Isolamento e caracterização das células da notocorda humana: Implicações para o
desenvolvimento de terapias celulares para a doença degenerativa discal
INTRODUÇÃO
A dor lombar é um sintoma praticamente universal, apresentando prevalências
pontual, mensal e global de 11.9%[1], 23.2% e 84%[2], respetivamente. Apesar de
fatores como carga, hereditariedade, profissão, diabetes, obesidade, tabagismo
e consumo de álcool estarem implicados na sua patogénese, estudos
observacionais demonstram que cerca de 40% dos casos de lombalgia têm associada
degeneração do disco intervertebral (diagnosticada por ressonância magnética)
[3, 4], tendo já sido estabelecida uma relação de causalidade entre os dois
fenómenos[5, 6].
O disco intervertebral é uma estrutura complexa que permite flexibilidade à
coluna vertebral e suporta e distribui o peso que é aplicado através desta. É
formado perifericamente pelo anel fibroso (AF), uma estrutura lamelar formada
sobretudo por colagénio tipo I que rodeia o núcleo pulposo (NP), uma estrutura
gelatinosa, hidratada e rica em proteoglicanos. A separar o disco
intervertebral das vértebras adjacentes encontram-se placas terminais
cartilagíneas, que permitem o transporte passivo de nutrientes da vértebra para
o disco e de produtos de degradação do disco para a vértebra[7]. Apesar das
densidades celulares no NP e no AF serem extremamente baixas[8] as suas células
assumem um papel fundamental na manutenção da integridade do disco
intervertebral, sendo responsáveis pela síntese e degradação da matriz
extracelular destas estruturas[8]. Isto assume particular importância no NP,
que é a primeira estrutura a ser afetada durante a degeneração discal e,
consequentemente, aquela cuja integridade funcional é mais importante para a
manutenção da função normal do disco intervertebral[9].
A degeneração discal inicia-se assim, por um desequilíbrio entre a síntese e
degradação da matriz extracelular do NP mediada pelas suas células e que se
caracteriza por uma redução do conteúdo de proteoglicanos e uma substituição
gradual de colagénio tipo II (o principal colagénio do NP) pelo mais fibroso
colagénio tipo I. Estas alterações celulares e da matriz extracelular levam à
desidratação do NP, que se torna incapaz de distribuir equitativamente as
forças compressivas provenientes dos corpos vertebrais, e que são
consequentemente transmitidas de forma não uniforme para o AF gerando áreas de
pressão aumentada e micro-trauma[10]. Estas alterações na normal distribuição
de cargas levam ao aparecimento de fissuras e roturas no AF, através das quais
o NP hernia para o canal vertebral e neovasos e nervos crescem para o interior
do disco; estes vasos e nervos transportam estímulos nocicetivos que contribuem
para a dor lombar[6]. Em última instância, a altura do disco intervertebral
diminui. Esta cadeia de eventos envolve também as estruturas anatómicas
vizinhas, uma vez que a perda de altura do disco e da sua capacidade de
suportar cargas levam ao aumento da carga sobre as facetas articulares
intervertebrais e o ligamento amarelo, que hipertrofiam, e sobre a musculatura
paravertebral, originando desequilíbrios musculares; o conjunto destes fatores
é responsável pela dor lombar axial. Por outro lado, o abaulamento, herniação e
perda de altura discais e a hipertrofia de facetas e do ligamento amarelo
reduzem o diâmetro do canal vertebral e dos buracos vertebrais, levando à
compressão medular e/ou das raízes nervosas[11, 12].
Quando as medidas de tratamento conservador para as patologias associadas à
degeneração discal (herniação discal, estenose canalar com ou sem
espondilolistese e escoliose degenerativa[11, 12]) falham, o tratamento
cirúrgico consiste frequentemente na exérese do disco e consequente fusão do
segmento vertebral ou a sua substituição protésica. Apesar destas terapêuticas
serem relativamente eficazes no alívio da dor e terem resultados clínicos
geralmente favoráveis, estão também associadas a complicações importantes, como
a degeneração do disco adjacente ou complicações relacionadas com o implante,
tais como migração, infeção ou falência[13, 14]. Além disso, estes tratamentos
estão direcionados para o alívio sintomático mas não resolvem a patologia
subjacente.
As terapêuticas celulares constituem alternativas ou complementos aos
tratamentos cirúrgicos disponíveis atualmente. Em Ortopedia, estas estratégias
foram já aplicadas com bons resultados na regeneração tendinosa[15], meniscal
[16], ligamentar[17], cartilagínea[18] e óssea[19]. A terapia celular baseia-se
em dois métodos fundamentais:
i) ex vivo, em que o tecido é completamente gerado in vitro e só então
transplantado para o doente;
ii) in vivo, em que células isoladamente ou em combinação com estruturas
tridimensionais porosas (scaffolds) são implantadas sem terem sido cultivadas
previamente, maturando e diferenciando-se no corpo do doente[20]. Para o
sucesso de qualquer dos métodos é crucial que as células implantadas sejam
capazes de substituir e/ ou estimular as células nativas a produzirem uma
matriz extracelular saudável e hidratada, capaz de realizar as suas funções.
As células estaminais mesenquimatosas (MSC) são células estaminais do adulto
que se encontram em múltiplos tecidos (medula óssea, tecido adiposo, cordão
umbilical, músculo, derme, periósseo, membrana e líquido sinoviais e cartilagem
[21-23]) e que podem diferenciar-se em células de diversos tecidos como
cartilagem [21, 24, 25], osso[25-27], tecido adiposo[21, 28], ligamento[23, 29]
e músculo[21]. Estudos na área do disco intervertebral mostram que as MSC têm
potencial para regenerar o disco intervertebral[30-35]. No entanto, para que
uma célula progenitora seja diferenciada e substitua e estimule a população
celular do NP, é essencial que o fenótipo da célula do NP seja conhecido. Só
este conhecimento permitirá que a célula implantada execute as suas funções,
produzindo e mantendo uma matriz extracelular hidratada.
Recentemente, o fenótipo das células dos NP adulto foi elucidado usando
microarrays [36, 37]. As células do NP são, no entanto, complexas na sua
morfologia, fenótipo e origem embrionária. Enquanto que o NP juvenil é populado
por células grandes e vacuoladas derivadas da notocorda fetal e embrionária,
com a maturidade esquelética estas células da notocorda
"desaparecem", sendo substituídas por células mais pequenas,
semelhantes a condrócitos, que têm sido chamadas de células do NP adulto. Este
fenómeno é particularmente importante uma vez que a "perda" de
células da notocorda tem sido implicada na patogénese da degeneração discal,
tal como é sugerido pela análise post-mortem de discos intervertebrais
realizada por Walmsley em que se verificou que o momento do desaparecimento
destas células se correlaciona com o aparecimento dos primeiros sinais
histológicos de degeneração[38]. Esta hipótese é ainda suportada pelo facto de
certas raças de cães (denominadas condrodistróficas), tal como o homem,
perderem as células da notocorda e desenvolverem espontaneamente degeneração
discal, enquanto que outras raças (não-condrodistróficas), que mantêm essas
células ao longo da vida, são resistentes à degeneração discal[39-42]. In
vitro, existe evidência de que as células da notocorda têm um papel importante
na manutenção da homeostasia do disco intervertebral: estas produzem mais
proteoglicanos do que as células do NP adulto e, portanto, uma matriz
extracelular mais hidratada[43]; quando em co-cultura as células da notocorda
estimulam as células do NP adulto a produzirem uma matriz extracelular mais
hidratada[39, 44] e evitam a morte das células do NP adulto induzida pela
interleucina-1 (Il-1)[45].
Se, tal como a evidência existente sugere, as células da notocorda ou fatores
por elas sintetizados são os ideais para manter uma matriz do disco
intervertebral hidratada e funcionante, o conhecimento do fenótipo destas
células e das moléculas e mecanismos que regulam o seu desenvolvimento,
permitirá identificar fatores importantes na manutenção da homeostasia do disco
intervertebral e no desenvolvimento de novas terapêuticas regenerativas/
celulares. No entanto, e como as células da notocorda apenas estão presentes no
disco intervertebral durante os períodos embrionário e fetal e nos primeiros
anos após o nascimento, a investigação destas células tem sido limitada por
restrições éticas, logísticas e técnicas e, até à data, não existe qualquer
estudo caracterizando as células da notocorda humana.
A notocorda humana origina-se após a 3ª semana pós-conceção (SPC). É formada
por células grandes e vacuoladas e ocupa uma posição central ao longo do eixo
crânio-caudal do embrião, encontrandose anterior ao tubo neural e com uma
coluna de sómitos em cada lado. Após a 4ª SPC a notocorda induz a migração
central das células dos sómitos (então denominadas células do esclerótomo),
para circundarem e envolverem a notocorda e o tubo neural[46]. Durante as 5ª e
6ª SPC, as células do esclerótomo adotam uma organização segmentar, com
segmentos de elevada densidade celular intercalando com segmentos de menor
densidade; centralmente, mantém-se presente uma coluna contínua de células da
notocorda, que suporta o embrião. Após a 7ª SPC as células do esclerótomo nas
regiões de menor densidade celular começam a comprimir a região central,
"empurrando" as células da notocorda para os segmentos adjacentes.
Nestes, as células do esclerótomo vão condensar-se na periferia, adotando uma
distribuição lamelar, acomodando no seu centro as células da notocorda
provenientes dos segmentos adjacentes. Nesta fase, as estruturas vertebrais
assumem já as características morfológicas da coluna do adulto: as células
centrais da notocorda correspondem ao NP, as células do esclerótomo localizadas
à periferia destas constituirão o AF e as células do esclerótomo nos segmentos
adjacentes começam o processo de hipertrofia que as levará a formação do corpo
vertebral[47, 48].
A hipótese para este estudo foi que a coluna embrionária e fetal humana contém
células da notocorda e que a identificação do fenótipo destas células e dos
fatores por elas produzidos são importantes para o desenvolvimento de
terapêuticas celulares para a regeneração do disco intervertebral. Para testar
esta hipótese, células da notocorda humana foram isoladas da coluna vertebral
fetal e microarrays foram utilizados para caracterizar o seu fenótipo e
identificar fatores responsáveis pela sua função no disco intervertebral.
MATERIAL E MÉTODOS
Aquisição de amostras e cultura celular
Embriões (3ª-8ª SPC) e fetos (8ª-12ª SPC) humanos foram adquiridos através de
uma colaboração com o grupo do Professor Neil Hanley (Institute of Human
Development, Faculty of Medical and Human Sciences, The University of
Manchester, Reino Unido) após consentimento autorizado por parte de mulheres a
realizarem interrupções voluntárias da gravidez. Aprovação para a realização do
projeto foi obtida junto do comité de ética local (Manchester Royal Infirmary,
Ref. No: 08/H1010/28 Early Pregnancy Tissue Collection). Os embriões foram
estadiados por esteromicroscopia de acordo com a classificação de Carnegie[49],
sendo esta posteriormente convertida em SPC. O comprimento das mãos e pés
fetais foram usados para dar uma estimativa da idade destes em SPC.
As células MCF-7 (Michigan Cancer Foundation) são uma linha celular de células
de carcinoma mamário. Um recipiente contendo 4x106 células MCF-7 foi adquirido
através da European Collection of Cell Cultures. Estas células foram cultivadas
a 37ºC e 5% CO2 em EMEM contendo 10% de soro fetal bovino, 1% de glutamina, 1%
de aminoácidos não essenciais, 100U/ml de penicilina, 100mg/ml de
estreptomicina e 250ng de anfotericina.
Dissecção de colunas vertebrais embrionárias e fetais humanas
Devido à pequena dimensão dos embriões e fetos e à inexistência de uma
demarcação clara entre os limites do NP, AF e corpo vertebral em
desenvolvimento, a dissecção foi realizada para isolar as estruturas
precursoras da coluna vertebral (vértebras e discos intervertebrais) desde a
região cervical à lombar. Deste modo, colunas vertebrais juntamente com os seus
tecidos adjacentes (espinhal medula, costelas e ligamentos) foram colhidos do
embrião/feto e transferidos para uma placa de Petri contendo solução tampão
salina de fosfato (PBS) Posteriormente, as costelas, nas suas articulações
costovertebrais, e a medula espinhal primeiro, e os ligamentos longitudinais
anterior e posterior depois foram cuidadosamente dissecados da coluna vertebral
e descartados. Por último, as colunas vertebrais dissecadas contendo apenas os
discos intervertebrais e as vértebras foram lavadas em PBS (Figura_1).
Caracterização histológica da coluna vertebral embrionária e fetal
As colunas vertebrais dissecadas foram imediatamente fixadas em 4%
paraformaldeído/PBS, descalcificadas em 20% EDTA, re-hidratadas em água,
processadas e embebidas em parafina. Secções sagitais com 5µm de espessura ao
longo de toda a coluna foram obtidas e montadas em lâminas para visualização. A
coloração de hematoxilina e eosina (H&E) foi usada para caracterização
morfológica da coluna vertebral e identificação das regiões contendo células da
notocorda. As lâminas coradas foram visualizadas por microscopia de luz.
Pesquisa da literatura
Devido à ausência de uma demarcação clara entre os limites das diferentes
estruturas vertebrais, foi realizada uma pesquisa literária para identificar um
marcador específico das células da notocorda que pudesse ser utilizado para
separá-las das células do esclerótomo adjacentes. As bases de dados da PubMed e
Embase foram pesquisadas usando a seguinte combinação de termos:
("nucleus pulposus" OR "notochordal cells" OR
"notochord") AND ("marker" OR "gene" OR
"protein" OR "phenotype"). Para complementar a
pesquisa, referências relevantes dos artigos selecionados e de revisões da
literatura foram também pesquisadas. Foram incluídos todos os estudos
publicados na língua inglesa, portuguesa, espanhola e francesa, realizados em
humanos ou animais. Os artigos selecionados foram pesquisados para identificar
potenciais marcadores (genes ou proteínas) com expressão em células da
notocorda (de animais que as retêm), em células do NP humano (que apesar de não
possuir células da notocorda é derivado delas[50]) ou em células da notocorda
de embriões ou fetos (independentemente da espécie a que pertencem).
Identificação imunohistoquímica de um marcador específico para as células da
notocorda humana
Para identificar um marcador específico para as células da notocorda humana, um
conjunto de marcadores identificados na pesquisa literária foi testado por
imunohistoquímica em secções da coluna embrionária e fetal. A coloração foi
realizada segundo o método de Avidina-Biotina-Peroxidase para as proteínas
brain acid soluble protein 1 (BASP1), galectin-3 (Gal-3), CD55, connective
tissue growth fator (CTGF), cytokeratin (KRT) 8, 18 e 19 e n-cadherin (NCAD).
Imunoglobulinas (Ig) de controlo foram usadas como controlos negativos e
secções de tecidos que expressam o anticorpo de interesse foram usadas como
controlos positivos. Vários protocolos de recuperação antigénica e várias
concentrações foram testados para determinar o método ideal para cada
anticorpo. O quadro_I detalha os anticorpos (primários e secundários) usados,
bem como como as concentrações e protocolos de recuperação antigénica
otimizados para cada anticorpo. Após a otimização destes, cada anticorpo foi
testado numa coorte de secções de coluna vertebral embrionárias e fetais (3.5 -
12 SPC) contendo regiões da notocorda, para avaliar a especificidade de cada um
dos anticorpos. As lâminas coradas foram visualizadas por microscopia de luz.
Extração de células da coluna vertebral embrionária/fetal
Imediatamente após a dissecção, as colunas vertebrais embrionárias e fetais
foram cuidadosamente trituradas com um bisturi e digeridas durante 16 horas em
a-MEM (Sigma-Aldrich®, M4526) contendo 100U/ml de penicilina, 100mg/mL de
estreptomicina, 250ng de anfotericina, 2.5mg/mL de colagenase tipo II (Life
Technologies®, 17101) e 1 mg/mL de hialuronidase (Sigma-Aldrich®, H3506). Após
a digestão, as células foram ressuspendidas em Cell Dissociation Solution Non-
enzymatic (Sigma-Aldrich®, C5789) a 37ºC por uma hora para dissociar os
agregados de células da notocorda[51]. Após dissociação as células frescas
isoladas da coluna vertebral dissecada foram lavadas em PBS e usadas para
separação entre células da notocorda e do esclerótomo.
Desenvolvimento de uma metodologia para obtenção de RNA a partir de células da
notocorda e do esclerótomo humanos
Dos marcadores testados por imunohistoquímica, a KRT18 foi identificada como
sendo o marcador específico mais adequado para marcar e separar as células da
notocorda (KRT18-positivas) das células do esclerótomo (KRT18-negativas)
isoladas da coluna vertebral embrionária/ fetal. Uma vez que a sua localização
é intracelular, para que as células sejam marcadas com um anticorpo contra este
marcador têm que ser previamente fixadas e permeabilizadas, para permitir a
penetração do anticorpo através da membrana celular. A fixação e
permeabilização celulares são métodos que, por exporem o interior da célula,
afetam a qualidade do RNA, qualidade esta que é fundamental para a realização
de microarrays. Assim, uma metodologia foi desenvolvida para permitir obter RNA
de elevada qualidade a partir de células fixadas, permeabilizadas, marcadas com
um anticorpo fluorescente anti-KRT18 e separadas por citometria de fluxo.
Devido à dificuldade na obtenção de amostras embrionárias e fetais suficientes,
a linha celular MCF-7 (que também expressa KRT18) foi usada para a o
desenvolvimento e otimização deste protocolo, tendo este sido posteriormente
aplicado em células da coluna vertebral fetal. O protocolo foi dividido em 3
passos:
i) fixação e permeabilização;
ii) fixação, permeabilização e marcação com anticorpo fluorescente anti-KRT18;
iii) fixação, permeabilização, marcação com anti-KRT18 e separação por
citometria de fluxo.
O RNA das células MCF-7 foi extraído após cada um destes passos e a sua
quantidade, grau de pureza e integridade foram analisados. Todas as
experiências foram realizadas em triplicado e os reagentes usados eram
certificados como livres de RNAses e DNAses.
Para reproduzir o limitado número de células existente na coluna vertebral
embrionária e fetal 5x104 células MCF-7 foram usadas em cada condição
experimental. Abreviadamente, as células foram cultivadas, tripsinizadas,
contadas com um hemocitómetro e distribuídas pelo número adequado de tubos de
micro-centrifugação. Após lavagem em PBS, as células foram incubadas com os
vários agentes de fixação e permeabilização a ser testados (Quadro_II) a 4ºC
durante 10 minutos. Seguidamente, as células foram lavadas em PBS e incubadas a
4ºC durante 10 minutos na presença de 1.5µg/mL de anti-KRT18 conjugado
diretamente com isocianato de fluoresceína (FITC) em PBS. Finalmente, as
células foram ressuspendidas em PBS para separação por citometria de fluxo. IgG
de rato diretamente conjugada com FITC foi usada como controlo negativo.
Separação de células da notocorda e do esclerótomo isoladas a partir da coluna
vertebral fetal
Após otimização do método adequado para marcação e separação de células KRT18-
positivas, células extraídas da coluna vertebral de um feto de 9 SPC foram
fixadas e permeabilizadas, marcadas com FITC-anti-KRT18 e separadas por
citometria de fluxo.
A citometria de fluxo foi realizada com o instrumento FACS Aria (BD
Biosciences®). A excitação de partículas foi realizada com o laser azul (488nm)
e a deteção com o filtro 530/30. As células separadas foram colhidas para um
tubo de micro-centrifugação contendo 350µL de tampão de lise celular (RLT lysis
buffer, RNeasy micro plus kit, Qiagen®).
Extração e análise da quantidade, grau de pureza e integridade do RNA e
amplificação para cDNA
O RNA foi extraído com o RNeasy micro plus kit (Qiagen®). As seguintes
alterações ao protocolo base foram realizadas:
i) o lisado celular foi aquecido a 37ºC antes da sua homogeneização;
ii) para eluir o RNA foi utilizada água a 60ºC;
iii) para aumentar a quantidade de RNA obtida, o eluente foi repipetado pela
coluna de extração de RNA.
A quantificação e análise da pureza do RNA foram realizadas com o Nanodrop ND-
1000 Spectrophotometer (Thermo Fisher Scientific®), que avalia a concentração e
os rácios 260/280 e 260/230. Estes rácios avaliam o grau de pureza do RNA, que
é máximo para valores próximos de 2. A integridade do RNA foi avaliada com o
Algilent 2100 Bioanalyser (Algilent Technologies®), que mede o RNA integrity
number (RIN), que varia entre 0 e 10 pontos, sendo 10 o valor máximo de
integridade.
O RNA obtido foi amplificado para Spia® (Single Primer Isothermal
Amplification) cDNA com o Ovation Pico WTA v2 kit (NuGen Technologies®),
purificado com o RNeasy MinElute kit (Qiagen®) e fragmentado e marcado para
análise com o Encore Biotin Module (NuGen Technologies®). Todos estes passos
foram realizados de acordo com as instruções do produtor.
Validação da separação celular através da análise da reação em cadeia da
polimerase em tempo real
Para determinar a precisão da separação entre células da notocorda e do
esclerótomo, realizou-se a reação em cadeia da polimerase em tempo real
(qRTPCR) para genes anteriormente descritos como sendo da notocorda (Quadro
III). Todas as reações foram realizadas em triplicado usando o Applied
Biosystem StepOnePlus® e a expressão relativa de cada gene foi normalizada à
expressão do gene constitutivo glyceraldehyde-3-phosphate dehydrogenase
(GAPDH), como previamente descrito[53].
Microarrays de DNA complementar (cDNA)
Para hibridização com o gene chip Human Genome U133 Plus 2.0 microarray
(Affymetrix®) foram usados 2.5µg de cDNA de cada uma das amostras. O controlo
de qualidade foi realizado com o software dChip[54] e a análise dos genes com
expressão diferencial foi realizada com o pacote PUMA[55]. A interactive
pathway analysis (Ingenuity Systems®) foi usada para identificar redes
celulares, funções biológicas e reguladores dos genes com expressão diferencial
entre as células da notocorda e as células do esclerótomo. Os genes com
expressão diferencial foram definidos como aqueles que apresentavam um rácio
logarítmico de base 2 (Log2) superior a 2 (equivalente ao quádruplo da
expressão) e uma probabilidade logarítmica normalizada positiva (PPLR) <0.05 ou
>0.95.
Análise estatística
A análise estatística foi realizada com o software GraphPad InStat (GraphPad
Software Inc®), usando o teste de Mann-Whitney-U; valores de p<0.05 foram
definidos como representativos de diferença significativa entre médias.A
análise estatística foi realizada com o software GraphPad InStat (GraphPad
Software Inc®), usando o teste de Mann-Whitney-U; valores de p<0.05 foram
definidos como representativos de diferença significativa entre médias.
RESULTADOS
Análise morfológica da coluna vertebral embrionária e fetal
A coloração H&E identificou a presença de células da notocorda grandes e
vacuoladas ocupando uma posição central na coluna embrionária e fetal. Estas
células estavam organizadas continuamente ao longo do eixo do feto até à 8ª
SPC, a partir da qual se encontravam restritas à região do disco
intervertebral. Nesta região, e perifericamente às células da notocorda, as
células do esclerótomo apresentavam uma organização lamelar característica do
AF adulto. Nas regiões adjacentes, a densidade celular das células do
esclerótomo percursoras do corpo vertebral era menor; no seu centro, e a partir
da 10a SPC, estas tornavam-se hipertróficas, constituindo o centro de
ossificação vertebral (Figura_2).
Identificação de um marcador específico para as células da notocorda
A pesquisa da literatura identificou 16 potenciais marcadores específicos das
células da notocorda (Quadro_IV). Destes, as moléculas BASP1, Galectin-3, CD55,
CTGF, KRT8, KRT18, KRT19 e N-Cad foram selecionadas para análise
imunohistoquímica da sua expressão em secções da coluna vertebral embrionária e
fetal. Verificou-se que as proteínas KRT8, KRT18 e KRT19 eram específicas para
as células da notocorda humana em todos os níveis vertebrais (cervical,
torácico e lombar) e em todas as idades analisadas (Figura_3), tendo a KRT18
sido escolhida como o marcador a usar para separar as células da notocorda
(KRT18-positivas) das células do esclerótomo (KRT18-negativas).
Desenvolvimento de uma metodologia para obtenção de RNA a partir de células
marcadas com um anticorpo intracelular
i) A análise do RNA extraído a partir de células MCF-7 fixadas e
permeabilizadas com diferentes agentes demonstrou uma redução significativa na
sua concentração quando comparados com o controlo positivo (PBS). Os agentes
Etanol/ ácido acético e 100% RNAlater foram aqueles com os quais se obteve RNA
com maior grau de pureza e integridade (Figura_4), pelo que foram selecionados
como os métodos de fixação e permeabilização a usar nos passos seguintes.
ii) Para avaliar o efeito da marcação intracelular com FITC-anti-KRT18, células
MCF-7 foram fixadas e permeabilizadas com os dois agentes selecionados
previamente e incubadas com FITCanti-KRT18 ou PBS (controlo). Verificou-se que
a marcação com FITC-anti-KRT18 não exercia efeito deletério sobre a quantidade
ou integridade do RNA, independentemente do agente de fixação usado previamente
(etanol/ ácido acético ou RNAlater®). No entanto, o grau de pureza (analisado
pelo rácio 260/230) após a fixação, permeabilização e marcação com anticorpo
era significativamente inferior quando o RNAlater® era usado (Figura_5).
iii) Verificou-se que o RNA obtido após separação por citometria de fluxo de
células MCF-7 fixadas e permeabilizadas com etanol/ácido acético e marcadas com
FITC-anti-KRT18 apresentava concentrações e integridade significavamente
superiores às obtidas quando o RNAlater® era usado como método de fixação e
permeabilização (Figura_6).
Estes resultados permitiram desenvolver uma metodologia que consistia na
fixação e permeabilização com etanol/ácido acético, seguida de marcação com
FITC-anti-KRT18 e separação celular por citometria de fluxo e que era capaz de
obter RNA com suficiente qualidade e integridade para a realização de
microarrays a partir de um número limitado de células, pelo que esta foi usada
para o isolamento de RNA a partir de células da coluna vertebral fetal humana.
Separação por citometria de fluxo e extração de RNA a partir de células da
notocorda e do esclerótomo da coluna vertebral humana
A coluna vertebral de um feto de 9 SPC foi dissecada de todos os tecidos
adjacentes e as suas células (da notocorda e do esclerótomo) foram extraídas
enzimaticamente, fixadas e permeabilizadas, marcadas com FITC-anti-KRT18 e
separadas por citometria de fluxo de acordo com a metodologia desenvolvida com
células MCF-7. A análise citométrica do nível de fluorescência detetou 3800
eventos KRT18-positivos (células da notocorda) e 40000 eventos KRT18-negativos
(células do esclerótomo) (Figura_7).
Extração de RNA a partir de células da notocorda e do esclerótomo humano
Treze microlitros de RNA com concentrações de 13.7ng/µL e 12.4ng/µL foram
respetivamente obtidos a partir de células KRT18-positivas e KRT18-negativas da
coluna vertebral fetal. Este RNA apresentava elevados rácio 260/280 e valores
de RIN mas baixos rácio 260/230 e concentração (Figura_8). Devido à sua baixa
concentração, o RNA foi amplificado para cDNA por um fator de 25 vezes nas
células KRT18-positivas e 45 vezes nas células KRT18-negativas. Esta
amplificação melhorou também significavamente o rácio 260/230 (Figura_9).
Validação da separação celular por reação em cadeia da polimerase em tempo real
Para validar a precisão da metodologia usada para separar células da notocorda
(KRT18-positivas) das células do esclerótomo (KRT18-negativas), a expressão de
genes previamente descritos como sendo da notocorda (KRT18, KRT19, T, Galectin-
3 e FOXA2) foi comparada entre os dois tipos celulares. A comparação mostrou
que as células KRT18-positivas têm uma expressão aumentada de todos os genes
analisados, comparativamente com as células KRT18- negativas (Figura_10).
Análise dos microarrays
A análise da expressão diferencial entre as células separadas identificou 782
genes regulados positivamente e 678 genes regulados negativamente pelas células
KRT18-positivas em relação às KRT18-negativas. O quadro_V apresenta os 10 genes
com maior expressão diferencial entre as células KRT18-positivo e KRT18-
negativo (marcadores positivos) e os 10 genes com maior expressão diferencial
entre as células KRT18-negativo e KRT18-positivo (marcadores negativos).
A análise IPA dos fatores a montante dos genes KRT18-positivos identificou 30
reguladores destes genes (24 previstos estar ativados e 6 inibidos) (Quadro
VI). Destes, o hepatocyte growth factor (HGF) foi o fator de crescimento com
probabilidade de ativação (score z) mais elevado. A análise das vias de
regulação deste fator de crescimento identificou diversas moléculas com
expressão diferencial aumentada nas células KRT18-positivas e envolvidas no
desenvolvimento da coluna vertebral e na atividade biológica das células da
notocorda (Figura_11).
DISCUSSÃO
As células da notocorda ou fatores por estas produzidos têm sido propostos como
tendo um efeito anabólico e protetor contra a degeneração do disco
intervertebral e o seu "desaparecimento" aquando da maturidade
esquelética, tem sido sugerido como sendo o fator iniciador da degeneração
discal. Deste modo, a identificação do fenótipo destas células e das moléculas
que as regulam poderá elucidar a comunidade científica sobre quais os fatores
que regulam a homeostasia do disco intervertebral e ajudar no desenvolvimento
de novas terapêuticas biológicas e estratégias celulares para combater a sua
degeneração.
Apesar de terem já sido efetuadas várias tentativas para definir o fenótipo das
células da notocorda em modelos animais[56, 57, 68-72], os resultados desses
estudos não são diretamente aplicáveis à investigação humana, já que o fenótipo
da célula do NP, que deriva da notocorda, varia consideravelmente entre
espécies[36, 57, 73]. Isto pode dever-se a diferenças de organização celular,
forma e tamanho do disco intervertebral, postura e locomoção entre as
diferentes espécies de mamíferos[73, 74]. A realização de estudos em humanos
tem, no entanto, sido dificultada por restrições éticas e logísticas
relacionadas com a aquisição de tecidos contendo células da notocorda, bem como
por dificuldades técnicas relacionadas com a dimensão das colunas vertebrais
embrionária e fetal e a falta de métodos adequados para separação de células
para realização de estudos de expressão genética em grande escala, como
microarrays. Esta lacuna tem sido uma limitação importante para o
aprofundamento do conhecimento sobre o desenvolvimento, maturação e degeneração
do disco intervertebral e para a descoberta de métodos para o regenerar.
Assim, os objetivos deste trabalho foram:
i) desenvolver um método para o isolamento e separação de células da notocorda
(precursoras do NP) das células do esclerótomo (precursoras do AF e vértebra)
que lhe são adjacentes;
ii) caraterizar o fenótipo das células da notocorda e identificar fatores
envolvidos na função anabólica e protetora desempenhada por estas células no
disco intervertebral.
Devido à ausência de uma demarcação clara entre os limites das células do
esclerótomo e da notocorda fetais foi desenvolvida uma estratégia de separação
baseada na identificação de um marcador celular específico para as células da
notocorda, marcação dessas células com um anticorpo fluorescente dirigido para
o marcador identificado e separação das células por citometria de fluxo.
Primeiro, a coluna vertebral fetal foi dissecada de todos os tecidos adjacentes
com o objetivo de limitar o tipo de células a separar a dois tipos: células da
notocorda e células do esclerótomo.
Segundo, foi realizada uma revisão extensa da literatura para identificar um
marcador específico para as células da notocorda. Uma vez que há muito pouca
informação sobre estas células, pretenderam identificar-se todas as moléculas
que haviam sido descritas como sendo expressas por células da notocorda
embrionária e fetal (em estudos de biologia do desenvolvimento), células da
notocorda do NP de animais que as retêm ao longo da vida ou células do NP
humano adulto (que, apesar de não possuir células com morfologia da notocorda,
se pensa ser derivado desta[50]). Foram analisados todos os artigos
identificados, bem como referências relevantes desses mesmos artigos e de
revisões da literatura dentro da mesma área. Dezasseis potenciais marcadores
foram identificados. Destes, 8 (BASP1, Galectin-3, CD55, CTGF, KRT8, KRT18,
KRT19 e N-Cad) foram selecionados para validação por imunohistoquímica na
coluna embrionária e fetal humana. Estas moléculas foram selecionadas por terem
sido identificadas em estudos humanos e animais. Verificou-se que as KRT8,
KRT18 e KRT19 eram expressas por todas as células da notocorda em todos os
níveis vertebrais e em todas as idades gestacionais avaliadas.
As citoqueratinas são moléculas do citoesqueleto e a sua expressão, apesar de
indicativa de um fenótipo epitelial, tem sido também observada em células
derivadas da mesoderme como cardiomiócitos[75] e fibroblastos[76]. A KRT18
dimeriza com a KRT8 para formar um filamento intermediário em epitélios
estratificados simples, enquanto que a KRT19 é a mais pequena citoqueratina
acídica conhecida. As KRT8 e KRT18 estão envolvidas na resistência à apoptose
induzida pelo TNF-a em hepatócitos[77]. De relevo para a área do disco
intervertebral, estas moléculas encontram-se frequentemente presentes em
tecidos submetidos a carga mecânica[78, 79], pelo que a sua presença no disco
intervertebral poderá servir para ajudar a suportar a elevada pressão
hidrostática existente no NP[80]. Uma vez que não se verificaram diferenças no
padrão e intensidade de coloração das células da notocorda pelas três
citoqueratinas, e já que nós identificámos recentemente a KRT18 como um
marcador do NP adulto[36], esta foi escolhida para marcar as células da
notocorda a serem separadas por citometria.
A KRT18, tal como todas as citoqueratinas é, no entanto, uma proteína
intracelular, pelo que para que o anticorpo consiga penetrar através da
membrana celular, é necessário fixar e permeabilizar as células. A extração de
RNA de células fixadas e permeabilizadas é, contudo, complexa e as únicas
tentativas para o fazer reportam à década de 90[81, 82], em que é proposto o
uso de agentes de fixação e permeabilização de base alcoólica. Contudo, o RNA
obtido nestes estudos não apresentava qualidade suficiente para a realização de
microarrays.
Deste modo, foi desenvolvida uma metodologia para isolar RNA com elevado grau
de pureza e integridade a partir de células previamente fixadas,
permeabilizadas, marcadas com um anticorpo fluorescente e separadas por
citometria de fluxo. Para o desenvolvimento desta metodologia foi inicialmente
usada a linha celular MCF-7, tendo esta só posteriormente sido aplicada a
células da coluna fetal. Para minimizar a degradação do RNA, todos os
procedimentos foram realizados em ambiente livre de RNAses e o número total de
passos foi reduzido, eliminando lavagens celulares que se verificaram
redundantes e usando um anticorpo conjugado diretamente (e não um anticorpo
primário seguido de um secundário). Inicialmente, foi avaliado o efeito sobre a
qualidade do RNA de agentes de fixação e permeabilização de base alcoólica
(etanol/ácido acético, 100% e 50% etanol e UM-Fix®) e não alcoólica (100% ou
50% RNAlater®), métodos adaptados a partir de estudos prévios[81-84], tendo-se
verificado que dois deles (etanol/ácido acético e RNAlater®) tinham o menor
impacto negativo sobre a qualidade de RNA obtida e, portanto, tendo sido
escolhidos para os passos seguintes. Posteriormente, verificouse que a marcação
com anticorpo fluorescente não afetava a qualidade do RNA em células fixadas e
permeabilizadas com etanol/ácido acético e diminuía ligeiramente o grau de
pureza do RNA em células fixadas com 100% RNAlater®. Por último, avaliouse o
efeito da separação celular por citometria de fluxo, tendo-se verificado que a
qualidade do RNA das células fixadas e permeabilizadas com 100% RNAlater® era
drasticamente reduzida, enquanto que a das células fixadas com etanol/ácido
acético não era afetada. Foi recentemente demonstrado que a radiação de campo
elétrico emitida pelo citómetro de fluxo pode causar disrupção celular[85] e
talvez esta seja a razão pela qual, nas células fixadas e permeabilizadas com
RNAlater® o RNA é degradado. Não é clara, no entanto, a razão pela qual quando
as células são fixadas com etanol/ácido acético isto não acontece mas poderá
estar relacionado com a diferente natureza dos dois agentes utilizados.
Esta metodologia (fixação com etanol/ácido acético, seguida de marcação com
anti-KRT18 marcado com anticorpo fluorescente e separação celular por
citometria de fluxo) é uma nova estratégia para a obtenção de RNA de elevada
qualidade a partir de células marcadas com um anticorpo intracelular. Esta foi
a estratégia usada para identificar o fenótipo das células da notocorda humana,
mas é também uma nova metodologia cuja utilidade e aplicação se estendem a
qualquer área de investigação.
Utilizando o método estabelecido com a linha celular, células da coluna
vertebral fetal humana foram isoladas enzimaticamente, fixadas e
permeabilizadas, marcadas com KRT18 e separadas em células da notocorda (KRT18-
positivas) e do esclerótomo (KRT18-negativas). Tal como previsto pela avaliação
morfológica da coluna fetal, a proporção de células do esclerótomo (90.5%) foi
superior à de células da notocorda (9.5%). Apesar do número limitado de células
separadas, foi isolado RNA e, após amplificação para cDNA, este apresentava
elevada concentração, grau de pureza e integridade. O grau de precisão da
separação em células da notocorda e do esclerótomo foi confirmado pela maior
expressão diferencial dos genes da notocorda KRT18, KRT19, T, Gal3, CTGF e
FoxA2 pelas células KRT18-positivas do que pelas KRT18-negativas.
Os microarrays são uma técnica potente capaz de medir a expressão de todos os
genes conhecidos do genoma humano numa determinada célula num tempo específico
e a informação proveniente destes estudos tem sido usada para caracterizar
doenças, prever a sua progressão e desenvolver novas terapêuticas[86-88]. Na
área do disco intervertebral foram usados para caracterizar o fenótipo do NP
adulto e para identificar novos marcadores celulares que têm sido utilizados
para avaliar a correta diferenciação de células estaminais em células do NP[36,
37, 56, 57, 61, 89-92].
As células NP do adulto podem, no entanto, não ter o fenótipo adequado para
regenerar o disco intervertebral já que, com a idade, estas células apresentam
uma aumento da senescência[93], da morte celular mediada por autofagia[94] e da
expressão de enzimas catabólicas e degradadoras da matriz extracelular[95, 96]
e uma diminuição da expressão dos componentes normais da matriz extracelular[9,
97]. Por outro lado, e como detalhado anteriormente, as células da notocorda
têm propriedades anabólicas e anticatabólicas, o que indica que elas, ou
fatores por elas produzidos, são capazes de produzir uma matriz extracelular
mais hidratada, que melhor poderá executar as funções do NP no disco
intervertebral. Deste modo, a caracterização do fenótipo destas células e dos
mecanismos biológicos responsáveis pela sua função são essenciais para o
desenvolvimento de terapêuticas celulares para regenerar o disco
intervertebral.
O estudo por microarrays realizado identificou uma lista de marcadores
(positivos e negativos) com elevada expressão diferencial entre os dois tipos
celulares. Apesar da validação destes marcadores numa coorte mais alargada
estar ainda em curso, os dados obtidos até agora permitem uma análise detalhada
de genes que poderão desempenhar papéis fundamentais na biologia das células da
notocorda.
O receptor growth fator recetor-bound protein 14 (GRB14), que é uma molécula
que interage com o recetor insulin growth factor 1 (IGF1), foi o marcador
positivo com maior expressão diferencial entre os dois tipos celulares e poderá
assumir particular relevância. O IGF1 é um fator de crescimento que aumenta a
produção de proteoglicanos por células do NP bovino[98] e murídeo[99], estimula
a proliferação de células do NP bovinas[100] e humanas[101] e inibe a morte
celular induzida pela Il-1 em células do NP de coelhos[102]; além disso, a
produção aumentada de proteoglicanos induzida pelo IGF1 em células do NP
murídeo diminui com a idade[99]. É possível que a elevada produção de
proteoglicanos pelas células da notocorda esteja relacionada com uma maior
resposta ao IGF1 dependente do seu recetor GRB14 e que, com a maturação do
disco intervertebral e o desaparecimento da células da notocorda (e do recetor
GRB14 por elas expresso) esta capacidade seja perdida. Esta hipótese poderá ser
testada pela avaliação da expressão de GRB14 no NP humano de diferentes idades.
Por outro lado, as moléculas FAS e CD40 (recetores do citocina pró-inflamatória
TNF) foram identificadas como marcadores negativos das células da notocorda. A
baixa expressão destes recetores nas células da notocorda indica que estas
células poderão não responder a esta citocina, podendo estar protegidas dos
efeitos pró-inflamatórios e catabólicos do TNF-a verificados durante a
degeneração discal[102, 103].
Além de fornecer uma extensa lista de genes e marcadores celulares, a análise
de microarrays por IPA permite a identificação de vias e mecanismos celulares,
bem como de reguladores a montante das células em estudo. O IPA combina as
listas de genes identificados no estudo com bases de dados da literatura
científica, prevendo relações entre moléculas, mecanismos, e fatores
reguladores da função das células em investigação. A análise dos fatores a
montante da lista de marcadores positivos das células da notocorda identificou
o HGF como sendo o fator de crescimento com maior probabilidade de ativar os
seus genes, e portanto, algumas das funções destas células. O HGF é um
regulador positivo do GRB14, do FoxA2 e do neuropilin 1 (NRP1). O FoxA2 é um
gene que, em conjunto com o FoxA1 é crucial para o desenvolvimento do NP[63]. O
NRP-1 é um recetor do semaphorin 3A (Sema3A9) que está envolvido da repulsão de
neurónios da notocorda[104] e que atua como barreira para o crescimento de
nervos para o disco intervertebral saudável[105]. Estes dados sugerem que o
fator de crescimento HGF tem um papel importante na regulação das células da
notocorda, regulando positivamente a expressão de genes importantes para o
desenvolvimento e função adequada do NP.
CONCLUSÃO
Este é o primeiro estudo a identificar e separar células da notocorda das
células do esclerótomo na coluna vertebral humana e a caracterizar o fenótipo,
mecanismos e vias de regulação dessas células. Para o fazer, foi desenvolvida
uma metodologia inovadora que permite extrair RNA de elevada qualidade a partir
de um número limitado de células fixadas, permeabilizadas, marcadas com um
anticorpo intracelular e separadas por citometria de fluxo. Esta metodologia
tem aplicações que vão para além da área do disco intervertebral.
Os genes identificados representam um conjunto de marcadores positivos e
negativos das células da notocorda e constituem a assinatura genética destas
células, que poderá agora ser usada para estudar o desenvolvimento destas
células e o seu destino com a maturação do disco intervertebral humano, mas
também para avaliar a diferenciação de células estaminais em células da
notocorda.
O fator de crescimento HGF foi identificado como um regulador a montante das
células da notocorda e poderá, sozinho ou em combinação com outros fatores de
crescimento, ser responsável por algumas das funções atribuídas a estas
células.