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EuPTCVHe1646-21222013000400010

EuPTCVHe1646-21222013000400010

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-2122
ano2013
Issue0004
Article number00010

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Fratura espontânea bilateral do fémur e ingestão crónica de bifosfonatos

INTRODUÇÃO A eficácia dos bifosfonatos no tratamento e prevenção da osteoporose tem sido amplamente confirmada por vários estudos clínicos randomizados[1,2]. Os bifosfonatos utilizados atualmente são composto nitrogenados que se ligam ao osso e atuam sobre os osteoclastos, inibindo a sua atividade e induzindo apoptose, aumentando assim a densidade mineral óssea (DMO)[3]. Como consequência, existe uma inibição da remodelação óssea, tornando o osso adinâmico, o que possibilita a acumulação de lesões microscópicas que podem culminar em fraturas de fadiga[4].

Têm surgido na literatura múltiplos relatos que apontam para uma possível associação entre o uso de bifosfonatos e o risco aumentado de fraturas nãoosteoporóticas do fémur, com um número crescente de casos de fraturas com padrões atípicos, que ocorrem na diáfise ou região subtrocanterica do fémur, em doentes medicados com bisfosfonatos seis ou mais anos[5,6,7].

Thompson RN et al[8] refere num estudo multicêntrico a incidência de 7% de fraturas atípicas do fémur, sendo que 81% desses indivíduos estavam a tomar bifosfonatos por um período médio de 4,6 anos.

CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino, 65 anos de idade, admitida no Serviço de Urgência (SU) por quadro de dor e impotência funcional do membro inferior direito após queda em ortostatismo. Como antecedentes pessoais de referir hipertensão arterial e osteoporose (diagnosticada 12 anos; T-score da coluna lombar de -2,7).

Sem outros fatores de risco major para osteoporose (tais como: fratura vertebral ou de fadiga prévia; fratura da anca em um dos progenitores; terapêutica corticoide sistémica com mais de 3 anos de duração; menopausa precoce; hipogonadismo; hiperparatiroidismo primário ou propensão aumentada para quedas), foi medicada com 70mg de ácido alendrónico por semana associado a 600mg de carbonato de cálcio por dia, durante 12 anos.

O estudo radiológico revelou uma fratura mediodiafisária do fémur, obliqua curta, que foi tratada cirúrgica após redução fechada com encavilhamento centromedular rimado estático (Figura_1). A consolidação da fratura deu-se aos 6 meses e aos 10 meses da alta hospitalar realizou nova densitometria óssea que revelou um T-score de -2,4 da coluna lombar, que traduz osteopenia, e um T- score de -1,0 do colo do fémur esquerdo, que indica normalidade (Figura_2).

Tendo mantido a medicação com bifosfonatos, sob a forma de 70mg de ácido alendrónico e 5600UI de Vitamina D3 por semana complementada com 600mg carbonato de cálcio por dia, aos 17 meses de pós-operatório nova entrada no SU por quadro sintomático semelhante ao primeiro, mas agora à esquerda. O estudo radiológico da coxa confirmou o diagnóstico de fratura mediodiafisária do fémur esquerdo, oblíqua curta, tendo a doente sido novamente submetida a redução fechada e encavilhamento centromedular rimado estático do fémur (Figura 3).

Analiticamente, a doente à data da segunda fratura apresentava um cálcio corrigido de 8,4mg/dl (8,8-10,6), fosfato inorgânico 2,3mg/dl (2,5-4,5), fosfatase alcalina de 82U/L (30-120) e um valor de paratormona 76pg/ml (9-72).

O cintigrama do esqueleto não apresentava critérios sugestivos de metastização óssea (Figura_4).

DISCUSSÃO Os bisfosfonatos são considerados a terapia de primeira linha no tratamento e prevenção da osteoporose pós-menopáusica, aumentado a DMO e diminuindo o risco de fraturas, principalmente da coluna vertebral e fémur[1,9]. Estes fármacos reduzem a reabsorção óssea, inibindo a ação dos osteoclastos e promovendo a apoptose[10]. O alendronato foi o primeiro medicamento desta família a ser aprovado pela Food and Drug Administration, em 1995, e desde então um grande número de mulheres na pós-menopausa e um menor número de homens com osteoporose idiopática (por esteroides ou hipogonadal) têm vindo a ser tratados com este fármaco.

A eficácia e segurança a curto prazo têm sido amplamente estudadas e documentadas[1,2,3,10]. No entanto, o receio da prevalência dos seus efeitos adversos em terapêuticas crónicas. Embora sejam amplamente excretados pelos rins, uma pequena quantidade de bifosfonatos permanece no corpo podendo-se ligar ao tecido osteoide durante décadas. Os bifosfonatos têm um tempo de semivida longo (cerca de 12 anos) e acredita-se que durante o período em que permanecem no organismo, a inibição osteoclástica é sequencialmente seguida por uma diminuição na formação de osso[11]. Desta forma, os bifosfonatos limitam o processo de remodelação óssea podendo condicionar uma alteração na distribuição de cargas que passam através do osso. Assim, apesar da DMO poder estar preservada, a menor qualidade do osso e o insuficiente envelhecimento do colagénio pode aumentar a suscetibilidade de fraturas[12].

Biópsias ósseas do foco de fratura e da crista ilíaca em doentes tratados com bifosfonatos por vários anos confirmam a baixa remodelação óssea e tem sido sugerido que a combinação do aumento da mineralização óssea com a redução acentuada da remodelação podem promover a acumulação de microfraturas, resultando em alterações no comportamento mecânico do osso[12,13].

A literatura confirma a existência de um padrão de fratura que tem caraterísticas radiológicas específicas e que poderia, potencialmente, estar relacionada com a utilização de bifosfonatos. Neste sentido a American Society for Bone and Mineral Research (ASBMR)[14] criou um grupo de trabalho em que um dos aspetos primordiais seria a definição de fratura atípica (Quadro_I).

A relação risco-benefício dos bifosfonatos tem sido documentada em múltiplos estudos randomizados. Tendo em conta a incidência destas fraturas (31 por 10.000 doentes-ano, em mulheres que recebem o alendronato)[15] o risco potencial absoluto relacionado com a utilização de bifosfonatos parecer ser relativamente baixo pelo que, mesmo comprovando-se uma relação causal entre a toma de bifosfonatos por longos períodos e a incidência deste tipo de fraturas atípicas, seria extremamente difícil questionar o seu uso clínico.

Segundo os critérios da ASBMR, estamos perante uma fratura bilateral do fémur, de padrão atípico, numa doente que tomava bifosfonatos consecutivamente mais de 13 anos, sem antecedentes palológicos relevantes e em que o estudo complementar não apresentava critérios sugestivos de alteração no metabolismo do cálcio, osteoporose ou metastização óssea. Tal facto fez-nos inferir que as fraturas sofridas pela paciente poderão estar relacionada com uma significativa diminuição da remodelação óssea secundária à toma crónica de alendronato.

Com este caso procurámos contribuir para a crescente discussão sobre a possível relação entre a terapia a longo prazo com bifosfonatos e o seu impacto na remodelação óssea, que poderá resultar em fraturas ditas "patológicas" ou atípicas.

Em doentes a realizar este tipo de tratamento, uma dor na região inguinal ou na coxa deverão levantar a suspeita da eminência ou presença de uma fratura, devendo ser realizado um estudo radiológico complementar.

O autor é da opinião que sempre que se pondere a terapêutica com bifosfonatos por períodos superiores a cinco anos e sempre que surja alguma suspeita clínica, a suspensão ou substituição da terapêutica deve ser tomada em consideração.

Estudos adicionais serão necessárias para melhor caracterizar o impacto da terapêutica a longo prazo com estes fármacos na estrutura óssea, sendo imperativo que se estabeleçam guidelines internacionalmente aceites sobre as suas indicações e tempo terapêutico.


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