Da artroscopia do joelho à artrodese com cavilha longa
INTRODUÇÃO
A infeção profunda mantém-se como uma das complicações mais desafiantes da
Artroplastia Total do Joelho (A.T.J.); a complexidade e duração do tratamento
têm um impacto dramático do ponto de vista físico, emocional e financeiro no
doente e médico[1,15].
A procura de A.T.J. tem aumentado - espera-se que a procura por Artroplastia
primárias até 2030 aumente 673% [15].
A prevenção da infeção na A.T.J. implica a otimização da saúde do doente e a
redução da contaminação bacteriana nos períodos pré, intra e pós-operatório
[14,15].
Os fatores relacionados com o doente que aumentam o risco de infeção pós
operatória são:
Artrite Reumatoide[2,3,15], ulceras cutâneas[3], diabetes mellitus[4,15],
história de malignidade[15], obesidade[4,15], tabagismo[4], transplante renal
ou hepático[15], H.I.V.[15], cirurgia prévia ao joelho ou fratura intra-
articular[2], artrite séptica ou osteomielite prévia[15].
Os critérios atuais de infeção A.T.J. incluem um conjunto de sinais e sintomas,
análise histológica de tecidos e resultados culturais.
O diagnóstico de infeção implica a presença de pelo menos um dos critérios:
1) Duas ou mais culturas obtidas de aspirado cirúrgico com o mesmo micro-;
2) inflamação aguda na avaliação histopatológica de tecidos intra-articulares;
3) conteúdo purulento observado na cirurgia ou
4) presença de fístula funcionante [5, 15]
Tradicionalmente a artrodese foi considerada o tratamento
"standard" numa infeção de A.T.J. pelo excelente potencial:
resolver a infeção, aliviar as queixas álgicas, permitir um joelho
funcionalmente estável, mas com sacrifício da mobilidade [14, 15].
Atualmente as limitações funcionais resultantes da artrodese do joelho são mal
toleradas pelos doentes ou mesmo consideradas inaceitáveis[14, 15].
Num estudo com 30 doentes que aguardavam conversão de anquilose ou artrodese
para A.T.J. 17 tentaram o suicídio enquanto aguardavam a cirurgia pelo
desconforto emocional que sentiam[15].
Antes de propor a artrodese o doente deve ser informado das limitações físicas
e funcionais que resultarão da técnica proposta.
As indicações para artrodese do joelho perante a falha de uma A.T.J. são:
1) Indivíduos com alto índice de exigência funcional;
2) doença de uma só articulação;
3) doentes jovens;
4) lesão do mecanismo extensor;
5) má cobertura cutânea com necessidade de reconstrução extensa;
6) imunodepressão sistémica e
7) micro- que requeiram antibioterapia em doses tóxicas ou resistentes aos
antibióticos[6, 15].
São contraindicações relativas:
1) Doença bilateral;
2) doença ipsilateral da anca ou tornozelo;
3) perda óssea severa e
4) amputação no membro contra lateral.
As técnicas mais utilizadas para a artrodese do joelho são o fixador externo,
fixação interna com cavilha intramedular e fixação com duas placas.
O tipo de implante prévio, a dimensão da perda óssea e a técnica de artrodese
utilizada afetam o sucesso que será alcançado pela artrodese apos A.T.J. [6,
15].
As complicações da artrodese após A.T.J. são: não união, infeção crónica,
fratura do membro ipsilateral - a não união é a mais frequente [6, 15].
As causas de não união incluem: perda óssea, infeção crónica, mau contacto dos
topos ósseos, mau alinhamento e imobilização inadequada[6, 15].
CASO CLÍNICO
Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo masculino, 47 anos de idade
com antecedentes de fratura da rótula esquerda há 20 anos, tratado
cirurgicamente e de que resultou uma cicatriz aderente como lesão sequelar e
rigidez articular marcada ( arco de mobilidade - 40º a 70º) (Figuras_1 e
2).
Figura_1
Foi submetido a artroscopia do joelho esquerdo em março de 2009 por gonalgia no
compartimento externo, suspeita de lesão do menisco externo e rigidez articular
com arco de mobilidade -40 a 70º.
Intraoperatoriamente constatou-se uma lesão degenerativa do menisco externo e
uma lesão osteocondral grau IV de "Outerbridge" no compartimento
ipsilateral.
Fazia marcha com 2 canadianas com raio de deslocação de 500 metros, por manter
gonalgia intensa com um (V.A.S.) 8, com repercussão nas atividades da vida
diária. Foi submetido a artroplastia total do joelho esquerdo seis meses
depois.
Dois meses após a cirurgia inicia uma necrose cutânea na região da antiga
cicatriz levando a uma infeção da artroplastia total do joelho.
Foi isolado em culturas obtidas do espaço intra-articular um
"Staphylococcus epidermidis"; o doente foi submetido a terapia
antibiótica prolongada de acordo com o teste de sensibilidade antibiótica
(T.S.A.), sem resposta.
Nove meses depois mantinha infeção da A.T.J.
Foi submetido a desbridamento cirúrgico, remoção da prótese e colocação de
espaçador com cimento revestido de antibiótico.
Um mês depois é reoperado por deiscência da sutura, tendo sido realizada uma
plastia de encerramento.
Um ano após a estabilização dos parâmetros de infeção e com culturas intra-
articulares negativas mantinha uma fístula com cicatriz aderente na face
interna do joelho.
Optámos pela artrodese com cavilha longa femoro-tibial "custom
made" devido às más condições cutâneas e fístula existentes.
Intraoperatoriamente não houve complicações na remoção do espaçador e
encontrámos uma perda óssea já considerável (Figura_3). Não ocorreram
complicações na introdução da cavilha longa femoro-tibial e foi possível obter
uma boa compressão.
O pós-operatório decorreu sem intercorrências; a artrodese foi obtida às 12
semanas.
Foi possível obter um joelho estável e indolor que permite ao doente deambular
sem auxiliares de marcha e lhe possibilitou uma reintegração socioprofissional
plena. Atualmente tem 18 meses de follow up.
DISCUSSÃO
O caso clínico por nós apresentado é paradigmático da necessidade de ponderar
de modo rigoroso o risco cirúrgico em cada doente.
A infeção profunda continua a ser uma das complicações mais desafiantes da
artroplastia total do joelho (A.T.J.)[1, 15].
O doente por nós apresentado tinha como fatores de risco para infeção da A.T.J:
1) Lesão cutânea com cicatriz aderente sequelar à fratura da rótula ocorrida há
20 anos[3];
2) cirurgia prévia ao joelho com fratura intra-articular[2, 15].
Por estranho que pareça não existem ainda critérios universalmente aceites para
diagnóstico de infeção de A.T.J.[15]
Embora vários autores sugiram que culturas positivas são necessárias ao
diagnóstico é reconhecido que é possível ocorrerem infeções em A.T.J. com
culturas negativas.
Num estudo com 897 infeções em A.T.J., 60 (7%) ocorreram em doentes com
culturas negativas[15]; contudo podem chegar aos 19%.[4]
Foi a úlcera cutânea surgida no pós-operatório que eventualmente proporcionou
as condições para a infeção por Staphylococcus epidermidis.
A infeção foi diagnosticada com base nos seguintes critérios:
1) Culturas obtidas de aspirado cirúrgico,
2) presença de inflamação aguda na avaliação histopatológica de tecidos intra-
articulares,
3) presença de fístula funcionante[5, 15].
O doente foi submetido a tratamento com antibioterapia prolongada de acordo com
T.S.A. sem que tenha ocorrido cura.
A opção por antibioterapia com manutenção da prótese deveu-se aos seguintes
critérios:
1) micro- de baixa virulência;
2) micro- suscetível a antibioterapia em dose não tóxica;
3) prótese não descolada[11] ausência de outra artroplastia ou de prótese
valvular cardíaca, que contra indicariam esta abordagem.
Em agosto de 2010 o doente é submetido a desbridamento cirúrgico com remoção da
prótese e colocação de espaçador com cimento revestido de dois antibióticos por
manutenção de infeção crónica.
A escolha de duplo antibiótico deveu-se ao facto da eluição do antibiótico a
partir do espaçador depender da porosidade do cimento, a porosidade aumenta se
forem utilizados dois antibióticos em altas doses, o que facilita a eluição nas
4 semanas iniciais[8, 15].
A utilização de 2 antibióticos aumenta também a eluição de cada um deles, os
mais utilizados são a Vancomicina e Tobramicina [6, 15].
Os níveis de eluição de antibiótico excedem facilmente os níveis observados
durante uma administração parentérica[8, 15].
A função do espaçador inclui o fornecimento de agentes antimicrobianos locais e
a manutenção do comprimento dos ligamentos colaterais[12, 15].
As eventuais desvantagens dos espaçadores com cimento incluem a presença de um
corpo estranho e a perda óssea que ocorre enquanto se aguarda a reimplantação
de nova prótese[9, 15].
Em setembro de 2010 é reoperado por deiscência da sutura, uma das complicações
possíveis, [9, 15] tendo sido realizada uma plastia de encerramento.
Um ano após a colocação do espaçador com antibiótico obtivemos:
Estabilização dos parâmetros de infeção, cultura intra-articular negativa,
persistência de fístula na face interna do joelho com cicatriz aderente.
A opção pela artrodese deveu-se aos seguintes critérios:
1) Indivíduo com alto índice de exigência funcional,
2) doença de uma só articulação,
3) doente jovem,
4) má cobertura cutânea com necessidade de reconstrução extensa[6].
As más condições cutâneas e fístula existente aumentavam o risco de reinfeção
após reimplantação - o tratamento foi discutido com o doente assim como as
limitações funcionais que dele resultariam.
Intraoperatoriamente não houve complicações na remoção do espaçador ou
colocação da cavilha longa femuro-tibial, tendo-se obtido uma boa compressão.
A artrodese foi conseguida às 12 semanas, ficando um joelho estável e indolor
que permite ao doente deambular sem auxiliares de marcha e lhe possibilitou uma
reintegração socioprofissional plena.
A artrodese, encarada como inaceitável muitas vezes, é na sequela de infeção de
A.T.J. uma boa solução [10, 15].
Num estudo com 24 joelhos tratados por reinfeção após reimplantação o resultado
final foi: 10 joelhos com uma artrodese bem sucedida, 5 doentes com uma infeção
crónica com necessidade de antibioterapia crónica, 4 amputações acima do
joelho, 3 pseudartroses, 1 artroplastia de ressecção, 1 uma A.T.J. não infetada
[10].
A escolha da artrodese como técnica de erradicação da infeção crónica na A.T.J.
poderia ter sido executada com fixador externo, placa(s) ou cavilha.
O fixador externo permite uma boa compressão no foco e eventual alongamento do
membro, os pins revestidos a hidroxiapatite diminuíram o risco de infeção ou
descolamento[14, 15].
No entanto, tem como complicações: lesão neurovascular, infeção ou fratura
através do ponto de entrada dos pins[7, 15]
A utilização de uma ou duas placas permite uma boa compressão na artrodese;
quando utilizadas duas, uma é colocada internamente e a outra anteriormente ou
externamente.
A utilização de duas placas tem como desvantagens a dificuldade de encerramento
da ferida operatória e a necessidade de utilização de imobilização gessada como
fixação complementar[14, 15].
As cavilhas podem ser longas indo do grande trocânter até 2 cm proximalmente ao
tornozelo (método por nós escolhido) ou curtas indo do istmo do fémur ao istmo
da tíbia.
As cavilhas longas permitem uma excelente estabilidade primária devido ao
grande braço de alavanca, sendo contudo de aplicação tecnicamente exigente e
permitem um reduzido controlo na orientação do membro em termos varo-valgo e
extensão flexão[14, 15].
As cavilhas curtas "custom made" permitem aplicar implantes com
diâmetros diferentes no fémur e tíbia e são compatíveis com uma artroplastia
total da anca ipsilateral mas têm como desvantagem a quantidade de osso que é
necessário remover para a sua aplicação e a dificuldade na remoção das mesmas
[15].
Obtivemos uma artrodese às 12 semanas sem complicações - o bom resultado obtido
pode dever-se ao bom contacto dos topos ósseos, bom alinhamento e imobilização
que o método de artrodese escolhido permitiu[6].
Num estudo recente com 85 doentes em que consecutivamente foi realizada
artrodese do joelho após infeção de A.T.J., o fixador externo alcançou fusão em
41 dos 61 doentes com uma taxa de 4,9% de infeção profunda. [13, 15].
A fusão foi alcançada em 24 dos 32 doentes tratados com cavilha intramedular
com uma taxa de 8,3% de infeção profunda, mas as diferenças entre fusão e taxas
de infeção nestas duas técnicas não são estatisticamente significativas. 34
doentes (40%) tiveram complicações.
A mensagem crucial deste caso clínico é que a artrodese do joelho continua a
ser uma boa técnica de salvamento do membro para casos complicados de infeção
após ATJ - permitiu neste caso salvar o membro com um grau de funcionalidade
muito razoável.