, verificou-se que, no total dos doentes submetidos a qualquer
intervenção cirúrgica, não existiu correlação entre tipo de cirurgia (DCS ou
tratamento cirúrgico definitivo) e a complexidade da mesma, definida pela
duração (<240' ou > 240') com os outcomes (Tabela_11 e 12).
Tabela_11
Tabela_12
Procurou-se a mesma correlação nos doentes com cirurgia ortopédica major para
tratamento de fraturas graves e demonstrou-se que, quanto ao tipo de cirurgia
(OSD vs DCO) e duração da mesma, também não existem diferenças quanto a
outcomes (Tabelas_13 e 14).
Tabela_13
Tabela_14
Outro aspeto importante deste trabalho foi a determinação da correlação entre
os mediadores inflamatórios e moléculas de adesão com os outomes, de forma a
estudar a sua capacidade preditiva nos quatro momentos do estudo. Para melhor
compreensão da evolução dos diversos parâmetros apresentam-se também os
gráficos de evolução temporal em cada outcome, bem como o valor preditivo de
cada parâmetro com significado estatístico calculado através da Area Under
Receiver Operator Characteristic Curves (AuROC).
Verificou-se que a admissão em UCI está correlacionada com a elevação da IL-
6 às 24, 48 e 72 horas e da IL-10 e ICAM-1 às 72 horas (Tabelas_15).
O desenvolvimento de ARDS está correlacionado com a elevação da IL-10 na
admissão, 24, 48, 72 horas; ICAM-1 ás 48 horas ; e IL-6 às 72 horas (Tabelas
16).
A evolução para MODS apareceu correlacionada com a elevação do ICAM-1 às 24, 48
e 72 horas; da IL-10 às 24 e 72 horas; da IL-6 às 48 e 72 horas; e do TNFa às
72 horas (Tabelas_17).
O outcome mais negativo dos considerados, a morte, relacionou-se com a elevação
da IL-10 às 48 e 72 horas; e da IL-6 às 72 horas (Tabelas_18).
No grupo de doentes submetidos a cirurgia ortopédica major, as diferenças entre
DCO e OSD, demonstraram que apenas a variação da IL-6 se encontra relacionada
com o tipo de tratamento cirúrgico, com um pico às 24 horas (período pós-
operatório) no grupo OSD e p<0,001 (Figura_6).
DISCUSSÃO
O papel do SIRS nos diversos tipos de noxas, os aspetos fisiopatológicos
relacionados com a evolução para MODS e a associação destes com a evolução para
complicações graves, tem sido objeto de inúmeros estudos na literatura.
Contudo, o modelo de trauma continua a ser o menos estudado.
Segundo os autores deste trabalho, este modelo apresenta algumas
particularidades não desprezíveis, que justificam as dificuldades na sua
abordagem: é frequente encontrar várias noxas envolvidas; grande parte dos PTZ
graves apresenta lesão cerebral importante (relacionada com o TCE, mas também
resultante dos períodos de hipóxia cerebral secundária), que pode ser
determinante no prognóstico[14]; na maioria das vezes, verifica-se a existência
de lesões tecidulares importantes (de órgãos e sistemas, mas também músculo-
esqueléticas)[15]; nas primeiras 24-48 h, estes doentes beneficiam
frequentemente de tratamentos cirúrgicos, por vezes agressivos e prolongados
[16]; por diversos fatores, estão muito expostos a complicações sépticas por
aumento da permeabilidade intestinal, mas também por ferimentos perfurantes,
conspurcação de feridas e infeções nosocomiais[17]. A intensidade da resposta
também é muito variável, estando relacionada com vários aspetos: o grau das
lesões infringidas pelo trauma, a idade, o estado nutricional, as
comorbilidades e fatores genéticos[18].
Neste estudo verificou-se uma predominância de indivíduos do sexo masculino
(83%), com uma mediana da idade de 31 (18-60) anos, o que confirma a incidência
do trauma grave em indivíduos relativamente jovens. A gravidade das lesões
encontrada é elevada, verificando-se uma mediana de 29 (17-52) para o ISS, uma
mediana de 6,817 (3,361-7,841) para o RTS e uma mediana de 90,8 (7,6-98,9) para
o TRISS. Este facto levou a que, nas primeiras 24 horas, 2/3 dos doentes fossem
submetidos a pelo menos uma intervenção cirúrgica pelas diversas
especialidades. Nesta amostra, aproximadamente 1/3 dos PTZ apresentou-se na ST
com fraturas graves. O total de doentes submetidos a cirurgia por Ortopedia foi
muito significativo (42%). Estes dados, quer do ponto de vista da
caracterização da amostra, quer das lesões encontradas, vão de encontro ao
verificado na literatura[19], o que destaca claramente a importância da
participação do ortopedista na equipa de trauma, em termos de decisão, quanto
ao tipo e timing do tratamento cirúrgico. Ao contrário dos traumatismos
torácicos graves, o TCE grave demonstrou uma correlação clara com internamento
em UCI (p<0,001), MODS (p<0,039) e Morte (p<0,003), tornando-se por isso um
importante fator de decisão quanto à estratégia de tratamento cirúrgico,
sugerida por outros autores[20].
Em qualquer setor da medicina, é vital avaliar a gravidade e determinar ou
prevenir complicações. Pela incidência, aspetos demográficos, gravidade das
lesões, multiplicidade de órgãos e sistemas atingidos, instabilidade
hemodinâmica e potenciais complicações graves a que estes doentes estão
sujeitos, este aspeto adquire particular importância neste grupo. Apesar do
comprovado interesse de scores na avaliação da gravidade, como o ISS entre
outros, não podemos esquecer que, quanto à sua utilidade como avaliadores do
prognóstico, o consenso é menor. Mesmo a introdução de variáveis fisiológicas,
como no RTS e TRISS, não solucionou o problema da falta de capacidade preditiva
de complicações graves, muito associadas ao mecanismo SIRS-MODS. Todos os
scores têm como base as tabelas para cálculo do AIS e posteriormente do ISS,
onde se encontram questões importantes: na verdade são meros registos de lesões
anatómicas, onde até os dados obtidos após autópsia podem ser considerados;
existem algumas limitações na presença de várias lesões importantes dentro do
mesmo grupo anatómico, pelo que o efeito cumulativo não é considerado, sendo um
bom exemplo a presença de fraturas bilaterais graves, que como se sabe podem
condicionar fortemente o prognóstico (principalmente as do fémur), e não estão
contempladas nestes sistemas de avaliação[21]. Apesar destas considerações e
como já foi descrito, os scores utilizados neste trabalho demonstram a
gravidade das lesões do grupo estudado e apresentam correlação com todos os
outcomes considerados. É então possível considerar a sua validade no cálculo da
gravidade, aspeto de extrema importância na avaliação do desempenho do nosso
centro de trauma e na comparação deste com as outras instituições. Contudo têm
pouca utilidade quanto à capacidade preditiva de complicações[22]. Neste
contexto este estudo confirmou que a ocorrência de complicações graves é
considerável (Internamento em UCI- 66%, ARDS-19%, MODS-34% e Morte-28%) e
salientou a importância, também descrita na literatura, da determinação exata e
precoce da gravidade, assim como do prognóstico, para implementação de
estratégias de tratamento (particularmente cirúrgico) e profilaxia mais
eficazes[2].
Outro aspeto importante resulta de a gravidade e o prognóstico destes doentes
depender não só das alterações induzidas pelos diversos tipos de noxas no
sistema imunológico, mas também de importantes alterações hemodinâmicas e
metabólicas, quase sempre presentes de forma muito precoce, e que podem
condicionar fortemente a evolução clinica[23]. A hipotermia, presente em 13%
destes doentes, é um fator importante no prognóstico, e encontra-se relacionada
na literatura com o internamento em UCI e com a mortalidade. Aitken LM e
colaboradores demonstraram esta relação num estudo multicêntrico, que englobou
importantes centros de trauma na Austrália, apesar da sua incidência ser
significativamente menor na admissão (5,7%). Isto poderá estar relacionado com
um aspeto citado pelos autores - as condições climáticas, claramen te
mais favoráveis num clima subtropical como o do continente australiano[24]. As
perdas sanguíneas extremas, com instalação de choque hipovolémico, hipoperfusão
periférica, com deficiente oxigenação, e coagulopatia, associadas a uma
reposição intravenosa massiva de fluidos não aquecidos, podem também contribuir
para a diminuição da temperatura corporal e consequentemente para um mau
prognóstico[25]. Na verdade, este estudo demonstrou também uma forte ligação
entre a hipotermia e o internamento em UCI (p<0,004), a instalação de MODS
(p<0,001) e a mortalidade (p<0,008). A acidose láctica, com aumento de lactato
em circulação, aparece também intimamente ligada ao choque hipovolémico, com
consequente hipóxia tecidular e incremento da via anaeróbica. Segundo alguns
autores, isolada não parece ser fator de mau prognóstico em trauma[26];
contudo, associada a outras alterações metabólicas e hemodinâmicas, é um fator
importante na avaliação da gravidade e prognóstico. No trauma, a coagulopatia
pode surgir de forma aguda, associada ao choque hipovolémico (por ativação da
proteína C), mas também por hemodiluição, após fluidoterapia de reposição
agressiva, durante a fase de ressuscitação, e apresenta uma associação forte
com o prognóstico negativo[27]. Pode surgir associada a outras alterações
metabólicas importantes, como a acidose e a hipotermia, formando o que Rotondo
[28] denominou de tríade da morte (ou tríade maligna). Segundo este autor, o
desenvolvimento desta tríade em fase precoce, tem uma forte correlação com a
mortalidade nas vítimas de trauma grave. Neste trabalho verificou-se correlação
da acidose com a mortalidade (p<0,002) e a coagulopatia com o desenvolvimento
de MODS (p<0,01), mas a tríade tem relação com MODS (p<0,045) e com a
mortalidade (p<0.001), sendo por isso parâmetros importantes na avaliação da
gravidade e prognóstico destes doentes. O estado de choque, definido como a
presença de SIRS associado a hipotensão refrataria a fluidos exigindo suporte
vasopressor, ocorreu em 17% dos doentes, sendo também um importante fator para
o internamento em UCI (p<0,001) e para a morte (p<0,001), o que atesta a
gravidade deste grupo na admissão.
Para além das alterações hemodinâmicas e metabólicas, existem reações do
sistema inflamatório ao trauma, das quais também depende o prognóstico. Como já
foi referido, o SIRS deve ser encarado como uma resposta fisiológica a vários
tipos de noxas, incluindo o trauma. A ativação do sistema imunológico
desencadeia uma série de processos, que podem evoluir de duas formas: para a
resolução e manutenção da homeostasia de órgãos e sistemas; ou para a
desregulação, com evolução para MODS e desta para a morte. A fisiopatologia
deste processo SIRS-MODS é extremamente complexa[29]. O papel dos mediadores
inflamatórios na fase proinflamatória e anti-inflamatória, assim como das
moléculas de adesão, é determinante. Esta reação inflamatória ao nível
endotelial, que surge de forma sistémica, e a evolução para a falência
orgânica, dependem dum complexo sistema de estimulação e frenação de diversos
moduladores, mas também da capacidade de adesão dos leucócitos (PMN). Este
papel dos PMN facilita a transudação e desenvolvimento de edema, mas contribui
para a diminuição do aporte de oxigénio às células, com consequente aumento da
morte celular, lesão parenquimatosa e diminuição progressiva da função orgânica
(MODS), podendo culminar na morte[6]. Os resultados deste estudo confirmam este
caráter "fisiológico" do SIRS: foram encontrados critérios numa
fase muito precoce (primeiras 6 horas) em 74% dos doentes, sem que esse facto
esteja relacionado com os outcomes considerados. Já uma evolução deste, o SIRS
grave, que implica a presença de aumento de lactatos (sinal importante de
hipoperfusão e hipóxia celular), surge na admissão em 39% da amostra e está
relacionado com a necessidade de internamento em UCI (p<0,006) e mortalidade
(p<0,002). Estes resultados vão de encontro ao descrito na literatura[30].
No que concerne ao papel dos diversos elementos celulares, sistemas e proteínas
envolvidos no mecanismo SIRS-MODS, particularmente dos mediadores inflamatórios
e moléculas de adesão, encontram-se por vezes resultados contraditórios na
literatura. A capacidade destes, em termos de avaliação de gravidade e
capacidade preditiva de prognóstico, também não é consensual, apesar de vários
autores salientarem o seu papel e importância. A IL-6 é uma glicoproteína
produzida por uma variedade de células, que inclui os macrófagos/monócitos,
células T e B e células endoteliais, com ação proinflamatória e anti-
inflamatória; tem ainda um papel importante na adesão endotelial[29]. Surge
precocemente em circulação, após o trauma, (1-4 horas) e mantém-se por alguns
dias[7]. Este caráter de elevação precoce faz desta interleucina um excelente
marcador de SIRS. Uma elevação precoce superior a 500 pg/ml está relacionada
com MODS e morte, sendo por este facto apontada como um excelente marcador de
gravidade em trauma[4]. Neste estudo verificou-se que a elevação de IL-6 nas
primeiras 24 horas, com mediana na ordem dos 569 pg/ml, está relacionado com o
internamento em UCI (confirmando a sua associação com o desenvolvimento do
SIRS), diminuindo ligeiramente até às 72 horas e que, neste timing, está
relacionado com o desenvolvimento de MODS e a mortalidade, com valores próximos
dos 500 pg/ml (confirmando o seu papel de marcador de gravidade em trauma). O
TNFa é um mediador proinflamatório, produzido pelos macrófagos/monócitos e
células T. Tem uma ação proinflamatória, surge muito precocemente em circulação
(primeiras 1-2 horas), sendo fundamental na ativação do SIRS. Tem uma semivida
de aproximadamente 20', e também desaparece da circulação de uma forma
relativamente precoce (6 horas). Sendo um excelente marcador da fase
proinflamatória do SIRS, este seu caráter de diminuição precoce em circulação
poderá retirar-lhe interesse em termos de utilidade como marcador de
diagnóstico e de gravidade. Os resultados encontrados na literatura são
contraditórios[7]. Neste estudo não foi encontrada qualquer correlação entre os
valores de TNFa e os outcomes considerados, com exceção do desenvolvimento de
MODS às 72 horas. A IL-10 é uma proteína sintetizada pelos macrófagos/monócitos
e células T e B. Desempenha um papel importante na fase anti-inflamatória e é
conhecida como um mediador tardio (associado ao CARS). Está descrito na
literatura o seu aumento, sérico e no lavado alveolar, de doentes com ARDS[31].
Park e colaboradores descrevem a sua associação com a ocorrência de ARDS, no
primeiro dia pós trauma grave[32]. Na verdade os resultados deste trabalho
confirmam esta ligação entre a IL-10 e o ARDS, com valores máximos na admissão
e diminuição progressiva até às 72 horas. Desta forma pode-se considerar que a
IL-10 tem um papel importante como discriminador de indivíduos em risco de
desenvolver ARDS. Outro papel atribuído à IL-10 no trauma é o de se
correlacionar com o politrauma e o pós-operatório de cirurgia major[33]. Se a
primeira hipótese foi confirmada por este estudo, dado existir correlação entre
os valores de IL-10 às 72 horas e todos os outcomes considerados, o mesmo não
se verificou no grupo de doentes submetidos a cirurgia ortopédica major. Os
resultados confirmam o caráter de marcador tardio deste mediador, mas também a
sua importância nesta fase (72 horas), como discriminador de prognóstico
negativo. O ICAM-1 faz parte do grupo das moléculas de adesão que existem na
superfície celular dos PMN e do endotélio. Desempenha também um papel
importante no trauma, dada a sua participação na promoção da agregação
plaquetária, importante fator negativo da perfusão tecidular. Faz parte de
vários modelos de SIRS, sendo fundamental na adesão dos PMN ao endotélio
(conferindo ligação prolongada) que, como já foi referido, é um processo
fundamental do mecanismo fisiopatológico da evolução SIRS-MODS[34]. A sua
cinética está descrita em vários estudos com PTZ, os seus valores aparecem às
72 horas e estão correlacionados com o grau de lesão após trauma[35]. A sua
elevação sérica também surge associada à ocorrência de MODS[36]. Os resultados
deste trabalho vêm comprovar esta associação, tendo sido encontrados valores
elevados às 24 horas, que se mantiveram até às 72 horas nos indivíduos que
desenvolveram MODS. A HMGB-1 é uma proteína nuclear estrutural ligada ao DNA,
reguladora da transcrição e estabilizadora dos nucleossomas. O aparecimento em
circulação ocorre de duas formas: forma passiva, a partir de células
necrosadas, e forma ativa, a partir de células mononucleares[37]. No meio
extracelular, atua como sinalizadora de necrose, promovendo o recrutamento de
células mononucleares e dando início ao processo de reparação celular. Para
além disso, apresenta importantes funções em várias situações de stress
celular: funciona como citocina pró-inflamatória nos processos de isquemia,
queimadura, sépsis, trauma, doenças oncológicas e doenças inflamatórias,
através da estimulação de vários elementos celulares do sistema imunológico na
produção várias citocinas; promove o aumento da expressão do ICAM-1 e
consequente participação na adesão ao endotélio dos PMN[38]. Ao contrário do
estudo de Cohen JM e colaboradores[8], neste estudo a HMGB-1 não revelou
qualquer ligação com SIRS, SIRS grave, coagulopatia e acidose. Este mediador
também não revelou qualquer capacidade preditiva do outcome neste grupo de
doentes.
O tratamento das fraturas, principalmente dos ossos longos em
politraumatizados, sofreu uma evolução importante na segunda metade do último
século. De uma estratégia inicial em que todos os doentes eram tratados com
trações e imobilizações gessadas, porque quase todos tinham um estado geral
considerado grave para a época (para além da simplicidade dos meios de
diagnóstico, também as terapêuticas de ressuscitação e de cuidados intensivos
eram muito primitivas), passou-se, nos anos 50, para uma estratégia diferente
em que, os doentes considerados estáveis eram submetidos a osteossíntese
definitiva de imediato e os instáveis a imobilizações ou trações mais ou menos
prolongadas (por vezes durante semanas) até à estabilização definitiva.
Contudo, esta estratégia não resolvia todas as questões associadas ao
desenvolvimento de complicações graves nestes politraumatizados. Assim, nos
anos 70 e durante os anos 80, uma profusão de trabalhos demonstrou a vantagem
da estabilização precoce das fraturas (principalmente do fémur) na redução das
complicações, particularmente respiratórias[39]. Nesta época, a principal
preocupação era combater a falência do sistema respiratório associada ao
tromboembolismo, resultante dos longos períodos de imobilização que o
tratamento conservador implica. De qualquer forma, esta estratégia também
revelou não ser a ideal para todos os doentes. Apesar da osteossíntese
promovida de forma precoce, alguns doentes continuavam a desenvolver
complicações graves, com internamento em unidades de cuidados intensivos por
períodos prolongados, enorme "consumo" de suporte ventilatório e de
vasopr essores com aparecimento de complicações sépticas, MODS e Morte. No
início dos anos 90, a preocupação com estes dados era bem patente na
literatura. Todas estas considerações, associadas à evolução e compreensão dos
mecanismos imunológicos da resposta inflamatória induzida pelo trauma, levaram
à introdução do conceito de DCO no tratamento das fraturas destes
politraumatizados graves[9,10,40]. Tornou-se claro que, em alguns doentes, a
estratégia de tratamento precoce e definitivo das fraturas não era um
benefício, podendo mesmo tratar-se de um fator de agravamento do estado geral e
de ocorrência de complicações. Assistimos novamente a uma profusão de
publicações, com séries mais ou menos curtas, desta vez sobre as vantagens da
estratégia DCO e sobre os critérios para a sua implementação em vários tipos de
fraturas (ossos longos, e bacia). O conceito de doente borderline proposto por
Pape e colaboradores em 2001[4], é um bom exemplo desta preocupação, mas
reflete a dificuldade que pode surgir na análise das vantagens do DCO, pela
variabilidade de critérios de inclusão dos doentes nos diversos trabalhos
publicados.
Assim, e apesar da consistência destes conceitos, vários outros problemas
surgiram: quais são os doentes que de uma forma objetiva beneficiam desta
estratégia de tratamento? Por outro lado, qual o timing ideal para a conversão
da osteotaxia em osteossíntese definitiva? Como proceder na presença de
fraturas múltiplas, com associações por vezes terríveis (fémur bilateral e, por
exemplo, envolvendo o anel pélvico)? Fresar ou não fresar no encavilhamento dos
ossos longos?[41] Na verdade, a osteotaxia, mais ou menos prolongada, aumenta o
risco de complicações sépticas sistémicas, mas particularmente locais, que
podem contribuir largamente para a obtenção de maus resultados com a
osteossíntese definitiva: infeção, pseudartrose e rigidez articular. Não se
devem menosprezar as dificuldades de agendamento desta segunda cirurgia (que
surgem por vezes), que contribuem para um aumento do tempo em UCI e do risco de
complicações sépticas. Esta segunda cirurgia, independentemente do timing da
sua ocorrência, pode atuar como uma noxa adicional, que pode comprometer o
prognóstico destes doentes. Por todas estas razões e baseado no facto de não
existir, segundo Dieter Rixen e colaboradores[12], uma vantagem baseada na
evidência da estratégia DCO sobre a OSD na literatura, é de vital importância a
realização de estudos multicêntricos randomizados, com protocolos bem definidos
(como o que propõe). Este estudo comprovou as dificuldades apontadas: elevado
nível de gravidade; enorme incidência de perturbações hemodinâmicas e
metabólicas; considerável incidência e complexidade de fraturas graves, com
necessidade de tratamento cirúrgico (com cirurgia ortopédica major em 26%);
complexidade dos procedimentos cirúrgicos (assente nos 24% de doentes com
procedimentos de duração superior a 240'); incidência dos outcomes
negativos considerados. Em relação à análise referente à duração da cirurgia,
não podemos esquecer que muitos destes doentes foram submetidos a mais do que
uma intervenção, por vezes por várias especialidades. Apesar deste facto, a
complexidade da cirurgia, definida pela duração da mesma, (<240' e >
240'), assim como a estratégia DCS vs tratamento cirúrgico definitivo não
demonstrou qualquer relação com os outcomes. A duração da cirurgia nos doentes
com fraturas major demonstrou ser claramente inferior no grupo submetido a DCO,
com 110' (44-294), quando comparada com o grupo OSD, com 250' (140-
680). Quanto à complexidade (<240' e >240'), verificou-se que não
existem diferenças, quanto a outcomes, entre os dois grupos. Na comparação da
estratégia DCO com OSD, não foi encontrada qualquer diferença com significado
estatístico, no que diz respeito aos outcomes, apesar de se encontrar uma
diferença significativa no aumento da IL-6 (marcador de SIRS) às 24 horas e de,
na baseline, se observarem características semelhantes entre os dois grupos,
mesmo em termos de TCE e traumatismo torácico grave (Tabela_4). Ou seja, apesar
de menor duração de cirurgia e menor elevação de IL-6 no pós-operatório, a
implementação de uma estratégia de DCO não se revelou uma vantagem em termos
dos outcomes habitualmente considerados, neste grupo de doentes.
Os autores estão cientes das limitações deste trabalho, que se prendem com a
dificuldade de implementação deste tipo de protocolos de estudo, o preço e
dificuldade na utilização dos doseamentos de mediadores e moléculas de adesão e
a dimensão da amostra no grupo que apresentou fraturas graves com indicação
cirúrgica. Apesar disto, estes dados sugerem o reforço das dúvidas relacionadas
com o DCO, colocadas por alguns autores quanto à universalidade da sua
implementação e ao tipo de critérios que se devem utilizar para discriminar os
doentes que beneficiam claramente desta abordagem.
CONCLUSÕES
Para os autores, a abordagem destes doentes, em termos de estratégia cirúrgica,
não se deve limitar à verificação deste ou daquele grupo de critérios. Deve ser
efetuada uma abordagem individual de cada politraumatizado, numa perspetiva
multidisciplinar, em que se considerem todos os critérios de avaliação
hemodinâmica, metabólica, de gravidade e de meios, associados às
particularidades da instituição no tratamento dos politraumatizados. A elevada
incidência, multiplicidade (por vezes individual), gravidade das fraturas e a
previsível complexidade de procedimentos cirúrgicos ortopédicos (isolados ou
complementares com outras especialidades) justifica, de forma muito clara, a
necessidade de um ortopedista, inserido numa equipa de trauma, possuir um
conhecimento básico dos conceitos abordados neste trabalho. Assente numa
decisão, que deve ser multidisciplinar e individualizada, pode melhor decidir
sobre o tratamento ortopédico dos politraumatizados, sem prejudicar o seu
prognóstico e otimizando o resultado funcional, de uma população tão jovem,
como a verificada neste estudo.
O estudo comprovou o elevado interesse das interleucinas e moléculas de adesão
na avaliação da gravidade e na capacidade preditiva no prognóstico, em
politraumatizados graves.