Correlação funcional e ecográfica no tratamento cirúrgico da coifa dos
rotadores com seguimento superior a 5 anos
INTRODUÇÃO
A patologia da coifa dos rotadores é frequente, aumenta com a idade, e pode
condicionar dor e limitação funcional com consequências económicas e
psicossociais.
A rupturas podem ser completas ou parciais, articulares ou bursais, variando de
maciças (>2 tendões; >5cm) a grandes (3-5cm), médias (1-3cm) ou pequenas
(<1cm)1.
Quando sintomática, o tratamento visa eliminar a dor e restaurar a função e,
quando cirúrgico, o sucesso varia entre 5-90%. A dimensão da ruptura inicial
condiciona a eficácia (Quadro_1) sendo que rupturas maciças associam-se a 60%
de re-ruptura comparativamente com 36% em rupturas pequenas/médias. A re-
ruptura varia amplamente entre 15-90%2-13 e cirurgia prévia constitui factor de
risco acrescido.
Quadro_1
Na literatura, o tratamento artroscópico é efetivo e apresenta vantagens
relativamente à cirurgia clássica aberta mas a influência técnica e qualidade
da sutura são controversas. Não é linear a relação entre integridade da sutura
e dor e função e é controverso o papel de diversos factores como uso de double
row, integridade do deltoide e qualidade tendinosa, integridade da sutura aos 6
meses, revisão cirúrgica ou correlação entre rupturas maiores e impingment com
hipovascularização14-22. Para Iagulli et al. 201123, quando grande retração e
fraca qualidade tendinosa, os resultados da sutura parcial são comparáveis a
sutura completa.
Além disso, interfere no sucesso cirúrgico a mecanoadaptação do troquiter,
fixação sutura-osso, interface sutura-tendão, resistência e força da sutura,
segurança dos nós e loop e restauração do footprint anatómico24.
Este estudo avalia a eficácia do tratamento cirúrgico na ruptura da coifa dos
rotadores, com o mínimo de 5 anos de seguimento. Aprecia-se a relação entre
resultado funcional e achados ecográficos tentando contribuir para optimização
do tratamento destes doentes.
MATERIAL E MÉTODOS
Entre 2002 e 2007 foram realizadas 166 suturas da coifa dos rotadores em 156
doentes, pelo mesmo cirurgião. As ecografias pré e pós-operatórias foram sempre
realizadas pelo mesmo radiologista.
Retrospectivamente, foram adicionalmente avaliados os seguintes parâmetros:
tipo de ruptura, cirurgia, sutura e material usado, complicações, dor (VAS),
retorno laboral/atividades prévias e inquirido o grau de satisfação dos doentes
(muito bom/bom).
Completaram follow-up (FU) 77 doentes, com avaliação funcional (Constant-Murley
Score e UCLA Shoulder Score) e ecográfica, correspondendo a 87 rupturas.
A análise estatística foi realizada com o SPSS 20.0 (IBM SPSS Statistics,
Chicago, Illinois).
RESULTADOS
A Tabela_1 apresenta os resultados descritivos. A idade média foi 55,6 anos
(22-77) com FU de 7,4 anos (5-11) sendo a maioria 113 (72,4%) do sexo feminino.
Em 14 casos tratou-se ruptura aguda traumática, sendo a esmagadora maioria
crónica, secundária em 2 casos a artrite reumatoide e 150 degenerativas. No
total verificaram-se 145 (87,3%) rupturas completas sendo cerca de metade
maciças (9,7%) e grandes (42,1%) (Figura_1). Quando rupturas parciais o
predomínio foi articular (61,9%).
A maioria 122 (73,5%) das suturas foram artroscópicas sendo 44 (26,5%) abertas
por mini-open (Tabela_2). Note-se que a cirurgia mini-open realizou-se
predominantemente nos anos iniciais do estudo em rupturas maciças ou associadas
ao tendão subescapular. Nos anos abrangidos pelo estudo foram usadas diferentes
âncoras e os pontos transósseos com Ethibond Excel®, Ethicon.
Duas suturas foram apenas parciais (1.2%), uma artroscópica e uma mini-open, em
rupturas maciças. Em 22 casos foi associado o gesto de tenotomia da longa
porção do bicípite (LPB) e 8 tenodeses da LPB.
Verificaram-se 4 complicações (2,4%): 2 capsulites retrácteis submetidas a
capsulotomia inferior artroscópica e 2 re-rupturas (uma aos 6 meses e outra
pós-traumática aos 4 meses) submetidas ambas a nova sutura artroscópica. Não se
registaram infecções.
A avaliação funcional foi em média 72 (31-100: fraco-excelente) com o Constant
Score e 29 (19-35: fraco-excelente) com o UCLA Shoulder Score. O VAS médio foi
2,89 (0-8) e 29 (43,3%) doentes encontram-se assintomáticos.
No total das 87 rupturas reavaliadas ecograficamente, verificou-se re-ruptura
em 29/87 (33,3%) casos, 32,3% na sutura artroscópica (Figura_2) e 40,1% aberta
(Figura_3), sendo a esmagadora maioria (96,6%) em rupturas completas (Tabela
3). Ocorreu involução adiposa do tendão supra-espinhoso em 20 casos e do supra
e infra-espinhoso em 14, num total de 39,1%.
Retomaram atividades prévias 96% dos doentes, sendo que 3 não retomaram e em 1
caso houve necessidade de adaptação profissional. Registou-se 100% de
satisfação relativamente ao pré-operatório.
DISCUSSÃO
Apesar do impacto da integridade da sutura na função, estas nem sempre se
relacionam.
O resultado funcional dos doentes sem recidiva não foi significativamente
diferente dos doentes com re-ruptura (Figuras_4 e 5).
As suturas são biomecanicamente estáveis dependendo da fixação óssea, interface
sutura-tendão, resistência, segurança dos nós e restauração do footprint
anatómico. Além da optimização técnica, a qualidade tendinosa, vascularização e
cirurgias prévias condicionam o resultado da sutura. Também factores
extrínsecos como idade, género, obesidade, co-morbilidades, imunossupressão e
tabaco interferem com a qualidade e integridade da sutura e influenciam a
função10,15.
Estudos prévios revelam que o envolvimento isolado do supra-espinhoso tem
resultados superiores, com 75% de integridade aos 5 anos, comparativamente com
o envolvimento conjunto do infra-espinhoso, com recidiva superior a
50%2,3,10,15.
Este estudo reforça o impacto do tratamento cirúrgico na dor, encontrando-se
todos os doentes satisfeitos em relação ao pré-operatório e repetiriam o
tratamento cirúrgico.
Verifica-se ampla variabilidade funcional e foram identificados diversos viés
na avaliação: 1 trauma recente condicionando dor de novo e re-ruptura na
ecografia; 1 esvaziamento ganglionar axilar por neoplasia; 1 status pós-AVC com
sequelas motoras homolateral; 1 lesão do plexo braquial pós-acidente de viação;
1 doença neuromuscular (mobilidades passivas completas); 1 sequelas de
poliomielite contralateral; 1 artrodese do ombro contralateral; 1 ruptura
completa e 2 maciças contralaterais sintomáticas. Estes factores condicionam
por si só menor função e não concordância entre as 2 escalas funcionais usadas.
Salienta-se também a variabilidade no grau de exigência funcional de cada
doente.
Além disso, este estudo é limitado pelo número da amostra e carácter
retrospectivo com consequente ausência de avaliação funcional pré-operatória.
O FU superior a 5 anos é vantajoso comparativamente com estudos prévios assim
como os factores constantes: mesmo cirurgião e mesmo radiologista.
Verifica-se que a involução adiposa é frequente mas sem correlação estatística
com função ou recidiva.
Valoriza-se esta avaliação ecográfica dada a experiência do radiologista,
apesar de não se poder aplicar a classificação de Goutallier25,26. Além disso,
Khoury et al. 27 demonstraram boa correlação entre ressonância magnética e
ecografia na avaliação da atrofia muscular e involução adiposa.
Os resultados deste estudo estão de acordo com a literatura, confirmando a
influência de factores intrínsecos e extrínsecos na eficácia da reparação da
coifa dos rotadores. Kim et al4 verificam também ampla variabilidade funcional,
entre os extremos de cada escala, com média de 30,9 no UCLA Score e 74,7 no
Constant Score com 30,6 meses de FU e, apesar de não ter correlação com a
integridade da sutura, constataram que os doentes melhoraram funcionalmente no
pós-operatório. O elevado retorno a atividades prévias e grau de satisfação dos
doentes também foi constatado em estudos prévios como o de Fealy et al28 que
constataram satisfação dos doentes em 92.6%, em que 93% repetiriam o tratamento
cirúrgico, e 83% retomaram atividades prévias.
Os autores entendem que perante uma ruptura sintomática se deve individualizar
tendo em consideração mobilidades pré-operatórias e o impacto da dor, idade e
grau de exigência funcional de cada doente, na decisão cirúrgica. Mais
tardiamente terá pior qualidade tendinosa, com involução adiposa, retração e
hipovascularização.
A sutura artroscópica é eficaz e em casos de ruptura maciça, cirurgia prévia,
com co-morbilidades, tabagismo e, na dependência da experiência do cirurgião,
poderá optar-se por sutura aberta.
CONCLUSÃO
Este estudo verifica que o tratamento cirúrgico é consistentemente eficaz se
houver seleção criteriosa dos doentes. A re-ruptura da coifa dos rotadores
avaliada ecograficamente nem sempre se correlaciona com a função, intervindo no
resultado final outros factores associados.